REPORTAGEM EDIFÍCIO BRASIL: OBRA FAZ EXPERIÊNCIA PIONEIRA NO USO DE ESTACAS METÁLICAS CRAVADAS NO CENTRO DE SÃO PAULO Projeto se destacou ao empregar estacas com cerca de 50 m de comprimento e com a utilização de segmentos de perfis laminados com área da seção transversal decrescente Por Gléssia Veras Atualmente, a vida intensa da cidade de São Paulo demanda acesso rápido a tudo. Por isso, ganha cada vez mais força a revitalização do centro urbano da maior capital da América Latina. Neste panorama, surge o Edifício Brasil, um residencial da WZarzur Investimentos e Incorporações, assinado pelos designers Marcelo Rosenbaum e Guto Requena, com projeto paisagístico desenvolvido por Martha Gavião e respondendo pela obra a Tecnum Construtora. O projeto arquitetônico é da própria WZarzur, que se preocupou em dar vida à paisagem do centro da capital paulista com seus 29 andares. Toda a fachada do prédio será em dégradé, com textura com base cimentícia e acabamento em látex acrílico e detalhes em fulget (granito lavado), se contrapondo ao cinza que predomina em outros edifícios nos arredores. O estudo preliminar para chegar a essas nuances durou quase cinco meses, mas o longo tempo serviu para a definição final das cores: passando pelo amarelo, laranja e, por fim, a opção pelo dégradé entre os tons verdes e azuis, que fazem uma alusão direta à fauna brasileira e sua arte plumária. Nesse jogo visual, a cada dois andares, as cores mudam do azul para o verde, tons que permanecem nas vigas frontais e nas paredes, tetos e gradil dos terraços. Já as esquadrias serão de alumínio na cor preta. À noite, a forma e as cores serão realçadas pela luminotécnica desenvolvida pelo escritório Franco e Fortes, responsável pelos projetos de iluminação do Mercado Municipal e Estação da Luz de São Paulo. “O primeiro diferencial que pode ser visto no projeto é a fachada, totalmente inovadora ao utilizar cores especiais que se destacam no cenário cinza, colaborando com a revitalização do centro de São Paulo. Acreditamos que deveríamos inovar ainda mais, trazendo uma grande singularidade ao 28 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS empreendimento, dentre elas, a instalação de um painel artístico assinado pelo artista cearense Vitor Cesar, que estará instalado na lateral direita frontal do térreo”, cita o diretor da WZarzur Investimentos e Incorporações, Ricardo Zarzur. O painel citado por ele traz um conjunto de termos e expressões que remetem à arquitetura e ao urbanismo. No Edifício Brasil, ele irá funcionar como uma espécie de “caça-palavras”. FUNDAÇÕES O Edifício Brasil contou também com uma experiência pioneira no uso de estacas metálicas cravadas no centro da cidade de São Paulo, com cerca de 50 m de comprimento e utilizando segmentos de perfis laminados com área da seção transversal decrescente. Essa aplicação de fundação foi possível devido à formação geológica-geotécnica numa região com a presença das areias basais de São Paulo. Estas areias têm compacidade fofa à compacta e preenchem o fundo da Bacia Sedimentar da cidade de São Paulo, quer sobre o embasamento rochoso ou sobre a taguá (argila dura cinza-esverdeada) de grande ocorrência nesta cidade, conforme Vargas et al. (1998) e Massad (2013). Esse projeto de fundação desenvolvido pelo engenheiro do escritório Apoio Assessoria e Projetos de Fundações S/C Ltda., José Luis de Paula Eduardo, consistiu em estacas metálicas, formadas por segmentos de perfis laminados de 12 m cada um nas cinco bitolas: W310 x 93, W310 x 97, W310 x 107, W310 x 110 e HP310 x 125. Apesar de possuírem área de seções transversais diferentes, apresentam dimensões da mesa e alma próximas, o que permite que sejam emendados com solda, mantendo a continuidade e linearidade. Assim, é possível compor uma estaca de seção decrescente, com a profundidade, e com diferentes bitolas conforme a carga de trabalho de cada estaca. Tecnum Construtora Tecnum Construtora Fachada do edifício já em fase de finalização Cravação das estacas para Prova de Carga Estática, através do martelo Hidráulico Junttan HHK–5 A Seguindo a norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) NBR 6.122/2010 – “Projeto e execução de fundações”, foram programadas duas provas de carga estática na fase de adequação do projeto, para aplicação da redução do coeficiente de segurança em relação à carga admissível. Assim, resultaram três tipos de estacas: Tipo 1 para carga de trabalho de 2,11 MN; Tipo 2 para 1,98 MN; e Tipo 3 para 1,87 MN, com comprimentos de projeto de 52 m, 51 m e 50 m, respectivamente. Um total de 178 estacas metálicas foram projetadas para o corpo do prédio, além de outras 180 estacas de menor capacidade de carga para estruturas de periferia. O diretor da empresa Tecnum Construtora, Sussumu Niyama explica que durante os trabalhos muitos desafios se apresentaram para a execução. “O próprio projeto, inovador neste tipo de solo trazia algumas dúvidas quanto ao desempenho de cravação, utilizando-se de martelos hidráulicos Junttan, modelo HHK5A, blindado da empresa Solofix. Assim, o estudo de cravabilidade, através do programa WEAP, foi encomendado para a empresa Geomec, visando a escolha do martelo mais adequado. “A cravação, de certa forma, causou surpresa, pois as resistências medidas no Ensaio de Carregamento Dinâmico (com PDA) foram aquém do esperado. A alta frequência (40 a 100 golpes/minuto) e a eficiência do martelo podem ter causado o drapejamento da estaca, minorando muito o atrito lateral”. Ele ainda diz que o segundo desafio foi quanto à logística de entrega e estocagem de mais de 1.250.000 kg de perfis metálicos da empresa Gerdau, despachados da cidade de Ouro Fino (MG) para o centro da cidade de São Paulo, que tem muitas restrições ao trânsito de caminhões, permitindo o tráfego apenas em determinados horários do dia. Além disso, as grandes carretas utilizadas para transporte teriam dificuldades de manobras junto às três vias muito movimentadas no centro. Assim, decidiu-se criar um “pulmão” no pátio da empresa de fundação parceira Prefunde que fazia o desembaraço da carreta e, posteriormente, abastecia a obra com caminhões muncks menores. “Já o terceiro desafio foi cravar estacas numa zona urbana, central, com vários prédios na vizinhança, portanto uma população potencialmente maior do que o usual a apresentar queixas de barulho e vibração. Neste sentido, além das vistorias prévias preventivas, durante a cravação das estacas foram feitas diversas medições de vibração na obra e junto às estruturas vizinhas. Estas medidas tinham um objetivo cautelar, no entanto não houve nenhuma reclamação significativa, de forma que os trabalhos puderam transcorrer normalmente dentro do prazo previsto”, esclarece Niyama. 29 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS Tecnum Construtora Tecnum Construtora Provas de Carga Estáticas realizadas previamente ao início da obra Vista do detalhe de uma Prova de Carga Estática Já o também diretor da WZarzur Investimentos e Incorporações, Roberto Zarzur destaca a concretagem que envolveu, entre pilares e lajes, em torno de 160 m³ de concreto, por pavimento tipo. Completando cerca de 3,5 pavimentos por mês, com uma laje tipo de 800 m² de área. Circularam por volta de 18 caminhões de concreto por semana. “E o desafio de cada dia era terminar a concretagem e o movimento de caminhões antes do início da noite, para não incomodar os vizinhos”, lembra. Ele também destaca a adoção de procedimentos operacio30 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS nais com base em conceitos ambientais, tais como reduzir ou eliminar desperdícios, reutilizar materiais no próprio canteiro, encaminhar os resíduos sólidos para reciclagem em áreas licenciadas e a utilização de caçambeiros credenciados. “Percebemos uma expressiva redução de resíduos gerados, assim como a redução dos custos operacionais das obras. Ao implantar esse tipo de compromisso, alcançamos outros benefícios: atendimento aos requisitos legais e dos programas de certificação; melhora nas condições de limpeza do canteiro, com maior organização da obra, diminuição dos acidentes de trabalho, redução do consumo de recursos naturais e redução de resíduos”, afirma Roberto Zarzur. Ele ainda complementa: “Nossa primeira opção de fundação era usar estacas escavadas profundas. Após análise técnica, financeira e ambiental, decidimos pela escavação de estacas metálicas. Dessa forma preservamos a obra da utilização de lama bentonítica que, de certo modo, é prejudicial ao meio ambiente. O manuseio desta lama tornaria a obra mais dispendiosa, pois seria necessário a utilização de muita água no sistema de tratamento e descarte adequado de materiais. Cientes da escassez de água em São Paulo, somente utilizamos na obra água abastecida por caminhão-pipa”. SOLO E CRAVAÇÃO DAS ESTACAS Na Figura 1 se apresenta o perfil geotécnico obtido através de sondagens, executadas neste terreno de 2.663,82 m², que situa-se na confluência da Rua Santo Antônio, Rua Martinho Prado e Tecnum Construtora Figura 1 – Provável seção geológico-geotécnica do subsolo Avenida Nove de Julho. Esta figura mostra camadas de aterro, cuja espessura cresce de 2 até 15 m em direção à Avenida Nove de Julho. Dois furos foram executados até de 60 m de profundidade pela empresa Engesolos. Vale ressaltar que as sondagens 31 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS até esta profundidade raramente foram realizadas na cidade de São Paulo. A seção longitudinal foi simplificada por problemas de escala. O furo S3, mais próximo do “vale” da Avenida Nove de Julho, aparentemente atingiu argila taguá (cota absoluta aproxi- Tecnum Construtora Tecnum Construtora Medida de vibração devido à cravação das estacas mada de 699 m). Na profundidade média da ordem de 12 m, foi encontrada também uma camada de limonita com espessuras de até 1 m, por ocasião da escavação na parte central do terreno. A partir de uma profundidade de cerca de 20 m, encontram-se camadas de areias finas e médias, pouco compacta a compacta, amarela, com características de areias basais de São Paulo. A cravação das estacas teste foi iniciada em 13 de setembro 2012 no bloco C25 (primeira prova de carga – junto à sondagem S4A) e, em 19 de setembro 2012, no bloco C7 (segunda prova de carga – junto à sondagem S3), ambas as estacas do Tipo 3. Foi utilizado o martelo de 5.000 kg de massa, com altura de queda de até 1,2 m, proporcionando energia máxima de 59 kNm, numa frequência de 40 a 100 golpes/minuto. Durante o processo de cravação, devido ao drapejamento, os vazios laterais que se formavam eram preenchidos com colocação de areia ao longo de toda a cravação, no sentido de minorar a perda do atrito lateral. O consumo desta areia foi grande, da ordem de 1,0 m³ por estaca. Os ensaios de carregamento dinâmico foram realizados nas estacas dos blocos C25, C7 onde seriam feitas as provas de carga, bem como numa estaca teste do bloco C17, de acordo com a NBR 13.208/2007 – “Estacas – Ensaio de Carregamento Dinâmico”, utilizando o PDA (Pile Driving Analyser). Os resultados de resistência máxima RMX na cravação, pelo método de Case, no momento da cravação, surpreenderam pelos valores abaixo do esperado para uma estaca com 50 m de comprimento. “Por ter sido uma solução inédita na cidade de São Paulo, além das provas de carga estáticas, ensaios de carregamento Figura 2 – Gráfico curva-recalque da prova de carga PC1 32 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS Tecnum Construtora Tecnum Construtora Trabalho de fundações sendo executado Figura 3 – Gráfico curva-recalque da prova de carga PC2 33 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS WALDOMIRO ZARZUR: UM NOME DE PESO Nascido em 1921, era filho de uma família integrante da colônia de sírios e libaneses, uma das primeiras a chegar em São Paulo em 1910. Anos depois formou-se em engenharia civil e elétrica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com uma visão macroeconômica, perfil arrojado e desbravador atuou durante mais de meio século na construção da capital paulista, erguendo torres residenciais destinadas a diferentes classes sociais, elegantes residências familiares, edifícios de escritórios, pontes, hospitais, igrejas, áreas de lazer, supermercados e escolas. Quando iniciou suas atividades na década de 40, enfrentou a escassez de materiais e mão de obra qualificada que tornavam a construção civil uma indústria cheia de riscos para os empreendedores. Foi justamente nesse ambiente que exigia criatividade e inovação tecnológica que começou a história de sucesso de sua empresa. “Ele foi um engenheiro de visão ousada e pioneiro nas suas ideias durante a trajetória de sua vida. Nunca pensou somente no lucro ao executar seus projetos, mas sim na realização pessoal. Com isso, sempre executou grandes projetos inéditos. Todos, sem exceção, sob sua supervisão direta. Da concepção ao término da obra. Seus olhos, assim como todos os seus sentidos, passavam minuciosamente por todos os detalhes, até a finalização”, diz o diretor da WZarzur Investimentos e Incorporações, Ricardo Zarzur. dinâmico e medidas de vibração, estão sendo feitas medidas de recalque do edifício, desde o início da construção das primeiras lajes, cumprindo fielmente as recomendações da norma NBR nº 6.122/2010”, afirma o diretor da empresa Tecnum Construtora, Sussumu Niyama. Nas Figuras 2 e 3, podem ser observados os resultados das duas provas de carga estáticas PC1 e PC2 executadas até a carga máxima de 2,99 MN (305 tf), que mostram para a carga de trabalho de 1,87 MN (205 tf), recalques da ordem de 21 mm e 23 mm, respectivamente. Para o acompanhamento do desempenho das fundações, 15 pilares do edifício receberam instrumentação e seus recalques estão sendo monitorados desde 6 de maio de 2013, acompanhando a subida do prédio, até o presente momento 34 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS WZarzur WZarzur Waldomiro Zarzur Dentre as mais de 250 obras que construiu, a primeira foi o Cinema Júpiter (1949) e a partir daí outras surgiram: Edifício Ponte de Guarulhos sobre o Rio Tietê; Catedral Greco-Melquita Nossa Senhora do Paraíso; Velódromo do Ibirapuera; Monumento a Duque de Caxias; Palácio Waldomiro Zarzur (“Mirante do Vale”); Hospital Albert Einstein; Condomínio Clube – Super Quadra Paulistânea; Condomínio Mansão do Morumbi; Edifício Nova Consolação – atual Tribunal de Justiça; Edifício Waldomiro Zarzur, dentre outros. “Desde quando iniciou sua carreira ao criar a Zarzur & Kogan, o foco sempre foi construir torres altas, assim foi como ele colaborou e muito na verticalização da cidade. Foi ele quem moldou o ‘DNA’ da empresa, transmitido às futuras gerações a condução de cada empreendimento. Seu empenho não só ajudou a construir a verticalização de São Paulo, mas também colaborou na construção de novos conceitos arquitetônicos e na formação de inúmeras pessoas. Inclusive, formando profissionais e influenciando novas construtoras”, finaliza Ricardo Zarzur. Palácio Waldomiro Zarzur (“Mirante do Vale”) em que praticamente a obra está sendo finalizada. Na Figura 4, apresentam-se os gráficos de recalque de dois blocos C25 e C7, onde foram realizadas as provas de carga estáticas PC1 e PC2. “Entre as duas curvas foi inserida a curva média de todos os pilares principais do ‘core’ do edifício, ou seja, pilares que ficam no miolo do prédio e dos blocos de elevadores. Observa-se a evolução dos recalques maiores durante o carregamento do prédio e agora a tendência de estabilização em torno de 20 mm, valor muito próximo aos recalques obtidos nas provas de carga estática, talvez um pouco aquém em função de que cargas acidentais de ocupação do edifício ainda não ocorreram. Estes resultados comprovam um ótimo desempenho, sem dúvida, da solução adotada”, avalia Niyama. Tecnum Construtora Comparativo das Curvas Carga Recalque Resumo dos resultados do ensaio de carregamento dinâmico e análises CAPWAP REVITALIZAÇÃO DO CENTRO O Edifício Brasil celebra a reocupação organizada do centro de São Paulo, pois além de poder contar com infraestrutura de transporte, comércios e serviços, a construção de moradias no centro permite que os espaços urbanos retomem seu caráter público e social. Todo esse trabalho demonstra através do seu grau de desenvolvimento uma história que retorna 67 anos, momento do surgimento da WZarzur que vem sendo referência de vanguarda na construção civil brasileira, através do trabalho pioneiro de seu fundador, o engenheiro civil Waldomiro Zarzur. 35 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS Ao longo dessa trajetória de trabalho são mais de 250 empreendimentos incorporados pelo grupo, construídos e entregues, totalizando mais de 6,5 milhões de metros quadrados. São inúmeros conjuntos residenciais, comerciais e multifuncionais. A empresa é a responsável por erguer o maior edifício já construído no Brasil, o Palácio WZarzur, que à época de sua construção (1966) foi a mais alta estrutura de concreto armado do mundo. O Palácio WZarzur figura entre uma das principais obras de engenharia civil no Brasil. Esta construção confirma o motivo da engenharia nacional ser sinônimo de conhecimentos técnicos e de eficiência. Foi construído ao longo de seis anos, utilizando conceitos completamente vanguardistas para a época. Ao contrário do que era tradicional na década de 70, o edifício Mirante foi construído com uma estrutura essencialmente de concreto armado, em vez de utilizar uma estrutura mista (aço e concreto).