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Full Dent. Sci. 2016; 7(26):123-126.
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Estética em dentes decíduos traumatizados – clareamento e restauração
Aesthetics in traumatized primary teeth – bleaching and restoration
Marcos Ximenes Ponte Filho1
Patrícia Ferrari2
Mirella Batista2
Michele Bolan3
Mariane Cardoso3
Resumo
O trauma dental decorrente de quedas, acidentes e atividades esportivas tem alta prevalência e pode impactar na qualidade de vida das crianças e suas famílias devido às alterações
estéticas adversas. Este trabalho relata o caso clínico de paciente do sexo feminino, 3 anos de
idade que procurou atendimento odontológico devido à fratura da coroa e descoloração do
dente 51 após trauma. Clinicamente foi observada a presença de fístula e abcesso na região
do dente. O dente foi submetido a tratamento endodôntico, seguido de clareamento interno/
externo com peróxido de hidrogênio a 35%. Após a finalização do clareamento, realizou-se
a restauração da fratura permitindo o restabelecimento da estética e função. Um acompanhamento de 5 anos foi realizado até a erupção completa da coroa do dente 11. Neste período, não se observou alterações clínicas nem radiográficas do dente traumatizado, e o dente
sucessor irrompeu sem nenhum comprometimento. Concluiu-se que o clareamento interno/
externo de dente decíduo seguido da restauração foi satisfatório para o restabelecimento da
estética e função dentária da criança sem nenhuma alteração para o germe sucessor.
Descritores: Dente decíduo, clareamento dental, estética dentária.
Abstract
Dental trauma caused by falls, accidents and sports activities has high prevalence and may
influence the quality of life of children and their family due to adverse cosmetic changes. This
case report presents a three years old gril who refered to dental care due to crown fracture
and discoloration of primary central incisor after trauma. Clinically, it was observed the presence of fistula and abscess in the tooth region. Endodontic treatment was done followed by
internal/external bleaching with 35% hydrogen peroxide. The tooth was then restored providing aesthetics and function for the patient. There was a five years follow-up until full eruption
of permanent’s central incisor’s crown. In this period, there were no clinical or radiographic
changes on the traumatized tooth, and the successor tooth erupted without any impairment.
It was concluded that the result of internal/external primary tooth bleaching followed by restoration, was satisfactory restoring aesthetics and function with no alteration to the successor
tooth.
Descriptors: Deciduous tooth, bleaching tooth, dental esthetics.
¹ Dr., Me. e Esp. em Odontopediatria, Prof. da disciplina de Odontopediatria – UFSC.
² CD. Clinica Geral – UFSC.
3
Dra. e Ma. em Odontopediatria, Profª da disciplina de Odontopediatria – UFSC.
E-mail do autor: [email protected]
Recebido para publicação: 06/05/2015
Aprovado para publicação: 23/12/2015
Como citar este artigo:
Ponte Filho MX, Ferrari P, Batista M, Bolan M, Cardoso M. Estética em dentes decíduos traumatizados – clareamento e restauração. Full Dent. Sci.
2016; 7(26):123-126.
Relato de caso / Case report
Full Dent. Sci. 2016; 7(26):123-126.
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Introdução
O traumatismo dentário (TD) em crianças está,
juntamente com a doença cárie, entre os principais
problemas de saúde pública em todo o mundo13,14. Em
alguns casos, o TD pode ocasionar alterações dentais
significativas, tanto no momento do acidente como no
decorrer do acompanhamento. Tais injúrias são traumáticas não somente no sentido físico como também
no psicológico, levam à ansiedade e à angústia da
criança e dos pais, podendo gerar grande impacto negativo sobre a qualidade de vida das crianças15. Os dentes anteriores são mais frequentemente afetados por
sequelas, especialmente no que diz respeito à alteração
de forma e cor. Durante a infância, qualquer alteração
que comprometa a estética dental e diferencie as crianças do grupo em que se inter-relaciona pode levar a
transtornos do desenvolvimento psicológico, afetando
a autoconfiança e sociabilidade3,5.
Os TDs são a principal causa da descoloração dos
dentes em crianças e têm uma alta prevalência na dentição decídua10. Essas alterações cromáticas têm origem
no interior da câmara pulpar e têm como fator etiológico principalmente a hemorragia interna e a necrose da polpa, sendo a hemorragia pulpar a causa mais
frequente de alteração de cor após o traumatismo. O
sangue penetra nos túbulos dentinários onde ocorre
a sua degradação, nos pacientes jovens os canalículos
são mais amplos e, portanto, o sangue tem maior poder de penetração2,6. O tratamento para os dentes com
alteração de cor da coroa pode ser realizado através de
restauração indireta com recobrimento total da coroa,
clareamento, restauração direta com resina composta,
facetas e abrasão5,9. O clareamento dental tem a vantagem de preservar a estrutura do dente e apresenta
uma melhor relação custo-benefício. Entre as técnicas
de clareamento, diferentes concentrações de peróxido
de carbamida e peróxido de hidrogênio são usadas11,12.
Clareamento dental interno/externo de dentes decíduos com descoloração e tratados endodonticamente é
uma opção de tratamento viável e conservadora5,11.
O objetivo do presente trabalho é relatar um caso
clínico envolvendo o clareamento interno e externo utilizando 35% de peróxido de hidrogênio, seguido de
restauração estética de um dente decíduo traumatizado, mostrando o acompanhamento de cinco anos até a
completa erupção do dente permanente sucessor.
O tratamento endodôntico foi realizado utilizando como mediação intracanal a pasta à base de hidróxido de cálcio por 15 dias, seguido da obturação
do canal radicular com cimento de óxido de zinco e
eugenol (Figura 2). Após 15 dias da finalização do tratamento endodôntico o procedimento de clareamento foi iniciado.
Durante a primeira sessão de clareamento, o excesso de cimento de óxido de zinco e eugenol foram
removidos da entrada do canal radicular, deixando 2,0
milímetros a partir da margem gengival. Nesse espaço
foi inserido 1,0 mm de cimento de ionômero de vidro
(Maxion R®, FGM Joinville/SC, Brasil) para servir como
barreira e, desta forma, evitar qualquer infiltração do
agente clareador para o interior do canal/periápice. A
barreira gengival foi confeccionada com Top Dam®
(FGM, Joinville/SC, Brasil). Como agente clareador foi
utilizado um produto à base de peróxido de hidrogênio (Whiteness HP 35%, FGM® Joinville/SC, Brasil). Uma
camada homogênea do gel clareador foi aplicada uniformemente no interior da câmara pulpar e na superfície vestibular/palatal do dente (Figura 3). O material foi
deixado por 20 minutos, e o procedimento foi repetido
duas vezes totalizando três aplicações/sessão. Após duas
sessões de clareamento com um intervalo de sete dias
entre as sessões, a paciente retornou para a restauração
na região mésio-incisiva do dente (Figura 4). As visitas de
acompanhamento foram realizadas através de avaliação
clínica e exames radiográficos periódicos até a erupção
do dente permanente. Após 5 anos de acompanhamento não foram observados quaisquer sinais de patologia,
seja clinica ou radiologicamente, e o dente permanente
irrompeu sem nenhuma alteração estrutural (Figura 5).
Este relato foi submetido e aprovado pelo comitê
de ética em pesquisa da Universidade Federal de Santa
Catarina (protocolo nº 260543). Os responsáveis pela
paciente foram esclarecidos sobre os riscos e cuidados
referentes ao tratamento realizado, autorizaram os
procedimentos e a publicação científica do caso mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Relato de caso / Case report
Relato de caso
Paciente de 3 anos de idade foi encaminhada à Clínica de Trauma de Dentes Decíduos da Universidade
Federal de Santa Catarina (CTDD/UFSC) em decorrência de fratura da coroa no incisivo central superior direito. Ao exame clínico observou-se a fratura e a descoloração da coroa (Figura 1), com a presença de abscesso
e fístula associada ao dente.
Figura 1 – Aspecto inicial da coroa do dente traumatizado com
fratura de esmalte e dentina e alteração de cor.
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Figura 2 – Exame radiográfico de controle do tratamento endodôntico.
A
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Figura 3 – Aplicação de camada homogênea do gel clareador
aplicada uniformemente no dente 51.
B
A
B
Figura 5 (A-B) – Aparência clínica e radiográfica do dente permanente 5 anos após o procedimento de clareamento.
Discussão
O clareamento dental interno/externo do dente
decíduo foi eficaz e seguro no presente relato. Os pais
e a criança estavam insatisfeitos com a sequela estética
que a criança apresentava em decorrência da alteração
de cor no dente traumatizado. Os resultados estéticos
obtidos agradaram toda a família, em especial a crian-
ça. Apesar do clareamento requerer a cooperação do
paciente, é um procedimento conservador, seguro e de
fácil execução5,7. Em 2014, a AAPD (Associação Americana de Odontopediatria) recomendou que o clareamento dental deve ser encorajado quando há critérios
bem estabelecidos para proporcionar o máximo de be-
Ponte Filho MX, Ferrari P, Batista M, Bolan M, Cardoso M.
Figura 4 (A-B) – Aparência clínica após duas sessões de clareamento e restauração com resina composta A1 do dente 51. Full Dent. Sci. 2016; 7(26):123-126.
Relato de caso / Case report
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nefícios e o mínimo de efeitos colaterais ao paciente1.
Como qualquer tratamento em crianças, a dosagem e o tipo de material devem sempre ter uma atenção especial. Em estudos prévios o peróxido de hidrogênio se mostrou mais eficaz em dentes decíduos quando
comparado ao peróxido de carbamida e perborato de
sódio após duas aplicações com intervalo de 2 semanas8. Assim como realizado por Bonifácio et al.4(2008),
neste caso clínico, o peróxido de hidrogênio a 35% foi
o agente clareador de escolha. Devido ter um tempo
de aplicação reduzido, é atualmente o agente mais amplamente utilizado em clareamentos dentais de consultório7,9, e baseado nos estudos realizados nas últimas
duas décadas, não há evidência que tenha efeito carcinogênico em humanos11. A concentração de 35% tem
um elevado poder de penetração no esmalte e dentina,
induzindo um feito mais rápido do agente clareador e,
portanto, um menor tempo de atendimento ao paciente. Isto foi fundamental para a melhor cooperação da
criança neste caso clínico. Ressalta-se que este produto
é cáustico e sua manipulação e aplicação devem ser realizadas com cuidado e proteção adequada de todos os
tecidos moles adjacentes (gengivas, bochechas, língua
e lábios)1,11. O isolamento dos tecidos adjacentes com
uma barreira gengival fotoativada foi adequada para o
presente caso.
Apesar de muitos estudos realizados indicarem diferentes métodos de clareamento de dentes permanentes3, as técnicas e o sucesso do procedimento em dentes
decíduos estão baseados principalmente em relatos de
casos4. Os dentes decíduos têm características peculiares
que devem ser respeitadas, a fim de garantir maior segurança durante o processo de clareamento. Em comparação aos dentes permanentes, os dentes decíduos são
mais claros, com coroas mais curtas, túbulos dentinários
com maior calibre, e apresentam menor espessura de
dentina1. Essas características oferecem a vantagem de
permitir um clareamento mais rápido e com menor número de sessões. Por outro lado, um maior cuidado deve
ser tomado para que não haja nenhuma infiltração do
agente clareador para o interior do canal, desta forma,
evita-se o risco de difusão para os tecidos periodontais,
o que poderia provocar uma queda no pH e a ativação
de células osteoclásticas11. No presente relato, o cimento
à base de óxido de zinco e eugenol foi utilizado para
obturação do canal radicular, e o cimento de ionômero
de vidro utilizado como tampão da entrada do canal.
Após o acompanhamento periódico do dente decíduo
de aproximadamente 2 anos, não houve qualquer sinal
de reabsorção radicular precoce ou lesão periapical. Tais
materiais são uma boa alternativa para os casos clínicos
de dentes decíduos despolpados.
Em todos os tratamentos envolvendo dentes decíduos, existe sempre a preocupação com possíveis
efeitos que podem acometer na formação dos dentes
permanentes. Neste caso clínico, após 5 anos de acom-
panhamento com visitas regulares, o dente tratado esfoliou em seu tempo normal (cerca de dois anos depois
de ser tratado), e o dente sucessor permanente erupcionou sem nenhuma alteração.
Conclusão
A utilização do agente clareador à base de peróxido de hidrogênio a 35% foi satisfatória no clareamento externo/interno de um dente decíduo descolorido
por hemorragia pulpar resultante de trauma, demonstrando ser um procedimento seguro a ser realizado em
dentes decíduos sem riscos de danos para o sucessor
dente permanente.
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