Tratamento supervisionado no controle da tuberculose

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Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 09, n. 02, p. 402 - 416, 2007.
Disponível em http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a09.htm
__________________________________________________________ ARTIGO ORIGINAL
Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e fragilidades na
percepção do enfermeiro1
Supervised treatment in tuberculosis control: potentialities and fragilities in the nurse’s
perception
Tratamiento supervisionado e el control de la tuberculosis: potencialidades y fragilidades
en la percepción del enfermero
Ana Cristina de Oliveira e SilvaI, Maria Clemilde Mouta de SousaII, Jordana de Almeida Nogueira III,
Maria Catarina Salvador da MottaIV
RESUMO
O tratamento supervisionado (TS) caracterizase como um dos pilares da estratégia DOTS
(Directly Observed Treatment), constituindo-se
importante
ferramenta
para
a
adesão
terapêutica dos doentes de tuberculose. Essa
pesquisa teve como objetivo analisar as
potencialidades e fragilidades do TS, na
percepção do enfermeiro do Programa Saúde
da Família. Optou-se por um estudo de
natureza qualitativa, realizada em um distrito
sanitário de João Pessoa-PB no ano de 2006.
Participaram do estudo nove enfermeiras que
trabalham em Unidades de Saúde da Família
(USF) e realizam o tratamento supervisionado
da tuberculose. Os dados foram coletados por
meio de entrevista semi-estruturada, e para a
análise, utilizou-se a técnica de análise de
conteúdo, modalidade temática. As fragilidades
identificadas foram: falta de incentivos para a
operacionalização do TS, o estigma da doença,
o abandono ao tratamento e a dificuldade na
realização dos exames laboratoriais. As
potencialidades
observadas
foram:
a
medicação gratuita, a descentralização do TS
para as USF e a relação de acolhimento e
vínculo entre usuário-profissional. O TS
caracteriza-se como uma prática capaz de
ampliar a capacidade de interação e atuação do
profissional enfermeiro, entretanto destaca-se
a necessidade em assegurar mecanismos que
privilegiem maior acessibilidade e integralidade
da atenção.
objective is to analyze potentialities and
fragilities of the ST, in perception of the nurse
of the health family program. The qualitative
nature research was chosen, done in the
sanitary district of João Pessoa – PB in the year
2006. Nine female nurses who worked in
health family units (HFU) took part of the study
and made the supervised treatment of
tuberculosis. Data were collected with semistructured interview, and to analyzes, the
technique of analyzes of content in the
modality thematic was used. The fragilities
identified were: Lack of incentives for operation
of ST, the stigma of the disease, abandon of
treatment and difficulty to do the laboratory
exams. The potentialities identified were: free
medication, decentralization of the ST to the
HFU and relation of acceptance and link
between the user-professional. The ST is
featured as a technique able to enlarge the
capacity of interaction and operation of the
nurse professional, however it is detached the
necessity of ensuring mechanisms that
privilege bigger accessibility and integrality of
the attention.
1
Artigo construído a partir da Dissertação de Mestrado
apresentada à Universidade Federal da Paraíba-UFPB
intitulada: “O tratamento supervisionado da tuberculose:
percepções do enfermeiro do Programa Saúde da Família
de João Pessoa - PB”.
I
Enfermeira. Mestre em Saúde Pública pela Universidade
Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]
II
Enfermeira. Professora Adjunta do Dept° de Enfermagem
em Saúde Pública e Psiquiatria – DESSP/ UFPB.Doutora em
Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará.
E-mail:[email protected]
III
Enfermeira. Professora Adjunta do Dept° de Enfermagem
Médico-Cirúrgica – DEMCA/UFPB. Doutora em Saúde
Pública pela Universidade de Ribeirão Preto. E-mail:
[email protected]
IV
Enfermeira. Professora Adjunta do Dept° de Enfermagem
em Saúde Pública - UERJ. Doutora em Saúde Pública pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. E-mail:
[email protected]
Palavras chave: Tuberculose; Cuidados de
Enfermagem; Promoção da Saúde.
ABSTRACT
The supervised treatment (TS) is featured as
one of the columns of the strategy DOTS
(Directly Observed Treatment) it is an
important tool to therapeutic adhesion of
people with tuberculosis. The research´s
402
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
Available from: URL: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a09.htm
Key words: Tuberculosis;
Promotion of health.
Nursing
Care;
semiestructurada, y para el análisis, se utilizó
la técnica de análisis de contenido, modalidad
temática. Las fragilidades identificadas fueron:
falta de incentivos para la operacionalización
del TS, el estigma de la enfermedad, el
abandono del tratamiento y la dificultad en la
realización de los exámenes laboratoriales. Las
potencialidades
observadas
fueron:
la
medicación gratuita, la descentralización del TS
para las USF y la relación de acogimiento y
vínculo entre usuario-profesional. El TS se
caracteriza como una práctica capaz de ampliar
la capacidad de interacción y actuación del
profesional enfermero, Sin embargo, se
destaca la necesidad de asegurar mecanismos
que
privilegien
mayor
accesibilidad
e
integralidad de la atención.
RESUMEN
El
tratamiento
supervisionado
(TS)
se
caracteriza como uno dos pilares de la
estrategia
DOTS
(Directly
Observed
Treatment),
constituyéndose
en
una
importante herramienta para la adhesión
terapéutica de los enfermos de tuberculosis. La
investigación tuvo como objetivo analizar las
potencialidades y fragilidades del TS, en la
percepción del enfermero del Programa Salud
de la Familia. Se optó por la investigación de
naturaleza cualitativa, realizada en un distrito
sanitario de João Pessoa-PB en 2006.
Participaron del estudio nueve enfermeras que
trabajan en Unidades de Salud de la Familia
(USF) y realizan el tratamiento supervisionado
de
la
tuberculosis.
Los
datos
fueron
recolectados
por
medio
de
entrevista
Palabras clave: Tuberculosis; Atención de
Enfermería; Promoción de la salud.
Para os países com maior carga de
INTRODUÇÃO
tuberculose,
A Tuberculose (TB) tem sido ao longo da
foram
notificados
em
2002,
história da saúde mundial, uma das doenças
3.082.593 casos novos. Nesse grupo, a Índia
infecto-contagiosas que prevalece entre tantas
ocupa a 1ª posição, com 1.060.951; o Brasil, a
outras. É uma enfermidade antiga que persiste
15ª, com 81.436 e o Myanmar, a última, com
como
57.012 casos novos
problema
necessitando
de
sério
de
saúde
ações
urgentes.
pública,
Estima-se,
Segundo
.
no
Brasil,
por
ano,
que
129.000
(OMS),
pessoas,
notificados apenas cerca de 90.000, sendo, em
correspondendo a um terço da população
sua maioria, em grandes centros urbanos. O
mundial,
coeficiente de mortalidade, em 1998, foi de
está
Mycobacterium
bilhões
de
infectada
pelo
tuberculosis,
que
bacilo
causa
3,5/100.000
a
o
quais
percentual
são
de
detecção de casos foi igual a 67% e o
tuberculose. Desses, 8 milhões desenvolverão
a doença e 2 milhões morrerão a cada ano
habitantes;
dos
ocorram
estimativas da Organização Mundial de Saúde
dois
casos
(2)
(1)
percentual de cura, 72%. O percentual de
.
abandono
Em 22 países do mundo, ocorrem 80%
do
tratamento
é
de
dos casos de tuberculose. Esses países são:
aproximadamente 14% no país, alcançando,
Índia,
em algumas capitais, o valor de 30 a 40%,
China,
Indonésia,
Bangladesh,
Paquistão, Nigéria, Filipinas, África do Sul,
proporcionando,
Etiópia, Vietnã, Rússia, República Democrática
taxas
do Congo, Brasil, Tanzânia, Quênia, Tailândia,
medicamentos
Myanmar,
Afeganistão,
Zimbábue e Cambodja
Uganda,
Peru,
de
Dentre
(2)
provavelmente,
resistência
do
elevadas
bacilo
aos
(2)
.
as
razões
para
tal
situação,
devem-se considerar: a desigualdade social e
.
seus determinantes, o advento da AIDS, a
403
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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multirresistência do bacilo causador da doença,
implantação
o
estratégia, variando de região, de Estado, de
envelhecimento
da
população
e
os
ou
implementação
dessa
cidades e mesmo entre uma ou outra área de
movimentos migratórios.
Nas últimas décadas, o controle da TB foi
abrangência.
fortemente negligenciado. As políticas públicas
identificadas,
na área da saúde foram direcionadas para
fortalecer o processo de trabalho na atenção
outros
e,
básica, uma vez que as ações de controle da
consequentemente, as ações de combate à
tuberculose devem ser amplamente difundidas
tuberculose
nesse nível de atenção
campos
de
foram
atuação
relegadas
em
segundo
plano, por ser considerada como um problema
sob controle
Entre
as
reconhece-se
dificuldades
que
é
preciso
(5)
.
Desse modo, o Programa Nacional de
(3)
Controle da Tuberculose (PNCT) vem contando
.
Para ajudar a melhorar a situação, um
com as estratégias do Programa de Saúde da
novo marco de trabalho tem sido desenvolvido
Família (PSF) e de Agentes Comunitários de
e a estratégia Directly Observed Treatment
Saúde (PACS), sugerindo que tal parceria
(DOTS) vem sendo recomendada e introduzida
possa contribuir para a expansão das ações de
(4)
em diferentes partes do mundo
Essa
estratégia
elementos
controle
conta
considerados
global
da
controle da tuberculose, uma vez que essas
.
com
essenciais
TB:
1.
estratégias têm a família e o domicílio como
cinco
para
(6)
instrumentos de trabalho
o
Compromisso
.
No Estado da Paraíba a estratégia DOTS
governamental com as atividades básicas de
iniciou-se
controle da TB; 2. Detecção de casos por
considerados prioritários para o controle da
baciloscopia, em todo paciente sintomático
Tuberculose (João Pessoa, Campina Grande,
respiratório, que, espontaneamente, procure o
Bayeux, Santa Rita, Cajazeiras, Patos). Sua
serviço de saúde; 3. Esquemas de tratamento
expansão
padronizados de seis a oito meses para, pelo
consonância com a política de descentralização
menos, todo caso bacilífero, com tratamento
e
diretamente
atenção básica, articulada à ampliação da
supervisionado
durante,
no
mínimo, os dois meses iniciais; 4. Suprimento
regular
e
ininterrupto
dos
em
municipalização
cobertura do PSF
medicamentos
notificação
implementação
que
permitam
seis
municípios
consolidando
para
a
organização
em
da
(5)
.
O município de João Pessoa, capital do
Estado,
casos
em
vem-se
padronizados; 5 Um sistema de registro e
de
1999,
o
ainda
apresenta
da
dificuldades
estratégia
DOTS,
acompanhamento dinâmico dos resultados de
especial,
tratamento de cada paciente e do Programa de
supervisionado pelas equipes do PSF
Controle da Tuberculose (PCT) como um todo
a
incorporação
do
na
em
tratamento
(5)
.
Desse modo, elegeu-se como local de
(4)
estudo, o município de João Pessoa, com o
.
A introdução da estratégia DOTS, no final
objetivo
década
demonstrado
potencialidades e fragilidades observadas no
consideráveis progressos no controle global da
cotidiano do trabalho das equipes para o
da
TB,
contudo
de
1990,
tem
observa-se
problemas
de
404
de
serem
conhecidas
as
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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desenvolvimento
do
de acordo com a Resolução 196/96
tratamento
supervisionado.
(8)
. Para o
registro dos dados procedeu-se a entrevistas
Para tal, como elemento chave para este
audiogravadas
conforme
estudo, optou-se pelo profissional enfermeiro,
entrevistados,
sendo
por reconhecê-lo como pessoa referência para
submetidas a transcrição.
a formação/educação permanente do ACS,
Os dados coletados
autorização
dos
posteriormente
foram analisados
bem como, por ser uma das competências
qualitativamente por meio da leitura e releitura
desse
das entrevistas de acordo com a análise de
profissional,
organização
das
o
ações
planejamento
de
e
controle
tuberculose na comunidade em que atua
a
conteúdo, modalidade temática
da
(7)
(9)
.
Esta conformação permitiu eleger como
.
Unidade Temática Central: “Potencialidades e
Portanto esse estudo tem como objetivo
Fragilidades no Tratamento Supervisionado”.
analisar as potencialidades e fragilidades do
tratamento supervisionado da tuberculose na
RESULTADOS E DISCUSSÃO
percepção do enfermeiro do Programa Saúde
A
da Família de João Pessoa-PB.
Unidade
discutida
por
Central
meio
de
identificada
duas
será
categorias:
“Potencialidades do tratamento supervisionado
METODOLOGIA
Para atender a proposta do estudo foi
como ação de controle da tuberculose” e
utilizado o método exploratório descritivo de
“Tratamento supervisionado da tuberculose:
abordagem
nove
fragilidades e obstáculos”, que expressam a
enfermeiros que atuam no Programa Saúde da
percepção dos enfermeiros que atuam no PSF e
Família do Distrito Sanitário IV e realizam o
que realizam o TS.
qualitativa.
Tratamento
Participaram
Supervisionado
(TS)
da
tuberculose. A seleção do local do estudo foi
Potencialidades
intencional por tratar-se de Distrito Sanitário
supervisionado como ação de controle da
com maior número de notificações de casos de
tuberculose
tuberculose
cujo
acompanhamento
do
tratamento
No Brasil, o tratamento padronizado da
era
tuberculose é custeado pelo Governo, o que
efetuado por meio do TS.
caracteriza-se
A coleta de dados foi realizada nos meses
como
aspecto
facilitador
ao
de janeiro e fevereiro de 2006, utilizando como
processo de
instrumento a entrevista semi-estruturada com
com tuberculose. Um entrevistado destaca
vistas
como é relevante e decisiva a disponibilidade e
a
conhecer
os
diferentes
adesão terapêutica do paciente
fornecimento gratuito dos medicamentos.
posicionamentos individuais sobre o tema de
(...) com relação ao medicamento, também, o
estudo.
A pesquisa foi realizada após aprovação
município de João Pessoa, graças a Deus,
da mesma pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
quando tem um paciente de TB a medicação
Universidade Federal da Paraíba (protocolo nº
chega. (E5)
359)
como
também
as
Se
entrevistas
condições
aconteceram após consentimento dos sujeitos
405
forem
analisados,
sócio-econômicas
de
dos
fato,
as
doentes,
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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chegar-se-á à conclusão de que o fornecimento
acompanhamento dos casos de TB deveriam
gratuito do medicamento é um fator positivo,
ser
mas sabe-se, que esse fator, por si só, não
saúde, com base nos seguintes aspectos:
garante a adesão ao tratamento.
acessibilidade geográfica, melhor controle do
caso,
Nas duas últimas décadas, o Ministério da
Saúde,
através
Controle
do
da
Programa
Nacional
Tuberculose,
descentralizados
para
estabelecimento
as
de
unidades
vínculo
de
e,
conseqüentemente, maior adesão terapêutica
de
(6)
forneceu,
.
gratuitamente, para todos os pacientes, o mais
Deste modo há de se considerar que
caro esquema para tratamento da doença.
descentralizar ações relacionadas a um evento
Porém, é importante ressaltar que nem por
crônico,
isso, o índice de "alta por abandono" tem sido
organização do sistema de serviços de saúde e
reduzido, indicando que outras questões são
avançar em direção a uma nova lógica de
mais relevantes para a decisão dos doentes
trabalho em saúde que ultrapasse o cuidado
(10)
individual.
.
Outro
fato
potencialidade
entrevistados
do
foi
considerado
ponto
a
de
TB,
exige
Acompanhar
um
repensar
caso
a
de
compromisso com o trabalho e comunidade
dos
descentralização
a
tuberculose requer envolvimento, interesse e
como
vista
como
do
Outro
aspecto
apontado
(6)
.
como
tratamento supervisionado para as Unidades
potencialidade refere-se a integração da equipe
de Saúde da Família, como mostra a fala a
no cuidado ao paciente.
seguir:
(...)e a nossa equipe fica também integrada, o
(...) foi ótimo. A mãe dela achou, assim, super
ACS leva a medicação, o enfermeiro, o médico
legal: “ aqui na unidade eu venho buscar”. É
entra
tanto
que
a
participação
da
filha
também
baciloscopia(...) (E8)
vem
sem
nenhum
(...) a qualquer reação adversa que tinha,
problema. Se fosse para ir para o Clementino
então, como a gente trabalhava como equipe,
Fraga já iria ser difícil, porque ia ter a despesa
a médica fazia o seu tratamento (...) graças a
do transporte (...). (E4)
Deus trabalhamos como equipe. Em parceria o
O
trabalha,
com
a
trabalha.
ela
também
Então,
Plano
ela
Nacional
de
Controle
da
médico, enfermeiro e o Agente Comunitário de
Tuberculose (2001-2005) inseriu a Estratégia
Saúde(...) (E5)
de Saúde da Família em sua proposta de
(...) toda semana íamos eu e ACS (...) é o ACS
trabalho, considerando que a descentralização
que é responsável por essa área (...), uma vez
das ações de controle da tuberculose para o
ao mês, vem pra consulta médica (...) a minha
âmbito da atenção básica poderia promover
participação maior é na orientação ao ACS(...)
melhor assistência ao paciente de TB, uma vez
(E1)
que
ampliaria
o
acesso
dos
doentes
aos
(...) e se alguma coisa der errado ela diz pra
serviços de saúde.
gente e para o ACS (...)eu vou lá fazer visitas,
Em estudo desenvolvido no município de
Ribeirão
Preto/SP,
mencionaram
que
50%
o
dos
mas não vou todos os dias(...) aí a ACS vai
entrevistados
atendimento
e
(...) duas pessoas ficaram responsáveis pela
o
medicação dela (...) (E)
406
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fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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(...)
Embora o Agente Comunitário de Saúde
(ACS)
tenha
como
principal
mas
a
diariamente,
atribuição
medicação
por
que
não
a
fica
gente
vindo
não
tem
acompanhar as famílias no domicílio, este
alimentação (...) para que o paciente venha
profissional representa o elo entre comunidade
fazer a medicação e tomar o café da manhã
e
aqui(...) (E2)
serviço
de
saúde,
disponibilizando
o
(...) por que nós tivemos um paciente que ele
desencadeamento de ação sob supervisão da
não aceitou essa descentralização. Mas nós até
equipe de saúde.
entendemos a questão de ele não ter aceitado
informações
que
possibilitam
Assim pode-se dizer que o ACS atua
(...) por ele não ter o café da manhã em casa,
como facilitador da criação de vínculos que
então, o que aconteceu!? Ele preferiu continuar
envolvem
no Hospital Clementino(...) (E3)
equipe
de
saúde,
instituições
e
(...) mas a dificuldade é por que a gente fica
família.
sem
”Tratamento
supervisionado
respeito
negativos
do
seguintes
dos
TS,
aspectos
foram
aspectos
tidos
quais
Assim,
a
questão
da
medicamento tem efeitos colaterais (...)(E5)
Vale salientar, nesses depoimentos, que o
como
mencionados
os
suporte.
alimentação, que a gente sabe que esse
da
tuberculose: fragilidades e obstáculos“
A
o
benefício
os
(café
da
manhã)
é
crucial
no
andamento do TS, conforme relatado por três
foram
de
entrevistados, onde alguns pacientes optaram
incentivos para a operacionalização do DOTS
por fazer o TS em um hospital de referência
nas
distante do seu domicílio, por terem o direito a
denominados
de
unidades
fragilidades:
de
saúde
centralização
da
retaguarda
conseqüente
dificuldade
de
Falta
da
família;
e
tomar um café da manhã do qual não dispõe
aos
na unidade de saúde e, muito menos, em sua
laboratorial
acesso
casa.
exames; o estigma como aspecto dificultador a
Percebe-se
adesão terapêutica.
que
a
existência
e
Nas falas a seguir, pode-se identificar que
disponibilidade de prestação de serviços não
ao trabalhar com o TS, se lida não apenas com
implicam uma garantia de acessibilidade para o
o problema etiológico da TB, mas, sim, com
usuário, pois o acesso depende dos serviços e
outros elementos conjunturais, que contribuem
dos recursos de saúde que facilitam ou limitam
diretamente
seu
para
o
desenvolvimento
da
uso,
como
também
da
resposta
às
carências
necessidades de saúde de uma determinada
pessoais, a dependência química, a miséria
população. Observa-se, nessa situação, que a
pecuniária são alguns dos motivos identificados
falta de benefícios nas unidades de saúde da
como contribuintes para o abandono do doente
família comprometem o acolhimento, partindo-
por
se do pressuposto de que o acolhimento é visto
doença.
seu
A
situação
tratamento.
familiar,
as
Busca-se,
portanto,
(11)
promover-lhes algumas condições favoráveis,
na dimensão da organização de serviços
como o fornecimento de cestas básicas e vale-
pois o paciente prefere ser atendido em um
transporte, para que o sujeito possa realizar
outro
seu tratamento.
oferecido, mesmo tendo que se deslocar para
407
serviço
onde
esse
benefício
,
seja
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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um local distante. Nessa situação, o que
atitudes
importa, porém, não é a distância, mas o
tratamento
benefício que está sendo oferecido.
verificar nas falas adiante:
este
estudo
não
dispõem
dos
para
contribuir
pacientes,
como
para
se
o
pode
(...) a gente aqui às vezes se reúne (...) assim
As unidades de saúde da família onde foi
realizado
extremas
pelo
de
menos
eu
comprava
às
vezes
um
benefícios como café da manhã ou cestas
Sustagem, uma lata de leite, dava a ele
básicas. Esse fato pode caracterizar-se como
(...)(E2)
um obstáculo quando se tem como objetivo
(...) chegamos até a dar uma feira. Cheguei,
descentralizar as ações do controle da TB para
disse: “Não é problema, ela não está passando
essas unidades, pois, como conseguir a adesão
necessidade, não está passando fome...?” Aí a
do paciente ao tratamento nas unidades, se
gente fez uma cota e deu uma feira pra ela
elas
(...) (E7)
não
estão
acolhendo-o
de
maneira
Observa-se que há um envolvimento dos
adequada?
A
primeira
estratégia
de
profissionais,
intervenção
desenvolvendo
uma
prática
pacientes,
assistencial diferenciada, eles tentam articular-
municípios
se, de algum modo, com o principal objetivo de
prioritários de São Paulo, foi a entrega de
manterem o paciente em tratamento através
incentivos e benefícios (cestas básicas, ticket,
de doações de alimentos e cestas básicas.
vales refeição, bebidas lácteas.), elementos
Acredita-se
considerados,
organizado de tal forma que pudesse suprir as
visando
às
observada
adesão
necessidades
em
estudo
facilitadores
dos
nos
no
processo
de
(12)
que,
se
o
serviço
estivesse
necessidades dos pacientes, através do aporte
Outro fator importante a considerar é o
nutricional, durante o período do tratamento, a
aporte nutricional ao portador de TB, fato
equipe de saúde iria atuar de forma mais
extremamente relevante para o sucesso do
organizada,
tratamento. Deve-se ter um cuidado especial
necessidades dos pacientes que até então
com a alimentação nutritiva, para se preservar
estavam sendo esquecidas por terem a atenção
a imunidade do paciente, pois, caso esse
voltada para a necessidade de se oferecer-lhes
aporte seja deficiente a recuperação torna-se
um suporte nutricional.
buscando
atender
a
outras
lenta e árdua, favorecendo a exacerbação das
É fato que a disponibilidade de incentivos
reações medicamentosas. Por ser considerada
não é, por si só, suficiente para atender às
um grave problema de ordem sócio-econômica,
necessidades dos usuários em toda a sua
a tuberculose leva muito pesar às famílias
plenitude. Ressalta-se que tal disponibilidade
vítimas da doença, que têm por vezes a
pode ser considerada um fator importante
medicação como único componente que lhes
dentro de uma série de fatores que envolvem a
chega ao estômago
(12)
estratégia DOTS e que esses fatores somam-
.
Os profissionais, ao atender os usuários
se, para a efetivação da estratégia e que cada
que estão sob seus cuidados, sentem-se co-
um, individualmente, não é capaz de garantir o
responsáveis pelo processo de recuperação e
sucesso da mesma, como mostra o depoimento
cura de saúde deles e, por vezes, utilizam
abaixo.
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Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
Available from: URL: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a09.htm
(...) eu dei três reais a ela pra vir dizer onde
tratamento em risco. Apesar de que recusar-se
estava
essa
a realizar os exames é um direito do paciente,
informação para o Distrito (...) mandei ela
porém deve-se, previamente, esclarecê-lo e
voltar de novo que eu dava mais três reais
informá-lo
para a passagem dela, mas ela não retornou
atitude, pois, para que se tenha êxito no TS, a
(...) (E9)
realização
morando,
pra
gente
mandar
sobre
dos
as
conseqüências
exames
é
de
de
tal
fundamental
Porém, essas ações podem ser perigosas
importância. É importante identificar-se nesse
e resultar em conseqüências sérias, por serem
momento, o motivo que leva os pacientes a
oferecidos benefícios ao doente, em troca de
não
uma adesão ao tratamento. Não sendo bem
profissionais negligenciam as ações de controle
conduzidas, poderão resultar ainda mais na
da tuberculose, por aceitarem passivamente as
exclusão desses doentes, enquanto cidadãos,
atitudes dos pacientes, sem ao menos escutar
com direitos e deveres. O Estado tem papel
o porquê de tal atitude.
fundamental
no
acesso
igualitário
realizarem
O
da
o
processo
raio-X,
de
pois
muitos
descentralização
do
coletividade aos bens sociais, pois os serviços
diagnóstico/tratamento, da busca ativa, do
de
tratamento
saúde,
individualmente,
solucioná-las
jamais
irão
(12)
atividades
.
supervisionado
como
a
exige
realização
de
que
exames
O alimento dado aos pacientes que não
também sejam descentralizadas e organizadas
têm como conseguí-lo, deve ser precedido a
paralelamente. Portanto, é fundamental uma
reinserção
organização do serviço adequada para que as
dos
mesmos
no
mercado
de
trabalho, por considerar ser esta reinserção um
atividades
dos pontos fundamentais para se alcançar o
realidade local. Observa-se, no entanto que,
êxito na adesão ao tratamento
No
que
realização
se
dos
refere
exames
à
(12)
efetivas
e
respondam
à
diante dessa fragilidade e analisando-se o
.
dificuldade
laboratoriais,
sejam
depoimento E3, o paciente mostrou resistência
na
à realização dos exames.
como
Contribuem para a não realização dos
fragilidade, pode ser destacado depoimentos,
onde os entrevistados relatam as dificuldades
exames
do paciente para realizarem os exames:
dependência de transporte, sendo umas das
(...) o caso do seu F. ,eu tive um pouco de
preocupações
dificuldades
dificuldade de recursos financeiros para o
em
realizar
exames(...)dele
à
distância
dos
do
domicílio
entrevistados,
pois
e
a
têm
entender que tinha que ser feito o tratamento
deslocamento, conforme comentado:
dessa forma(...) (E3)
(...) essa semana ela não veio porque estava
(...) o que fica mais difícil é que tem que fazer
sem vale e precisava ir realizar os exames (...)
o raio-X de acordo com aquele organograma
de hoje pra amanhã, eu [entrevistado] tenho
que tem(...) e, às vezes, o paciente não quer
que ir na farmácia, e eu vou ver se consigo
se submeter ao procedimento(...) (E5)
vale,
por
que,
quando
a
gente
pede,
Observa-se que a falta de entendimento
elas[serviço] dão. Só é pedir. Agora não tem
do paciente em relação ao processo de saúde
aquele negócio de mandar não. Mandar, não
provoca situações que podem colocar seu
409
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
Available from: URL: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a09.htm
mandam não. Só se pedir. Eles sabem que tem
contribuição para a utilização dos serviços não
paciente com tuberculose(...)(E1)
devem constituir obstáculos para o tratamento
Analisando-se
o
conteúdo
(acessibilidade
dos
financeira).
A
distância,
o
depoimentos acima apresentados, percebe-se
tempo de locomoção e os meios de transporte
que o acesso para a realização dos exames
devem
pelos
pacientes
assegurado.
deveriam
Todos
ser
os
serviços
do
(13)
acessibilidade
está
adequadamente
partindo-se
financeira,
não
,
ou
sendo-lhes
estabelecimentos
de
(14)
saúde
seja,
a
os
a
localização
(acessibilidade
dos
geográfica)
.
acessíveis,
entendimento
onde
determinar
No
entanto,
percebe-se
que
a
de
disponibilidade de recursos (vale transporte)
acessibilidade
não impediu a continuidade do tratamento,
pagamentos
verificando-se
ou
que
quando
existem
contribuição para utilização dos serviços não
compromisso e envolvimento de alguns atores,
devem constituir obstáculos. Os pacientes não
as
estão recebendo o acolhimento necessário.
resolvidas, utilizando-se meios como a boa-
Mais
a
vontade, criatividade, iniciativa, diferentes dos
organização dos serviços quanto ao tratamento
de outros contextos, cujo principal argumento
supervisionado,
condições
para deixarem de realizar determinadas ações
indispensáveis de acessibilidade mostram-se
é a “falta de recursos”. Porém, é importante
deficientes ou até mesmo inexistentes.
destacar que, com a descentralização das
uma
vez
coloca-se
já
em
que
xeque
as
dificuldades
que
surgem
podem
ser
é
ações de controle da tuberculose para o PSF, é
variáveis
condição sine qua non o envolvimento dos
enquanto
atores chave, tanto em nível central como local
acessibilidade, não se resumem à questão da
ou periférico, uma vez que não é possível
acessibilidade
viabilizar-se a descentralização das ações sem
Partindo
importante
desse
entendimento,
destacar-se
envolvidas
no
que
as
acolhimento,
geográfica,
comportando,
também, aspectos mais sutis como as formas
uma
de acessibilidade funcional, cultural, financeira,
responsabilidades
social também como formas de acolhimento.
participação dos atores chave dos diferentes
Os
níveis
serviços
devem
ser
prestados
disposição
(15)
.
em
e
As
sem
ações
se
delegar
uma
efetiva
precisam
ser
oportunamente e em caráter contínuo, bem
operacionalizadas e desenvolvidas de igual
como estar disponíveis a qualquer momento,
modo entre os diferentes atores, de acordo
atendendo à demanda real e incluindo um
com as responsabilidades inerentes a sua
sistema de referência que assegure fácil acesso
função.
a uma assistência de nível que se requer
(acessibilidade
conflito
funcional).
entre
os
Não
padrões
deve
Sendo assim, devem ser levados em
haver
técnicos
consideração,
e
responsáveis
pelos
profissionais
pelo
TS,
de
saúde
determinantes
administrativos dos serviços e os hábitos, os
importantes, como: organização dos serviços e
padrões culturais e costumes das comunidades
sua disponibilidade para o paciente e o acesso
em que são prestados (acessibilidade cultural),
aos
como
entrevistados,
também,
os
pagamentos
ou
a
410
serviços.
Em
uma
pode-se
das
observar
falas
dos
que
um
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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paciente não terminou o tratamento por que
uma
ele havia conseguido emprego de pedreiro e,
oferecer e onde oferecer
como seu horário de trabalho iniciava muito
cedo
ele
não
teve
como
continuar
comunidade,
O
o
no
horário,
funcionamento
que
(13)
oferecer,
.
somente
das
como
diurno,
unidades,
de
dificulta
o
tratamento.
atendimento de trabalhadores. Os serviços de
(...) aqui na comunidade nós tivemos um
saúde devem adotar medidas que facilitem o
pedreiro.
adulto,
acesso do doente e favoreça seu atendimento
desempregado... e, até o momento que ele
com presteza, o que, certamente, melhoraria e
ficou desempregado, ele fez o tratamento
facilitaria a adesão do paciente ao tratamento.
Esse
pedreiro
ele
era
supervisionado corretamente, que foi durante
O conceito de oferta de serviço implícito
quatro meses. O tratamento dele era de seis
na definição de cobertura significa que tais
meses. Então, nos dois meses ele foi admitido
serviços sejam acessíveis aos membros da
numa construção, que ele é pedreiro. E nesses
comunidade, desse modo, satisfaçam as suas
dois meses ficou sem fazer o tratamento (...)
necessidades
(E9)
possibilidade de acesso aos serviços é, por
do TS. O fato demonstra que, nem sempre os
saúde
estão
disponíveis
à
saúde.
A
cobertura universal seja alcançada.
reflete uma determinante importante no êxito
de
tocante
conseguinte, condição indispensável para que a
Tal situação relatada pelo entrevistado,
serviços
no
Outra
aos
fragilidade
entrevistados.
A
foi
questão
citada
do
pelos
estigma
da
usuários de maneira a garantir uma assistência
doença, através da análise dos depoimentos
igualitária à população adscrita. No caso o
evidenciou que a tuberculose permanece como
paciente
uma doença arraigada de estigmas:
abandonou
o
tratamento
por
incompatibilidade de horário com o serviço de
(...) muitas vezes alguns pacientes não querem
saúde. Em outros estudos observou-se que,
fazer o tratamento conosco, pela questão de
dos pacientes que estão sob TS, mais da
ficarem
metade são trabalhadores autônomos e que,
comunidade venha a perceber que ele tem
durante
esse
o
período
do
tratamento,
estão
(15)
relação ao tempo
de
doença
Possa
e
ser
ele
que
a
sentir-se
(...) por que muitos não fazem o tratamento
.
Denomina-se
tipo
(...)
marginalizado (..) (E4)
desempregados, portanto fora do mercado de
trabalho
inibidos
de
acessibilidade
porque
em
(13)
ficam
com
vergonha,
se
sentem
excluídos (...) (E5)
, ou seja: o horário de
trabalho das equipes e o de funcionamento das
(...) essa paciente, a primeira paciente (...)
unidades de saúde nem sempre conseguem
com vergonha de expor a situação dela (...), já
atender às necessidades da população. Isso
vinha encaminhada do Hospital Clementino
dificulta e prejudica o acesso da população aos
Fraga que é a nossa referência (E6.)
serviços de saúde. A mesma autora especifica
(...) fica difícil pra gente, também, conquistar
que
esse paciente. Tem a questão do estigma
os
serviços
ofertados
devem
estar
também, muito forte, ainda presente (...) (E7)
baseados na variedade das necessidades de
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Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
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vulnerabilidade. A fala a seguir demonstra um
Percebe-se que o paciente pode vivenciar
situações traumáticas e constrangedoras que o
movimento contrário do que se recomenda:
estigma da doença proporciona, forçando-o a
(...) quer dizer, teve uma parte do tratamento
desistir do tratamento por uma questão que
que o paciente não fez porque não tinha o copo
está associada ao imaginário social. Por sua
descartável. E foi pedido. E depois mandaram.
história antiga e fortemente associada ao
Mas não mandaram no mesmo momento. Quer
contágio, a tuberculose, nos dias atuais, ainda
dizer, o paciente ficou tomando a medicação
constitui uma doença cheia de preconceitos,
em casa por que não tinha copo. Então, uma
porém
paciente rebelde, como era a M, certo? que
esse
problema
precisa
ser
trabalhado pelos serviços de saúde
melhor
(16)
teve alta por abandono, você pedir para ela
.
trazer o copo? Ela não queria nem vir, quanto
Com o principal objetivo de desmistificar
mais trazer o copo (...) (E9)
o contágio da doença, o serviço precisa ser
organizado de forma a esclarecer as pessoas
A adesão ao TS jamais deve ser vista de
sobre essa doença e a outras que também
modo impessoal, discriminatório e frio na
estão
supervisão diária da ingestão medicamentosa,
arraigadas
de
estigma,
como
a
hanseníase. Trabalhar a educação em saúde
chegando-se
acredita-se ser o melhor caminho para se
discriminação por parte do profissional, mesmo
vencer
também
que, de forma inconsciente, ao não realizar o
estimular muitos profissionais para reverem
TS na unidade por não se ter um copo
esses conceitos e não se comportarem como se
“descartável”
desconhecessem totalmente as formas reais de
comprimidos, como relatado na fala acima.
contágio da doença.
Acredita-se que toda unidade de saúde dispõe,
A
esses
preconceitos
educação
em
como
saúde
é
ao
ápice
para
o
do
desrespeito
paciente
ingerir
e
os
no mínimo, de um filtro de água para ser
uma
oportunidade de melhor atingir os objetivos da
utilizado
orientação, vislumbrando práticas que incluam
atendidos, quando necessitarem. Os copos,
o cidadão no processo enquanto ator social,
dependendo do serviço, são descartáveis para
reflexivo e instrumentalizado com seu saber,
todos ou, dispõe-se de copos não descartáveis
para contribuir no processo de mudança social.
que são lavados após seu uso. Qual seria a
Não
preciso
diferença para o paciente em TS fazer uso
compreender a comunidade como unidade,
dessa água com os copos não descartáveis, se
criando, no coletivo, propostas capazes de
tomados os devidos cuidados no controle do
atingir cada um de seus segmentos, segundo
uso
bastam
informações,
suas naturezas e carências
é
(17)
e
pelos
sua
usuários
higienização
que
estão
sendo
posteriormente
a
utilização desses pelo paciente?
.
Atitudes
Desse modo, um paciente que sofre
desta
natureza
não
têm
pelo
fundamento, pois, segundo o Ministério da
acolhimento,
Saúde a intensidade do contato com o doente é
vínculo e respeito, procedendo com muita
a causa principal do contágio. A fala, o espirro
cautela devido a sua fragilidade e situação de
e, principalmente, a tosse de um doente,
discriminação
profissional
deve
de
ser
saúde,
tratado,
com
lançam
412
no
ar
gotículas
contaminadas
de
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fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
Available from: URL: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a09.htm
tamanhos variados. Somente os núcleos secos
profissionais estão sendo capacitados? Estão
das gotículas (núcleo de Wells), bacilos em
recebendo atualização sobre temáticas tão
suspensão podem atingir os bronquíolos e
relevantes e atuais? Neste estudo observou-se
alvéolos e iniciarem a multiplicação. Os outros
que quatro dos dez entrevistados receberam
que se depositam nas roupas, lençóis, copos e
capacitação sobre a temática, referindo que
outros objetos dificilmente se dispersarão em
lhes eram oferecidos treinamento pelo Estado.
aerossóis e, por isso, não desempenham papel
Entretanto, em ofício circular emitido pela
importante na transmissão da doença
O
esclarecimento
da
(18)
Secretária de Saúde do município, só era
.
discussão
permitido
e
ao
profissional
ausentar-se
da
disseminação sobre as formas de contágio da
unidade por apenas cinco dias, durante todo o
Tuberculose através dos meios de comunicação
ano, para participação em congressos, cursos,
pelo
ser
treinamentos. Isso limita e obriga o profissional
suficientemente eficiente, pois por se tratar de
a decidir como irá utilizar a liberação, diante do
uma
leque de necessidades que se tem quando se
Ministério
doença
da
Saúde
contagiosa,
parece
não
acredita-se
que
trabalha em saúde.
muitas pessoas generalizam as formas de
O acolhimento enquanto técnica baseia-
contágio e crêem que a TB pode também ser
utensílios
se no trabalho em equipe, na capacitação dos
domésticos, do abraço, do aperto de mão. A
profissionais e na aquisição de tecnologias,
separação dos objetos do doente dos usados
saberes e práticas
pelos demais membros da família, evidencia
gestores evitar à descontinuidade das ações de
um equívoco, ainda presente, preconizado por
controle da doença, garantindo a manutenção
alguns profissionais de saúde que parecem
de equipes estruturadas e motivadas, sendo,
desconhecer a abolição desse tipo de medidas.
para isso, importante a interação das três
contraída
São
por
meio
do
uso
de
(11)
. Nesse sentido, cabe aos
Em estudo desenvolvido no município de
esferas
José
recursos necessários ao efetivo controle da
do
conhecimento
Rio
dos
Preto,
a
profissionais
respeito
de
do
saúde
de
governo
para
disponibilizar
os
doença.
(enfermeiro, médico, técnicos de enfermagem
Ainda como fragilidade no tratamento da
e ACS que trabalham em unidades básicas de
TB, pode-se identificar na fala a seguir, a
saúde) sobre a tuberculose, mostrou falta de
interferência religiosa relacionada com o poder
conhecimentos
Divino
básicos
sobre
a
doença
da
cura,
levando
o
paciente
a
(definição de fonte de infecção, diferença na
abandonar o tratamento, por ter a certeza de
transmissão
sua cura, mediante as palavras do seu líder
definição
da
entre
adultos
baciloscopia
e
crianças
como
e
método
religioso.
diagnóstico prioritário), principalmente entre os
médicos e enfermeiros
(...) tenho também pacientes que infelizmente
(19)
não tivemos sucesso: uma senhora, na qual
.
informações,
está bem arraigada a questão religiosa (...)
questiona-se a capacitação e atualização dos
que dificulta bastante. É evangélica, na qual o
profissionais de saúde em agravos como a
pastor dela disse que ela não tem nada, Deus
tuberculose e hanseníase. Será que esses
curou-a (...) (E5).
Após
análises
das
413
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
fragilidades na percepção do enfermeiro. Revista Eletrônica de Enfermagem [serial on line] 2007 Mai-Ago; 9(2): 402-416.
Available from: URL: http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n2/v9n2a09.htm
equipe
Percebe-se, diante do depoimento acima,
de
saúde
uma
vez
que certas atitudes desafiam o bom senso,
continuamente
apropriação
resultando em prejuízos imensuráveis para a
acompanhamento
saúde individual ou coletiva, ainda que os
respectivos núcleos familiares.
dos
que
da
exige
equipe
casos,
e
de
no
seus
indivíduos estejam inocentes ou imbuídas da
Ademais se acresce que o tratamento
melhor boa vontade. Dentre os motivos que
supervisionado, mesmo considerado uma ação
levaram
o
pontual, desponta como parte do processo de
tratamento da tuberculose em um estudo
descentralização das ações de controle da
desenvolvido em Fortaleza - CE, citou-se o
tuberculose. Espera-se evidentemente que o
conjunto de crenças relacionadas com o poder
trabalho das equipes avance no sentido de
os
pacientes
divino da cura
(20)
Segundo
o
a
interromper
incorporar
.
depoimento
não
somente
a
supervisão
medicamentosa, mas as ações de diagnóstico,
anteriormente
relatado, o paciente negligenciou o próprio
acompanhamento
cuidado,
avaliação dos contactantes e ações educativas
inclusive
deixando
de
tomar
a
terapêutico
do
paciente,
na comunidade adscrita.
medicação, por depositar confiança na palavra
Entretanto,
do seu líder religioso. Diante desse fato, deve-
esta
expansão
requer
a
se refletir como estão sendo pautadas as ações
adoção de novas tecnologias no processo de
em saúde e os julgamentos e as atitudes dos
trabalho
profissionais
implementação na gestão e organização do
que
fazem
o
TS.
Como
o
das
equipes,
bem
como
sistema de serviços de saúde.
profissional poderia agir diante dessa situação:
aceitar a colocação do paciente e finalizar o
No que tange ao processo de trabalho
tratamento como alta por abandono ou buscar
das equipes há de se considerar a necessidade
novas
a
de lançar mão de recursos que visem à
participação social ativa, através dos próprios
ampliação da capacidade de enfrentamento da
líderes religiosos, curandeiros?
doença e conseqüente redução do estigma
estratégias
que
contassem
com
A participação da sociedade demonstra
social que carreia a tuberculose. A equipe deve
que a TB não é somente responsabilidade dos
ser continuamente capacitada para lidar com
profissionais de saúde, do doente e da família,
seus
mas, também, de toda a comunidade. A
minimizar
participação ativa dos agentes sociais (padre,
estigmatizantes que ainda permeiam à família
pastor, curandeiro) é capaz de potencializar as
e indivíduos acometidos pela doença.
(12)
temores,
e/ou
Quanto
relações de cooperação e contribuir para o
processo de controle da doença
próprios
e
tranquilamente
superar
aos
fatores
os
que
aspectos
envolvem
a
gestão e organização do sistema de serviços de
.
saúde, destaca-se a deficiência em se garantir
a continuidade da assistência ao caso suspeito
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ou
Os resultados expostos revelam que o
com
tuberculose
cenário
caracteriza-se como possibilidade de promover
exames
tratamento
maior
supervisionado
aproximação
entre
da
os
membros
da
414
diagnóstico
aponta
de
dificuldade
laboratoriais,
tuberculose.
de
acesso
decorrentes
Este
aos
da
Silva ACO, Sousa MCM, Nogueira JA, Motta MCS. Tratamento supervisionado no controle da tuberculose: potencialidades e
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Ressalta-se que as ações de controle da
TB devem ser apropriadas e compreendidas
como de responsabilidade das equipes de
saúde, porém para sua consolidação efetiva
deve ser garantido aporte organizacional que
viabilize atenção de qualidade e equânime.
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Artigo recebido em 27.11.06
Aprovado para publicação em 27.08.07
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