Marc Bekoff A Vida Emocional dos Animais Um Importante Cientista Explora a Alegria, a Tristeza e a Empatia dos Animais – E Porque São Importantes PREÂMBULO POR JANE GOODALL Tradução de Ana Maciel Índice PREÂMBULO por Jane Goodall 11 PREFÁCIO O Dom das Emoções dos Animais 17 CAPÍTULO 1 A Evidência das Emoções dos Animais e Porque São Importantes 23 CAPÍTULO 2 Etologia Cognitiva: Estudar as Mentes e os Corações dos Animais 55 CAPÍTULO 3 Paixões Animalescas: O Que os Animais Sentem 71 CAPÍTULO 4 Justiça Selvagem, Empatia e Jogo Justo: Encontrar a Honra entre os Animais 119 CAPÍTULO 5 Questões Difíceis: Responder aos Cépticos e Abordar a Incerteza na Ciência 147 CAPÍTULO 6 Escolhas Éticas: O Que Fazemos com o Que Sabemos 171 AGRADECIMENTOS 209 NOTAS FINAIS 211 BIBLIOGRAFIA 227 Capítulo 1 A EVIDÊNCIA DAS EMOÇÕES DOS ANIMAIS E PORQUE SÃO IMPORTANTES M uitos animais mostram abertamente os seus sentimentos à vista de todos. E, quando prestamos atenção, o que vemos por fora diz-nos muito sobre o que se passa dentro1 da cabeça e do coração de um indivíduo. Como veremos, a investigação científica cuidada tem vindo a validar aquilo que entendemos intuitivamente: que os animais sentem e que as suas emoções são tão importantes para eles como as nossas são para nós. Há alguns anos, o meu amigo Rod e eu andávamos de bicicleta por Boulder, Colorado, quando testemunhámos um encontro muito interessante entre cinco pegas. As pegas são corvídeos, uma família muito inteligente dos pássaros. Uma pega tinha evidentemente sido atropelada por um carro e jazia morta na berma da estrada. As outras quatro pegas estavam à volta dela. Uma delas aproximou-se do cadáver, tocou-lhe suavemente com o bico – tal como um elefante toca com a tromba no cadáver de outro elefante – e deu um passo atrás. Outra pega fez a mesma coisa. Em seguida, uma das pegas levantou voo, trouxe alguma erva e pousou-a junto do cadáver. Outra pega fez a mesma coisa. Depois, as quatro pegas ficaram vigilantes durante alguns segundos e, uma a uma, levantaram voo. Será que estas aves pensaram no que estavam a fazer? Estariam a mostrar respeito de pega pela sua amiga? Ou simplesmente agiam como se se importassem? Seriam apenas autómatos animais? Sinto-me confortável para responder a estas questões, por ordem: sim, sim, não, não. Rod ficou estarrecido ao ver como o comportamento delas MARC BEKOFF > 24 era deliberado. Perguntou-me se este era um comportamento normal nas pegas e eu disse-lhe que nunca tinha visto nada assim antes e que não lera quaisquer relatos sobre pegas em luto. Não podemos saber o que estariam de facto a pensar ou a sentir, mas ao ler as suas acções não há motivo para não acreditar que estas aves estivessem a dizer um adeus de pega à sua amiga. Apesar das mais de três décadas que passei a estudar espécies animais, estou sempre a aprender com os indivíduos que encontro. Perto da montanha onde nasci em Boulder, Colorado, vivem raposas vermelhas. Quando olho para os olhos de uma raposa vermelha sentada perto de mim enquanto estudo vendo-me escrever, ou quando observo crias de raposa brincando umas com as outras, ou uma raposa vermelha fêmea enterrando o seu parceiro, não posso deixar de reflectir profundamente sobre como será estar na pele destes indivíduos que vivem na mesma montanha que eu. Nas terras circundantes vivem muitos animais – coiotes, pumas, porcos-espinhos, guaxinins, ursos-negros, uma grande variedade de pássaros e lagartos, além de muitos cães e gatos. Ao longo dos anos, têm sido meus amigos e professores. Nas minhas meditações sobre as emoções animais não consigo deixar de pensar: «E os insectos? Será que os mosquitos têm uma vida emocional?» É claro que os mosquitos têm cérebros minúsculos e falta-lhes o equipamento neuronal necessário para a evolução das emoções, por isso é pouco provável que tenham. Mas, na verdade, simplesmente não sabemos. Um dia talvez encontremos uma forma de descobrir isto. Mais importante, contudo, é saber: faria alguma diferença para nós se tivessem? Deveria fazer, tal como deveria fazer-nos diferença o facto de outros animais terem emoções. Saber que os animais sentem – e ser capaz de os entender quando manifestam alegria, sofrimento, inveja e rancor – permite-nos relacionar com eles e também considerar os seus pontos de vista quando interagimos com eles. O conhecimento sobre as paixões dos animais deveria fazer uma diferença na forma como vemos, representamos e tratamos os nossos seres parceiros. A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 25 PELE ESPESSA E CORAÇÃO MEIGO: Babyl, O Elefante e Os Seus Amigos Incondicionais Uma viagem recente ao Quénia abriu-me os olhos ao mundo dos elefantes, que são dos seres mais espantosos que alguma vez vi. Ao observar de perto grupos grandes de elefantes selvagens pude sentir a sua presença majestosa, a sua percepção e as suas emoções. Estas experiências em primeira mão foram completamente diferentes de ver elefantes em cativeiro, que muitas vezes vivem sozinhos, no ambiente confinado e desnaturado do jardim zoológico, e a minha visita foi profundamente espiritual, inspiradora e transformadora. Enquanto observávamos um grupo de animais selvagens que viviam na Reserva Samburu no Norte do Quénia, reparámos que um deles, Babyl, caminhava muito devagar. Percebemos que era aleijada e que não conseguia deslocar-se tão depressa como o resto da manada. Contudo, vimos que os elefantes no grupo de Babyl não a deixavam para trás; esperavam por ela. Quando perguntámos ao nosso guia sobre isto, o especialista em elefantes Iain Douglas-Hamilton, ele disse que estes elefantes esperavam sempre por Babyl, e que o faziam havia anos. Andavam durante algum tempo, depois paravam e olhavam à volta para ver onde estava Babyl. Dependendo de como estava a conseguir andar, esperavam ou continuavam. Iain disse que a matriarca até a alimentava de vez em quando. Por que é que os outros elefantes na manada se comportavam assim? Babyl não lhes servia de muito, por isso parecia não haver motivo nem vantagem prática em a ajudar. A única conclusão óbvia que podíamos retirar era que os outros elefantes gostavam dela e por isso ajustavam o seu comportamento de forma a permitir-lhe continuar no grupo. A amizade e a empatia vão longe. E os amigos de Babyl não são um exemplo isolado. Em Outubro de 2006, numa pequena aldeia no Oriente da Índia, um grupo de catorze elefantes arrasou uma aldeia2 procurando um membro do grupo que caíra a uma vala e se afogara. MARC BEKOFF > 26 Os habitantes já tinham enterrado a elefante fêmea de dezassete anos, mas, apesar disso, milhares de pessoas foram obrigadas a fugir das suas casas enquanto os elefantes procuraram e destruíram durante mais de três dias. O CORAÇÃO É A QUESTÃO Em Setembro de 2006 houve uma reunião sobre o bem-estar dos animais chamada «O Coração da Questão». É agradável ver os cientistas usarem finalmente a palavra coração, porque o coração é a questão. Estudo as emoções dos animais e adoro o que faço. Ao longo da minha carreira, estudei uma grande variedade de animais – coiotes, lobos, cães, pinguins de Adélie, peixes-arqueiros, bicos-grossudos-vespertinos do oeste e gaios de Steller e enfrentei uma grande variedade de questões respeitantes a tudo, desde o comportamento social, organização e desenvolvimento social à comunicação, brincadeiras, comportamento antipredador, agressão, comportamento parental e moralidade. Para mim, as provas das emoções animais são impossíveis de negar e são amplamente apoiadas pelo nosso conhecimento actual sobre comportamento animal, neurobiologia e biologia evolutiva. De facto, o estudo das emoções animais é uma área da ciência em rápido desenvolvimento e não há falta de interesse nas emoções dos animais, tanto entre cientistas como entre pessoas comuns. Em Março de 2005, seiscentas pessoas de mais de cinquenta nações reuniram-se em Londres numa reunião pioneira patrocinada pelo Compassion in World Farming Trust para aprender mais sobre os sentimentos dos animais, a sua consciência e a sua vida emocional. Em Outubro de 2006, a World Society for the Protection of Animals organizou uma conferência no Rio de Janeiro para discutir como melhorar o bem-estar dos animais em quintas e laboratórios de investigação. Os organizadores esperavam cerca de duzentas pessoas, mas compareceu o dobro das pessoas, vindas predominantemente do Brasil e países vizinhos. A reacção favorável às reuniões em Londres e A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 27 no Rio de Janeiro é um indicador de que é realmente chegado o tempo de reconhecermos a vida emocional dos animais. Cada vez mais aparecem histórias sobre as emoções dos animais e as nossas relações com eles na imprensa, desde revistas científicas de prestígio como a Science, a Nature, Trends in Ecology and Evolution e a Proceeding of the National Academy of Sciences até ao New York Times, Psychology Today, Scientific American, Time, The Economist e mesmo Reader’s Digest. A vida emocional dos animais foi mesmo o tema de um filme de sucesso inesperado, A Marcha dos Pinguins. Lançado no Verão de 2005, o documentário retrata de forma tocante os sentimentos dos pinguins e demonstra como eles sentem o sofrimento, mas também como eles suportam os desafios mais extremos ao cuidarem dos seus ovos e dos seus filhotes. Contudo, e apesar de haver cada vez mais provas científicas e das crenças populares generalizadas, alguns membros da comunidade científica, embora cada vez menos, continuam cépticos. Alguns ainda duvidam de que as emoções dos animais existam mesmo e, muitos dos que acreditam, tendem a pensar que as emoções dos animais devem ser inferiores às dos seres humanos. Este parece-me um ponto de vista ultrapassado, e mesmo irresponsável, e o meu principal objectivo neste capítulo – e ao longo de todo o livro, na verdade – é mostrar que as emoções animais existem e que são importantes para os seres humanos, e que este conhecimento deveria influenciar a forma como tratamos os nossos companheiros animais. Ao discutir as emoções dos animais, concentro-me principalmente em dados comportamentais e em histórias factuais, introduzindo descobertas recentes das neurociências sociais para mostrar como uma combinação de senso comum e dados científicos – aquilo a que chamo «senso científico» – defende fortemente a existência das paixões animais. Embora as histórias orientem grande parte da minha discussão, introduzo os estudos científicos para apoiar conforme é necessário. Contudo, depois de concordarmos que as emoções dos animais existem e que são importantes – que é o que muitas pessoas já MARC BEKOFF > 28 acreditam – que acontece? Então devemos considerar a ética. Devemos olhar para as nossas acções e ver se são consistentes com o nosso conhecimento e com aquilo em que acreditamos. Tenho uma forte convicção de que a ética deve sempre informar a ciência. Devemos sempre esforçar-nos por juntar o conhecimento, a acção e a compaixão. De facto, esse é sempre o coração da questão. O QUE SÃO EMOÇÕES? É muito difícil responder à questão: «O que são emoções?» A maioria de nós conhece as emoções quando as vê mas tem dificuldade em defini-las. São físicas, mentais, ou ambas? Como cientista, afirmo com segurança que as emoções são fenómenos psicológicos que ajudam a gerir e a controlar o comportamento, são fenómenos que nos dão expressão, que nos movem. Muitas vezes, faz-se distinção entre «reacções emocionais» em relação a reacções físicas e a «sentimentos» que derivam de pensamentos. As reacções emocionais revelam que o corpo está a reagir a certos estímulos externos. Por exemplo, vemos aproximar-se um carro que está quase a atropelar-nos e sentimos medo – a nossa frequência cardíaca, a tensão arterial e a temperatura corporal aumenta. Mas, na verdade, o medo não se sente até o cérebro reagir às mudanças fisiológicas que foram uma reacção a ter visto o carro a aproximar-se. Os sentimentos, por sua vez, são fenómenos psicológicos, acontecimentos que ocorrem apenas no cérebro de um indivíduo. Um acontecimento externo pode desencadear uma emoção, como rancor ou sofrimento, mas depois de reflectirmos podemos decidir sentir de outra forma. Podemos interpretar as nossas emoções. Os sentimentos exprimem-se como diferentes humores. Os sentimentos ajudam-nos e influenciam a forma como interagimos com os outros numa grande variedade de situações sociais. Charles Darwin, o primeiro cientista que estudou as emoções animais de forma sistemática3, reconheceu seis emoções universais: A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 29 rancor, felicidade, tristeza, nojo, medo e surpresa. Ele manteve estas emoções nucleares para nos ajudar a lidar rapidamente com uma grande variedade de circunstâncias e nos ajudar a conviver num mundo social complexo. Depois disso outros acrescentaram a sua lista. Stuart Walton, no seu livro A Natural History of Human Emotions (Uma História Natural das Emoções Humanas), acrescenta o ciúme, o desprezo, a vergonha e o embaraço ao grupo nuclear de Darwin, enquanto o neurocientista António Damásio (em O Erro de Descartes) afirma que as emoções sociais também incluem a simpatia, a culpa, a inveja, a admiração e a indignação. É interessante que nenhum destes investigadores menciona o amor. Qual destas emoções, se alguma, sentem os animais? E será que os animais sentem emoções que os seres humanos não sentem? Esta é uma questão muito interessante. A etologista Joyce Poole, que estudou elefantes durante muitos anos, afirma: «Embora sinta com alguma segurança que os elefantes4 sentem emoções que nós não sentimos, e vice-versa, também creio que temos muitas emoções em comum.» Se Poole estiver certa, pode haver emoções que os animais sentem e que os seres humanos nunca vão entender, mas há muitas que entendemos. Os animais, humanos e não humanos, não são iguais, felizes quando brincam ou encontram um ser amado? Os animais não ficam tristes quando perdem um amigo próximo? Quando os lobos se reúnem, abanando a cauda livremente, para a frente e para trás em círculo, ganindo e saltando, não estão a demonstrar felicidade? E os elefantes que se reúnem numa celebração de cumprimentos, abanando as orelhas e girando e emitindo uma vocalização conhecida como «rugido de cumprimento», isto não é felicidade? Da mesma forma, que nome além de sofrimento podemos dar à emoção que os animais revelam quando se retiram do seu grupo social, amuam depois da morte de um amigo, deixam de comer e até morrem? Certamente, apesar das diferenças, todas as espécies devem partilhar um núcleo de emoções semelhantes. MARC BEKOFF > 30 EMOÇÕES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS Os investigadores reconhecem habitualmente dois tipos diferentes de emoções, as emoções primárias e as emoções secundárias. As emoções primárias são consideradas emoções básicas inatas. Estas incluem respostas rápidas e reflexas («automáticas») de medo e combate-ou-fuga a estímulos que representam perigo. Não requerem pensamento consciente e incluem as seis emoções universais de Darwin: rancor, felicidade, tristeza, nojo, medo e surpresa. Os animais podem ter uma reacção primária de medo, como evitar um objecto, quase inconscientemente, mesmo antes de ter reconhecido o objecto que dá origem à reacção. Sons ruidosos, algumas portas, objectos que voam sobre a sua cabeça: estes estímulos e outros semelhantes são muitas vezes sinais inatos de «perigo» que provocam uma reacção automática para os evitar. Há pouco ou nenhum espaço para o erro quando se confrontam com um estímulo perigoso, uma vez que a selecção natural resultou de reacções inatas que são cruciais para a sobrevivência individual. As emoções primárias estão ligadas ao evolutivamente primitivo sistema límbico do cérebro (especialmente a amígdala); esta é a parte «emocional» do cérebro (assim chamada por Paul MacLean em 1952). As estruturas físicas no sistema límbico e os circuitos emocionais semelhantes são partilhados por muitas espécies diferentes e fornecem um substrato neuronal para as emoções primárias. Na sua teoria dos três cérebros em um (ou cérebro triunido), MacLean identifica o cérebro reptiliano, ou primitivo (possuído pelos peixes, anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos); o cérebro límbico, ou paleomamífero (possuído por todos os mamíferos); e o cérebro neocortical, ou neomamífero «racional» (possuído por alguns mamíferos, como os primatas e os seres humanos) – todos empacotados no crânio. Cada um está ligado aos outros dois, mas cada um deles tem as suas capacidades próprias. Embora o sistema límbico pareça ser a principal área do cérebro em que residem muitas emoções, a investigação actual indica que nem todas as emoções estão necessariamente A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 31 inseridas num só sistema e pode haver mais do que um sistema emocional no cérebro. As emoções secundárias são emoções mais complexas e envolvem centros cerebrais superiores no córtex cerebral. Podem envolver emoções nucleares de medo e raiva, ou podem ser mais subtis, envolvendo emoções como o arrependimento, o desejo ou o ciúme. As emoções secundárias não são automáticas: são processadas no cérebro e o indivíduo pensa nelas e considera o que fazer com elas – que forma de actuação é preferível numa certa situação. O pensamento consciente e as emoções secundárias podem influenciar o modo como reagimos a situações que despertam emoções primárias: podemos baixar a cabeça quando um objecto não identificado passa sobre ela, mas, quando reconhecemos que é apenas uma sombra, refreamo-nos de correr e, em vez disso, com uma ponta de embaraço, endireitamo-nos rapidamente e fingimos que está tudo bem. Pensar na emoção permite ter flexibilidade na reacção a situações que se modificam depois de avaliar qual de diversas acções é a mais apropriada naquela situação específica. Por vezes, se alguém nos está a incomodar, pode ser adequado afastarmo-nos dessa pessoa e isto pode criar uma situação social ainda pior – dependendo de quem é a pessoa e que tipo de consequências tememos. Embora a maior parte das respostas emocionais seja gerada inconscientemente – dá-se sem pensarmos – aprendemos a pensar antes de agir. Pensar permite-nos estabelecer relações entre sentimentos e acções e isto permite-nos variar e flexibilizar o nosso comportamento de modo a, consoante a situação social, fazermos sempre o que está certo. Desta forma, a evidência de emoções em qualquer criatura também é um passo importante para determinar os sentimentos e a autopercepção. MARC BEKOFF > 32 OS CÃES ESTÃO FELIZES, NÃO «FELIZES» A razão por que um cão tem tantos amigos está no facto de abanar a cauda e não a língua. – ANÓNIMO Já todos vimos isto. Maddy e Mickey, dois dos meus amigos cães, têm regularmente encontros para brincar na minha casa quando os seus companheiros humanos estão para fora. Chegam a pular como loucos a brincar, arfando e ladrando, parecendo impelidos pelo espaço fora pelas suas caudas a abanar. Tentam brincar com quem quer que esteja disponível, rodando em círculos para apanhar a própria cauda e derrubando tudo e todos ao passar, parando apenas para uma pausa trocista e saltando de volta para a brincadeira. Não há dúvidas: estes cães estão a divertir-se! Para a maioria das pessoas, passar meia hora com um cão é a única «prova» que precisam de que os animais têm emoções, porque os cães não escondem o que sentem. O etologista Konrad Lorenz, vencedor do Prémio Nobel, deu-nos um exemplo muito simples e comum quando observou como os cães exprimem publicamente as emoções enquanto estão à espera de sair para passear. Lorenz escreveu em Man Meets Dog (O Cão Apresentado ao Homem): «O dono diz sem entoação especial5 e evitando mencionar o nome do cão: “Não sei se o levo ou não.” O cão fica imediatamente a postos, abanando a cauda e dançando de excitação... Se o dono disser: “Acho que afinal já não levo”, as orelhas ansiosamente espetadas cairão tristemente... Quando, por fim, diz: “Vou deixá-lo em casa”, o cão afasta-se desanimado e volta a deitar-se.» Felizmente, a conversa céptica e indiferente de que os animais só agem «como se» sentissem alegria, sofrimento, raiva ou dor já está quase morta. Não conheço praticamente nenhum investigador que não atribua emoções ao seu companheiro animal – quem não antropomorfiza livremente – em casa ou em encontros sociais, independentemente do que façam no trabalho. (Esta antropomorfização não A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 33 envergonha ninguém, já agora; como Alexandra Horowitz e eu discutimos6, e como mostro no capítulo 5, estes cientistas estão apenas a fazer o que lhes vem naturalmente. A antropomorfização é uma estratégia perceptual evoluída; fomos moldados pela selecção natural para vermos os animais desta forma.) Na verdade, os estudos comportamentais e neurobiológicos demonstraram de modo consistente, e é hoje grandemente aceite como facto, que os animais partilham as emoções primárias, as reacções instintivas ao mundo a que chamamos medo, raiva, tristeza, nojo e alegria. Os cientistas acreditam agora na universalidade das emoções primárias com base nos estudos que revelam que os seres humanos e os animais partilham sistemas químicos e neurobiológicos semelhantes. Por exemplo, os animais são usados frequentemente para desenvolver7 e testar medicamentos para utilização em humanos para tratar doenças mentais e um estudo recente demonstrou que os ratos podem ser um bom modelo para a tristeza e a introversão. Os ratos, depois de serem agredidos ou constantemente dominados por outros ratos, tornam-se introvertidos, e estes ratos deprimidos respondem a medicamentos para humanos como o antidepressivo Prozac. Outro exemplo são as ratazanas suicidas – ou ratazanas que têm toxoplasmose e desenvolvem uma atracção suicida por gatos podem ser tratadas com sucesso com medicamentos antipsicóticos. Quando são tratadas com haloperidol, que é usado para tratar a esquizofrenia, o seu afecto por gatos diminui grandemente. O veterinário Nicholas Dodman sugere a utilização de medicamentos semelhantes, acompanhado de condicionamento do comportamento para cães e gatos problemáticos. Se o animal responder a estes medicamentos como os seres humanos, é altamente provável que tenha suporte neurológico das suas emoções e provavelmente sentimentos semelhantes. Dados científicos e diversas histórias indicam que os animais também sentem muitas emoções secundárias. Muitas pessoas já sabem isto simplesmente pela observação diária dos seus animais de estimação. A ciência demorou mais a aceitar esta «sabedoria comum», mas MARC BEKOFF > 34 talvez isso seja de esperar; uma função importante da ciência é validar «objectivamente» a experiência subjectiva directa. A empatia ou compaixão é uma emoção secundária importante a identificar nos animais, uma vez que demonstra um afecto desinteressado pelos outros. Lembre-se de Babyl e os seus amigos. Enquanto estava em Homer, no Alasca, li uma história semelhante8 sobre dois filhotes de urso pardo que permaneceram juntos depois de terem ficado órfãos quando a sua mãe foi baleada perto do rio Russian. A cria fêmea permaneceu com o seu irmão ferido, apesar de ele coxear, nadar muito devagar e precisar de ajuda para conseguir alimento. Um observador notou: «Ela saía e apanhava um peixe, e puxava--o para trás, e depois deixava o outro comê-lo.» Era evidente que a pequena fêmea gostava do seu irmão e o seu apoio foi crucial para a sobrevivência dele. Também há uma história de um grupo de cerca de cem macacos rhesus9 em Tezpur, na Índia, que fizeram parar o trânsito depois de um bebé-macaco ter sido atropelado por um carro. Os macacos rodearam o bebé atingido, cujas patas traseiras tinham sido esmagadas e que jazia na estrada, incapaz de se mover, e bloquearam todo o trânsito. Um oficial do governo relatou que os macacos estavam zangados e um comerciante local disse: «Foi muito comovente... Alguns deles massajavam-lhe as pernas. Por fim, saíram dali, levando consigo o bebé ferido.» Num estudo clássico, um macaco rhesus esfomeado não aceitava comida10 se ao fazê-lo sujeitasse outro macaco a um choque eléctrico e existe um outro estudo científico sobre empatia em ratos11. Neste estudo, um ou ambos os membros de um par de ratos adultos foram injectados com ácido acético, fazendo-os contorcer-se com dores, para que os investigadores pudessem observar se estes roedores possuíam ou não a capacidade de sofrer pelos outros que tinham dores. Os investigadores descobriram que os ratos que vêem os seus pares sofrer com dores são eles próprios mais sensíveis à dor e um rato injectado contorcia-se mais se o seu parceiro também se contorcesse. Os ratos usavam referências visuais para gerar uma resposta A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 35 empática, embora normalmente usem o olfacto em muitos dos seus encontros sociais. Por isso, como vimos nas histórias que abrem este capítulo, os animais (incluindo os ratos) têm empatia. Além disso, também se sabe que a resposta empática nos ratos é mediada pelos mesmos mecanismos cerebrais que a empatia humana. Evidentemente, este estudo é perturbador. Será que os cientistas precisavam de causar tanta dor para chegarem às suas conclusões? Os ratos (e as ratazanas) actualmente não estão protegidos pela Carta do Bem-Estar Animal, mas talvez esta e outras descobertas possam ser usadas para elevar o seu estatuto ao nível do dos cães, gatos e primatas não humanos no que diz respeito a testes experimentais invasivos. Como veremos no capítulo 6, a Carta do Bem-Estar Animal está longe de ser por si só uma protecção adequada, mas seria um começo. Depois de este estudo sobre a empatia ter aparecido, recebi diversas histórias sobre empatia12 numa grande variedade de animais, incluindo roedores. As pessoas que vivem com animais não ficaram surpreendidas com as descobertas. CeAnn Lambert, que dirige o Indiana Coyote Rescue Centre (Centro de Protecção de Coiotes de Indiana), disse-me que nessa manhã vira dois ratinhos bebés numa bacia funda na sua garagem. Estavam a tentar sair da bacia, mas não conseguiam subir as suas paredes íngremes e escorregadias. Um parecia estar menos exausto que o outro. CeAnn pôs alguma água num prato e colocou-o na bacia e imediatamente o mais vivo aproximou-se para beber. No caminho para a água o rato encontrou um pedaço de comida e pegou nele e levou-o ao seu parceiro de ninhada. O rato fraco tentou trincar a comida enquanto o outro ia movendo a mesma na direcção da água. Por fim, o rato mais fraco também bebeu. Ambos recuperaram alguma força e treparam usando uma tábua que CeAnn colocou na bacia. Existem muitos mais exemplos, mas a questão está em que ainda que as emoções animais não sejam as mesmas que as nossas, ou até as mesmas em todas as espécies, isso não significa que os animais não sintam. De facto, como o indicam estas últimas histórias, as emoções animais não se limitam a «reacções instintivas», mas implicam aquilo que parece ser um pensamento bastante consciente. MARC BEKOFF > 36 SE OS ANIMAIS SENTEM, ENTÃO O QUE SABEM? Os Animais Têm os Seus Segredos Mas os Seus Sentimentos São Transparentes A relutância dos filósofos e cientistas contemporâneos 13 para aceitar a perspectiva de que os animais têm mente é um facto que tem mais a ver com a sua filosofia e ciência do que com os animais. – DALE JAMIESON, «CIÊNCIA, CONHECIMENTOS E A MENTE DOS ANIMAIS» Quando os animais ladram, uivam, ronronam, rosnam, riem ou guincham isso significa algo para eles, e o que estão a dizer também nos deveria dizer alguma coisa, uma vez que os seus sentimentos importam. Lynne Sharp salienta no seu livro Creatures Like Us? (Criaturas como Nós?) que os interesses e preocupações dos animais são tão importantes para eles como os nossos são para nós. As caudas indicam-nos o que os animais estão a sentir, assim como várias posturas, formas de caminhar, expressões faciais, sons e odores. Por vezes, gostaria de ter uma cauda e orelhas móveis para poder comunicar de forma mais eficaz com os cães e outros animais, cujas caudas e orelhas nos dizem muito sobre o que estão a pensar e a sentir. A abanar, agitada ou caída entre as pernas, a cauda dos animais permite-nos entrar no seu tipo de sentimento próprio. O que os animais sabem e quanta consciência têm de si próprios – um tópico de um longo e empolgado debate. As crescentes provas indicam que sabem bastante, mas as dificuldades de comunicação entre espécies fazem com que seja impossível saber exactamente quanto. A minha linha de base em relação às emoções dos animais é bastante simples – os animais terão sempre os seus segredos, mas as suas experiências emocionais são transparentes. Por outras palavras, sabemos que muitos animais sentem uma grande panóplia de emoções, algumas das quais, como a empatia, requerem um certo nível A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 37 de pensamento consciente. Muitos animais demonstram ter um sentido de humor. Alguns animais, como os chimpanzés, os golfinhos e os elefantes passaram testes que revelam que têm consciência de si próprios14. Alguns podem ter uma sensação de deslumbramento e outros podem até ser seres morais que distinguem o «bem» do «mal». Evidentemente, existem diferenças entre espécies. Seriam de esperar variações baseadas em factores sociais, ecológicos e físicos. Contudo, existem semelhanças comprovadas, apesar das diferenças por vezes extremas. Uma medida comum chama-se15 «tamanho relativo do cérebro» (tamanho do cérebro em relação ao tamanho do corpo) e, de facto, quase todos os investigadores concordam que, quando se comparam as espécies, o tamanho relativo do cérebro faz diferença em vários aspectos do comportamento, incluindo as estratégias antipredatórias e alimentares. O que este tipo de diferenças significa, contudo, continua a ser em grande parte um mistério, mas não há provas de que signifique que os animais com uma relação menor não tenham vida emocional. Porque partilhamos partes antigas do cérebro que são importantes nas emoções humanas, nomeadamente o sistema límbico, incluindo a estrutura amendoada chamada amígdala, concentrar-se unicamente no tamanho do cérebro induz em erro. Devemos prestar atenção àquilo que partilhamos com os outros animais e não necessariamente à quantidade do que partilhamos. O cérebro dos ratos, cães, elefantes e seres humanos difere muito no tamanho, mas todas essas espécies demonstram alegria e empatia. Infelizmente, continua a haver conceitos errados, muitas vezes em livros populares, que apresentam generalizações não comprovadas sobre as capacidades cognitivas, emocionais e empáticas dos animais. Por exemplo, Daniel Gilbert, um psicólogo de Harvard, no seu popular bestseller Tropeçar na Felicidade16 afirma que O animal humano é o único animal que pensa no futuro (itálico de Gilbert) e que isto «é uma característica que define a nossa humanidade». Nem os cépticos dos animais que conheço fariam tal afirmação; há literalmente volumes de dados que demonstram que os indivíduos MARC BEKOFF > 38 de muitas espécies pensam sobre o futuro, desde os gaios- -comuns do México, raposas vermelhas e lobos que escondem os alimentos para os irem buscar depois, até um chimpanzé ou lobo subordinado, que faz de conta que não vê uma coisa de que gosta na presença de um indivíduo dominante e que, mais tarde, volta para a comer quando o animal dominante não está por perto. Gerald Hüther no seu livro The Compassionate Brain (O Cérebro Piedoso) também nos diz que a capacidade da empatia separa o cérebro humano17 de todos os outros sistemas nervosos, apesar das evidências científicas de que não é assim. Afinal, a verdade é simplesmente que um cão tem experiências emocionais e cognitivas ricas do tipo canino. Estudos e investigações etológicas de neurociências sociais revelam que os seres humanos não são os únicos ocupantes da arena emocional. Os cães e muitos outros animais podem estar felizes, tristes e irritados. Deixem as suas caudas falar. Os animais falam connosco usando uma miríade de padrões de comportamento, posturas, gestos, formas de andar – juntamente com a sua boca, cauda, olhos, orelhas e nariz. ANIMAIS E SERES HUMANOS Partilhar Emoções, Partilhar Vidas As emoções animais são uma questão importante por direito próprio, mas a presença dos animais – com as suas emoções livres e empatia – também é muito importante para o bem-estar dos seres humanos. As emoções dos animais deveriam ser importantes para nós porque precisamos dos animais nas nossas vidas; eles ajudam-nos. É por os animais terem emoções que nos atraem tanto; na falta de uma linguagem partilhada, as emoções talvez sejam o nosso meio mais eficaz de comunicação entre espécies. Podemos partilhar as nossas emoções, podemos entender a linguagem dos sentimentos e é por isso que formamos laços profundos e duradouros com muitos outros seres. A VIDA EMOCIONAL DOS ANIMAIS > 39 As emoções são a cola que nos une. Elas catalisam e regulam as interacções sociais nos animais e nos seres humanos. O livro do veterinário Marty Becker The Healing Power of Pets (O Poder de Cura dos Animais de Estimação) mostrou como os animais de estimação podem manter as pessoas saudáveis e felizes – ajudam a curar pessoas sós em lares de terceira idade, hospitais e escolas. Em Kindred Spirits (Espíritos Irmãos), o veterinário holístico Allen Schoen indica que está provado que uma relação entre companheiros animais e seres humanos reduz o stress de catorze formas concretas. Estas incluem a redução da tensão arterial, o aumento da auto-estima em crianças e adolescentes, o aumento da taxa de sobrevivência em vítimas de ataque cardíaco, a melhoria da qualidade de vida em pessoas idosas e a ajuda para desenvolver atitudes humanas em crianças, dando uma sensação de estabilidade emocional a crianças acolhidas, diminuindo a necessidade de serviços médicos para problemas pouco graves em pessoas inscritas no sistemas de seguros de saúde, e reduzindo a solidão nos pré-adolescentes. E Michelle Rivera, no seu livro Hospice Hounds (Cães de Internamento), conta muitas histórias de como cães e gatos podem ajudar as pessoas que estão próximas da morte. Um estudo recente revelou que uma visita de um cachorro amigo pode ser um bom remédio18 para um coração doente. Num estudo aleatório de setenta e seis doentes hospitalizados com insuficiência cardíaca, os investigadores da UCLA descobriram que as taxas de ansiedade baixaram em média 24 por cento em doentes que interagiam com cães, independentemente da raça. Os cães ficavam deitados na cama dos doentes durante doze minutos enquanto estes simplesmente lhes faziam festas e lhes coçavam as orelhas. «Este estudo demonstra que mesmo uma exposição de curta duração a cães tem efeitos fisiológicos e psicossociais benéficos em doentes que o desejam», disse Kathie Cole, enfermeira no Centro Médico do UCLA. Da mesma forma, no meu estado, as prisioneiras no Centro de Correcção Feminino do Colorado têm a oportunidade de cuidar e conviver com cães que seriam eutanasiados no abrigo de animais MARC BEKOFF > 40 daquela área. A experiência de passear os cães, cuidar-lhes do pêlo, e cuidar da sua higiene é incrivelmente gratificante e benéfico para todos – as prisioneiras, os cães e o pessoal da prisão. As histórias de encontros entre animais selvagens e seres humanos – e outras relações interespécies – fazem eco às conclusões destes estudos. Os leões são carnívoros magníficos e predadores poderosos e, no entanto, também demonstram compaixão, simpatia e empatia de formas muito imprevisíveis. Por exemplo, três leões na Etiópia salvaram uma menina de doze anos19 de um gang que a tinha raptado. O sargento Wondimu Wedajo contou: «Eles ficaram de vigia até a encontrarmos e depois deixaram-na como um presente e voltaram para a floresta.» Stuart Williams, um especialista em vida selvagem que trabalha com o ministério do desenvolvimento rural do país, explicou que era provável que a menina tenha sido salva porque estava a chorar com o trauma do seu ataque. Williams afirmou: «Uma menina a chorar pode ser confundida com o som de miado de um filhote de leão, o que por sua vez pode explicar porque é que [os leões] não a comeram. De outra forma provavelmente tê-la-iam comido.» Três dos quatro raptores acabariam por ser apanhados. Em diversas histórias de golfinhos que ajudaram seres humanos, na Nova Zelândia, um grupo de golfinhos formou um círculo à volta de um grupo de nadadores20 para os proteger de um ataque de um grande tubarão branco. «Eles começaram a juntar-nos como a um rebanho. Obrigaram-nos a permanecer juntos fazendo círculos apertados à nossa volta», disse Rob Howes, um dos nadadores. Nestas histórias, vemos que a presença empática dos animais pode ter um impacto directo e imediato sobre o nosso bem-estar e mesmo sobre a nossa sobrevivência. Se parecer estranho que os animais saiam do seu lugar para nos proteger, a história não vai nem em metade. Algumas das relações que os animais formam são inacreditavelmente improváveis à distância, por exemplo, na Reserva de Samburu, no Norte do Quénia, uma leoa adoptou uma cria de órix21, que habitualmente é uma refeição favorita dos leões, em cinco ocasiões diferentes. No Jardim Zoológico de