Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 Roteiro para a Saída de Campo Introdução A cidade do Rio Grande, com uma população de 180.000 habitantes e uma área de 3.338 km2, tem forma peninsular e é margeada por corpos hídricos de baixa profundidade ( 0,5 m), excetuando-se os limites leste e nordeste, onde estão os canais de navegação com intensa atividade portuária. (Baumgarten et al. 1998). A rede oficial de esgoto da cidade, datada de 1917, é deficiente porque possui um numero de ligações superior a sua capacidade, suprindo de forma deficitária a área central da cidade e parte do Bairro Cidade Nova, atendendo apenas 30% da população. Estima-se que do total de residências que apresentavam ligações com a rede coletora de esgotos, somente 4.000 tinham seus esgotos tratados antes de seu lançamento no meio ambiente, apesar dos serviços de água atenderem cerca de 48.000 domicílios (Baumgarten et al. 1998). Dos cinco sistemas oficiais da rede de esgoto sanitário da cidade apenas em um destes os esgotos eram lançados no ambiente hídrico com tratamento secundário não avançado (Sistema Bairro Parque Marinha) pois nos outros (Sistema centro principal; Sistema Bairro Lar Gaúcho, Sistema Bairro Cohab II; Sistema Bairro Cohab IV) os efluentes eram lançados in natura, sendo somente retirados os sólidos grosseiros (Baumgarten et al. 1998). Durante a saída de campo serão visitados 3 locais (Anexo 1) cujas características e informações são apresentadas a seguir. Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 1 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 Ponto 1- Emissário de Esgotos da Coroa do Boi O Sistema Centro que atualmente atende cerca de 20.000 residências lançava os efluentes de forma ininterrupta através de um emissário construído em 1917, que se prolongava a 80 m da margem e possuía um diâmetro de 600 mm, na pequena enseada rasa da Coroa do Boi, na margem do canal do Rio Grande próximo ao Saco da Mangueira (Figura 1) com vazão média de Figura 1 – Vista da área portuária, indicando o local de emissão de esgotos na Coroa do Boi. 35 l.s-1 (período de estiagem) e 110 l.s-1 (período chuvoso). Na época da construção do emissário julgavam que a sua localização afetaria pouco o meio ambiente (Souza, 2003). Estudos feitos no local reportam intensa poluição orgânica nas águas ao redor do emissário, principalmente em regime de vazante do estuário e em períodos de estiagem, quando os valores máximos de amônio e fosfato chegaram a ultrapassar em 185 e 37 vezes, respectivamente, os referenciais normais de estuários não contaminados. Esta grave contaminação orgânica punha em risco a qualidade de vida dos habitantes da área periférica (Vila da Naba - Bairro Santa Tereza) (Aznar et al., 1994; Baumgarten et al. 1998). O lançamento destes efluentes em uma região de baixa profundidade e fraca hidrodinâmica, transformou a enseada Coroa do Boi em uma grande bacia de depósito de efluentes a céu aberto, principalmente em épocas de estiagem e diminuição do nível do estuário (Baumgarten et al. 1998). Estudos da fauna de macroinvertebrados da Coroa do Boi caracterizam esta enseada como severamente impactada (Rosa Filho, 2001) com a presença de apenas 3 espécies tolerantes (2 poliquetos e um gastrópodo) particularmente devido aos baixos teores de oxigênio dissolvido e alta concentração de amônio junto ao sedimento (Angonesi, 2000). Esta improbidade de uso da Coroa do Boi foi reconhecida pelos órgãos ambientais e pela Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). Este panorama está sendo modificado com a conclusão da nova estação de tratamento - ETE Navegantes, que passou a operar no início de 2004 e, para a qual foram canalizados os efluentes após a desativação do emissário da Coroa do Boi. Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 2 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 Ponto 2 - E.T.E. Navegantes - descrição do sistema O Sistema da ETE Navegantes possui duas lagoas de estabilização associadas às bacias de infiltração, com capacidade de tratamento de 165 l s-1 cada. Esse sistema compõe a primeira etapa, com a segunda estando prevista para o ano de 2020 com a construção de três lagoas que ampliarão o tratamento de esgoto para 495 l s-1. Ponto 3- E.T.E. Praia do Cassino O balneário Cassino foi inaugurado em 26 de janeiro de 1890 e, denominado inicialmente de Vila Sequeira. Na época já contava com um hotel (Hotel Atlântico) e uma linha férrea para o transporte dos visitantes, esta foi desativada no início da década de 70. O nome Cassino derivou de uma grande sala de jogos que existia no balneário. O balneário do Cassino constitui-se em Figura 2 – Hotel Atlântico no início do século XX. uma alternativa de lazer da comunidade riograndina e até o início dos anos 80, quando os habitantes permanentes eram na maioria pescadores e alguns poucos habitantes ligados a outras atividades (comerciantes e estudantes principalmente). Atualmente, o balneário apresenta uma população residente expressiva, assumindo uma característica de “cidade dormitório”. Na década de 80 o crescimento urbano em direção ao balneário Cassino mostrava claramente uma indução bipolar no crescimento horizontal da cidade, podendo-se prever a conurbação entre a cidade e o balneário em um futuro muito próximo (Salvatori et alli 1989). Os dados do crescimento populacional do Cassino mostravam em 1986 uma população fixa de 3.208 habitantes, que hoje atinge aproximadamente 8900. Em épocas de veraneio, entretanto, a população flutuante chega a mais de 150.000 pessoas (Millão, 2004; Secretaria Especial do Cassino). Atualmente o balneário apresenta um perfil da população bastante distinto, que resultou entre outros da melhoria da infraestrutura do balneário, especialmente do transporte Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 3 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 coletivo, da falta de opções para construção na cidade e especialmente a tranqüilidade da vida na praia. Hoje, cerca de 30 % da população residente é composta de profissionais liberais, que detêm a maior renda, 30 % de assalariados (geralmente do comércio local) e o restante de pessoas aposentadas e estudantes universitários (Sarilho, 2003). O turismo é a base econômica do balneário Cassino, proporcionando emprego e renda para milhares de pessoas. É a principal praia da zona Sul do Estado e, atrai turistas de outros municípios, especialmente Pelotas (15 %) e Bagé (12%), bem como turistas do Uruguai e da Argentina. Entretanto, a intensa atividade econômica do verão sofre uma queda brusca no início de março com a diminuição de renda e das oportunidades de emprego. Para promover o turismo ao longo do ano todo, a prefeitura municipal Figura 3 – Vista aérea da Praia do Cassino tem promovido encontros e mobilizado os segmentos envolvidos, na busca do fortalecimento do turismo e do desenvolvimento econômico e social. Entretanto para que tais iniciativas tenham sucesso é prioritário o investimento em infraestrutura básica. Um levantamento mostrou que os esgotos que “sangram” em direção a praia (Finco 2002) constituem a principal preocupação dos turistas que freqüentam o balneário Cassino. A Infraestrutura de Saneamento Básico consistia exclusivamente de fossas sépticas, que causam transtornos e sérios riscos a saúde da população devido aos freqüentes transbordamentos. A situação se agrava durante os meses de verão pelo aumento significativo da população flutuante e, pelas intensas embora relativamente esparsas precipitações, alagando as ruas do balneário e desta forma facilitando a dispersão dos contaminantes. O escoamento pluvial é feito por meio de valetas abertas nas laterais das ruas e é por esta via são transferidos os coliformes fecais que contaminam a orla litorânea Estudos qualiquantitativos das águas do balneário Cassino realizados pelo Laboratório de Química da FURG durante os meses de verão têm detectado a presença de coliformes fecais nas vias de escoamento pluvial e também nos seus pontos de deságüe na orla litorânea. A situação, além de prejudicar a balneabilidade da praia nesses locais e colocar em risco a saúde da população, provoca um forte impacto negativo no turismo. Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 4 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 A Estação de Tratamento de Esgotos da Praia do Cassino, inaugurada em janeiro de 2004, tem um sistema composto pela rede coletora, estação elevatória e estação de tratamento (1 lagoa de depuração e 13 bacias de filtração - Anexo 2). As obras tiveram um investimento de R$ 3 milhões e tem o potencial de beneficiar diretamente 24 mil pessoas. O esgoto residencial é enviado para a rede coletora, localizada nas ruas Montevidéu e Buenos Aires e encaminhado até a estação elevatória, que o bombeia por pressão, através da linha de recalque, até a Estação de Tratamento. Aí, é tratado passando pela lagoa anaeróbica, depois por bacias de infiltração e por banhados de polimento, os quais servirão para depurar os efluentes sanitários. Após o tratamento, a água resultante será absorvida pelo solo e pelas plantas. Referências Angonesi, L. 2000. Efeitos da descarga de esgotos urbanos sobre os macro-invertebrados bentônicos de fundos moles na região estuarina da Lagoa dos Patos , RS- Brasil. Tese de Mestrado. Rio Grande, Programa de Pós-graduação em Oceanografia Biológica, 135 pp. Aznar ,C., M.G.Z. Baumgarten, J.R. Baptista, M.T.A.A. Almeida, A. Cortes & M. Parise 1994. Impacto dos efluentes domésticos nas águas adjacentes à cidade de Rio Grande. Anais do III Simpósio de Ecossistemas da Costa Brasileira. Serra Negra. São Paulo: 274-283. Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 5 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 Baumgarten, M.G.Z; Aznar, C.E. Rocha, J.M., Almeida, M.T. & Kinas, P. G. 1998. Contaminaçção Química das águas receptoras do principal efluente doméstico da cidade do Rio Grande (RS). Atlântica, Rio Grande 20:35- 54 Costa, C.S.B. 2004 (http://www.peld.furg.br/grp/ccosta/index.html) Finco, M.V.A. 2002. Instrumentos Econômicos como Ferramenta de Valoração Ambiental. Caso de Estudo: Praia do Cassino, Rio Grande, RS, Brasil. Trabalho de conclusão de curso. Ciências Econômicas. FURG, Rio Grande – RS. Millão, D.G. 2004. Análise da Contaminação Orgânica dos Sangradouros da Praia do Cassino (Rio Grande, RS) – Verão de 2003. Trabalho de conclusão de curso- Graduação em Oceanografia Biológica. FURG, Rio Grande - RS Rosa Filho, J.S. 2001. Variações espaço-temporais das associações de macroinvertebrados bentônicos de fundos moles dos estuários do Rio Grande do Sul (Brasil): Influência de fatores naturais e introduzidos, e modelos para a sua predição. Tese de Doutorado. Rio Grande, Programa de Pósgraduação em Oceanografia Biológica, 201 p. Salvatori, E., Habiaga, L., Thorman, M. do Carmo. 1989. Crescimento Horizontal da Cidade do Rio Grande. Revista Bras. de Geografia, FIBGE, Rio de Janeiro, v.51 (1): 27-72. Sarilho, K.A. 2003. Diagnóstico Sócio-ambiental do Balneário Cassino e áreas adjacentes – Rio Grande, RS: Subsídio ao gerenciamento costeiro integrado local. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Porto Alegre, RS-BR Souza, J.V. 2003. Perfil Sócio Econômico dos Moradores da Vila da Naba. Trabalho de Graduação Curso de Geografia, FURG, Rio Grande. Exemplo de questões para a entrevista1 Lembre-se que os problemas sempre têm componentes ambientais, sociais e econômicos. Bloco 1: Emissário da Coroa do Boi: 1 Esta é uma lista geral inacabada à qual deverão ser incorporadas outras questões, que podem ser sugeridas também pelos instrutores. Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 6 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 1. Você acha que a emissão de esgotos pelo emissário causa algum tipo de problema para você, sua família ou para a comunidade como um todo? Que tipo de problema? 2. O problema tem relação com o alimento que a população come ou com a água usada para consumo doméstico (beber, lavar roupa, tomar banho, etc.)? 3. Você gostaria que esse problema fosse solucionado? Caso afirmativo, você acha que a solução trará benefícios para você, sua família, para o bairro ou para a população de Rio Grande ? 4. Quem você acha que deve solucionar esse problema? Você pode ajudar na solução? De que forma? 5. A solução desse problema pode gerar outro problema? Como? 6. Nesse caso, o que você acha que deve ser feito? Bloco 2 – E.T. Navegantes 1. Você considera que uma E.T. é um empreendimento essencial para o município de Rio Grande? Porquê? 2. Como você analisa a existência de uma E.T. nesse local? É adequada? 3. Que tipo de transtorno a existência da ET nesse local provoca aos moradores dos bairros adjacentes? Você acha que os impactos são permanentes ou temporários? 4. Mesmo com a existência dos impactos temporários, a ET traz melhoria para a qualidade de vida de todos? Como? 5. Você ou sua associação foi consultada durante a definição do problema/ elaboração do projeto? Bloco 3 – E.T. Cassino 1. Você acha que o sistema de coleta de esgotos por meio de fossas sépticas é um problema no balneário Cassino? Porquê? 2. Dentre os problemas enfrentados qual o que você julga mais urgente? 3. Como você classificaria esse problema em relação a sua importância? Muito, mais ou menos ou pouco importante? Você estaria disposto a pagar um taxa pública para ver esse problema solucionado? 4. Quem você acha que deve solucionar esse problema? Você pode ajudar na solução? De que forma? Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 7 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 5. De quem é a maior responsabilidade para a solução do problema (prefeitura, Corsan, etc.)? 7. Como você avalia o impacto desse problema no seu bem estar, na saúde pública, no turismo, na economia? 8. Você considera a solução parcial atual (ET) adequada? Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 8 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 Banhados de polimento Bacias de infiltração Coletor Tronco Rua 42 Rua 43 Rua Buenos Aires Avenida Rio Grande Coletor Tronco Rua Montevidéo Rua Bagé Av. Atlântica Rua do Riacho Lagoa anaeróbica Av. Beira Mar Linha de recalque Estação Elevatória Anexo 2 – Planta da Estação de Tratamento de Esgoto do Balneário Cassino Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 9 Planejamento Orientado – Saída de Campo Módulo 1 RIO GRANDE - Centro 2 FURG Adu to r a CO RS SUPERPORTO 1 AN 3 CASSINO 1 E.T. Navegantes 2 Emissário Esgoto 3 E.T. Cassino Anexo 1 – Localização dos pontos de visita da saída de campo Gestão de Efluentes Líquidos em Municípios Costeiros 10