Budismo no Ocidente - IHMC Public Cmaps (3)

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Budismo no Ocidente
O Budismo é uma das mais antigas e maiores religiões do mundo. Nasceu de
ensinamentos dados há aproximadamente 2.500 anos atrás por Gautama Buda,
"O Despertado" ao norte da Índia. Um dos fundamentos principais do Budismo foi
definido pelo Buda como as Quatro Verdades Nobres. Isto é, a vida é sofrimento.
O sofrimento é causado por afeições e aversões, embora haja uma maneira de
escaparmos deste sofrimento. O fim do sofrimento é a Iluminação que pode ser
alcançada através da prática do Budismo.
Desde o tempo de Buda, esta religião cresceu e se desenvolveu em três ramos principais. Os
ramos Mahayana e Hinayana dão enfoque ao Budismo como religião e código moral da mesma
maneira que o Cristianismo é adotado no ocidente. O terceiro ramo principal do Budismo é o
Vajrayana, bastante parecido com o Budismo Zen Japonês, conhecido como o "caminho curto". Em
Zen e Vajrayana, o Budismo não é visto como religião per se, mas como um estilo de vida. As
práticas gêmeas de meditação e consciência plena são utilizadas para o alcance da Iluminação
com extrema rapidez. O praticante usa todos os aspectos de sua vida diária como instrumentos
para progredir no caminho da Iluminação. A Iluminação é um estado onde o ciclo de nascimento e
morte é quebrado, por onde se obtem completa compreensão da vida. Na prática Vajrayana e Zen,
reconhece-se que a Iluminação pode ser alcancada nesta vida atual!
"Nossa compreensão do Budismo não é apenas uma compreesão intelectual.
A verdadeira compreensão é a propria prática."
- Zen Mind, Beginner's Mind
O Budismo é a síntesi de muitas religiões orientais, incluíndo ioga, Taoismo e Hinduismo. De fato,
Budismo é, na verdade, um conjunto de caminhos que se desenvolvem com o tempo. De vez em
quando, um ser Iluminado - ou "Buda" - nasce e recodifica o Budismo, atualizando suas práticas.
Muitas vezes estes Budas não são compreendidos porque contradizem a ordem estabelecida. Por
exemplo, criticou-se muito Padmasambhava quando este levou o Budismo Tântrico para o Tibet no
século VIII, adaptando-o para a nova era. Hoje, ele é venerado por Budistas no mundo inteiro como
um dos maiores mestres Tântricos que já existiram!
Para estudantes no ocidente, o maior desafio é integrar estes ensinamentos antigos às nossas
vidas diárias nos anos 90 e no novo milênio. Viver num mosteiro não é uma alternativa viável para
a maioria dos praticantes do Budismo no ocidente. Temos carreiras, famílias, lazeres e todas as
outras coisas que formam nossa vida diária. Portanto, usamos a meditação para nos fortalecer, dar
clareza a cada dia e consciência plena para transformar cada ação numa prática de meditação.
Integrando-a às nas nossas vidas diárias, podemos alcançar uma grande paz e felicidade.
Reencarnação
Nosso espírito é eterno! Ele aprende, cresce, se desenvolve com cada
vida mediante as experiências no nosso cotidiano e prática espiritual. O
seu espírito jamais morrerá. Contrário ao seu corpo físico - que pode
adoecer, envelhecer e eventualmente morrer -, sua alma vive para
sempre. O espírito eterno de cada pessoa está numa jornada que não
tem nem começo nem fim.
A cada vida, o espírito entra num corpo físico ao nascer e tem
experiências no mundo. Ao fim da vida, o corpo físico é deixado para trás
e a jornada continua com uma nova vida, num novo corpo físico. O seu
estado mental no momento da morte determina sua condição em sua
próxima vida. Este processo de nascimento, morte e renascimento chamado de reencarnação - é um princípio fundamental do Budismo.
Cada um de nós determina o que fazer com sua vida. Depende de você! Como praticantes
budistas, usamos o corpo e suas experiências para avançar o espírito. Através da meditação,
consciência plena e outras práticas Budistas, procuramos purificar nossos corpos, mentes, e
espíritos com a luz da Iluminação. Desejamos o êxtase da meditação iluminada e da felicidade de
agora e de vidas futuras.
"Quem conquistará este mundo
E o mundo da morte com todos os seus deuses?
Você irá, assim como quem busca flores,
Achar a mais bonita, a mais rara."
- Dhammapada
O entendimento sobre a reencarnação nos auxilia em duas maneiras. Em primeiro lugar, nos
damos conta que podemos desfrutar da vida sem temer a morte. Sabemos que temos infinitas
oportunidades de mudar, crescer, e experimentar a vida. A morte não nos amedronta porque
entendemos que viveremos de novo. Em segundo lugar, essa compreensão nos ajuda a preparar
para nossa próxima vida. O conhecimento espiritual que obtemos em cada vida é retido na nossa
alma eterna de maneira que jamais se perde. Podemos, então, conscientemente decidir a avançar
no caminho da Iluminação para que sejamos mais felizes nesta vida e em vidas futuras.
Carma
Carma significa literalmente "ação". É a lei da causa e efeito. O seu carma é a
soma total de todas as suas ações, "não-ações", realizações e experiências. É
tudo que você já foi em todas suas vidas anteriores e também o que você tem sido
nesta. Carma é também a intenção por trás de cada uma de suas ações.
Independente da magnitude do seu ato, sua qualidade cármica é determinada pela
intenção da pessoa executando o ato. E ações incluem pensamentos. Pensar em
causar danos a alguém é tão negativo quanto o ato em si. Carma é refletido no
seu estado mental atual.
"Se queres saber sobre tua vida passada, olhe para tua vida presente;
Se queres saber sobre tua vida futura, olhe pra teus atos presentes."
- Padmasambhava
O ciclo de carmas negativos e positivos que criamos para nós mesmos, nos prende a um ciclo
eterno de nascimento, morte e renascimento. Carma é a força por trás do ciclo da reencarnação.
Nosso carma faz com que nasçamos de novo, conduzindo-nos a cumprir o nosso destino cármico
por meio da reencarnação. A condição cármica do nosso próximo nascimento é determinada pelo
nosso estado mental ao morrermos, dando seguimento ao ciclo.
Por causa deste ciclo aparentemente interminável, algumas pessoas consideram carma o mesmo
que destino. Este modo de pensar é incorreto porque implica que não temos nenhum controle
sobre nossa situação de vida atual e de vidas futuras. A verdade é que nós temos controle sobre
nosso carma, pois temos o livre arbítrio, sendo esta uma boa notícia, porque nos permite
transformar-nos e melhorarmos nossas mentes a qualquer momento! Nós podemos decidir a
mudar nosso futuro se assim decidirmos a mudar nosso carma neste exato momento.
"Carma significa nossa habilidade de criar e mudar.
O carma é criativo porque nós podemos determinar como e porquê agimos.
Nós podemos mudar."
- Livro Tibetano da Vida e da Morte
O carma está sob nosso controle! Através do uso do livre arbítrio nós podemos decidir a meditar e
"queimar" todos os carmas com a luz da Iluminação. Nós podemos livremente decidir a praticar
consciência plena e trocar ações e pensamentos negativos por ações e pensamentos positivos.
"Isto é o que é livre arbítrio verdadeiramente.
É a habilidade de alterar a sequência do destino cármico
Que estava prestes a virar nosso futuro."
- Surfando os Himalayas
Livre arbítrio é o começo do fim do ciclo do carma e reencarnação porque quando nosso carma é
purificado, estaremos livres. Então, a resposta para o carma e a reencarnação é a meditação e a
prática da consciência plena. Em cada vida de prática, nós nos aproximaremos da Iluminação e da
mente pura. Eventualmente, com a dedicação à prática, romperemos as correntes do carma e
alcançaremos a liberação.
O buddhismo no Ocidente
Apesar de alguns contatos no passado, o buddhismo só foi realmente introduzido no Ocidente
durante século XIX, destacando-se o papel de T. W. Rhys Davids, que fundou a Pali Text Society
em 1881, com o intuito de traduzir textos buddhistas para a língua inglesa. Os intelectuais alemães
daquela época também foram bastante influenciados pela filosofia buddhista. O Dhammapada foi
traduzido para o alemão em 1862.
Em 1879, Sir Edwin Arnold publicou o poema Luz da Ásia, que se tornou um best-seller e estimulou
o interesse de muitos ocidentais no buddhismo. No ano seguinte, Helena Blavatsky e Steel Olcott,
fundadores da Sociedade Teosófica, foram ao Sri Lanka e lançaram uma campanha de apoio ao
buddhismo.
Em 1893, o mestre Zen Shoyen Shaku, abade do monastério Engaku-ji, participou do Parlamento
das Religiões em Chicago, Estados Unidos. Ele contou com a ajuda de Daisetz Teitaro Suzuki (18701966), cujos livros influenciaram toda uma geração de filósofos (Allan Watts, Heideger, Karl
Jaspers) e escritores (Aldous Auxley, Paul Anderson). Em 1899, Gordon Douglas foi ordenado
monge na escola Theravada.
Após a revolução comunista na China, milhares de buddhistas chineses e tibetanos se exilaram em
outros países, permitindo a divulgação de escolas que estavam isoladas anteriormente.
O buddhismo chegou ao Brasil no início do século XX, com a chegada dos imigrantes japoneses.
Mais tarde, chegaram as escolas buddhistas de origem theravadin, chinesa e tibetana. Atualmente,
já existem centros buddhistas nas principais cidades brasileiras e alguns templos maiores, em
cidades afastadas.
O buddhismo foi introduzido no Brasil pelos imigrantes japoneses que chegaram em 1908, no porto
de Santos, de São Paulo. [...] Os japoneses que migraram para o Brasil não eram filhos primogênitos.
Devido à uma regra japonesa, o filho mais velho herdava toda a propriedade da família, assim como
a responsabilidade de cuidar da casa e de venerar os ancestrais. Com tantos deveres, eles não
puderam emigrar. Conseqüentemente, foram os filhos mais jovens que deixaram o país para procurar
uma vida melhor em outro lugar. Como resultado, Como eles não tinham de promover rituais
religiosos para os ancestrais, a religião [shintoísta] não era tão importante para suas vidas. Eles só se
voltavam para a religião quando morriam os membros da família no Brasil.
Além disso, o ministro japonês de assuntos exteriores proibiu os monges japoneses de acompanhar
os imigrantes para o novo país, pois a sua presença poderia ser uma evidência da não-assimilação
japonesa à cultura católica brasileira. Muitos senadores quiseram parar totalmente a imigração
japonesa. A discussão era pública e muitos jornais publicaram artigos dizendo que os imigrantes
japoneses eram inassimiláveis.
Mesmo assim, o relacionamento entre os imigrantes japoneses e a religião mudou completamente
quando o Japão foi derrotado na Segunda Guerra Mundial. Os imigrantes tiveram de abandonar o
sonho de voltar à terra natal, pois o Japão estava destruído tanto econômica quanto moralmente.
Porém, depois de anos de trabalho nas áreas rurais do Brasil, os imigrantes japoneses começaram a
subir socialmente e se tornaram mais urbanizados. Devido às terríveis condições de trabalho
encaradas inicialmente pelos japoneses nas plantações, a maioria deles tentou economizar dinheiro
suficiente para deixar as fazendas e adquirir suas próprias terras. Além disso, os negócios possuídos
pelos imigrantes e pelo governo japonês (Kaigai Kôgyô Kabushiki Kaisha) investiram no Brasil,
comprando terras para os imigrantes para formam colônias dirigidas por japoneses. Depois de
trabalharem com sucesso em suas próprias terras, os imigrantes japoneses então começaram a se
mudar para os ambientes urbanos e a estabelecer pequenos negócios. Aqueles que permaneceram
nas áreas rurais se tornaram produtores, proprietários de terras, distribuidores de cultivos e de
outros produtos. [...]
Como a maioria dos imigrantes japoneses decidiu permanecer no Brasil [...], muitas religiões
japonesas — entre elas o buddhismo, o xintoísmo e as nova religiões de inspiração xintoísta e
xamânica — começaram a pregar mais intensamente no Brasil. A derrota japonesa na Segunda
Guerra Mundial fez com que os imigrantes percebessem que eles teriam de se assimilar
culturalmente à nova terra. Para ajudar os descendentes a se aculturar mais facilmente, um padrão
foi estabelecido: os filhos mais jovens iam para a escola, os mais velhos permaneciam em casa e
seguiam a profissão do pai, mantendo assim o negócio da família. Dois tipos de nisei (segunda
geração) foram criados: o filho mais velho, que falava japonês, estava intimamente ligado aos
valores e meio de vida japoneses. Além disso, o filho mais velho seguia a religião japonesa. Por outro
lado, os filhos mais novos [...] não eram fluentes em japonês e se converteram ao catolicismo. São
muito comuns os casos de pais japoneses batizarem seus filhos filhos como católicos para não terem
de encarar a discriminação. Em muitos casos, a conversão não era resultado de convicção religiosa.
De acordo com as pesquisas feitas em 1987/1988, 60% dos imigrantes japoneses no Brasil e seus
descendentes são católicos, enquanto apenas 25% segue religiões japonesas.
Desde a metade dos anos 20, havia atividade religiosa nas colônias japonesas maiores (no oeste de
São Paulo e no Paraná). Apesar de haver o butsudan (altares buddhistas) dentro das casas dos
japoneses, a religião que se proliferou era o xintoísmo estatal [...] [e] a falta de rituais buddhistas é
possivelmente por causa da ideologia do período Meiji (1868-1912) e de seu nacionalismo radical.
Esta ideologia afastou as religiões e filosofias estrangeiras, como o buddhismo e o confucionismo,
enquanto divinizava o imperador. [...]
Porém, quando as religiões japonesas chegaram ao Brasil — infringindo o decreto do governo
japonês de que nenhum monge deveria emigrar — elas sofreram restrições e ameaças. [...] Durante
a Segunda Guerra Mundial, as escolas japonesas foram fechadas [e] a língua japonesa foi proibida
[...]. Mas quando medo do "perigo amarelo" enfraqueceu, por causa da derrota do Japão na guerra,
as escolas buddhistas japonesas começaram a enviar missionários ao Brasil.
Apesar de muitos autores apoiarem a idéia de que o buddhismo não foi disseminado no Brasil antes
da Segunda Guerra Mundial [...], um autor contradiz esta idéia. O historiador Ricardo Gonçalves
afirma que o primeiro navio, Kasato Maru, que aportou no Brasil em 1908, levava a bordo um monge
da Honmon Butsuryô (um ramo da escola Nichiren). Depois, este monge estabeleceu um templo em
Bauru, estado de São Paulo. Em seguida, chegou um monge da escola Shingon e, em 1925, chegou
o primeiro monge da escola Jôdo Shinshû. Em 1932, a Jôdo Shinshû estabeleceu o primeiro templo
buddhista em Cafelândia, no estado de São Paulo. Apesar de ser perfeitamente aceitável que
existiam congregações buddhista no Brasil antes da Segunda Guerra Mundial, também é uma
suposição aceitável a idéia de que as vidas dos imigrantes eram centradas [...] [no xintoísmo].
Ambas as teorias podem ser vistas como complementares se os estudiosos aceitarem o fato de que,
apesar de existirem atividades buddhistas antes da Segunda Guerra Mundial, elas não se tornaram
institucionalizadas antes dos anos 50. [...]
O Zengenji foi o primeiro templo Sôtô Zenshû no Brasil [em Mogi das Cruzes, São Paulo]. [...] O
templo Busshinji foi construído em 1955 na cidade de São Paulo, para ser o centro da escola Sôtô
Zenshû no Brasil. [...] Estes dois templos, junto com o templo de Rolândia, no Paraná, provendo a
comunidade japonesa no Brasil por três décadas. Durante este tempo, seu trabalho missionário
ganhou 3.000 famílias como seguidores. Em 1955, a Comunidade Buddhista Sôtô Zenshû da da
América do Sul foi estabelecida e oficialmente reconhecida pelo governo brasileiro.
No mesmo ano, a Sociedade Budista do Brasil foi fundada no Rio de Janeiro por um brasileiro de
origem não-japonesa, Murillo Nunes de Azevedo. Azevedo foi o primeiro brasileiro interessado em
estudar o buddhismo como um "sistema filosófico e artístico". [...] Porém, um grande interesse dos
brasileiros de origem não-japonesa apelo buddhismo de origem não-japonesa não ocorreu até os
anos 90. [...]
As únicas estatísticas disponíveis sobre a religião no Brasil são do censo de 1991. De acordo com o
censo, a população brasileira (170 milhões de pessoas) é composta por cidadãos das seguintes
afiliações religiosas: 83% de católicos romanos (141,1 milhão), 6% de pentecostais (10,2 milhões),
3% de evangélicos tradicionais (5,1 milhões), 5% sem qualquer afiliação religiosa (8,5 milhão), 1%
de espíritas (1,7 milhão), 0,5% de religiões africanas (850.000), 0,2% de buddhistas (340.000) e
0,08% de judeus (136.000). Como as estatísticas mostram, a grande maioria dos brasileiros vem de
famílias católicas, o que estes números não mostram é a migração simbólica de uma religião para
outra, o que acontece freqüentemente no Brasil. Muitos brasileiros praticam mais de uma religião ao
mesmo tempo, ou migram de uma religião para outra. Além disso, apesar do número de buddhistas
ser de apenas 0,2%, devemos estar conscientes de que, para a maioria deles, o buddhismo é mais
um filosofia, um modo de vida, do que uma religião.
(Cristina Moreira da Rocha, Zen Buddhism in Brazil)
A atitude buddhista do "venha e veja você mesmo" atraiu muitos ocidentais. Eles não são convidados
a acreditar em algo, mas sim a seguir o conselho de Buddha: testar as idéias primeiro. [...] A
informalidade e a ênfase do buddhismo sobre a prática apela a muitos ocidentais. As atitudes
buddhistas de paz, concentração e cuidado por todos os seres vivos têm se tornado a preocupação
de muitos grupos no Ocidente. Os buddhistas acreditam que todas as coisas devem ser cuidadas: a
terra, as plantas, os pássaros, os insetos e os animais. [...] Cerca de um século atrás, pessoas da
França, da Grã-Bretanha e de outros países europeus começaram a viajar ao extremo Oriente. Muitos
deles voltaram com idéias orientais e, então, os europeus começaram a aprender sobre o buddhismo.
A base da prática buddhista no Ocidente, assim como no Oriente, é a meditação, e as pessoas
podem sentar-se sobre almofadas, com as pernas cruzadas e as mãos no colo. Elas vão praticar a
respiração do andar meditativo. Em outros momentos, eles ouvir a uma palestra. Eles também vão
fazer algum cântico e oferendas à imagem de Buddha em seu templo. Um grupo Theravadin será
muito quieto e pacífico. Eles podem se arranjar em colunas para dar comida aos monges de manhã e
esperar para ouvir uma palestra durante o dia. Um grupo tibetano pode ser mais ativo, cantando,
fazendo perguntas e tocando sinos. Grupos Zen japoneses são mais contidos e passam bastante
tempo em meditação zazen. As atividades dos centros buddhistas permitem que as pessoas
encontrem os meios de se compreender o buddhismo.
(Ven. Pannyavaro, The Spread of Buddhism)
É notável a semelhança entre a física moderna e a antiga filosofia buddhista.
Conforme posso entender, as idéias defendidas pelos cientistas são as seguintes:
Nenhum fenômeno do mundo material existe de forma "concreta", substancial ou
independente, como normalmente aparentam. Verificando o interior dos átomos, não encontramos
nada além de espaço e energia em movimento.

Todos os fenômenos materiais estão se desintegrando e se transformando momento a
momento, no nível sutil, de acordo com uma precisa lei de conservação de energia, segundo a qual a
energia nunca pode ser perdida no universo e, assim, se transforma continuamente em novas
formas.

Todos os fenômenos do macrocosmo e do microcosmo são uma grande rede
interdependente. O macrocosmo reflete-se no microcosmo tal como os campos eletromagnéticos de
nossos corpos.

Alguns pesquisadores da física quântica afirmam que o universo material não pode ser
entendido sem uma referência à consciência humana e que, de alguma forma, a mente está
ajudando a criar os fenômenos materiais.

Em minha opinião, a visão dos yogis buddhistas está muito próxima da visão dos físicos de hoje.
Talvez suas explicações sejam exatamente as mesmas ou, talvez, muito pouco diferentes. Mesmo
não podendo ter certeza sobre isso, não há como negar que os físicos de hoje podem virtualmente
concordar com a visão buddhista da realidade. [...] Não é necessário que os cientistas entendam
tudo sobre o buddhismo ou que os buddhistas entendam tudo sobre a ciência. Precisamos apenas
explorar conjuntamente as áreas de interesse comum e fazer uma ponte, iniciar o diálogo e a
comunicação. Essa troca é muito importante pois, no próximo século, todos nós estaremos ligados à
ciência ou à tecnologia, mas ainda estaremos procurando respostas profundas para o "sentido da
vida e da realidade". buddhistas está muito próxima da visão dos físicos de hoje. Talvez suas
explicações sejam exatamente as mesmas ou, talvez, muito pouco diferentes. Mesmo não podendo
ter certeza sobre isso, não há como negar que os físicos de hoje podem virtualmente concordar com
a visão buddhista da realidade. [...] Não é necessário que os cientistas entendam tudo sobre o
buddhismo ou que os buddhistas entendam tudo sobre a ciência. Precisamos apenas explorar
conjuntamente as áreas de interesse comum e fazer uma ponte, iniciar o diálogo e a comunicação.
Essa troca é muito importante pois, no próximo século, todos nós estaremos ligados à ciência ou à
tecnologia, mas ainda estaremos procurando respostas profundas para o "sentido da vida e da
realidade".
(T.Y.S. Lama Gangchen, Ngelso)
No decorrer dos últimos vinte anos, após séculos de ignorância recíproca, um verdadeiro diálogo
começou a se estabelecer entre o buddhismo e os princípios correntes do pensamento ocidental.
Assim, o buddhismo passou a ocupar o lugar que lhe é devido na história das filosofias e das
ciências. [...] O buddhismo propõe uma ciência da mente, uma ciência contemplativa, que mais do
que nunca é atual e que nunca o deixará de ser, pois trata dos mais fundamentais mecanismos da
felicidade e do sofrimento. De manhã à noite, e a cada instante da nossa vida, temos de encarar
nossa mente, e até mesmo a menor transformação dessa mente tem repercussões maiores no curso
da nossa existência e na nossa concepção do mundo. buddhismo e os princípios correntes do
pensamento ocidental. Assim, o buddhismo passou a ocupar o lugar que lhe é devido na história das
filosofias e das ciências. [...] O buddhismo propõe uma ciência da mente, uma ciência contemplativa,
que mais do que nunca é atual e que nunca o deixará de ser, pois trata dos mais fundamentais
mecanismos da felicidade e do sofrimento. De manhã à noite, e a cada instante da nossa vida, temos
de encarar nossa mente, e até mesmo a menor transformação dessa mente tem repercussões
maiores no curso da nossa existência e na nossa concepção do mundo.
Pondo de lado todo o exotismo, o propósito do caminho buddhista, assim como o de todas as
grandes tradições espirituais, é o de ajudar a nos tornarmos seres humanos melhores. [...] [Q]uer
vivamos trinta ou cem anos, a questão da qualidade da existência permanece a mesma. A única
maneira de vivermos uma existência de qualidade é dando-lhe um sentido interior, e a única maneira
de lhe dar um sentido interior é conhecer e transformar a mente. buddhista, assim como o de todas
as grandes tradições espirituais, é o de ajudar a nos tornarmos seres humanos melhores. [...] [Q]uer
vivamos trinta ou cem anos, a questão da qualidade da existência permanece a mesma. A única
maneira de vivermos uma existência de qualidade é dando-lhe um sentido interior, e a única maneira
de lhe dar um sentido interior é conhecer e transformar a mente.
Não devemos esperar que o buddhismo seja praticado no Ocidente como foi no Oriente,
particularmente no seu aspecto monástico e eremítico, mas tudo indica que o buddhismo dispõe dos
meios necessários para contribuir para a paz interior de cada um. Também está fora de questão criar
um "buddhismo ocidental", enfraquecido pelas múltiplas concessões aos desejos de cada um.
Devemos sim utilizar as verdades do buddhismo para atualizarmos o potencial de perfeição que todos
nós temos. [...]
[N]enhum diálogo, por mais fecundo que seja, pode substituir o silêncio da experiência pessoal,
indispensável à compreensão íntima das coisas. Com efeito, a experiência é o caminho. Como o
Buddha disse tantas vezes, "cabe a cada um de nós percorrer o caminho", de modo que, um dia, o
mensageiro se torne, ele próprio, a mensagem.
(Citado por Matthieu Ricard em Le Moine et le Philosophe)
A religião do futuro será uma religião cósmica. Deverá transcender um Deus personalizado e evitar os
dogmas e a teologia. Abarcando ambos, o natural e o espiritual, deverá basear-se em um sentimento
religioso nascido da experiência de todas as coisas como uma unidade significativa. O buddhismo
responde a essa descrição. Se existe alguma religião que pode ir de encontro às necessidades
científicas modernas, esta religião é o buddhismo.
A Lenda do Buda
A LENDA DO BUDA é um testemunho, não do que Buda foi, mas sim do que chegou a ser em muito pouco tempo.
Pesquisadores acrescentam que o budismo encontrou sua expressão mais profunda tanto no lendário como no mítico.
A lenda nos revela o que acreditaram inumeráveis gerações de homens piedosos e segue perdurando na mente de
grande parte da humanidade.
A biografia começa no céu. O Bodhisatva (o que chegará a ser Buda, título que significa "O Desperto") logrou, por
méritos acumulados em infinitas encarnações anteriores, nascer no quarto céu dos deuses. Olha a terra do alto e
examina atentamente o século, o continente, o reino e a casta em que renascerá para ser Buda e salvar os homens.
Escolhe sua mãe, a rainha Maya (nome que significa a força mágica que cria o universo ilusório), mulher de
Sudohodana, que é rei na cidade de Kapilavastu, ao sul de Nepal. Maya sonha que entra em seu flanco um elefante de
seis presas, tendo o corpo branco como a neve e a cabeça cor de rubi. Ao despertar, a rainha não sente qualquer dor
ou sensação de peso, mas tão somente agilidade e bem estar. Os deuses criam um palácio em seu corpo; neste
recinto, o Bodhisatva espera rezando a sua hora. No segundo mês da primavera a rainha atravessa um jardim, e uma
árvore, cujas folhas resplandecem como a plumagem de um pavão real, lhe estende um ramo que ela aceita com
naturalidade. Neste momento o Bodhisatva se levanta e nasce pelo flanco direito da rainha sem lhe causar mal. O
recém-nascido dá sete passos, olha à direita e à esquerda, acima e abaixo, atrás e adiante, constata que no universo
não há outro igual a ele e anuncia com voz de leão: Sou o primeiro e o melhor, este é o meu último nascimento e
venho dar fim à dor, à doença e à morte. Duas nuvens vertem água fria e quente para banhar mãe e filho; os cegos
enxergam, os surdos ouvem, os aleijados caminham, os instrumentos musicais tocam sozinhos; os deuses do quatro
céu se regozijam, cantam e dançam; os condenados no inferno esquecem sua dor. Naquele mesmo instante nasce sua
futura mulher, Yosodhara, como nascem também seu cocheiro, seu cavalo, seu elefante e a árvore a cuja sombra
chegará a libertação. O menino recebe o nome de Sidharta e também é conhecido pelo nome de Gautama, que foi
adotado por sua família, os Sakyas.
A mãe morre aos sete dias de haver nascido o Bodhisatva e sobe aos céus dos trinta e três devas. Um vidente, Asita,
ouve o júbilo destas divindades, desce da montanha, toma o menino em seus braços e diz: É o incomparável.
Comprova nele as marcas do eleito: uma espécie de alta coroa orgânica na metade do crânio, pestanas de boi,
quarenta dentes muito unidos e brancos, queixada de leão, altura igual à extensão dos braços abertos, cor dourada,
membranas interdigitais e centenas de formas desenhadas nas plantas dos pés, entre as quais figuram o tigre, o
elefante, a flor de lótus, a montanha piramidal Meru, a roda e a suástica. Em seguida Asita chora porque se sabe
demasiado velho para receber a doutrina que o Buda predicará no futuro.
Os intérpretes do sonho de Maya profetizaram que seu filho será dono do mundo (um grande rei) ou o redentor do
mundo. O seu pai prefere o primeiro e faz erguer três palácios para Sidharta, dos quais exclui tudo que possa revelar a
ele a sensibilidade, a dor ou a morte. O príncipe se casa ao cumprir dezenove anos de idade, porém antes deve ser
vencedor em varias competições, que incluem a caligrafia, a botânica, a gramática, a luta, a corrida, o salto e a
natação. Deve também triunfar na prova do arco. A flecha disparada por Sidharta cai mais longe que todas as demais,
e onde cai brota uma fonte. Estes lauréis são símbolos de sua futura vitória sobre o demônio.
Dez anos de ilusória felicidade transcorrem para o príncipe, dedicados aos gozos dos sentidos em seu palácio, cujo
harém abriga oitenta e quatro mil mulheres. Sidharta, porém, sai certa manhã em seu carro e vê, com assombro, um
homem encurvado "cujo cabelo não é como o dos outros, cujo corpo não é como o dos demais", e que se apoia em um
bastão para caminhar e cuja carne treme. Pergunta que homem é aquele e o cocheiro lhe responde que é um velho, e
que todos os homens da terra serão um dia como ele. Em outra saída, vê um homem devorado pela lepra, e o cocheiro
lhe explica que se trata de um doente e que ninguém está livre desse perigo. Em outra mais vê um homem a quem
levam em um féretro, e lhe explicam que este homem imóvel é um morto e que morrer é a lei de todo aquele que
nasce. Na última saída vê um monge das ordens mendicantes que não deseja nem morrer nem tampouco viver ( nas
últimas formas da lenda, estas quatro figuras são fantasmas ou anjos). A paz está espelhada em sua face; Sidharta
encontrou o caminho.
Na noite em que toma a decisão de renunciar ao mundo, lhe anunciam que sua mulher, havia dado a luz a um filho.
Regressa ao palácio e à meia-noite, após despertar, percorre o harém e vê mulheres adormecidas. A uma escorre
baba pela boca; outra, com os cabelos soltos e desordenados, parece Ter sido pisoteada por elefantes; outra fala
dormindo; outra mostra seu corpo cheio de chagas; e todas parecem mortas. Sidharta diz: "Assim são as mulheres,
impuras e monstruosas no mundo dos seres mortais; o homem porém, enganado por seus adornos, as julga
cobiçáveis". Entra no aposento de Yasodhara e a vê dormindo com a mão sobre a cabeça do filho. Pensa: "Se retiro
essa mão de seu lugar, minha mulher despertará; quando for Buda voltarei e tocarei meu filho".
Foge do palácio rumo ao oriente. Os cascos do cavalo não tocam a terra, as portas da cidade se abrem sozinhas.
Atravessam um rio, despede o serviçal que o acompanha, entrega a ele seu cavalo e suas vestes e corta o cabelo com
a espada. Atira o cabelo cortado para o alto e os deuses o recolhem como relíquia. Um anjo que assumiu a forma de
um asceta lhe entrega as três peças do traje amarelo, o cinto, a navalha, a tigela para esmolas, a agulha e a peneira
para filtrar a água. O cavalo regressa e morre de dor.
Sidharta fica sete dias na solidão. Depois procura os ascetas que moram na selva; uns estão vestidos de ervas, outros
de folhas. Todos se alimentam de frutos; uns comem uma vez por dia, outro cada dois dias e outros cada três. Rendem
culto à água, ao fogo, ao sol ou à lua. Existe quem esteja sobre um único pé e outros que dormem sobre leitos de
espinhos. Estes homens lhe falam dos mestres que vivem no norte, mas as razões destes mestres não o satisfazem.
Sidharta vai para as montanhas, onde passa seis duros anos entregue à mortificação e ao jejum. Não muda de lugar
quando sobre ele caem a chuva ou o sol; os deuses crêem que morreu. Compreende, finalmente, que os exercícios de
mortificação são inúteis; levanta-se, banha o corpo nas águas do rio e come um pouco de arroz. Seu corpo recobra
imediatamente o antigo fulgor, os sinais que Asita reconheceu e a auréola perdida. Pássaros voam sobre sua cabeça
para render-lhe homenagem e o Bodhisatva senta-se à sombra da árvore da iluminação e se põe a pensar. Resolve
não levantar-se daí até haver alcançado a iluminação.
Mara, o deus do amor, do pecado e da morte, ataca então a Sidharta. Este mágico duelo ou batalha dura uma parte da
noite. Mara, antes de combater, sonha que foi vencido, que foi perdido seu diadema, murchas as flores e secos os
tanques dos palácios, rompidas as cordas dos seus instrumentos musicais, coberta de pó a sua cabeça. Sonha que
durante a luta não pode desembainhar a espada, mas congrega, apesar de tudo, um vasto exército de demônios,
tigres, leões, panteras, gigantes e serpentes – alguns eram grandes como palmeiras e outros pequenos como crianças
-, cavalga um elefante de cento e cinqüenta milhas de altura e assume um corpo com quinhentas cabeças, quinhentas
línguas de fogo e mil braços, cada um deles com uma arma diferente. Os exércitos de Mara arrojam montanhas de
fogo sobre Sidharta e estas, por obra do seu amor, se convertem em palácios de flores. Os projéteis formam um alto
docel sobre sua cabeça. Mara, vencido, ordena a suas filhas que tentem seu antagonista, e elas o assediam e lhe
dizem que estão feitas para o amor e para a música. Sidharta, porém, recorda-lhes que são ilusórias e irreais, e,
apontando-lhes o dedo, as transforma em velhas decrépitas. Coberto de confusão, o exército de Mara se Dispersa.
Só e imóvel sob a árvore, Sidharta vê suas infinitas encarnações anteriores e as de todas as criaturas; abarca com um
golpe de vista os inumeráveis mundos do universo; depois, a concatenação de todas as causas e efeitos. Intui ao
amanhecer as quatro verdades sagradas. Já não é o príncipe Sidharta, é o Buda. As hierarquias dos deuses e os
budas futuros o adoram, porém ele exclama:
O BUDISMO E
A CONDIÇÃO HUMANA
Jamgon Kongtrul Rinpoche III
O budismo não é um fenômeno cultural. Não é do Oriente nem do Ocidente. O budismo
é essencialmente chegar a ver as coisas como tal. O budismo é basicamente compreensão
e todas as pessoas têm essencialmente o potencial para praticar a sanidade absoluta.
Neste sentido, o budismo não é uma crença de indivíduos ou grupos. É uma correlação
do conhecer com a experiência baseada no potencial dos próprios seres.
Os ensinamentos budistas têm a capacidade de adaptar-se a qualquer contexto cultural.
A razão disto é que baseiam-se na natureza fundamental dos seres e coisas. No que diz
respeito à abordagem filosófica do budismo, esta está além de qualquer forma. Está
baseada na compreensão de ser transcendente à forma.
A verdade está além da forma. A verdade condicionada está sujeita à mudança e, assim,
está aquém do absoluto. Não estamos falando de especulações e imaginação. Não se
trata de uma crença do tipo "isto deve ser assim", mas a experiência fala por si mesma.
Quando integramos a abordagem filosófica à prática, isto envolve métodos específicos e
práticas que aplicamos na vida diária em relação a nossa conduta externa e intenções
mentais. Estes métodos, no contexto da nossa realidade relativa, estão relacionados às
formas. A prática assume uma forma e gera a tradição, passando a ser vista como uma
crença religiosa.
Vamos discutir alguns aspectos da visão budista. Todos nós, seres sensoriais, desejamos
nos libertar do sofrimento e da dor. Com este sincero desejo de libertação nos dedicamos
a todas as atividades, e tudo a que nos dedicamos a todas as atividades, e tudo a que nos
dedicamos visa a libertação de mais sofrimento.
Enquanto prosseguimos nossas vidas, é difícil e raro que consigamos o que buscamos ser
feliz com o que atingimos. Tão pronto chega-se a algo, há felicidade superficial e, por
trás disto, impossibilidade de satisfação. Quanto mais temos, mais insatisfeito no
sentimos, ou seja, há a ausência de um sentido de moderação. A mente, por seus hábitos,
não conhece limites, e daí mais e mais sofrimentos decorrem. Assim, o sofrimento é
contínuo. Isto não são palavras, mas é experiência.
Como não realizar a liberdade se a procuramos? A questão é que nossa abordagem é
confusa com respeito ao sofrimento. Nossa abordagem é ficar livre do sofrimento, mas
não sabemos como encontrar o conhecimento de olhar internamente a causa do
sofrimento. Quando nos libertamos da prática externa e da experiência do sofrimento,
nos libertamos só na superfície, sem tocar no aspecto fundamental . O que fazemos é
tentar evitar a experiência do sofrimento. Temos a noção de que sofrimento é algo
errado, algo externo, e tentamos ficar afastados tanto quanto possível. A fuga não dá
frutos sem que se localize a causa deste sofrimento, e sem dela nos libertarmos não nos
libertaremos de sua experiência. É equivocado pensar em agastar-se da experiência sem
afastar-se da causa.
É uma visão errada colocar sofrimento com algo externo, como originado de fora. O
sofrimento depende de circunstâncias externas, mas estas não são a causa-em-si do
sofrimento. Quando permitimos que o exterior nos influencie, isto é uma permissão.
O primeiro discurso do Buda Sakiamuni foi justamente sobre a questão do sofrimento:
1. Entender o sofrimento, chegar a esta compreensão. Buscar entender a verdade do
sofrimento em lugar de buscar a eliminação do sofrimento. Compreender a verdade do
sofrimento. Mas o que é compreender a verdade do sofrimento? Compreendendo a
verdade do sofrimento pode-se chegar a causa do sofrimento. O sofrimento não acontece
apenas, mas tem origem. A natureza é dependente das causas; não há resultado sem
causas.
2. A causa do sofrimento pode ser eliminada. A causa do sofrimento é um conflito de
emoções e karma; tendências várias agrupadas. Karma, ignorância e hábitos são
inseparáveis. Ignorância, no budismo, significa a crença em um ego independente.
Devido a isto, há a fixação referencial aos outros. Devido à forte crença na dualidade euoutro, há a permanência da separação sujeito-objeto e o dualismo de eternalismo versus
niilismo.
Nossa tendência normal é crer que as coisas existem permanentemente (o que é o
eternalismo), mas nada é permanente, e quando há mudança, isto nos perturba pois
cremos no permanente. A realidade do mundo nos confronta. Assim, não é a mudança
que traz o sofrimento, mas é a crença no eternalismo. Isto traz o sofrimento até nós. Os
fenômenos existem interdependentemente. Tudo existe assim, e o que é interdependente
não é permanente. A outra alternativa seria o niilismo, a inexistência de tudo.
Criado o conflito do eternalismo versus niilismo, estamos, de qualquer maneira, presos à
dualidade. Portanto, geramos o sofrimento tanto de um extremo como do outro. Esta
noção dual de sujeito-objeto nos induza ao surgimento de atividades mentais como
agressão, raiva, desejo, apego, ignorância, ciúme, etc...
Nos ensinamentos do Buda falamos de cinco tendências que geram o sofrimento. Estas
tendências são o karma.
Karma é o potencial de chegar a frutificar em resultados. Devido a estas tendências que
falamos, atuamos de modo confuso, agimos de forma nociva com o corpo, palavra e
mente, o que conduz a uma maior acumulação de tendências e karma. Quanto maior a
acumulação, mais ações nociva ocorrem e, sem qualquer controle, caímos em um ciclo
vicioso auto-criado.
Temos a crença que somos seres humanos e, então espertos. Controlamos nossa vida,
decisões, etc., e gostamos de crer que fazemos coisas pela nossa vontade. Se nosso desejo
é viver mais e mais sofrimento, então nossas decisões estão corretas.
Nossas visões não vêm de compreensão correta, mas de nossas distrações. Somos
completamente atraídos e envolvidos pelas nossas tendências e distrações. Um exemplo
disto: a raiva. Ninguém deseja ficar zangado e com raiva; como se chega a isso sem
desejar e sem controle? E o controle que pensávamos ter? Quando estamos com raiva e
perturbados, todos os tipos de bobagens são ditas, tantas e tais coisas que nem sabemos
o que falamos, o corpo treme... Quando isto passa, olhamos para trás, vemos com
inteligência, e muitas vezes dizemos: não foi correto. Fica claro que não queríamos dizer
o que dissemos, fazer o que fizemos. e nos aborrecemos por isso. Quem já viveu isso não
diz ter sido bom. Não é feito sob o nosso controle. Não só nossa vivência de raiva veio e
perturbou, mas seres humanos outros nos diriam, "fiquei muito assustado com sua
raiva".
Nossa experiência de sofrimento surge da experiência de uma mente confusa, e esta, da
experiência de hábitos confusos. Segundo a tradição budista, se não somos capazes de
examinar e gradualmente ganhar liberdade frente às tendências habituais da nossa
mente, nunca vamos nos libertar do sofrimento e insatisfação. Arranjar as coisas
externamente não vem ao caso. As circunstâncias externas e nossa reação são projeções
mentais nossas. Para alguém libertar-se dessas tendências habituais, a ênfase é
desenvolver a estabilidade da mente e daí a mente consciente e atenta, sem a qual não
temos controle.
Para experimentar uma maior estabilidade da mente consciente e atenta, pratica-se a
meditação. Meditação é o desenvolvimento de práticas e hábitos da mente que
conduzem a mais e mais familiaridade com a estabilidade e clareza desta mente. Assim,
a palavra budismo significa o caminho internalizador, significa voltar a atenção para o
interior e examinar a mente, e operar com ela para dentro. Aí a questão, por
acreditarmos que o problema é externo, equivocadamente o vemos lá fora.
Na tradição existem vários estágios, de acordo com as necessidades e capacidades das
pessoas, e um destes é especialmente importante: a estabilidade e clareza da mente.
Existimos para isto. E só após este grande trabalho é possível compreender a
importância de desenvolver um coração suave e bondoso e reconhecendo a própria
capacidade - bodicita - voltar-se aos outros.
É importante para os indivíduos compreender que a fonte e origem do sofrimento é
interna. O potencial para a libertação está também dentro. Sem controle nada podemos
fazer e nada merecemos. Na verdade, temos a capacidade de iluminação total. A
essência do ensinamento do Buda Sakiamuni é esta: não devemos cometer nenhuma
ação nociva, devemos evitar o egoísmo e evitar de ferir os outros por palavras, ações ou
pensamentos.
Não permita que sua mente seja dominada pelas emoções cegas (kleshas, nyon-mongs). É
preciso perseverar na prática da ação completamente sã e, através da compaixão, fazer o
que os outros precisam. Abandonar o nocivo, praticar a sanidade. Praticar a mente
totalmente descondicionada. Praticar a total não-agressividade e a bondade e suavidade
libertas. Alcançar este estado é o ensinamento do Buda e sua experiência.
Para concluir: É ótimo que pratiquem a meditação. Sentem com vocês mesmos em lugar
de sentar com os outros. Conhecer-se melhor, já que é com cada um que cada um vive e
não com o outro. Surpresas agradáveis terão. Somos mais agradáveis e temos mais
recursos do que imaginávamos. O Buda e a iluminação não estão fora, nem temos que
aguardar ajuda externa mas apenas vivenciar o próprio potencial. É nossa
responsabilidade conhecermo-nos melhor. Existem oportunidades de ajuda e apoio não
apenas para ajudarmos a nós mesmos, mas quanto melhor nos sentirmos, mais
generosos e bons seremos com os outros. Qualquer um, usando inteligência e método,
terá êxito.
Perguntas da platéia
P. Como o budismo vê o sentimento de culpa?
R. Isso depende do que significa culpa para você. Se culpa significa que você está
consciente de insanidades de você mesmo, consciente que isto tem que ser corrigido e
que você pode fazê-lo, em algum momento você o fará. Neste caso, é esta experiência de
culpa que lhe permitiu trabalhar as dificuldades. Neste caso é bom ter culpa. De outro
lado, se você acredita ter feito mal e sente-se culpado, sem compreender que isto é
produto da ignorância, esta atitude acumula um hábito de culpa.
P. O que é felicidade? Vocês são totalmente felizes?
R. A experiência da verdadeira felicidade está além de felicidade e não-felicidade. Se
estamos apegados à felicidade, não estamos felizes - é interdependência. Pela crença na
felicidade, infelicidade é concebida; pela crença na infelicidade, felicidade e concebida.
Se felicidade está além dos conceitos, e quando a tentativa é feita, o verbalizado carece
de sentido.
P. Casamento, sim ou não?
R. Onde está a mente, esta é a questão. A relação nem é positiva nem negativa. Você
seria excelente monja também, se quisesse.
P. A verdade absoluta é permanente?
R. Está além de permanência e impermanência, e até é permanente.
P. Seria então estática, sem dinamismo?
R. Quando se fala em verdade absoluta e estática, pensamos concretamente nela.
Quando falamos de imunidade, isto está além da concepção relativa de mutabilidade e
imutabilidade. Quando falamos de verdade absoluta, o grau de absolutividade da
verdade absoluta depende da crença no eternalismo e niilismo. Como explicar o que é
verdade absoluta? A experiência de verdade absoluta vem do entendimento e
compreensão do que é verdade absoluta. Com uma compreensão intelectual estamos
ainda longe da experiência, aí falamos em vazio, que não é o vácuo dual, a falta de algo.
Quando focamos um objeto, há duas realidades nele. A realidade de como ele surge ao
observador, a da aparência, e depois a coisa como é em si. Normalmente separamos as
duas. Uma exclui a outra, não são as duas ao mesmo tempo.
A realidade aparente é resultado da atitude eternalista, a que atribui realidade à
aparência. Quando mostro minha mão, todos a reconhecem, é uma mão. Então existe a
realidade aparente, a mão. Mas do ponto de vista do que ela é, nenhuma mão existe, não
é um rótulo da mente. Enquanto realidade aparente, a mão existe como imagem, com
rótulo mental. Olhando mais de perto, o que vemos é a pele-mão, dedo-mão, asso-mão.
O que é sua mão? Só quando todos estão juntos podemos dizer: é uma mão. Tomando-os
à parte, nenhuma mão é encontrada.
Na realidade absoluta uma mão não existe, mas, ao mesmo tempo, não é um erro
chamá-la de mão, contanto que não nos apeguemos a isto com uma mão. Isto não é, em
realidade, o que pensamos que seja. Estes dois fatos, existência e não-existência, não
estão em conflito. Na aparência existe como mão, e mais proximamente não é uma mão.
A natureza verdadeira da mão é vazia, e por ser assim não há impedimento ao
surgimento da mão. A realidade da aparência é uma realidade relativa. A realidade
absoluta não é uma negação da verdade aparente. A verdade absoluta se dá na
existência e inexistência da realidade absoluta. Tudo é simplesmente uma projeção da
mente. E quem pode determinar a não-existência e existência da mente? A mão não diz,
"eu sou uma mão", mas a mente sim. A confusão é quando alguém chega a dizer que sua
mão não é uma mão.
Uma Breve Introdução ao Budismo
Lama Padma Samten
Existem muitas formas de introduzir o pensamento budista. Farei uma abordagem
geral, voltada aos aspectos mais internos do que significam os ensinamentos do Buda.
Apresentando o budismo como um remédio para duka
O budismo pode ser apresentado como um remédio. Olhemos esse aspecto em primeiro lugar. O
próprio Buda ofereceu os ensinamentos dessa forma. Quando o Buda era um príncipe, percebeu
que todos os seres estavam submetidos a uma doença geral. Essa doença tem um nome
específico, mas não existe correspondente para essa palavra no Ocidente. Lá no Oriente
chamam essa doença de duka. Embora todos tenhamos essa doença, talvez não percebamos
sua existência. Essa doença é algo como alegria e sofrimento inseparáveis. Na visão budista
existe uma única palavra para esses dois conceitos, eles não podem ser separados. Em nossas
línguas acontece o contrário, estes conceitos estão separados e não podem ser unificados em um
único termo.
Duka pode ser explicado de forma simples a partir do fato de que, quando temos alegrias, elas
são sempre, simultaneamente, sementes de sofrimento. Dizemos que esta é uma experiência
cíclica — é como uma roda girando entre as polaridades de estar bem e estar mal. Gostaríamos
de encontrar o freio quando estamos na região de felicidade, e gostaríamos de acelerar quando
estamos tristes. Às vezes achamos que encontramos um controle de velocidade desse tipo, mas
logo surgem problemas nessa tentativa de controle.
O primeiro exemplo que me surge é o de uma mãe que deseja ter um filho. Quando o bebê
nasce, primeiro ela pensa: "Que maravilha!" Depois ela percebe que tudo que acontece ao filho a
perturba intensamente. Na exata medida da intensidade daquela alegria, surge o sofrimento. E
assim é com todas as relações humanas.
Outro exemplo: uma pessoa está em algum lugar — não sei bem onde poderia ser — e vê um ser
maravilhoso, fantástico, inacreditável. Esta pessoa pede aos deuses: "Por favor, deixe-me chegar
perto daquele ser tão maravilhoso." Se por acaso os deuses estão de bom humor, podem até
conceder alguma interação… E logo a pessoa descobre-se vigiando aquele ser, absolutamente
insegura em relação à sua tênue conexão com ele. E o mais curioso: a intensidade da vigilância,
a intensidade do sofrimento causado por esta vigilância e a intensidade da insegurança quanto
aos rumos da relação correspondem exatamente à intensidade da beleza daquele ser. Ou seja,
quanto maior a beleza, maior a vigilância, o sofrimento e a insegurança.
Chamamos isto de duka. Não há como evitar este tipo de inquietação. Para todas as
características favoráveis que percebemos no mundo, existem problemas correspondentes,
exatamente no mesmo grau.
Há problemas de outros tipos. Há os ligados à impermanência. Lembro de um casal que sofreu
uma tragédia verdadeira. Seu carro foi levado por uma enchente, e a filhinha disse: "Papai, não
me deixe morrer." Mas os filhos ficaram dentro do carro, e os pais, ainda que tenham sobrevivido,
não puderam resgatá-los. Todas as vezes que esses pais lembrarem disso, vão sofrer.
Outra situação mais amena: olhamos para uma bandeja de doces maravilhosos [alguém havia
enviado uma bandeja de doces ao lama naquele dia] e pensamos: "Que maravilha!" Podemos até
ficar contemplando a bandeja e examinando cuidadosamente nossos apegos, examinando como
surgem os ventos internos e as reações condicionadas. Tiramos a tampa da bandeja, e surgem
energias nítidas dentro do nosso corpo… tapamos, e as energias se vão. Este é um exercício
interessante.
Cada pequeno objeto, cada pequena pedrinha na paisagem tem uma correspondência interna em
nós na forma de energias que percorrem nosso corpo e nervos. A isto chamamos ventos internos.
Nosso apego não é às coisas, mas aos ventos internos que elas provocam. Os ventos internos
são a experiência íntima dos objetos e também dos seres. Esta dependência e apego são a base
de duka.
Os problemas ecológicos são outros exemplos de duka. Nunca desejamos destruir a natureza.
Queremos apenas meios de transporte, adubos, plásticos, papel, refrigeradores... Mas isso gera
problemas. Cada uma das ações humanas tem um objetivo, mas cada uma delas tem um
resultado também. Isso é resumido pela palavra duka.
No sentido geral, cada um dos seres sente duka em seu próprio corpo. Cada um nasce,
envelhece, adoece e morre. No sentido budista, quando a morte vem, não é o fim. Dentro do
círculo representado pela palavra duka, há uma semente de intenção que perdura, o que morre é
um personagem. É como um filme que acaba no cinema; outras imagens vão surgir na tela após
a projeção daquele filme. Se há um cinema, outro filme sempre entra em cartaz.
Temos um processo infindável de vida, nascimento, decrepitude, morte, vida. Não precisamos
acreditar no renascimento. Pode-se ficar em uma morte apenas, mas ainda assim não
conseguimos frear a doença de duka.
Todos os aspectos do budismo são propostos como remédios para esta doença. É por causa
desta doença que surge o budismo. Observando de forma ampla o sentido de duka, percebemos
que Buda a estudou detalhadamente e descobriu uma natureza que está além de toda esta
complicação.
Podemos ter uma noção do que seja isso da seguinte forma: reconhecemos que fomos bebês,
criancinhas, crianças maiores, adolescentes, adultos — e em cada etapa é como se houvesse
toda uma visão de mundo correspondente. Temos uma identidade, olhamos com estranheza as
vidas que os outros levam. De dentro do nosso ponto de vista, nunca entendemos completamente
o que os outros fazem.
Lembro da minha adolescência; eu olhava para as outras pessoas e achava aquelas vidas muito
estranhas, realmente não conseguia entender por que as pessoas se portavam daquela forma.
Via crianças sendo maltratadas e tinha uma sensação de grande vantagem por ter minha própria
mãe. Quando estamos imersos na nossa própria forma de ver as coisas, só podemos ver de
forma estranha o modo de vida dos outros.
Então percebemos que nossas próprias visões anteriores eram visões particulares. Ao
examinarmos as várias fases de nossa vida, percebemos que as várias visões são perfeitas
enquanto acontecem, mas não são de forma alguma estáveis, permanentes. Quando elas
mudam, pode surgir uma pergunta: "O que permaneceu ao deixarmos de ser crianças e nos
tornarmos adultos?" O que permanece é um misterioso brilho interno. O Buda usou este mesmo
exemplo da criança, do adolescente e do adulto. Ele apontou esta essência que vai transitando
de um para outro, esta capacidade de discriminar, como a qualidade que está mais próxima do
permanente.
Assim, a partir deste processo, se quisermos ver o que é o budismo de fato, não devemos pensar
em épocas, pois a experiência de duka não está limitada pelo tempo… O próprio Buda histórico, o
Buda Sakyamuni, não foi o primeiro Buda. Como ele mesmo relata, serviu e ouviu instruções de
incontáveis Budas no passado.
Ao aprofundarmos o significado da palavra Buda, percebemos que os primeiros Budas surgem
quando surgem as complicações. O budismo não é algo messiânico, Buda não veio anunciar
alguma coisa, ele veio manifestar uma liberdade que a maior parte dos seres não vê. Na medida
em que os Budas periodicamente aparecem e dão ensinamentos é que surge o budismo.
O budismo não é propriamente algo que pertença à história humana. Algumas vezes as pessoas
colocam os ensinamentos espirituais desta forma: "Quem foi o fundador do budismo? Quando e
onde surgiu o budismo? O budismo acredita em reencarnação? Que tipo de preceitos morais são
praticados pelo budista? Qual a diferença entre tal e tal escolas budistas?" Esta análise do
budismo em forma de questionário talvez não ajude muito.
Para o cristianismo existe o Antigo Testamento e a tábua de Moisés, que ele recebeu de Deus no
topo do Monte Sinai. Assim surgem os ensinamentos cristãos: Deus se apresenta a Moisés e
revela a verdade. O cristianismo depende da Bíblia, ela é a verdade para o cristão.
No sentido budista não existe uma bíblia. Já que colocamos os ensinamentos budistas na forma
de um remédio destinado a remover o sofrimento originado por duka, quando isso acontece, ou
seja, quando o sofrimento gerado por duka realmente cessa, atinge-se uma situação além de
espaço e de tempo, de escrituras e profetas. Assim se dá a liberação da existência cíclica.
Mas o que fazemos quando estamos liberados? A primeira coisa que fazemos é abandonar o
remédio. O budismo se extingue com seu efeito. Quando a liberação acontece, o budismo some
completamente.
Existem várias imagens para descrever este processo. A imagem do barco, por exemplo. Existe o
rio do sofrimento, a margem do sofrimento e o barco da liberação, que leva à margem da
liberação. Tudo o que fazemos é atravessar o rio e abandonar o barco. Não teria sentido ficar no
barco. Quando chegamos ao destino saímos do barco. Tudo que fazemos é atravessar, então
abandonamos o barco. Quando fazemos uma viagem de ônibus, o que se faz? Será que
pensamos: "Vamos ser fiéis ao ônibus?" Não. Ao final da viagem abandonamos o ônibus.
Quando a pessoa se vincula aos ensinamentos budistas ela não está se filiando a uma
experiência sectária. Ela está apenas em busca da liberação da existência cíclica — o Buda é
apenas um guia. Por exemplo: se uma pessoa está na cidade de São Paulo e precisa ir de um
extremo ao outro, talvez isto seja muito difícil se ela não conhece a cidade; mas, da segunda vez,
talvez seja bem mais fácil. A função do Buda é esta: ajudar as pessoas a percorrer o caminho até
a liberação do sofrimento de duka. O Buda completou o trajeto. Depois, durante 46 anos, ele deu
o ensinamento de como cruzar efetivamente para a outra margem.
Durante a vida do Buda, as pessoas guardavam de memória o que ele falava. Quando o Buda
desapareceu, elas registraram em papel. E surgiu uma vasta obra escrita baseada nos
ensinamentos orais do Buda. Muitos seguidores do Buda escreveram muitos livros, sempre
lembrando que "a sabedoria não está nos livros". Então estudamos minuciosamente aqueles
textos e sabemos de cor que "a sabedoria não está nas palavras".
Agora os ensinamentos chegam à língua portuguesa. Traduzimos do tibetano, chinês, japonês,
sânscrito ou páli, para o português. Parece contraditório traduzir textos, mesmo sabendo que a
sabedoria não está lá… É que, ainda que não esteja, os textos podem, eventualmente, umedecer
as sementes de sabedoria que temos naturalmente. Esta é a sua função.
Estamos apresentando o budismo através da palavra duka. Há representações dela — as
imagens da roda da vida são exemplos. A roda da vida é muito interessante, em outra ocasião
abordarei isso, sobre como meditamos na roda da vida, como mudamos nosso comportamento na
vida cotidiana de acordo com isso. Estes métodos fazem do budismo algo realmente excelente.
Apresentando o budismo através do Buda
Outra forma de explicar o budismo seria de uma forma positiva. Ao invés de começar com o
sofrimento de duka, explicamos o budismo através da forma do Buda. Ou seja, através da palavra
Buda. O que é Buda? A natureza completamente liberta dos hábitos, dos condicionamentos
grosseiros e sutis. Como sabemos que somos presas de tais comportamentos? Basta olharmos
para uma bandeja de doces. Dizemos: "Muita gordura, muito açúcar, isso não faz bem." Mas,
ainda assim, percebemos que os doces seguem nos atraindo, independentemente de nossas
convicções e tratados médicos a respeito, ou de sabermos por experiência própria que doces nos
deixam enjoados após comermos alguns a mais.
Cada vez que decidimos não mais fazer alguma coisa, dizer não a algo, há uma região, onde
surgem os impulsos, que parece não ser afetada pelas decisões… Podemos dizer não ao cigarro,
não ao álcool, não ao videogame, mas estas coisas seguem nos atraindo. Podemos dizer não à
inveja, ao desejo-apego, ao cansaço, à ganância, à raiva ou ao orgulho. Mas parece que tudo
continua funcionando da mesma forma, apesar de nossa decisão.
Algumas vezes brinco que Charles Bronson é meu mestre. Faço o teste: "lamas não podem
matar"; daí ponho a fita no vídeo, coloco uma estatuazinha do Buda sobre a TV e fico rezando
durante o filme, mas aos dez minutos de filme já surge o impulso: "Mata, mata logo, vai!" Por isto
ele é um mestre, aponta a violência oculta, mas presente. Aponta a fragilidade latente…
Isso quer dizer que temos emoções perturbadoras. E então descobrimos o sentido de uma
palavra muito importante — a palavra carma. Porque, se estudamos a liberação, temos que
estudar o processo oposto, o aprisionamento, que chamamos de carma.
Ao observar as grandes poesias e músicas, vemos que são sempre sobre nossos impulsos: "Eu
não devia fazer tais coisas, no entanto, elas são mais fortes." Elas são sempre sobre duka, daí há
duas correntes opostas: "Aqueles cinco minutos valeram a pena", e "não, aquilo nunca mais, o
custo é demasiado". Por que esses poemas, músicas e ficções nos atraem? Por que vivenciamos
aquilo? Por que aquela energia percorre nossas veias? Isso acontece porque estamos presos no
mesmo tipo de situação mental. Então, quando falamos de Buda, inevitavelmente temos que falar
de carma. Estamos inevitavelmente presos no mesmo tipo de situação descrita na música ou no
romance.
Quando olhamos nossa experiência, ao reconhecer tudo isso, vemos que nossa vida tem sido
sempre composta de muitos ciclos desse tipo. E de novo voltamos àquele mesmo lugar: "Por que
fui atropelado?", "por que ela me deixou?", "por que sempre faço tudo errado?". E então começa
tudo de novo, e dizemos: "Ah, agora já sei como é". E as coisas vão assim.
Um mestre já falecido dizia: "Se você culpa seu marido por seus problemas, você tem uma
condenação perpétua — os próximos vão ter a mesma cara, os mesmos problemas do primeiro."
Com namoradas é assim também. Podemos simplificar todo este processo com uma palavra —
carma. É um processo muito sutil, não é uma lei que nos condena. Se fosse assim, não existiria a
palavra Buda. Buda não é o ser, não é uma pessoa. Buda é uma condição de libertação de todos
esses impulsos.
O Buda também diz: "Não acreditem no que eu digo, testem por si próprios." Ou seja, o que eu
ensino não precisa ser tomado como uma verdade a ser aceita. Escutem e testem à sua própria
maneira.
Apresentando o budismo através dos ensinamentos
A fala do Buda, seus ensinamentos e explicações sobre o remédio para duka seriam uma terceira
forma de apresentação do budismo. É uma apresentação através das Quatro Nobres Verdades e
do Nobre Caminho Óctuplo. Se vocês observarem apenas o que está nas Quatro Verdades e no
Nobre Caminho, terão dificuldade de reconhecer o budismo, pois estes ensinamentos estão
presentes em outras tradições também.
As Quatro Nobres Verdades são: a experiência de existência cíclica; o reconhecimento de que a
experiência cíclica é criada artificialmente; a afirmação da possibilidade de dissolução da
experiência da existência cíclica; o Caminho de Oito Passos ou Caminho do Meio, que leva à
dissolução da fixação à experiência de existência cíclica.
Podemos apresentar o budismo através destas quatro verdades, e o caminho para descobrir a
liberdade é o Caminho do Meio, o Nobre Caminho Óctuplo.
O primeiro passo é a decisão de abandonar a existência cíclica e a impermanência. É muito difícil
chegar a este ponto. A maior parte do tempo estamos preocupados em ganhar jogos. Isso
significaria dizer a um gremista que, se ele abandonasse o campeonato, não sofreria mais. Mas a
pessoa diz: "Se eu abandonar o campeonato, não sou mais uma pessoa. Mas e aí? Eu vou
desaparecer!" A primeira etapa das oito é muito difícil, é como saltar de um abismo. Parece haver
um grande sofrimento nela. Mas, se temos a coragem de ultrapassar este obstáculo aparente,
nossa vida muda por completo. Curiosamente, isto é o oposto do que pensamos
convencionalmente. Apenas se liberarmos nossa conexão com a roda da vida é que estaremos
livres de fato. Presos à roda, podemos querer reconhecimento, dinheiro, uma dúzia de CDs —
buscamos essas coisas. É como falar com alguém que está num campeonato de futebol. A
pessoa quer ser campeã da Libertadores, campeã do mundo, ou, como naquele decalque muito
engraçado que vi outro dia: "Grêmio, Campeão do Planeta". Se tiramos isso da pessoa, parece
que a vida perde completamente o sentido. O amadurecimento desta etapa tem uma certa
conexão com outras tradições religiosas.
Se a pessoa realiza o segundo passo, vê-se liberada de todos os impulsos negativos da mente.
Quando atinge a liberdade correspondente ao terceiro passo, está livre de todos os defeitos da
fala e das emoções E, quando atinge a realização, a maturidade do quarto passo, está livre de
todas as manipulações de corpo e identidades, está livre de causar mal para si ou para os outros
através do corpo, fala (ou emoção) e mente.
No quinto passo ela se vê contemplada com o que poderíamos chamar de sorte. É como se o
universo inteiro começasse a conspirar pela pessoa. Nesse momento, tudo funciona não apenas
para a pessoa, mas para os outros ao redor dela. Este é o resultado da maturidade da quinta
etapa.
A maturidade do sexto passo dá à pessoa uma grande estabilidade. Uma estabilidade de saúde,
de vigor físico, de energia. Esta energia estável significa também destemor. Qualquer traço de
medo desaparece — isto caracteriza a vitória na sexta etapa.
Quando a pessoa atinge a maturidade relacionada ao sétimo passo, consegue conceber a
natureza divina de todas as coisas. Vê com nitidez o que se chama de dupla verdade, o aspecto
luminoso, sagrado. Percebe o aspecto ilimitado dos grãos de poeira, das estrelas, da própria
mente, da aparência física dos seres, dos carrapatos, de tudo. Também percebe o aspecto
ilimitado presente nos seres abstratos, os seres que não precisam de corpos. Dito assim parece
muito místico, mas a culpa é das palavras, elas são assim mesmo. Neste terceiro contexto de
introdução ao budismo que estou explicando, coloco as palavras desta forma. Mesmo que elas
sejam verdadeiras, não produzem as experiências, produzem apenas curiosidade e predisposição
pelas experiências verdadeiras.
O oitavo passo significa a liberação completa de todos os sentidos convencionais. Alcança-se a
percepção estável do aspecto ilimitado e da inseparatividade de todas as coisas, sem o aspecto
convencional. No sétimo passo ainda existe uma dupla verdade, pois há um aspecto
convencional em contraponto a um aspecto absoluto. Esses dois últimos passos são a
iluminação, a sétima é um tipo de iluminação impossível de superar, e a oitava também. Na oitava
apenas não há percepção dual.
E, por curioso que possa parecer, há um passo adicional além do Nobre Caminho Óctuplo. Buda
atingiu as oito etapas sentado sob a árvore bodhi, a figueira sagrada, mas depois levantou-se
para ir ao encontro dos seres e ajudá-los. É o ponto da manifestação completa da compaixão
pelos seres. Ele se levanta para benefício de todos. Não é uma etapa de liberação propriamente
dita — a liberação foi concluída no oitavo passo —, é o momento da ação iluminada.
Existe uma divisão comum de três modos de praticar o budismo. Começamos ouvindo
ensinamentos, depois meditamos sobre eles e a seguir agimos de acordo. É por isso que
precisamos de centros, como temos aqui [o Centro de Estudos Budistas Bodisatva, na estrada do
Caminho do Meio, cidade de Viamão, Rio Grande do Sul]. É por isso que estamos construindo um
templo. Para fazer girar as várias etapas da roda do Darma. Precisamos de uma sala onde
possamos ouvir, outra onde meditar e ainda o ambiente onde agir. Nosso objetivo é ajudar os
seres das mais diferentes formas. É a manifestação de uma dimensão humana transcendente.
Quando ajudamos alguém há um aspecto extraordinário, cósmico. Quando ajudamos alguém já
estamos atuando segundo a compreensão de uma outra pessoa, já nos colocamos em marcha
transcendente em relação a nossos próprios impulsos, nossa identidade.
No Centro Budista Caminho do Meio temos esse objetivo. Por isso estamos montando uma
escola, planejamos uma clínica etc. É para, na medida do possível, ajudar as pessoas a viverem
uma vida mais sensata, mais cordial. Também tentamos estruturar atividades que resultem em
formas de sustento. O centro deve ser um lugar de força para beneficiar os seres.
Agora, se quisermos explicar de uma outra forma, ainda dentro dessa perspectiva descritiva, o
budismo inteiro pode ser resumido em três palavras. A primeira é Buda, que já expliquei. A
segunda é Darma, que mencionei há pouco; é o ensinamento que surge na mente do Buda para
beneficiar os seres — como ele tem liberdade perante o que para nós é dificuldade, ele examina
o duka dos outros seres e resolve os problemas, manifestando soluções. A terceira é Sanga, e
está relacionada ao Buda.
A Sanga surgiu porque o Buda surgiu, 26 séculos atrás. Se não fosse assim, não estaríamos aqui
estudando esses ensinamentos. É como se fosse uma fogueira, a chama em si não pertence a
um ou dois dos paus queimando. É um calor que surge a partir do conjunto: se separamos um
dos paus da fogueira, o fogo termina neste pau. Temos dificuldade de seguir o caminho da
liberação sozinhos, mas quando estamos juntos é mais fácil. Chamamos isso de Sanga. Ela é
capaz de queimar nossos problemas. Também é comparada a um recipiente e um pilão. Um
centro de Darma, um grupo de praticantes, é como se fosse o recipiente, e o sucessivo bater do
pilão é a vida cotidiana. Somos os grãos de arroz com casca. A vida vai batendo, e as cascas vão
caindo. Este é o efeito da Sanga. O exemplo é do Zen, claro — exemplo Zen é sempre com
arroz…
Apresentando o budismo através da meditação
Há várias maneiras de introduzir os ensinamentos, vários estilos de ensinamentos. Uma das
avenidas tradicionais, ensinada pelo próprio Buda, é o caminho da meditação tranqüilizadora. A
gente simplesmente senta e pratica o primeiro dos oito passos, e os outros seguem-se
sucessivamente. Com a mesma aparência externa da posição de lótus, segue-se etapa por
etapa.
Neste caminho a pessoa entra, senta e vai colhendo as experiências profundas sentado. Este é o
caminho que o Buda ensinou. Podemos chamar isto de diana, shamata, vipassana ou samadhi;
podemos chamar de samassati, mahasandi, mahamudra. De acordo com o conteúdo, com o que
acontece por dentro. O Buda descreve minuciosamente estes passos. O Buda diz: "Não
acreditem!", ou: "Nos textos não está a verdade! Testem!"… Mas ainda assim o Buda descreve. O
Buda diz que a verdade não está nos textos, mas, dependendo da realização da pessoa, o texto
pode espelhar essa realização, e aí pode ser útil de alguma forma.
Temos então o aspecto discursivo, que pode ser misturado com o anterior. Cada um deles
precisa dos outros. Se a pessoa só fica sentada, pode ficar apenas em confusão, é preciso algum
tipo de instrução. O obstáculo da meditação nunca é resolvido na meditação. A pessoa precisa
ouvir os ensinamentos e meditar, mas só ouvir não adianta, ela precisa aplicar na vida cotidiana,
e então a meditação funciona.
Apresentando o budismo através da bondade
Depois existe uma outra abordagem, que é simplesmente praticar bondade. A bondade é uma
capacidade de ir além da própria identidade e encontrar os outros seres. É uma imediata prática
de transcendência ativa. O Dalai Lama diz: "Eu não sou budista, a minha religião é bondade,
amor e compaixão." A instrução seria assim: apenas pratique bondade; se tiver dúvidas e pensar:
"Isto é fácil, isto é ingênuo", chame o "mestre" Charles Bronson — vai ficar claro como este
caminho é desafiador.
Podemos acreditar que existem seres terríveis, responsáveis pelos problemas do mundo. Mas há
uma liberdade que não conseguimos captar na sua natureza terrível. Apenas dizer que são
terríveis não explica tudo. Um psiquiatra poderia dizer: "Trato todas as pessoas, menos os loucos"
—, mas seria um absurdo. O psiquiatra é alguém que tem afinidade com os loucos, ou seja, esta
é a função dele. Por isso, não negamos que os seres sejam terríveis ou loucos, mas é porque as
coisas são dessa forma que o psiquiatra é necessário.
Na verdade não negamos as características dos outros, mas vamos nos comportar de forma
diferente. Os chineses estão trucidando os budistas no Tibete, mas o Dalai Lama, embora não
diga que eles são bonzinhos, ainda assim é médico deles também. Os chineses têm suas
características e estão dentro da roda.
Há algum tempo aconteceu um incidente com monges na Coréia. Pode parecer que isso apenas
"suje" o nome do budismo, mas há um aspecto maravilhoso. As pessoas devem abrir os olhos e
ver que não basta fazer os votos, é necessário cumpri-los. Não é por usar uma roupa diferente
que se abandona o carma e os impulsos não virtuosos dos seres humanos. Não é tão fácil. Seria
como dizer que apenas por se dizer budista uma pessoa estaria iluminada.
Isso me lembra aquele ministro religioso que foi reconhecido em um motel com uma senhora que
não era propriamente sua esposa. Foi uma coisa terrível, ele era admirado por muitas e muitas
pessoas. Aí ele foi para a TV e disse: "Viram? Eu sempre disse a vocês, o diabo é um perigo
verdadeiro!"
Daí os monges aparecem na TV revelando dimensões de grande agressão. Na verdade devemos
entender que a roda é um perigo… As coisas são assim, isto revela um lado humano. Os monges
são seres humanos. A forma monástica é uma forma de viver. Raspar a cabeça não raspa as
emoções perturbadores. O importante é rir. Rir das nossas expectativas e idealizações.
Lembro do primeiro mestre tibetano que ouvi, Sua Eminência Jangom Kongtrul Rinpoche III.
Perguntaram a ele: "Os tibetanos estão mais próximos da iluminação que os ocidentais?" Quando
Tenzin, o tradutor tibetano, traduziu, o mestre não parava de rir. "Será que é mesmo assim,
Tenzin?", Rinpoche perguntou, jocoso. E não parava de rir… Certamente ele sabia algumas boas
histórias do Tenzin. Rir é uma coisa bem boa. Rimos de nós mesmos.
Levar as coisas muito a sério é um grave problema. O Buda mesmo disse: "Se alguém fizesse as
prostrações para mim pelas minhas 32 marcas, este seria um herege." Pois um ser liberto não é
identificado por características particulares. Então, quando criamos expectativas e depois nos
frustramos, estamos apenas criando seres e colocando idealmente qualidades ilimitadas neles.
Mas isto foi apenas um longo parêntese sobre a questão da bondade. Essa bondade pode
também ser descrita em dez níveis. Mas não há tempo para este estudo aprofundado agora.
Apresentando o budismo através dos Yidams ou da perfeição de todas as coisas
Outra forma aparentemente diferente de se aproximar do budismo é olharmos para as deidades e
suas qualidades e procurarmos copiar de imediato estas qualidades. Em vez de pensar na roda,
na estabilização meditativa, ou na bondade, praticamos sadanas referentes a Yidams. É um outro
caminho, pode ser praticado sozinho, mas caracteriza uma abordagem em si mesma.
Existe ainda uma outra forma, na qual resumidamente se compreende o primeiro passo do Nobre
Caminho Óctuplo e se utiliza a vontade de superação da experiência da existência cíclica como
combustível poderoso para penetrar nas práticas de meditação na perfeição de todas as coisas.
Não vamos usar conceitos de amor e compaixão, não vamos praticar virtudes nem a supressão
das não-virtudes; focamos diretamente a natureza ilimitada. O reconhecimento da natureza
ilimitada produz a superação de todas as prisões e carmas, nada mais é necessário.
Todos esses métodos têm superposições uns com os outros, e cada um apresenta dificuldades
específicas. Neste último método, por exemplo, o foco não está na prática, no trabalho, na família
ou nos centros de atendimento. A ênfase está especialmente nos retiros.
Para praticar o budismo…
Há uma grande diversidade de formas de prática no que diz respeito aos ensinamentos. Este é o
corpo de ensinamentos do Buda, mas muitos ensinamentos podem vir a ser necessários antes
mesmo de se poder entrar no Nobre Caminho Óctuplo. Podemos dizer que 90% ou 95% dos
seres não podem praticar imediatamente as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho
Óctuplo, pois estes ensinamentos pareceriam demasiado sofisticados ou fora de propósito. As
pessoas estão presas a ideologias, formas de compreensão, hábitos mentais, soluções
aparentes, prioridades invasivas que as impedem. Ajudar estes seres é o foco da maior parte dos
ensinamentos dos mestres. Se eles compreenderem a bondade, o amor e a compaixão, isto será
maravilhoso.
É como o Buda disse: "Pratiquem a bondade, não criem sofrimento, dirijam a própria mente. Esta
é a essência do Budismo."
(Este texto originou-se da transcrição de palestra proferida no Centro de Estudos Budistas
Bodisatva, na estrada do Caminho do Meio, em Viamão, em 19 de outubro de 1999. A presente
versão do texto é fruto da compilação e revisão de Padma Dorje — [email protected] — da
revisão de Gustavo Guerra — [email protected] —, e da edição final do texto por Lúcia Brito em
novembro de 2000, sob a orientação do lama, para benefício de todos os seres)
A TRADIÇÃO BUDISTA
Jamgon Kongtrul Rinpoche III
Muitos de vocês devem conhecer os ensinamentos budistas que tiveram a sua origem
com Buda Sakiamuni há mais de 2500 anos, na Índia, de onde foram levados para todo o
mundo. Eles chegaram primeiro no Oriente, nos países da Ásia e no Tibete, enraizandose profundamente. Como foi profetizado, agora o budismo chega ao Ocidente.
Há quem pense que o budismo é uma religião oriental, um produto do Oriente ou de um
conjunto de culturas orientais. Quando se associa budismo com Tibete ou tibetanos,
pensa-se que o budismo é tibetano. O budismo não é uma crença ou tradição numa
cultura, quer dizer, não é nem especificamente oriental nem especificamente tibetano. O
budismo é mais do que crença associada a uma cultura. O fundamento do budismo é a
compreensão da natureza básica das coisas e dos fenômenos: assim os ensinamentos
budistas tratam da natureza das coisas e da premissa de que cada indivíduo, sem
exceção tem potencial para experienciar a sanidade total inerente a todos os seres.
Assim, o budismo não é apenas uma crença levada a sério por certas pessoas ou grupos,
mas uma acumulação de conhecimentos e de experiências da natureza e do potencial
dos seres humanos.
Os ensinamentos budistas adaptam-se a todos os contextos culturais por tratarem,
simplesmente, da natureza fundamental da experiência, e assim, filosoficamente, o
budismo está para além de qualquer forma condicionada. Pode-se também dizer, a
verdade absoluta ou suprema está além da forma condicionada. Toda forma
condicionada está sujeita a mudanças e o que está sujeito a mudanças não contém
verdade absoluta. Não pode haver duas verdades absolutas, ou então, não são absolutas.
Mas a visão filosófica precisa ser realizada para que se possa experienciar a verdade
absoluta. Quando falamos de experienciar, não é especulação ou conjectura, mas sim
uma postura intelectual em que se determina que "deve ser assim". Contudo, a
experiência fala por si. Quando procuramos integrar a perspectiva filosófica às práticas
específicas de hábitos do cotidiano com os nossos propósitos íntimos e no contexto da
nossa realidade relativa, associa-se a forma. E como a prática toda é forma, a tradição
budista pode parecer uma religião ou uma crença.
Cada um de nós, como ser humano, sem exceção, tem um real desejo de se libertar do
sofrimento e da dor. Assim, ao nos dedicarmos a qualquer atividade, pensamos tirar
alguma vantagem, no sentido de libertarmo-nos cada vez mais do sofrimento. Enquanto
continuamos na busca, é muito raro sermos bem sucedidos ou nos contentarmos com o
que alcançamos. Isso acontece, mas por trás da satisfação pessoal continuamos a sentir
uma sutil insatisfação. Quanto mais sucesso encontramos, maior a insatisfação, menor a
moderação. Por causa de certos hábitos da nossa mente não somos capazes de
estabelecer limites, e dessas insatisfações nos vêm mais sofrimento ainda. Isto não é uma
força de expressão, mas vem da experiência e nossas vidas o comprovam.
Por que será que não alcançamos felicidade quando a perseguimos tão incessantemente?
Porque partimos de uma confusão muito grande quanto ao que seja o sofrimento.
Tentamos no livrar do sofrimento, da sensação de sofrimento, mas não sabemos nem
compreendemos o que deve ser feito. Nunca nos demos a oportunidade, nunca
encontramos o conhecimento que permite observar o que causa o sofrimento. Porque se
não nos libertarmos da causa do sofrimento, tentar nos livrar da sensação de sofrimento
é como arranhar uma superfície, não chegamos ao problema fundamental.
Em geral, tentamos evitar a sensação de sofrimento. Temos a idéia de que é errado
sofrer, que existe exteriormente algo real do qual não devemos nos aproximar. Mas por
mais que se queira fugir da sensação de sofrimento, se não nos libertamos da causa do
sofrimento nunca nos libertaremos da sensação do sofrimento. Por isso, uma idéia muito
errada que temos é que devemos nos livrar do sofrimento e não da causa do sofrimento;
que o sofrimento é criado externamente.
As circunstâncias exteriores podem influir, mas não são de forma alguma a causa do
sofrimento. E o grau de influência que as circunstâncias externas podem ter sobre nós
depende de quanto vamos permitir a estas circunstâncias externas de nos influenciar.
Quando Buda Sakiamuni deu o seu primeiro ensinamento conhecido como as Quatro
Nobres Verdades, a primeira é que precisamos conhecer e compreender o sofrimento.
Compreender a verdade do sofrimento. Ele não disse "livrem-se do sofrimento", porém
"compreendam a verdade sobre o sofrimento". E o que será que o Buda Sakiamuni quer
dizer com "compreendam a verdade sobre o sofrimento"?
Se podemos compreender a verdade sobre o sofrimento, temos a virtude de poder
começar a compreender a causa do sofrimento. O sofrimento não acontece
simplesmente, o sofrimento tem a sua causa, como todas as coisas. Devido à natureza
interdependente de todas as coisas não há consequência sem causa. Assim, na segunda
Nobre Verdade, o Buda Sakiamuni disse que precisamos nos livrar das causas do
sofrimento. As causas do sofrimento são padrões conflitantes de emoção e carma.
Nossas várias tendências habituais, fruto da ignorância. Quando nos referimos à
ignorância queremos dizer a noção de um eu ou do ego que tenha existência inerente.
Devido à idéia da existência do si-mesmo, do eu ou do ego, automaticamente nos vem a
fixação referencial da noção do outro, da permanência do sujeito e do objeto, ou, em
outras palavras, a noção dualista de eternalismo e niilismo.
A nossa tendência normal é acreditar que as coisas, ou o que quer que seja, existem
permanentemente e aí cremos no eternalismo. Mas nada é permanente e quando vem a
mudança somos abalados por termos acreditado na permanência. Mas a realidade não
substancia o que pensamos. Portanto, não é a mudança que nos traz o sofrimento, é o
fato de cremos na permanência, no eternalismo.
Não temos a compreensão de que os fenômenos existem interdependentemente. Tudo
existe interdependentemente, e o que existe interdenpendentemente não tem
permanência. Portanto, ou cremos na permanência de tudo ou vamos para o outro
extremos, acreditando na não-exitência de tudo e caímos no niilismo. Vivemos num
conflito entre o eternalismo e o niilismo, dissociado da realidade fundamental da
natureza das coisas, causado pelas tendências habituais ou fixação dualística.
Por crermos nessa fixação habitual da permanência do sujeito, na noção de permanência
do objeto e na separação de ambos, temos todas espécie de atitude errônea, como ira,
agressão, desejo. Estas fixações nos levam a agir de forma confusa, nos envolvendo em
todo tipo de ações nefastas do corpo, da palavra e da mente que contribuem para o
acúmulo de tendência habituais. Quanto mais hábitos confusos acumulamos mais ações
nefastas surgirão, sem que se tenha qualquer controle.
Desta forma, um certo hábito ou círculo vicioso se inicia. Temos a idéia de que nós, como
seres humanos, somos medianamente espertos. Pensamos que temos algum controle
sobre nossas vidas, que tomamos nossas próprias decisões e que decidimos e agimos
livremente. Se o nosso desejo é de experienciar mais dor, então as nossas decisões se
aplicam. Contudo, nós não tomamos decisões fundadas na liberdade e na sabedoria.
Tomamos nossas decisões fundadas na confusão, e somos levados pela confusão que nos
diverte. Somos permanentemente atraídos pelas nossas próprias confusões.
Um exemplo patente sobre o que estamos falando é o caso da ira. Ninguém tem o desejo
sincero de ficar zangado. Se pensamos "quero mesmo ficar zangado", provavelmente não
nos zangaremos. Mas, por causa da força das nossas tendências habituais, ficamos
zangados e não temos qualquer controle sobre esta emoção.
Este título "Deus e o Vazio", pode parecer estranho. O vazio que é a teoria fundamental do
budismo, principalmente do zen, é o "nada". Dentro do cristianismo também podemos
encontrar esta compreensão do vazio, como nas palavras de São João da Cruz, místico espanhol.
Ele ganhou o título de "doutor em nada".
Como nas palestras anteriores, vou continuar falando sobre mestre Eckart, místico alemão, e
mestre Dogen, fundador da linhagem Soto Zen no Japão. Em primeiro lugar escolhi este sermão
de mestre Eckart: "Paulo levantou-se do chão e com os olhos plenamente abertos nada viu." Na
minha opinião, esse texto tem quatro sentidos: O primeiro é que, ao levantar do chão com os
olhos abertos viu o "nada", e o "nada" era Deus. O segundo: ao se levantar, nada viu além de
Deus. Terceiro, em todas as coisas nada mais viu além de Deus. No quarto, quando viu Deus viu
todas as coisas como "nada". Esta frase "quando Paulo se levantou do chão com os olhos
plenamente abertos nada viu" corresponde à experiência de São Paulo quando ia para Damasco.
Era contra Jesus Cristo — nunca o vira pessoalmente, mas estava em oposição a ele.
Nessa viagem, escutando a voz de Jesus Cristo, quase desmaiou. Caiu, levantou-se, tornou a
cair, ficou cego três dias. Depois sua vida mudou totalmente. Em lugar de atacar Cristo, meio
que tornou-se discípulo, mesmo nunca o tendo encontrado pessoalmente. Começou a pregar a
palavra de Jesus Cristo para os estrangeiros. Chegou até a brigar com São Pedro. Na Bíblia
encontramos esse tipo de experiência mística de São Paulo e São João.
Comentada por mestre Eckart, a frase me lembra mestre Dogen no capítulo "vida e morte" do
Shobogenzo, onde dois monges discutiam, "Em vida e morte existe Buda, logo, prá que
preocupar com vida-e-morte? 'Vida-e-morte' é o mesmo que 'samsara'; mundo ilusório. Na vida
'samsara'; que vivemos com vida, morte, sofrimentos, existe Buda. Por isso, não se preocupe com
essas dores e sofrimentos, dizia um. E o outro, "Não, nada disso, em vida-e-morte não existe
Buda, não há que preocupar com vida e morte, pelo contrário."
Um dizia que dentro da vida existe Buda e o outro afirmava o contrário. Discutiram até que um
deles, percebendo que não conseguiam sair do impasse, propôs inquirir o mestre, que
respondeu, "Um está muito próximo e o outro longe", e o monge que perguntou insistiu, "Mas
quem está mais perto e quem está mais longe?" e o mestre falou, quem está mais próximo não
precisa perguntar. Em suma, quem perguntou, perdeu.
Se existe ou não existe Buda dentro de vida-e-morte é questão ociosa, ambas as posições são
verdadeiras, ambas são a mesma. São as duas faces de uma moeda. Uma moeda é composta das
duas faces. Com pontos de vista diferentes chega-se a diferentes conclusões, da mesma forma
que o desenho de um cubo, visto de um ponto ou outro, também muda.
Mestre Eckart vê na experiência de São Paulo quatro possibilidades. Na primeira, quando ele se
levantou do chão com os olhos abertos e viu o "nada", o "nada" era Deus. Na segunda, ao se
levantar ele nada viu além de Deus. Na terceira, em todas coisas ele nada mais viu além de
Deus. Isto é igual à discussão anterior sobre o Buda em todas as coisas. Ou seja, em vida-emorte existe Buda, por isso você não precisa se preocupar. Dentro de todas as coisas você pode
encontrar Buda, Deus. Quarta: quando viu Deus, viu todas as coisas como "nada". Esta é a outra
possibilidade. Dentro de vida-e-morte não existe Buda nem Deus, mas "nada". Por isso não é
necessário se preocupar com vida-e-morte.
Há outras passagens de mestre Eckart: "A luz que
Deus é brilha no escuro. Deus é que é a verdadeira
luz. Para ver isso a pessoa deve estar cega e deve
tirar para fora de Deus tudo o que é algo. Um
mestre diz que aquele que falar de Deus através de
qualquer semelhança, fala de modo simplório Dele.
Mas falar de Deus através do 'nada'; é falar Dele corretamente. Quando a alma unificada entra
na total auto-abnegação, encontra Deus como um Nada."
"A luz que Deus é
brilha no escuro."
Aqui se diz "quando se fala de Deus através do nada, fala-se Dele corretamente". Uma vez um
dos monges, discípulo direto de Buda, cujo nome era Subhuti — aquele que no Sutra do
Diamante faz as perguntas porque entende sunya, o vazio, profundamente —, estava sentado
em meditação sobre uma pedra. Profunda concentração. De repente, sente algo cair sobre si.
Eram pétalas de flores. "o que está acontecendo?!" perguntou surpreso, e Deus Brama apareceu,
"o que está fazendo aí?" Subhuti: "Admirando..." Brama: "Admirando o quê, qual nada, estás
falando o vazio." E Subhuti: "Não estou falando nada". Então Brama concluiu, "É precisamente
isso, estás explicando perfeitamente o vazio", enquanto pétalas caíam.
A história aqui é mitológica, pertence à mitologia budista. Diz em resumo que quando você não
fala, fala perfeitamente, com o sermão do corpo, das figuras, dos gestos, que mostram o
interesse, atenção, cansaço, etc. O corpo fala também durante a meditação. Estando naquele
estado, o vazio fala perfeitamente. A luz de Deus brilha na escuridão, Deus é a verdadeira luz.
Para ver isso deve-se estar cego, e tirar fora de Deus tudo o que é algo. Cego como ficou São
Paulo durante três dias. Necessariamente.
Há outro discípulo de Buda cujo nome é Anuruda. Em certa ocasião, durante um sermão de
Buda, ele, sem querer, caiu no sono. Buda chamou sua atenção. De tão envergonhado, ele
tomou a decisão de dali em diante não mais dormir. À noite, não mais deitava, meditava sentado
dia e noite. Esse treinamento forte o deixou cego. Ele perdeu uma visão, mas diz-se que isso lhe
abriu outra.
Muita gente diz "abriu o terceiro olho". Os budistas falam no olho do céu. Falam que temos
cinco tipos de olho: o olho de carne, ou olho físico; o olho de sabedoria, que permite ver as
coisas invisíveis; o olho do céu; o olho de Darma; e, por último, o olho de Buda. Assim, indo
além do olho físico, você começa a ver as coisas que anteriormente não via. As pessoas
acreditam no que estão vendo, mas será que você está vendo as coisas mesmo, ou a projeção de
coisas de sua mente consciente e inconsciente?
Ri-se de uma historia zen muito engraçada. Havia uma padaria em frente a um templo budista.
O monge precisou viajar e pediu que o dono da padaria cuidasse do templo, atendesse visitas,
etc. Ocorre que chegou um monge viajante à aldeia. Antigamente os monges viajavam, numa
espécie de treinamento monástico, visitando outros monges, mestres e mosteiros. Desafiavam os
mais fortes no Darma, e mantinham-se treinando. O recém-chegado também praticava assim.
Nessas batalhas do Darma, com perguntas e respostas, quem perdia era obrigado a deixar o
templo; quem ganhava podia ficar como responsável. Uma batalha do Darma era algo muito
sério. Não era uma batalha de luta, mas de conhecimento, de experiências, de linguagem.
O monge visitante estava chegando e o dono da padaria, preocupadíssimo, ouvia a sugestão do
chefe da aldeia, "Raspe a cabeça, coloque o manto e apenas sente-se diante da parede como se
estivesse meditando. Faça como se estivesse em treinamento de silêncio, nada fale, nem escute e
nem responda." O dono da padaria se animou, "Ah, é fácil, isso eu posso fazer." Raspou a
cabeça, colocou o manto e sentou-se voltado para a parede. Nisso chegou o monge visitante e
começou a fazer perguntas sobre o Darma, a doutrina budista. O dono da padaria assumiu um
tom grave e fez "Shhh". O monge entendeu, Ah, ele está fazendo muitos dias de treinamento de
silêncio, mas já que estou aqui depois de tão longa caminhada nas montanhas você vou
aproveitar e perguntar com gestos, assim ele também pode responder com gestos, sem quebrar
seu voto de silêncio.
Gesticulando, perguntou, Como é seu coração, seu
espírito? O dono da padaria respondeu com um
grande gesto para as dez direções, ou seja, os quatro
pontos cardeais, os quatro pontos médios entre eles,
para cima e para baixo, "Meu coração é corno o
oceano." Veio a segunda pergunta "Como viver este
mundo?", e o dono da padaria mostrou os cinco
dedos da mão, panca sila, os cinco preceitos: não
matar, não roubar, não cometer adultério, não conduzir os outros a erros, não usar
intoxicantes. O monge sentiu-se tocado, "Ah, que bonito!" E mostrou três dedos da mão,
perguntando, "Onde estão as três jóas, o Buda, o Darma, a Sanga?" Ao que o dono da padaria
respondeu com o punho, "Não procure longe, está aqui muito perto, perto do olho, está aqui."
Impressionado, o viajante foi embora.
"O que você vê
depende de seu
interesse."
Vendo isso, o chefe da aldeia correu até o padeiro, "O que aconteceu? Ele foi embora muito
impressionado, me conta", e o dono da padaria explicou, "Aquele monge é muito estúpido,
primeiro, fez um gesto com as mãos, perguntando quanto custava o pão, se o pão era muito
pequeno, e eu abri bem os braços mostrando que meu o pão é bem grande. Ele perguntou
quanto custavam dez pães e eu mostrei-lhe cinco dedos, dizendo cinco moedas, mas ele me
mostrou três dedos, pedindo que vendesse por três, e eu pensei, que sem-vergonha, e por pouco
não lhe acertei um soco no olho!"
Esta é uma história muito engraçada que mostra cada um vendo o que está pensando em sua
própria mente, interpretando à sua maneira. Quando você fica velho, toda a manhã pega o
jornal e busca qual página? A necrológica! ... As cruzes com preto e dourado... Ah, morreu com
oitenta e cinco anos, coitadinho, eu tenho 77 (risos), mas isto não é brincadeira para uma
pessoa. Eu, ao abrir o jornal, nem penso na seção necrológica, nem na policial, mas corro logo
os olhos para ver o que passa no cinema... "Karatê Kid III, ah, isto é interessante!..." O que você
vê depende de seu interesse. Aquilo que não lhe interessa, ainda que esteja lá, você não vê.
Muitas vezes ocorre o oposto, você vê o que não existe, você cria. Por isso, não confie muito
naquilo que esteja vendo. Como podemos ver as coisas verdadeiramente? Como já disse em
palestra anterior, aqui há uma mesa, mas mesa o que é? Madeira, árvore, pregos e o que mais?
Afinal de contas, nada, vazio. Tudo é vazio.
Para ver a verdade você tem que ser cego e tem que abrir a outra visão, o olho de Buda, 0 olho
da sabedoria, o olho do Darma, e com isso você pode começar a ver as coisas invisíveis, ver até o
que o outro está pensando, ou o que irá acontecer daqui a dez anos. Às vezes a gente vê e isto
realmente acontece, não é algo sobrenatural. Meditando, aquela onda de consciência, a mente
fica completamente tranqüila, como o lago rodeado de montanhas altas. Quando não há ondas,
a água reflete com perfeição a lua cheia. Zazen é isto, sentando, refletindo, vêem-se as coisas
como elas são.
Mestre Eckart: "Apareceu ante um homem como um
"Desaparecendo o
seu corpo, aí há
unidade."
sonho. Foi um sonho acordado em que ele ficou
grávido com 'nada'; como uma mulher com um filho
no ventre. E daquele 'nada' um filho nasceu; este era
o fruto do nada." Deus nasceu do nada e por isso ele
diz: "levantou-se do chão com os olhos abertos
vendo nada."
O treinamento zen no Japão se dá atualmente através de duas escolas, a escola Rinzai e a Soto.
Eu sou da escola Soto mas fui treinado na Rinzai. Quando você encontra pela primeira vez seu
mestre no mosteiro, geralmente o mestre dá um koan, uma pergunta, este é o método na escola
Rinzai. A primeira categoria de koans chamamos de "hoshin", ou "corpo cósmico de Buda". A
primeira experiência do zen é através da meditação onde você encontra o corpo cósmico de
Buda. Abandonando o ego, desaparecendo o seu corpo, aí há unidade com o universo. Por isso
há um koan inicial como o do cachorro, do mestre Joshu, ou o do som de uma só mão. Se
batem-se palmas ouvem-se sons, mas quando há só uma mão, qual é o som? Ou o koan do
carvalho do jardim da frente, ou ainda o do rosto original antes do nascimento, antes do
nascimento dos próprios pais. Estas perguntas paradoxais se destinam a tirar todos os
condicionantes mentais anteriores, limpar a mente. Hoje a escola Rinzai ainda treina assim, mas
as perguntas e respostas originais eram um pouco diferentes. Um monge perguntou ao mestre
Joshu, "Cachorro tem natureza de Buda?" e mestre Joshu respondeu, "Mu", uma negação. Mas
como Buda havia dito que todos os seres viventes têm a natureza de Buda, "Por que o cachorro
não tem?" Então Joshu respondeu "Por que tem consciência cármica". Aí outro monge repetiu a
pergunta, "Cachorro tem a natureza de Buda ou não?" Desta vez mestre Joshu respondeu, "Sim",
e o monge complementou, "Por que então entrou Buda neste corpo coberto de pêlos?"
Durante um retiro de meditação intensiva, você tem que fazer entrevista "dokusan" com o
mestre, cinco vezes por dia. Você pensa, pensa e imagina ter achado uma resposta maravilhosa,
"Ah, que bom!", e mostra a resposta ao mestre que responde, "O quê? Nada disso! Vá embora!"
O monge volta a pensar, pensar e pensar. Esforça-se e novamente pensa ter encontrado uma
solução, leva ao mestre e, "Não! Você quer dar sermão para mim? Vá embora." Desânimo, não
era novamente... E assim vai, tentando, tentando... A função do mestre e dizer "não, não, não...",
sempre não! Mais nada deve dizer...
O monge fica sem possibilidades. Depois de um ou dois dias elas estão esgotadas. Sem resposta,
não pode mais visitar o mestre. Para responder o quê? Aí, não tendo mais o que pensar, ele
senta em zazen, mas os monges veteranos vão buscá-lo, "Venha logo, o mestre está esperando
para a entrevista", e ele responde, "Eu sei, mas não tenho mais nenhuma resposta". Eles arrastam
o monge e o jogam à porta do mestre, "Ainda há tempo, vamos logo, o mestre está esperando!"
Quando ele entra, e não há outra alternativa senão entrar, o mestre está na posição formal,
sentado ereto, e pergunta, "Quem está aí? Ah, você, vá embora, vá embora."
O monge tem que entrar e responder, mas já não consegue nem mesmo entrar! Que sofrimento!
Ter que responder onde não é mais possível; sentar, a única alternativa é sentar...! Não há
resposta possível! Uma semana com cinco encontros diários é algo muito longo! Mas não ha
como evitar, é preciso ir e ir novamente, novamente, etc. Cada um, no entanto, tem seus
próprios koans, adequados ao seu nível de compreensão. No meu caso foi o primeiro koan, o
"mu" do cachorro, de Joshu. ..
Quando se chega ao retiro muitos são os monges novatos e o mestre não se lembra de todos,
cada um tem que apresentar o que está fazendo, que tipo de koan está aprendendo. É preciso
falar em japonês o enunciado todo do koan em uma voz empostada, uniforme e sem pontuação,
mas enfática, como uma recitação de sutra:
"UM MONGE PERGUNTOU A MESTRE JOSSHUUUUuuuu
CACHORRO TEM A NATUREZA DE BUDA OU NÃOOOOoooo
E JOSSHU RESPONDEUUUUuuuu
MUUUUUUUUUUUUUUUUUUuuuuuuuuuuuuu"
E o mestre responde "Humm; ainda muito insuficiente." Quando você expira, tem que ser como
uma cunha que corta um tronco, deve durar dez segundos, quinze segundos, até trinta
segundos. Neste momento você não pensa em nada. E assim segue, "MUUUUUuuuuuu....", dia e
noite, como uma bola de ferro fervente, vermelha, queimando todos os pensamentos e idéias
anteriores. Você não pode vomitá-la, não pude engoli-la e ela está aqui embaixo do umbigo
também, no ponto de "kikai". E não há resposta; chegando à frente do mestre, apresenta este
"MU" e quando está muito bem o mestre resmunga "HUum HUum". Que alívio, que bom! O
monge está concentrado com todas as forças físicas do espírito e da vontade. O "mu" vem do
topo da cabeça à extremidade do pé. E assim vai indo, vai indo... De repente, fazendo a
concentração de "mu", você encontra aquela parede, aquele paredão, aquela muralha de ferro.
Você se concentra e não consegue, cai, tenta novamente e cai, e assim vai. Isto é mais do que um
general enfrentando mil inimigos, pegando aquela espada de três quilogramas, onde ela passa
corta tudo. Assim corta todos seus pensamentos anteriores e vai indo, indo, indo, às vezes uma
semana, às vezes sete anos; durante sete anos apenas "muuuu..." — tem que ter muita paciência.
Mas de repente essa parede quebra. Isto é "kenshu", a primeira experiência zen. Não é fácil, é
necessário ter muita força de vontade.
Voltando ao nosso assunto, cachorro tem natureza
de Buda? Não, não tem. Por quê? Buda disse, Todos
os seres viventes têm natureza de Buda, então por
que o cachorro não teria? Se Buda está falando a
verdade, o mestre está mentindo, se o mestre está
falando a verdade, então Buda está mentindo. Isso é
um dilema. Este é o método do zen, o dilema, buscando limpar todos seus esquemas de
raciocínio lógico e com isto penetrar dentro do inconsciente. A função é essa. Hoje em dia vejo
"É preciso ir
andando."
assim, mas naquela época não sabia nada disso. Apenas nada havia para ser dito, mas o mestre
pegava o monge pelo pescoço e dizia, "Fala, fala, fala!"... Falar o quê? Nada havia para falar!
"Fala, fala!" Ufa!! Não tenho nada para dizer!... "Fala, fala".
E brota o grito "KAAAAAAAAAaaaaaatttzzzz......". O famoso "katz". Parece uma loucura, mas é
algo muito sério entre os que estão vivendo isso. "Chegou o momento de dokusan, anda."
Atravessando o corredor, passo a passo, firme.
E o fato do monge ter consciência cármica que o
impede de atravessar o muro. Quem tem
consciência cármica não consegue ver além de seus
carmas! Outro monge vem e pergunta ao mestre,
Cachorro tem natureza de Buda? Resposta: Tem.
Então por que entrou dentro deste corpo coberto de
pêlos? Ele entrou com um propósito, sabendo que
em vez de entrar no paraíso entra no estado animal,
ou no estado dos demônios famintos, ou até no inferno. Ele está pronto para isso. Hoje pela
manhã foram citadas estas palavras de São Paulo: "Se for para a glória de Deus, posso ser até
mesmo separado de Deus, posso entrar em quaisquer tipo de dificuldades." Esse é o verdadeiro
espírito de bodisatva. Mas quando você entra no inferno, a cada passo que é dado, este mundo
muda e transforma-se no paraíso, isso é o que acontece. Isso é uma coisa milagrosa. Moisés
atravessou o Mar Vermelho que se abriu para ele. Milagre! Mas isso acontece. Muitas vezes
encontramos uma dificuldade insuperável; como atravessá-la se até mesmo a visão não é
possível e está tudo nebuloso? É possível ver apenas um passo, dois passos, cinco metros, e só
após andar um longo trecho a visão é possível novamente e o nevoeiro esta superado. E preciso
ir andando. As dificuldades chegam de todos os lados à volta de você. Pensando logicamente é
impossível chegar até lá, mas passo a passo vai-se indo, confiando no caminho de Deus ou de
Buda, superando as dificuldades uma a uma e termina-se chegando no outro lado. Sabendo isto,
com este propósito, entra-se no estado inferior.
"Cachorro é Buda,
mas não é preciso
dizer."
E como o exemplo de ontem. A esposa perdeu a vista e o marido perfurou seus próprios ólhos
para acompanhá-la. Deus é isso. Deus está lá, por que precisaria vir aqui? Ele é puro, perfeito,
por que escolher este mundo doloroso e chegar até mesmo a viver a crucificação como um
criminoso, com suas mãos e pés pregados ao lenho? Ele estava lá tão bem com o Pai. Ele
escolheu isto. Escolhendo este mundo inferior, doloroso, sofrido, Deus encarnou, tornou-se
homem para ajudar a nós. É isso aí.
Quando cachorro é cachorro, é Buda, porque dentro de todas as coisas Deus está. Além disso
nada mais há. Dentro de todas as coisas pode-se ver Deus, apenas Deus, então por que não
dentro de um cachorro? Então cachorro enquanto cachorro é Buda. Cachorro é Buda, mas não
é preciso dizer que cachorro é Buda. Basta dizer "cachorro". E por isso que se diz que dentro de
vida-e-morte não existe Buda.
Quando se diz "cachorro é Buda", está se comparando, cachorro está sendo colocado como algo
absoluto, como Deus, ou como Buda. Quando cachorro é realmente cachorro, nem é preciso
dizer que é Deus, basta chamá-lo de cachorro, pronto. Então, nesse momento, Deus desaparece
e com isto surge a perfeição, porque todas as coisas estão no seu lugar, no seu estado perfeito,
absoluto, cada um de nós também. Neste momento você tem que realizar, não amanhã, ou
depois de amanhã, mas nesta vida. Por isso se diz, aqui e agora você tem todas as condições. As
jóias do tesouro já estão dentro de sua casa, apenas é necessário abrir a porta e usar livremente.
RESPOSTAS A AUDIÊNCIA
Não sei por que no Oriente a ciência não se desenvolveu. Creio que é pelo fato de a ciência, de
certo modo, ser muito analítica e no Oriente trabalhar-se mais com a intuição.
O que me preocupa como médico de medicina oriental é que o pensamento da ciência,
buscando encontrar a verdade — e isso é muito bom —, se lança em analisar mais e mais,
perdendo a visão global. A medicina oriental já se preocupa com isto, descobrir os meridianos.
Dentro das orelhas com a auricultura, encontra-se todas as partes do corpo. Dentro das palmas
das mãos também encontra-se todas as partes do corpo, da mesma forma nas palmas dos pés e
no intestino grosso. Dentro dessas pequenas partes, o conhecimento da medicina oriental
permite encontrar fígado, estômago, baço, pâncreas, etc. Não sei como foi isso descoberto.
Hoje em dia a medicina tradicional está muito preocupada em analisar e encontrar a verdade
"no fundo", e com isso perde a visão global. O que acontece? Cada especialista de fígado,
estômago, pulmão, vista, orelha, etc., perdeu a visão global da relação de cada órgão com os
demais. Não sei como os orientais descobriram isto pela própria experiência. Hoje em dia a
ciência está começando por baixo, aceita que existam os meridianos, que existam essas teorias
— e realmente existem e funcionam.
Então estamos vivendo o momento em que a experiência está à frente mas carece de explicações
lógicas. O médico que incorpora práticas orientais milenares não tem explicações para o que
observa e pratica, apenas vem praticar a arte da cura através da experiência. Desta forma, neste
momento a ciência está começando a provar o que já se praticava há muito tempo na medicina
oriental. De certo modo, podemos dizer que a ciência está atrasada e que agora é que começa a
incorporar essas experiências.
Nos Estados Unidos fizeram uma experiência muito interessante: primeiro uma câmara focava
um parque em pleno centro da cidade, Nova Iorque ou Boston. No parque havia um casal de
namorados sentados e abraçados. A partir desse ponto, a câmara começa a afastar-se cada vez
mais, mostrando inicialmente o banco, depois o parque inteiro, a cidade inteira, a região
metropolitana, o estado, o país inteiro, o continente americano, e afastando-se mais e mais, o
globo terrestre e ainda a Terra como uma estrela entre outras. Depois voltando novamente até o
parque, com o casal conversando no banco, e continua aproximando mais e mais, a pele, o
interior do corpo, o átomo, o elétron, o próton e o que mais. Conseguindo isso, até onde é
possível ir? Essa é a questão.
Primeiro a busca das causas; a questão dos físicos e da ciência é, ao mesmo tempo, uma questão
religiosa: "de onde veio a vida?" Os cientistas podem criar uma coisa com alguns materiais. Se
não tiverem os materiais como ponto de partida, nada podem fazer e criar. Aí vem a pergunta
"Deus nasceu de nada, como pode acontecer isso?" Ainda não temos resposta para isso, tanto na
ciência como na religião.
Fazendo como a câmara que se afasta, indo até os confins do universo, será que o universo tem
fim ou não? Todos querem essa resposta mas ela não é conhecida, então como é o final do
mundo? O universo é como um prédio grande? Mas então, ultrapassando a parede desse
prédio, o que há além?
O infinito não pode ser imaginado. E o vazio, o que é isso? Não entendo. Essa é a busca dos
cientistas e da mesma forma é também a busca dos religiosos e dos budistas.
Mergulhando-se mais e mais encontra-se o que? Encontra-se aquela experiência direta, o vazio,
e vazio é tudo. Esse vazio não significa haver ou não-haver, ou o niilismo. Quando há o nada,
há o tudo ao mesmo tempo. Encontra-se essa resposta. Aqui não há lógica. Encontra-se o tudo,
mas com intuição direta, com experiência própria é que se encontra e com certeza absoluta.
Sente-se isso, e isso é o encontro com Deus como o "nada".
O que é Budismo, Quem foi Buda, Conceitos, Essência, História...
"O BUDISMO É A MAIS PACÍFICA DAS RELIGIÕES"
"O AMOR E A COMPAIXÃO SÃO SUA BASE"
Os cinco preceitos principais do Budismo:
*não causar mal a nenhum ser vivo- não matar
*não roubar
*não fazer mal uso do corpo
*não falar mal de outros ou usar mal a fala
*abster-se de substâncias que embotam a mente.
"O BUDISMO É A PRÁTICA ESPIRITUAL, ADEQUADA AO HOMEM DESTA ERA"
"PENETRANDO FUNDO NA ALMA HUMANA,DESVENDA OS SEGREDOS DA VIDA E DA MORTE"
Mapa de onde surgiu o Budismo.
No detalhe menor, o local da iluminação de
Buda.
No Budismo há três aspectos fundamentais – conhecidos como as três
jóias, por seu valor incomensurável – que formam a essência da prática
religiosa. A primeira jóia é Buda. A Segunda jóia é o Dharma, os
ensinamentos e a verdade sobre todas as coisas. A terceira jóia é
Sangha, a comunidade de praticantes – sejam monges ou leigos. Quando
nos iniciamos no Budismo, repetimos três vezes: "Tomo refúgio no Buda,
tomo refúgio no Dharma, tomo refúgio na Sangha.
Há dois mil e quinhentos anos, um príncipe indiano chamado Sidharta
Gautama, insatisfeito com sua estéril vida espiritual, deixou seu palácio,
sua esposa e seu filho, partindo em busca da Iluminação. Depois de um
período de seis anos passados em busca constante, muitos esforços e
lutas internas, Gautama encontrou finalmente a Iluminação, enquanto
meditava profundamente, exausto, debaixo de uma árvore. A partir de
então, foi conhecido como o Buda – o Iluminado, e seus ensinamentos e
exemplo de vida se tornaram a base do Budismo.
Tomando como ponto de partida a experiência universal da mudança e do
sofrimento, Buda ensinou que o sofrimento pode ser vencido. Esse é o
estado alcançado pelos seres iluminados, e se constitui na verdadeira
essência da realidade. Um estado puro de Ser.
O 14° Dalai Lama, Tensin Gyatso, é da
Escola Gelukpa, mas teve mestres e
recebeu ensinamentos de todas as
outras tradições budistas
Depois da morte de Buda, seus seguidores levaram seus ensinamentos a outras partes da Índia, adaptando-os às
culturas locais. O Budismo se estendeu ao Sul e ao Este, onde agora é o Sri Lanka, à Birmânia, Tailândia, e ao
norte através dos Himalaias do Nepal, Butão, Sikkim. Dali tomou a rota da seda para a China, Mongólia, Coréia e
Japão. O Budismo chegou também ao Vietnam, Laos, Camboja, e Indonésia
Durante um certo tempo, o Budismo foi se dividindo em diferentes escolas, que foram desenvolvendo suas
próprias tradições.
Na Tailândia e no Sri Lanka, a principal tradição se chama Theravada, o "caminho dos theras", tradicional no seu
modelo para a busca humana.
Um outro ramo se chama Mahayana, o "grande veículo", o "grande caminho". A tradição Mahayana inclui o Budismo
Tibetano, cujo líder espiritual é o Dalai Lama. Inclui também o Chan (Budismo Japonês, Zen ) e aTerra Pura, que
começou na China e se desenvolveu no Japão. A tradição Vajrayana é tântrica e específica do Tibet.
O Vajrayana se baseia em ensinamentos poderosos conhecidos como tântras, trabalhando vários tipos diferentes
de yoga, usando mudras ( gestos sagrados das mãos), mantras (sons sagrados) e mandalas (diagramas cósmicos).
Esteve presente em todo o Himalaya, mas se concentrou no Tibete a partir do século oitavo.
A história do Budismo no Tibet começa com o rei Sangtsen Gampo, que foi persuadido pelas suas duas esposas,
uma nepalesa e outra chinesa, a convidar mestres budistas ao Tibet. O rei mandou também tibetanos à Índia para
estudar as tradições budistas e para trazer escrituras para traduzir.
Depois surgiu Padmasambhava (não nascido de mãe humana, mas manifestado numa flor de lótus), considerado o
segundo Buda, que viajou por todo o Tibet estabelecendo o Budismo por toda a parte. Foi fundador da mais antiga
Escola, a Nyingmapa (Chapéus Vermelhos), que permite aos monges casar-se e mantém-se próxima da vida
cotidiana das pessoas. Depois vieram as Escolas Kargyupa, iniciada por Marpa e seu discípulo, o poeta Milarepa. Os
Sakyapas foram fundados em 1073 e os Gelukpas surgiram muito depois, convertendo-se na Escola principal.
Também conhecidos como Chapéus Amarelos, foram fundados por Tsongg Khapa (1367-1419). Ao contrário das
outras escolas, a Gelukpa preconiza a disciplina monástica e o celibato.
Símbolos Budistas, Prática Budista, Mantra
SÍMBOLOS BUDISTAS
O vajra, usado na mão direita, representa a masculinidade, meios hábeis da
compaixão. O sino na mão esquerda representa feminilidade, a sabedoria, a
vacuidade. Os cinco Budas principais do Budismo tibetano são Akshobya, Amithaba,
Amoghasiddhi, Ratnasambhava e Vairocana.
COMO SE FAZ UMA PRÁTICA BUDISTA
Para trazer o estado de acordado a seus discípulos de diferentes culturas e temperamentos, Buda ensinou
uma variedade imensa de práticas espirituais: 8400.
As práticas fundamentais budistas estão no desenvolvimento do amor e da bondade, da compaixão, da
generosidade, da integridade moral, que são a fundação da vida espiritual. Existem meditações para treinar a
mente e abrir o coração. Essas práticas incluem a atenção sobre o corpo e a respiração, atenção plena da mente
sobre os sentimentos e pensamentos, práticas de mantra e devoção, visualização e reflexão contemplativa, e
práticas que levam a um puro e profundo estado de consciência.
Numa sessão formal de prática budista, primeiramente estabelece-se a motivação, que é sempre baseada na
compaixão e na possibilidade de ajudar os outros. O Budismo Mahayana preconiza que ao atingir a eliminação, a
pessoa não deve guardá-la para si, mas partilhá-la com os que sofrem e lutam, tornando-se um Bodhisattva, um ser
que ajuda os outros. Depois, entra-se em contato com os Budas, alcança-se uma união de coração e mente com eles
através do uso do corpo( mudras), da fala (mantras) e da mente (visualizações). Alcança seu estado de meditação,
trabalhando-se também a concentração. Depois, dissolve-se esse encontro e se faz a dedicação.
Budismo - Visão Filosófica e Psicológica:
O Budismo em sua forma original, é acima de tudo, uma filosofia de vida.
Muito antes de religião, seus ensinamentos são uma profunda reflexão sobre a nossa existência.
Grandes líderes religiosos como Jesus, Krishna, Buda, e outros, foram principalmente, grandes
filósofos e pensadores.
O termo "Budismo" refere-se a um conjunto de doutrinas e métodos de desenvolvimento
espiritual da escola criada por Sidarta Gautama, príncipe hindu que ficou conhecido pelo
nome de "Buda", palavra que significa "iluminado" ou "aquele que está desperto".
As raízes desta escola de pensamento divergem do hinduismo tradicional, pode-se crer
que sua origem remonta à escola de pensamento criada por antigos iluminados, muito
anterior ao hinduismo.
Impressionante semelhança foi constatada entre a doutrina de Buda e o antigo
Lamaismo tibetano por parte dos próprios lamas do Tibete, que acolheram o budismo e
o fundiram à sua ancestral religião como se fosse um filho que retorna ao lar.
É notável ainda a semelhança entre os ensinamentos práticos de Buda e do nosso
muito conhecido Jesus Cristo, vide o trabalho comparativo de Carlos A. F. Guimarães Buda e sua obra
As bases do pensamento budista se assentam em muitas constatações como de que o
ser humano cria seu próprio destino pelas suas ações e pensamentos. Tudo é mutável
neste universo, a única constante é a própria mudança. O ser humano comum vive em
um estado de ilusão por acreditar que pode possuir e criar coisas de existência
duradoura. Todos possuem porém, em si mesmos a potencialidade para despertar de
seus mundos de ilusão. E esta potencialidade é a única coisa em nós que não foi criada
ou condicionada. O mais importante para nós é atermo-nos ao momento presente e à
realidade de nossa existência, o "aqui e agora". Budismo possui uma conotação
bastante psicológica, não se importando muito com o sobrenatural , ou com deuses que
estão além de nossa percepção, mas com aquilo que somos e o que nós produzimos.
Se devemos cultivar bondade e outros tantos valores, não é por que algum
mandamento nos obriga ou pela esperança em algum céu futuro, mas porque seremos
os beneficiados diretos desta conduta no momento presente.
No pensamento original de Gautama Buda, devemos manter nossa mente livre de
condicionamentos e recusar toda e qualquer verdade que não possa ser comprovada
por nosso pensamento lógico, evitando qualquer dogmatismo. É necessário, comprovar
a veracidade dos ensinamentos que nos são passados, por meio de sua comprovação
na prática. Devemos evitar o simples acumulo de doutrinas e teorias que não possuam
aplicação efetiva na nossa vida. Conhecimento sem uso é inútil. Nossos valores devem
ser vividos e não apenas acumulados na forma de erudição estúpida. Devemos ainda,
corrigir e aperfeiçoar a nós mesmos, antes de querer reformar o modo de ser dos
outros. Finalmente, buscar nosso caminho pelos próprios meios, e não cair sobre a
influência do charlatanismo de certos "lideres" religiosos.
AS QUATRO NOBRES VERDADES
1 - A verdade do sofrimento: O sofrimento é inevitável para todos os seres.
2 - A verdade da causa do sofrimento: Criamos nossa insatisfação pelo nosso apego e
pela nossa ilusão (ignorância).
3 - A verdade da cessação do sofrimento: Todo sofrimento pode (e deve) cessar.
4 - A verdade do caminho para o despertar: Livrar-se da ilusão, do sofrimento e atingir
um grau de consciência maior, é possível, através de um correto modo de agir e
conscientizar-se.
A SENDA ÓCTUPLA
O caminho para a libertação de nossa insatisfação passa, não pela satisfação de todos
os nossos desejos (o que criaria maior dor e insatisfação), mas pela conscientização de
que precisamos buscar a felicidade em nós mesmos, antes de nos mover-mos em
direção ao que está fora ou além de nós. Antes de satisfazer todos os nossos desejos
podemos compreender a nós mesmos e livrarmo-nos de nossas ilusões.
O caminho ou senda para a liberdade possui oito aspectos a serem aplicados a nossa
vida:
1 - Cultivar pensamentos corretos: "Manter pensamentos equilibrados e positivos.
Nossos pensamentos criam nossa vida. O pensar correto transforma-se em viver
correto."
2 - Acalentar aspirações corretas: "Desejar o bem a todos, lutar por igualdade e justiça
social"
3 - Expressar linguagem correta: "Evitar as palavras vãs, egoísticas ou caluniosas".
4 - Manifestar conduta correta: "Não agredir outros seres vivos. Não se entregar aos
prazeres nem à mortificação, buscar o meio-termo".
5 - Buscar o modo de vida correto: "Não ganhar a vida de modo indigno ou prejudicial a
outros seres".
6 - Realizar o esforço correto: "Esforçar-se por eliminar pensamentos e conduta
negativos. Esforçar-se por evitar a criação de novos pensamentos e conduta negativos.
Esforçar-se por criar e manter pensamentos e conduta positivos.".
7 - Manter a atenção correta: "Estar alerta, observar e compreender a si mesmo, manter
a mente aberta".
8 - Praticar a conscientização (meditação) correta: "Eliminar a auto-ilusão. Ponderar
sobre a validade dos métodos que utilizamos para alcançar nossos objetivos.".
Através de tudo o que pensamos e fazemos, construímos nossa vida. A compreensão
da natureza real do universo como algo mutável, nos serve de exemplo para limpar
nossa mente e nos dar uma existência consciente e tranqüila. Vendo tanto nossos
problemas como nossas conquistas como nuvens que se vão, passamos a dar maior
importância ao que possuímos de forma mais duradoura que é nossa consciência e
nossos valores. Devemos buscar nossa força interior, que é a única coisa com a qual
podemos realmente contar. Em minha opinião pessoal, essa força é a expressão de
uma realidade maior, que permeia todo o universo. Uma vez conscientes dessa força,
compreenderemos inclusive um conceito mais universal da idéia de Deus; e estaremos
no caminho para verdadeira paz.
Iluminação é o estado onde preenchemos nossa vida com o simples fato de existirmos.
Visão pessoal sobre religião:
Na minha humilde opinião, religião é um conceito universal. Sendo católico, tenho vivido ligado
às tradições e a forma da minha fé. Porém ao ler e estudar sobre outros povos e culturas, tenho
criado uma empatia por outras formas de fé, e rejeição pela religião quando ela se torna apenas
uma instituição ou entidade jurídica.
Hoje vejo que a maioria das pessoas está ligada ao nome e forma, mas permanece distante da
realidade. Penso que pouca diferença faz contemplar um santo católico ou um tótem de alguma
tribo amazônica, ou acalentar uma idéia qualquer que nos aproxime do divino.
Tupã, Cristo, Jeová, Alá, são nomes. Cristianismo, Budismo, Islamismo, me parecem apenas
instituições humanas.
A realidade porém, está um pouco adiante de nomes e formas...
"...A pessoa verdadeiramente religiosa, não é aquela coberta por uma crosta de crenças, dogmas,
rituais. A pessoa religiosa não tem crenças; vive de momento a momento, descobrindo o novo...
...Falar de Deus sem ter uma mente de todo livre, é o mesmo que pessoas adultas se entreterem
com brinquedos; e quando nos entretemos com brinquedos e chamamos a isso de religião, estamos
criando mais confusão, causando mais sofrimento...
...Vivemos dentro dessa esfera, daquilo que é "conhecido". A esfera do prazer e dor. E com essa
mente procuramos convencer a nós mesmos de que não há morte, inventando teorias, a crença na
reencarnação, ressureição e outras inumeráveis idéias criadas pela mente para fugir de si própria....
...Tendes lido a respeito de todas essas coisas, ou tendes ouvido freqüentemente; e, entretanto, a
mente continua sempre a buscar uma resposta, a perguntar o que existe além da morte. Todas as
sociedades e seitas estúpidas prosperam à custa do vosso apetite de saber o que existe além; e
quando vo-lo dizem, sentis-vos satisfeito, pelo menos temporariamente.
...Mas quando reconhecemos as limitações da mente, do conhecido; quando percebemos que
somos limitados, e ficamos totalmente cônscios disso, isto é, tanto conscientemente como nas
camadas mais profundas de nosso ser, - há uma completa cessação da atividade condicionada da
mente; a mente deixa de existir na forma de: "eu sou, eu sei".
Há então a possibilidade de manifestar-se o desconhecido, a realidade." - J. Krishnamurti
"As pessoas não existem em função da religião.
É a religião que existe em função das pessoas.
Mesmo na política não é o povo que existe em função dos políticos.
São os políticos que existem em função do povo.
No ensino, os professores existem em função dos alunos.
Os médicos existem, em função dos pacientes.
Também a existência dos advogados, cientistas, jornalistas, tudo se resume em função do
povo.
Entretanto, na maioria das vezes, essa posição está invertida.
Utilizam-se do povo para os seus próprios interesses e satisfações.
Aqueles que exploram a religião para seus próprios fins egoístas oprimem e denigrem as
pessoas.
Eles tiram impiedosamente vantagens dos outros, apossando-se do que podem e então,
cruelmente, deixam as pessoas de lado quando não tem mais nada a oferecer.
Da mesma forma, aqueles que exploram o mundo da política para o seu próprio fim
compartilham do mesmo desprezo pelas pessoas.
As pessoas não existem para beneficiarem os líderes.
O que deve ocorrer é justamente o oposto.
Os líderes, inclusive políticos e religiosos existem para beneficiar as pessoas.
Os professores por sua vez, existem para o bem dos estudantes.
Entretanto, muitos dos que se encontram em posições de liderança comportam-se
arrogantemente, denigrem os humildes.
Vocês que me ouvem, não se deixem enganar por esse tipo de pessoa !
Jamais permitam que os impasses da vida pertubem vocês.
Afinal, ninguém pode escapar dos problemas, nem mesmo santos ou sábios.
Sofra o que tiver que sofrer. Desfrute o que existe para ser desfrutado.
Considere tanto o sofrimento como a alegria como fatos da vida.
- Daisaku Ikeda
Fundado na Índia por volta do século VI a.C., e inspirado nos ensinamentos de Siddharta Gautama,
cognominado o Buda, o budismo é a denominação dada pelos ocidentais ao sistema religioso que visa à
realização plena da natureza humana e à criação de uma sociedade perfeita e pacífica. Aberto a todos os
grupos sociais, etnias, culturas e nacionalidades, desenvolveu-se por todo o Extremo Oriente.
Desde sua origem, o budismo imbuiu-se de elementos éticos, filosóficos e religiosos. Para se compreender
a extensão desse sistema, é necessário que se conheça a literatura canônica do budismo, que se divide em três
coleções: o cânon páli, conservado pelos budistas do sudeste asiático, o cânon sino-japonês e o tibetano. Uma
visão mais completa exige a leitura de outros textos em sânscrito, manchu, mongol e em vários dialetos da
Ásia central, como o tangut.
Muitos estudiosos ocidentais consideram o cânon páli como repositório dos mais antigos textos do
budismo, mas isso foi contestado por Jean Prziyluski e por orientalistas japoneses, liderados por Shoko
Watanabe. A composição do cânon páli, de acordo com a tradição, começou logo depois da morte de
Siddharta Gautama, tendo chegado à ilha de Ceilão (atual Sri Lanka) no século III a.C. Na verdade, entram
nesse cânon textos compostos em diversas épocas, sendo os mais recentes escritos no século V da era cristã.
Do Ceilão foi levado para a Birmânia (atual Myanmar), a Tailândia e o Camboja. Compreende três partes:
uma coleção de regras monásticas, uma outra de sutras ou sermões atribuídos a Buda e a coleção de
comentários filosóficos.
O cânon sino-japonês é muito mais extenso, pois encerra, além dos textos correspondentes ao páli, uma
série de outras obras. Também divide-se em três coleções e sua elaboração teve início no século I da era
cristã, com a tradução para o chinês dos primeiros textos sânscritos.
O cânon tibetano teve sua formação no século VII e foi concluído no século XIII. Compreende duas
partes. A primeira contém os sermões de Buda e as regras monásticas; a segunda inclui os tratados filosóficos
e uma série de comentários, poemas, crônicas e textos de medicina e astrologia.
Evolução histórica
Siddharta Gautama, convencido de que a vida é cheia de sofrimentos e sacrifícios, resolveu buscar a
iluminação religiosa. Chamado de Buda, que significa "o iluminado", percorreu o nordeste da Índia durante
seis anos. Sua pregação se baseava na crença de que a existência é um ciclo contínuo de morte e
renascimento. Assim, a posição e o bem-estar na vida decorrem da conduta nas vidas anteriores. Um elo liga a
vida presente à passada.
O desligamento dos bens materiais, a paz e a plenitude levam a um estado de ausência total de sofrimento
a que Buda denominou nirvana. Para atingi-lo, é preciso seguir a doutrina das Quatro Nobres Verdades e da
Senda Óctupla. As Quatro Nobres Verdades são: a constatação de que o sofrimento é fator inerente a toda
forma de existência; de que a origem do sofrimento é a ignorância; de que se pode dominar o sofrimento por
meio da extinção da ignorância; de que o caminho que leva ao domínio do sofrimento, caminho médio entre a
automortificação e o abandono dos prazeres, consiste na Senda Óctupla. Esta abrange compreensão correta,
pensamento correto, palavra correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção correta e
concentração correta.
Após a morte de Buda, seus ensinamentos foram codificados pelos discípulos que os conservaram, a
princípio por tradição oral e mais tarde por escrito. Em seus 2.500 anos de história, o budismo deu origem a
muitas escolas e correntes, com muitas variações doutrinárias, mas todas baseadas em elementos panindianos. Para os budistas, o universo é formado por infinitos sistemas, cada um tendo como centro uma
enorme montanha de nome Sumeru, em torno dela giram o Sol e a Lua. Os budistas acreditam que acima do
mundo material, por eles desprezado, existem planos imponderáveis, habitados por seres divinos e felizes. Os
sistemas de número infinito estão sujeitos a destruições e recriações periódicas, o que leva a uma concepção
cíclica do tempo. Ao contrário dos sistemas bramânico-hinduístas, o budismo não admite a existência de um
Ishvara, "Deus Criador". As criações e destruições são estabelecidas por uma lei eterna e o processo não tem
nem fim nem começo.
Escolas budistas
Várias escolas budistas desenvolveram-se na Índia e em outros países asiáticos. As mais influentes foram,
no entanto, a Theravada, a Mahaiana, a Mantraiana e a Zen. Embora tenham muito em comum, apresentam
singularidades.
A escola theravada, entre as antigas, foi a única que subsistiu. A palavra theravada significa "caminho dos
mais velhos", e atualmente predomina em Myanmar, Camboja, Laos, Sri Lanka e Tailândia. Para seus
seguidores, Buda é a figura histórica mais importante, como também o são as virtudes da vida monástica e a
autoridade do Tripitaka (tríplice cesto), o cânon páli.
Mahaiana significa "grande veículo". A maior parte dos seguidores dessa escola vive no Japão e em outros
países da Ásia ocidental. Os budistas mahaianas acreditam na existência de vários budas, divididos em "budas
do céu" e homens que se transformarão em budas no futuro, capazes de salvar os homens através da graça e
da compaixão. A escola mahaianista, em geral, aceita o Tripitaka, mas também reivindica para suas escrituras
um nível superior de verdade. Seus adeptos normalmente ensinam como leigos e monges podem atingir o
nirvana.
Mantraiana quer dizer "veículo sagrado de recitação". Os Himalaias, a Mongólia e o Japão constituem os
centros mais importantes de atuação dessa escola budista. Em geral, o budismo mantraiana aceita a maioria
das doutrinas da escola mahaianista. No entanto, assinala a estreita ligação entre o guru, chefe espiritual, e um
pequeno grupo de discípulos, que passam grande parte de seu tempo recitando versos chamados mantras,
dançando e meditando. Na escola mantraiana, o sexo só deve existir com finalidades sagradas. Acreditam
esses budistas em muitos demônios, duendes e outras entidades.
Os seguidores da escola Zen estão principalmente no Japão, embora o movimento tenha nascido na China.
O Zen busca a forte ligação entre o chefe e seus discípulos e estes, quando evoluídos, podem atingir o satori (a
iluminação, o despertar), alcançado gradativamente, mediante longo processo de disciplina e
autoconhecimento.
Mundo budista
As três grandes áreas onde o budismo mais fortemente se disseminou abarcam: o Sudeste Asiático, a Ásia
central e o Extremo Oriente. Na segunda metade do século XX, o budismo entrou em decadência na China e
no Tibet por motivos políticos. Em outros países asiáticos, porém, ele passou por uma fase de renovação,
associando-se muitas vezes a movimentos nacionalistas. O reavivamento do budismo na Índia teve início em
fins do século XIX, com a fundação da Sociedade Mahabodhi pelo missionário cingalês Anagarika
Dharmapala. Mais tarde, Ambedkar associou o budismo ao movimento contra as castas, apelando para que os
párias ou intocáveis se convertessem ao budismo. Gandhi, Tagore, Nehru e outros líderes demonstraram
grande simpatia pela doutrina budista. No Ocidente, onde seu estudo sistemático ocorreu a partir do século
XIX, o budismo teve boa acolhida, chegando mesmo a se formarem pequenas comunidades.
Budismo no Japão. O movimento budista adquiriu no Japão características de uma verdadeira religião
oficial. Os primeiros templos foram construídos pela corte imperial ou pela nobreza e os monges eram a
princípio considerados funcionários estatais. Graças a sua associação com o poder, o budismo era procurado
não por sua doutrina, mas pelos rituais mágicos dispensadores de prosperidade e saúde.
Fundindo-se com elementos da religião nativa, o budismo deu origem a um sincretismo búdico-xintoísta
que subsiste na época moderna.
Budismo no Sudeste Asiático. No século III a.C., o budismo foi introduzido no Sudeste Asiático pelo
filho do imperador indiano Açoka, príncipe Mahinda, que o difundiu na ilha de Ceilão, onde a doutrina logo
obteve grande aceitação. Posteriormente, dividiu-se em três escolas. Por iniciativa dos reis budistas da ilha foi
feita uma compilação das escrituras em línguas páli. No século V, os letrados Budaghosa e Dhammapala
escreveram grande número de comentários e textos filosóficos, disseminando ainda mais o budismo. No
século XI, os cholas da Índia meridional invadiram o Ceilão e eliminaram o budismo, que foi depois
reintroduzido a partir da Birmânia.
A forte colonização portuguesa, holandesa e inglesa não conseguiu eliminar o budismo na região. Ao
contrário, a partir de 1756, com a chegada de dez líderes monásticos tailandeses, o movimento chegou a ter
um reflorescimento no Sudeste Asiático, tornando-se a mais importante religião do Ceilão.
Na Birmânia ele penetrou por volta do século V, inspirando a construção de inúmeros templos. Quando os
mongóis invadiram o país no século XIII, o budismo sofreu um revés, mas conseguiu sobreviver em algumas
regiões, e é hoje bastante difundido no país.
Budismo no Tibet e na Mongólia. As tribos tibetanas tinham, no início, um culto primitivo como
religião, o Bon-po. O budismo só chegou à região a partir da Índia e do Nepal no século IV da era cristã. Mas
seu reconhecimento oficial só ocorreu no século VII, quando os textos budistas foram traduzidos através de
um alfabeto tibetano, composto especificamente para isto. No século XV, o monge Tsong-Kha-Pa introduziu
reformas: criou uma comunidade que usava gorros amarelos, em oposição aos conservadores, que usavam
gorros vermelhos. Os dalai-lamas, os dirigentes máximos dos gorros amarelos, começaram, então, a exercer o
poder temporal. No século XVII, teve início o movimento missionário na Mongólia, na Manchúria e no norte
da China, estendendo-se, no século seguinte, aos confins da Sibéria oriental.
Budismo na China. Embora criticado pelas escolas de pensamento chinesas, o budismo, desde a sua
introdução na China, logo se adaptou à índole e cultura do país, sem perder suas características fundamentais.
Enorme foi sua influência sobre os usos, os costumes e até mesmo sobre as próprias escolas filosóficas
chinesas. Muitas doutrinas apenas esboçadas no budismo indiano foram desenvolvidas e aprofundadas na
China.
Apesar dessa nítida influência, existe uma controvérsia sobre a época da introdução do budismo nesse
país. Apontam-se os anos 2 e 65 da nossa era, como as datas mais prováveis. Na segunda metade do século I,
monges budistas chegados da Ásia central pregavam o Dharma na capital e nas províncias, sob proteção do
imperador. A absorção do budismo pelos chineses foi facilitada pela semelhança de alguns de seus conceitos
com as idéias do taoísmo. Contudo, o celibato dos monges e seu afastamento das atividades produtivas
chocavam-se com os princípios básicos da ética familiar e do pensamento social e político da China, o que
provocou numerosas críticas, longas polêmicas e mesmo perseguições.
Budismo no Ocidente e no Brasil. Datam do período helenístico as primeiras aproximações do budismo
com o mundo ocidental. Mercadores indianos que viviam em Alexandria propagaram sua fé budista pela
região. Clemente de Alexandria foi o primeiro autor ocidental a citar em suas obras o nome de Buda. Marco
Polo, em seu livro de viagens, apresenta um resumo da vida de Çakyamuni (outro nome de Buda) em sua
descrição da ilha de Ceilão.
Na França, no século XIX, começou o estudo filosófico do budismo. Na Inglaterra e na Alemanha também
houve uma concentração de estudos sobre o budismo científico. Em 1845, Jean-Louis Burnouf publicou sua
importante Introduction à l'histoire du bouddhisme indien (Introdução à história do budismo indiano), livro
que teve grande repercussão. Max Müller, na Inglaterra, publicou, pela Universidade de Oxford, sua coleção
de livros sagrados do Oriente.
Teve muita importância também para a divulgação do budismo o poema "The Light of Asia" ("A luz da
Ásia"), de Edwin Arnold, publicado em 1879. Nos Estados Unidos, o coronel H. S. Olcott, defensor de um
sincretismo entre as principais tradições religiosas ocidentais e orientais, estudou o budismo e o difundiu entre
os americanos. Em 1906 fundou-se a Sociedade Budista da Inglaterra; em 1929, por iniciativa de uma budista
americana, Constance Lounsbery, foi criada uma instituição semelhante na França.
No Brasil, na década de 1920, formou-se um primeiro grupo de budistas, radicado no Rio de Janeiro,
liderados por Lourenço Borges. Murilo Nunes de Azevedo, em 1955, reavivou-o, juntamente com o escritor
Nelson Coelho, mais ligado ao budismo Zen. Após a segunda guerra mundial os budistas imigrantes se
organizaram no Brasil, com centros de atuação em São Paulo e Rio de Janeiro.
Buda
O substantivo "buda" (em sânscrito, buddah) significa "iluminado", e assim se fala de "o buda" ou de "um
buda". Contudo, empregado como nome próprio, refere-se ao príncipe Siddharta Gautama, fundador de uma
das grandes religiões do mundo e para os budistas modelo de perfeita virtude.
Siddharta Gautama nasceu por volta do ano 563 a.C., em Kapilavastu, capital do reino de Çakya, na futura
fronteira da Índia com o Nepal. O nome Çakyamuni, pelo qual Buda é freqüentemente designado, significa "o
santo dos Çakya". Seu pai era o rei do país e assim sua família pertencia à casta nobre dos chátrias. Diz a
tradição que, uma noite antes do parto, sua mãe sonhou que um elefante branco lhe penetrava o ventre. Os
brâmanes interpretaram que a criança se tornaria um monarca universal ou um místico de altíssima hierarquia,
um buda (o termo já existia). Mahamaya, a rainha, teve o filho ao ar livre, durante uma visita a seus pais, nas
pradarias de Lumbini, depois Rummindei, no Nepal, onde até hoje se ergue um monumento comemorativo.
Os brâmanes reunidos durante o batismo de Siddharta confirmaram a primeira profecia sobre o menino,
acrescentando que, se permanecesse no palácio paterno, reinaria sobre o mundo e, se o deixasse, seguiria o
caminho espiritual. Todavia, Kondanna, um dos brâmanes, deu como certa a segunda possibilidade. Mais
tarde, o próprio Siddharta contou num de seus sermões que já na infância encontrara um modo de entrar em
transe. Mesmo assim, o pai o educou na abundância e no luxo, encorajando-o a tornar-se seu sucessor. Aos 16
anos, Buda casou-se com sua prima Yaçodhara.
Segundo os textos sagrados, Siddharta contava 29 anos quando saiu do palácio em sua carruagem, com o
cocheiro Channa. Pela primeira vez na vida, encontrou um ancião. Consultou Channa e este lhe respondeu que
a velhice era o destino de todo homem. Em outro dia Gautama viu um enfermo e ficou sabendo que o homem
está sujeito a doenças e padecimentos. Em outra ocasião, passou por um cadáver e descobriu a morte. E ainda
outra vez pôde contemplar um asceta com seu rosto sereno. A interpretação simbólica desses "quatro sinais" --
a velhice, a dor, a morte e a superação de tudo isso mediante a contemplação -- é a base do budismo. No
mesmo dia em que viu o asceta, o príncipe recebeu a notícia de que se tornara pai. Esse fato, porém, não o
impediu de abandonar sua posição para dedicar-se à busca da verdade.
Siddharta rumou para o sul. Seu primeiro mestre foi Alara Kalama, sob cuja direção conseguiu abolir a
personalidade e o "eu". Com o segundo, Uddaka Ramaputta, superou a esfera do perceptível, alcançando um
estado espiritual superior. Ainda não satisfeito, seguiu seu caminho até chegar a uma aldeia chamada
Senanigama, onde, conforme as práticas dos brâmanes, sujeitou-se durante seis anos às mais severas privações
e mortificações, junto com cinco discípulos. Vendo, porém, que o ascetismo não conduzia ao conhecimento
supremo, abandonou-o. Foi no noroeste da Índia, em Gaya -- mais tarde Buddh Gaya --, que, sentado embaixo
de uma árvore, alcançou finalmente o nirvana, isto é, o estado que permite contemplar o ciclo da reencarnação
universal, conscientizar-se das próprias encarnações passadas e encontrar o meio de superar a dor. Aos 35
anos, já convertido num buda, soube que tudo é relativo, que nada permanece, e que é possível escapar à
aparência. Em Buddh Gaya até hoje se venera uma árvore descendente daquela em que Buda descansou.
Quando decidiu abandonar o ascetismo extremo, seus discípulos se afastaram, mas procurados por Buda,
voltaram para seu lado depois de algumas hesitações. Buda pronunciou em sânscrito seu primeiro sermão, o
sutra das quatro nobres verdades, que constituem o dharma, a verdade, em que caracterizou a condição
humana e mostrou o caminho para libertar-se dela. Em pouco tempo, os seguidores aumentaram para sessenta
e, depois de preparados, foram enviados para pregar a nova mensagem à humanidade.
Buda, por sua vez, dirigiu-se para Uruvela, onde fez o célebre "sermão de fogo", e mais tarde para o reino
de Magadha. Ali conquistou novos discípulos e logo visitou sua família, convertendo ao novo credo os pais, a
mulher, o filho Rahula e o primo Ananda, que se tornou seu principal apoio. Convidado para o reino de
Kossala, fundou em Rajagaha, sua capital, na região de Bihar, o famoso mosteiro de Jetavana, o primeiro
centro de irradiação do budismo para o resto da Índia e para os países próximos. Também ali Buda decidiu
que as mulheres podiam entrar para a ordem como monjas.
Nos anos seguintes, teve de enfrentar não só a hostilidade de outras religiões mais antigas como também
várias tentativas de assassinato por parte de seu primo Devadatta, que almejava seu lugar. Nada disso, porém,
prejudicou o rápido crescimento da nova religião. Aos oitenta anos, Buda realizou nova peregrinação pelo
norte da Índia, em que foi acolhido com veneração por povos e cidades. Pregando para multidões, fez
numerosas conversões.
Foi durante essa última viagem que Buda morreu serenamente, num entardecer em Kusinagara, mais tarde
Kasia, por volta de 483 a.C., repetindo seu evangelho de mansidão, esquecimento de si mesmo e superação do
mundo das aparências.
I - O budismo
O budismo é uma das maiores religiões mundiais, contando, hoje, com aproximadamente 500 milhões de adeptos. Foi
fundado na Índia, por Siddharatha Gautama (480-400 aC), que foi iluminado aos 35 anos e desde então passou a ser
conhecido com o título honorífico de Budda, que significa o iluminado. Buda é mais que um personagem histórico a ser
reverenciado. Lembremos que a palavra Buddha vem da raiz Buddh, que significa despertar, conhecer, ir às
profundezas. Buda é o desperto, estado que todos devemos aspirar e realizar.
Buda não deixou sucessores e não existe uma autoridade central em questões de doutrina e ética, embora a ordem
dos monges (sangha) por ele instituída é reconhecida por muitos budistas como a instância autoritativa e intérprete dos
seus ensinamentos. O objetivo de todos os budistas é a iluminação (nirvana), um estado de espírito e perfeição moral
que pode ser conseguido por qualquer ser humano que viva de acordo com os ensinamentos de Buda. O budismo não
acredita num ser superior ou num deus criador (uma religião sem Deus?). Buda não foi Deus ou um deus. Ele foi um
ser humano que obteve iluminação completa por meio da meditação e mostrou o caminho do despertar espiritual e da
liberdade. Portanto, o budismo não é uma religião de Deus, mas uma via não-teísta, o que não quer dizer o mesmo
que ateísta. O budismo simplesmente não entra na questão da existência ou não de Deus, de um criador e sua
natureza. Daí que muitos estudiosos ocidentais o encaram mais como uma "filosofia de vida", caminho de sabedoria,
iluminação e compaixão. Como os adoradores de Deus que acreditam que a salvação pode ser obtida para todos
através da confissão dos pecados e uma vida de oração, os budistas acreditam que a salvação e a iluminação são
conquistadas pela remoção das impurezas e ilusões por meio de uma vida de meditação.
Os preceitos e ensinamentos éticos budistas, conseqüentemente, são vistos não como mandamentos divinos, mas
como princípios racionais que, se seguidos, promoverão o florescimento e o bem-estar de si próprio e dos outros.
Freqüentemente, os documentos budistas se referem a Buda como sendo o "grande médico". Assim como o médico
cuida das doenças do corpo, Buda cuida das doenças do espírito (5,6,7).
Conceito de morte e transplantes no budismo
A questão da morte encefálica e a conveniência de transplantes de órgãos criaram grande preocupação. A
controvérsia está ligada ao sentido da vida e da morte. Recentemente (12.1.98) o Comitê de Bioética da Associação
Médica Japonesa (instância consultiva) emitiu um parecer a respeito da morte encefálica e transplantes de órgãos. É
significativo que estas recomendações exigem o consentimento informado. O paciente ou a família podem recusar o
uso do critério do encéfalo na determinação da morte. Segundo Rihito Kimura, um expoente da bioética no Japão, o
público japonês gradualmente aceitará o uso do critério do cérebro para determinar a morte e transplantes de órgãos,
embora com sérias restrições. A história mostra que a mudança de atitudes públicas no Japão é possível. Há muito
tempo atrás, os japoneses tinham forte objeção em relação à doação de sangue. Isso foi superado e eles hoje
apresentam um dos mais altos índices de doação de sangue do mundo (8,9).
Os budistas, tradicionalmente, associaram a vida com a sensibilidade e, num sentido amplo, esta concepção engloba
também os animais e plantas. A sensibilidade inclui consciência e sentimento. Uma vez que o sentimento é parte da
sensibilidade, muitos budistas não apóiam transplantes de órgãos, especialmente os transplantes de coração. A morte
da mente não é a morte da pessoa. Baseado na doutrina da interdependência, a morte é entendida como sendo a
dissolução da mente e do corpo. Contudo, a definição comum de morte é a morte de todo o corpo. A "morte" é causada
pelo "cortar a respiração de um ser vivente".
A crença budista na temporalidade também ressalta uma preocupação com os transplantes de órgãos. Uma vez que a
vida é transitória e a morte inevitável, e uma vez que a missão espiritual é transcender este mundo, existe uma
percepção comum de que a vida e a morte devem seguir seu curso natural. Conseqüentemente, o transplante de
órgãos é freqüentemente possível somente às custas da vida de outrem. Tal procedimento viola o preceito que proíbe
tirar a vida, diminuindo o valor da mesma. Por isso, alguns budistas advogam o desenvolvimento e uso de órgãos
artificiais. Em lugar de prolongar a vida utilizando medidas heróicas, esses budistas dispensam as suas vidas ao
cuidado dos moribundos.
Os budistas apelam para a noção de interdependência ao abordar os dilemas éticos. Em relação ao suicídio assistido e
assuntos relacionados, a perspectiva budista enfatiza o processo de decisão. Eles procuram levar em consideração
todos os aspectos do sofrimento, equilibrando o desejo do indivíduo por uma morte suave com o dever do médico de
não causar dano e o desejo da sociedade de preservar a vida.
Os dilemas gerados pelos avanços da moderna tecnologia desafiaram os preceitos do budismo tradicional. Buda
estava consciente das limitações da Vinaya (normas monásticas seguidas pelos monges budistas) e de sua
capacidade de responder aos novos problemas. Buda sempre enfatizou que ele era um guia, não uma autoridade, e
criou um método para determinar a conduta correta. Se a Vinaya, seus comentários e intérpretes atuais não oferecem
um curso de ação satisfatório, Buda pediu aos seus discípulos para tomarem suas próprias decisões, baseadas na
sabedoria e compaixão. Este ceticismo benevolente de Buda estimula a imaginação moral em relação às difíceis
questões éticas.
A resistência em apressar a morte e sua relação com a doação de órgãos provém da imagem tradicional japonesa de
se considerar o ser humano como unidade integral de corpo e espírito, mais que aspectos distintos e separados de
mente, corpo e espírito. A unidade continua após a morte, de maneira que remover um órgão de um cadáver é visto
como perturbador dessa unidade espiritual e corporal. Isto também explica porque as autópsias são rejeitadas no
Japão. A unidade vai além do indivíduo. O destino essencial da vida humana envolve um ritmo em que todas as coisas
viventes - plantas e animais - vivem juntas no mesmo nível. Esse ensinamento shintanista e budista difere da ética
judaico-cristã, que considera os humanos como imagem de Deus, e conseqüentemente estão numa relação diferente
com os outros seres viventes. Para o japonês, a morte perturba o ritmo de todas as coisas viventes e, portanto, não
deve ser apressada. Contrastando com as preocupações atuais na área da saúde nos Estados Unidos, em não
prolongar o processo do morrer indevidamente, o povo japonês está mais preocupado em realizar os rituais do
processo do morrer e não em terminar a vida prematuramente (8,10).
Em relação à morte, os budistas japoneses já há muito reconheceram o que os ocidentais estão redescobrindo só
recentemente: que a forma de morrer, o momento preciso da morte, é muito importante. Essa premissa fundamental
provavelmente é anterior ao próprio budismo, mas se torna bem explícita nos ensinamentos de Buda. Em suas
meditações, Buda declarou que a variável crucial que governa o renascimento é a natureza da consciência no
momento da morte. Por isso, os budistas atribuíram grande importância ao fato de ter pensamentos apropriados no
momento da morte. Em duas obras do Cânon theravada (escola do budismo mais antiga sobrevivente, prevalente no
sul da Ásia), o Pwetanvatthu e o Vimanavatthu (histórias dos defuntos), podemos encontrar muitos exemplos desta
idéia. Certamente, em muitos sutras os monges visitam leigos em seus leitos de morte para assegurar que os
pensamentos dos moribundos sejam salutares e Buda recomenda que os seguidores leigos também se animem
reciprocamente em tais ocasiões.
O budismo não vê a morte como o fim da vida, mas simplesmente como uma transição: o suicídio não é, portanto, um
escape. Assim, no sangha (comunidade dos seguidores de Buda) inicial, o suicídio foi condenado, em princípio, como
uma ação imprópria. Mas os textos budistas mais recentes incluem muitos casos de suicídio que o próprio Buda
aceitou e perdoou. Por exemplo, os suicídios de Vakkali e de Channa foram cometidos por causa de enfermidades
dolorosas e irreversíveis. Mas é importante observar que a aceitação de Buda aos suicidas não se baseia no fato de
eles estarem em estado terminal, mas porque estavam com as mentes livres de egoísmo e de desejos e iluminadas no
momento da morte.
O budismo reconheceu há tempos o direito de as pessoas determinarem quando deveriam passar desta existência
para a seguinte. O importante, aqui, não é se o corpo vive ou morre, mas se a mente pode permanecer em paz e
harmonia consigo mesma. A tradição Jodo (a terra pura) tende a dar ênfase à continuidade da vida, enquanto a
tradição Zen tende a sublinhar a importância do momento e a maneira de morrer. Os budistas japoneses
demonstraram uma despreocupação com a morte, inclusive maior que a de seus vizinhos. Os japoneses valorizavam
mais a paz da mente e a honra da vida do que uma vida longa.
A eutanásia e o código samurai do suicídio
Não por mera coincidência a palavra correspondente a eutanásia em japonês é anrakushi, um termo que tem um
significado budista. Na terminologia budista, anrakukoku é outro nome para a Terra Pura, o mundo do Bodhisattva
Amida, ao qual esperam ir os japoneses depois da morte. A lei japonesa não penaliza o suicídio; entretanto, considera
um crime auxiliar um suicida ou incentivá-lo. Em situações normais, não pode haver nada mais sábio e prudente que
isso, pois a pessoa saudável deveria ser incentivada a viver e fazer o máximo possível com sua vida. Mas, nas
situações em que se exige songenshi (morte com dignidade), o fato de uma pessoa estar enfrentando uma morte
iminente é que faz com que seja moralmente aceitável assisti-la em seu suicídio, em particular se o motivo for a
compaixão.
É importante assinalar que o código samurai do suicídio incluía uma disposição para a eutanásia: o kaishakunin
(assistente). O simples corte do hara (abdome) era muito doloroso e não provocava uma morte rápida. Depois de
cortar o hara, poucos samurais tinham forças suficientes para degolar-se ou cortar a espinha dorsal. Mas sem cortar o
pescoço a dor do hara aberto continuaria durante minutos e até horas antes da morte. Portanto, o samurai combinava
com um ou mais kaishakunin para que o assistissem em seu suicídio. Enquanto o samurai tranqüilizava sua mente e
se preparava para morrer em paz, o kaishakunin permaneceria a seu lado. Se o samurai falasse ao kaishakunin antes
ou durante a cerimônia seppuku, a resposta padrão era "go anshin" (mantém tua mente em paz). Todas as interações
e conversações que rodeavam um seppuku ordenado oficialmente também estavam fixadas pela tradição, de modo
que o suicida pudesse morrer com a menor tensão e a maior paz mental. Depois que o samurai terminasse de abrir o
ponto prees-tabelecido ou desse qualquer outro sinal, o kaishakunin tinha o dever de cortar-lhe o pescoço para
terminar com sua dor, dando-lhe o golpe de misericórdia.
Muitos suicídios samurai eram de fato o equivalente moral da eutanásia. As razões para o suicídio do samurai eram:
1. evitar a morte inevitável por mãos de outros;
2. escapar de um período mais prolongado de dor insuportável ou de sofrimento psicológico, pois não podiam
continuar a ser membros ativos e úteis para a sociedade.
São justamente estas as situações em que atualmente se deseja a eutanásia:
1. para evitar uma morte inevitável por mãos de outros;
2. para evitar um longo período de dor ou de sofrimento, por não poder ser mais um membro ativo e útil para a
sociedade.
Persiste, hoje, uma pergunta importante para os budistas: existe diferença entre o suicídio e a eutanásia? Uma
diferença essencial é saber se a pessoa sujeita à eutanásia está consciente. Neste caso, a não ser que tenha feito um
testamento em vida (living will), não temos como saber se o paciente quer de fato a eutanásia. Por outro lado, uma vez
que a consciência se dissociou permanentemente do corpo, o budismo não vê razão para continuar nutrindo ou
estimulando o corpo, que não é mais uma pessoa.
Marco legal da eutanásia no Japão
Um dos mais importantes precedentes legais relacionado às questões da morte e do morrer até o momento nunca foi
aplicado desde seu estabelecimento em 1962. O caso é usualmente citado como sendo a "Decisão da Corte Suprema
de Nagoya de 1962". Diz respeito a um jovem que atendendo ao pedido do pai em estado terminal, para poupá-lo da
dor e sofrimento, lhe preparou leite envenenado para beber. Este jovem incentivou sua mãe, que não sabia que o leite
estava envenenado, a administrá-lo ao marido. No julgamento, a corte identificou seis condições que devem ser
preenchidas para se ter permissão legal para a prática da eutanásia:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
a enfermidade é considerada terminal e incurável pela medicina atual e a morte é iminente;
o paciente deve estar sofrendo de uma dor intolerável, que não pode ser aliviada;
o ato de matar deve ser executado com o objetivo de aliviar a dor do paciente;
o ato deve ser executado somente se o próprio paciente fez um pedido explícito;
cabe ao médico realizar a eutanásia; caso isto não seja possível, em situações especiais será permitido
receber assistência de outra pessoa;
a eutanásia deve ser realizada utilizando-se métodos eticamente aceitáveis (22 December 1962, Nagoya
Court, Collected Criminal Cases At High Court, vol.15, n. 9, p. 674).
Se essas condições forem cumpridas, parece não haver razão moral para se opor à prática da eutanásia. Nesse caso,
a Suprema Corte de Nagoya decidiu que os quatro primeiros critérios foram honrados, mas os dois últimos não. O
jovem foi condenado a quatro anos de prisão. O código penal japonês prevê punições severas, pena de morte ou
prisão perpétua, para o homicídio de ascendentes; contudo, no caso específico, a Corte sentiu que o desejo de honrar
seu dever filial de seguir as diretrizes verbalizadas pelo pai era evidente, e aplicou-lhe uma sentença mais leve.
À luz dos avanços médicos e tecnológicos, as decorrências da decisão da Corte Suprema de Nagoya mudaram de
muitas maneiras. Doenças antes consideradas fatais, agora podem ser efetivamente tratadas ou curadas. Foram
desenvolvidos métodos mais eficazes de controle da dor; cerca de 25 hospitais mantêm unidades de cuidados
paliativos, incluindo hospices, que são oficialmente reconhecidos no Japão desde 1990 (8).
Utilização de drogas para aliviar a dor
Outra questão é a relação entre as drogas que suprimem a dor e o prolongamento da vida e a aceleração da própria
morte. A Associação para a Morte com Dignidade, do Japão, sugere a administração das drogas que suprimem a dor,
mesmo que acelerem a morte do paciente. Os budistas concordam com o seguinte: é desejável o alívio da dor e a
questão primordial não é se a morte é acelerada ou não. No caso em que a dor seja extrema e só drogas fortíssimas
poderiam suprimi-la, teríamos que decidir entre:
a. não fazer qualquer tratamento;
b. administrar drogas contra a dor que só turvam ou confundem a mente do paciente;
c. aplicar um tratamento que acelere o fim, mantendo lúcida a mente.
Nessa situação, o budista preferiria a primeira, a via mais natural: não tentar qualquer tratamento. Caso a mente do
paciente seja incapaz de concentrar-se ou de estar em paz por causa da dor, o budista escolheria a alternativa c antes
de b, porque a lucidez de consciência no momento da morte é muito importante para o budismo.
Os médicos que não gostam da idéia de interromper a vida de uma pessoa prefeririam prolongar os processos
biológicos físicos da vida, sem se preocupar com a qualidade mental dessa vida. É justamente nesse ponto que os
budistas estão em desacordo com a medicina ocidental materialista. Mas não é necessária a existência de conflito
entre o budismo e a medicina. Não há razão para atribuir ao médico a "responsabilidade" da morte do paciente.
Segundo as diretrizes da Corte Suprema de Nagoya, os pacientes potencialmente elegíveis para a eutanásia
morreriam de qualquer forma em pouco tempo, e o médico não tem culpa alguma.
O que importa para os budistas é conceder ou não à pessoa a responsabilidade por sua vida e destino. Toda a tradição
budista, e em particular a do suicídio no Japão, valoriza sobremaneira a decisão pessoal quanto ao tempo e a forma de
morrer. Tudo que os outros fizerem para obscurecer a mente de quem está morrendo ou para impedi-lo de fazer a
escolha, constitui uma violação de princípios budistas (5).
Resumindo, a perspectiva budista em relação à eutanásia é: no budismo, embora a vida seja preciosa, não é
considerada divina, pois não existe a crença em um ser supremo ou deus criador. No capítulo dos valores básicos do
budismo, além da sabedoria e preocupação moral , que andam juntas, existe o valor básico da vida, que diz respeito
não somente aos seres humanos, como é comum nas outras religiões mundiais, mas inclui também a vida animal e até
mesmo os insetos. A crença no Karma e renascimento tem uma profunda influência na atitude budista em relação à
natureza vivente. É o que faz com que os budistas não tenham uma separação entre vida humana e outras formas de
vida.
Muitos budistas japoneses acreditam que a diminuição gradual do calor corporal deve ser sentida no processo do
morrer, e que apressar isso e remover órgãos de um corpo ainda quente não é um fim de vida esperado. A resistência
em apressar a morte e remoção de órgãos deriva da imagem tradicional que vê os seres humanos como unidades
completamente integradas mente e corpo, antes que distintas e separadas unidades de mente, corpo e espírito. Essa
unidade continua após a morte e, assim, a remoção de um órgão do corpo quebra esta unidade espírito-corpo - o que
explica porque as autópsias não são populares no Japão.
Grande ênfase é dada ao estado de consciência e paz no momento da morte. Não existe uma oposição ferrenha à
eutanásia ativa e passiva, que podem ser aplicadas em determinadas circunstâncias.
Budismo
Sistema ético, religioso e filosófico fundado pelo príncipe hindu Sidarta Gautama (563 a.C.?-483 a.C.?), o
Buda, por volta do século VI a.C. Ensina como superar o sofrimento e atingir o nirvana (estado total de paz e
plenitude) por meio de disciplina mental e de uma forma correta de vida. A doutrina é baseada nas quatro
verdades. As três primeiras são relacionadas entre si: a existência implica dor, a origem da dor é o desejo e
o fim da dor só é possível com o fim do desejo. A quarta verdade prega que a superação da dor só pode ser
alcançada por oito caminhos: compreensão, pensamento, palavra, ação, modo de vida, esforço, atenção e
meditação corretos. Os budistas acreditam na lei do carma, segundo a qual as ações de uma pessoa
determinam suas condições em vidas futuras.
Por volta do século II desenvolve-se uma nova forma de budismo denominada Mahayana (em sânscrito,
Grande Veículo), em contraposição à forma mais antiga, o Hinayana (Pequeno Veículo). O Mahayana
considera que, embora a aspiração final seja o nirvana, ele deve ser adiado para que o sábio, por
compaixão, possa dedicar-se a ensinar os outros o caminho da salvação.
Buda – O príncipe Sidarta nasce em um clã de nobres do Nepal. Aos 29 anos, chocado com a doença, a
velhice e a morte, sai em busca de uma resposta para o sofrimento humano. Junta-se a um grupo de
ascetas e passa seis anos jejuando e meditando. Após esse período, sem encontrar as respostas que
procura, se separa do grupo. Um dia, sentado debaixo de uma figueira, tem a revelação das quatro
verdades. É denominado Buda (Iluminado, em sânscrito) pelos seguidores e passa pregar sua doutrina pela
Índia.
O budismo está praticamente extinto na Índia desde a invasão muçulmana no século XIII. Hoje tem cerca de
338 milhões de adeptos em todo o mundo (6% da população mundial), sendo que mais de 90% vivem na
Ásia, principalmente no Sri Lanka, em Mianmar, no Laos, na Tailândia, no Camboja, no Tibet , no Nepal, no
Japão e na China. Ramifica-se em várias escolas, sendo o budismo tibetano e o zen-budismo as mais
antigas.
Budismo tibetano – Surge no fim do século VIII, da fusão das tradições budista e hinduísta com o
xamanismo. Seu chefe espiritual, o dalai-lama, é considerado um bodhisattva (em sânscrito, o ser destinado
à iluminação).
Zen-budismo – Desenvolve-se a partir da forma Mahayana, na China, no século VI, e difunde-se sobretudo
no Japão a partir do século XIII. Baseia-se na prática da meditação e nos exercícios de postura e
respiração. Acredita que o corpo é dotado de uma sabedoria própria que deve nortear a vida cotidiana.
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