Aquífero furnas - urgência na proteção de mananciais

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AQUÍFERO
FURNAS
-
URGÊNCIA
NA
PROTEÇÃO
DE
MANANCIAIS
SUBTERRÂNEOS EM PONTA GROSSA, PR
MELO, Mário Sérgio
UEPG-DEGEO - [email protected]
INTRODUÇÃO
A cidade de Ponta Grossa é abastecida com água potável fornecida pela
SANEPAR - Companhia de Saneamento do Paraná - que realiza captação em dois
locais: Reservatório Alagados (30.240 m³/dia) e Rio Pitangui (47.520 m³/dia),
totalizando 77.760 m³/dia. Segundo dados da empresa, os volumes de captação e
as instalações de tratamento são capazes de atender a demanda de água da cidade
até 2024 (LETENSKI, 2009). Entretanto, a própria Companhia ressalta o fato de que
a capacidade de tratamento é influenciada pela floração de algas cianofíceas. Os
períodos de floração têm sofrido influência crescente de condições climáticas
inéditas e eutrofização da água, esta sobretudo em conseqüência da poluição por
efluentes da atividade pecuária (v.g. CAPRI et al., 2004).
O que poucos têm conhecimento é da importância do abastecimento de
estabelecimentos da cidade de Ponta Grossa por águas subterrâneas do Aqüífero
Furnas. Nem mesmo a SUDERHSA - Superintendência de Desenvolvimento de
Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental - órgão do Estado do Paraná
responsável pela outorga e controle do uso da água subterrânea, tem bancos de
dados atualizados e confiáveis sobre os poços profundos existentes na área. Assim,
estimativas dão conta de cerca de 300 poços profundos nas cercanias de Ponta
Grossa. Eles abastecem indústrias, hospitais, escolas, postos de gasolina,
seminários, empresas engarrafadoras de água mineral, etc. Estas estimativas
apontam que atualmente os poços profundos têm condições de produzir cerca de
duas vezes o volume de águas subterrâneas fornecido pela SANEPAR, o que dá
conta da relevância do Aqüífero Furnas para a cidade de Ponta Grossa.
Por outro lado, a Formação Furnas, que é o corpo rochoso que constitui o
Aqüífero Furnas, ainda é relativamente pouco conhecida com relação ao seu
desempenho enquanto aqüífero. Há muito tempo esta unidade geológica é
reconhecida por apresentar comportamento muito peculiar, pois é constituída
predominantemente de arenitos, mas que são sujeitos a processos de dissolução,
resultando na formação de importantes cavidades subterrâneas (v.g. MAACK, 1956).
Pesquisas mais recentes têm aprofundado o estudo dos processos geológicos que
determinam a formação de cavidades subterrâneas nesta unidade rochosa (MELO &
GIANNINI, 2007).
Tendo em vista a crescente utilização das águas do Aqüífero Furnas na
cidade de Ponta Grossa, e as peculiaridades desta unidade rochosa, é urgente que
o Município empreenda política pública na área ambiental que estabeleça legislação
que discipline a utilização das águas subterrâneas da Formação Furnas, bem como
o uso das terras nas áreas de recarga do aqüífero, de forma a preservar a qualidade
da água, evitando contaminação.
Ponta Grossa é a única cidade de porte e com parque industrial expressivo
que explora águas subterrâneas do Aqüífero Furnas, não existem experiências nem
conhecimentos que possam ser aproveitados de outras cidades de porte
comparável. Este aqüífero é importante manancial para a cidade. E a cidade precisa
aprender a utilizá-lo de forma responsável, sustentável, para que suas águas de
muito boa qualidade possam continuar abastecendo a cidade por tempo indefinido.
OBJETIVOS
As pesquisas já concluídas e outras ainda em andamento têm os seguintes
objetivos:
- identificar feições erosivas superficiais e subterrâneas na Formação Furnas, e seus
fatores controladores;
- sistematizar dados sobre a qualidade e quantidade das águas subterrâneas
utilizadas na região de Ponta Grossa;
- correlacionar produtividade de poços profundos e qualidade das águas
subterrâneas com fatores geológicos e eventuais impactos em decorrência de
formas de uso das terras;
- fornecer subsídios técnicos para o estabelecimento de políticas públicas
objetivando o uso sustentável dos recursos hídricos subterrâneos na região de
Ponta Grossa.
METODOLOGIA
Os trabalhos foram precedidos por análise da literatura especializada
pertinente e documentos técnicos preexistentes. As subseqüentes etapas de estudo
para a consecução dos objetivos propostos foram:
- análise de feições erosivas da Formação Furnas (micro, meso e macroescalas) e
os fatores genéticos associados (atributos da rocha, fraturamento, evolução
morfogenética); esta análise envolve:
- análise de lineamentos estruturais e feições de relevo em imagens de satélite e
fotografias aéreas;
- levantamentos de campo com coleta de dados sobre rochas, estruturas rochosas e
feições de relevo;
- petrografia de rochas sedimentares (microscopia ótica, microspia eletrônica,
difratometria de raios X);
- análise de dados estruturais (falhas, fraturas);
- cadastramento de poços profundos na área de cidade de Ponta Grossa e análise
da qualidade das águas; esta etapa envolve recuperação de dados junto à
SUDERHSA, empresas perfuradoras de poços, prefeituras e usuários de água
subterrânea e, eventualmente, a realização de novas análises de qualidade da água
subterrânea, nas situações representativas;
- análise de correlação entre os dados dos poços (quantidade e qualidade das
águas) e fatores geológicos (tipos de rochas, feições erosivas e estruturais);
- divulgação dos resultados dos estudos, visando conscientização do poder público,
empreendedores e população.
RESULTADOS
Estrutura do relevo no Paraná e na região de Ponta Grossa
O relevo do Estado do Paraná é único, diferindo do relevo de todos os outros
estados brasileiros, inclusive dos vizinhos São Paulo e Santa Catarina. Isto decorre
da ação de importante arqueamento crustal ativo principalmente durante do
Mesozóico, denominado Arco de Ponta Grossa. Este arqueamento teve seu eixo
orientado na direção NW-SE, elevou as rochas da Bacia do Paraná e de seu
substrato, originou fraturas profundas que deram passagem a magma basáltico e
propiciou que os processos erosivos subseqüentes escalonassem o relevo do
estado em três planaltos (Figura 1).
Figura 1: seção esquemática do Estado do Paraná mostrando a estrutura geológica e do
relevo. 1) sedimentos cenozóicos da Plataforma Continental; 2) Bacia de Curitiba; 3) Grupo
Bauru; 4) Bacia de Santos; 5) derrames basálticos; 6) rochas sedimentares paleozóicas a
mesozóicas da Bacia do Paraná; 7) Formação Furnas; 8) embasamento pré-cambriano.
A cidade de Ponta Grossa situa-se próxima ao reverso da Escara Devoniana,
que é o segundo degrau do relevo escalonado do Paraná. Esta situação impõe
várias características para o meio ambiente da cidade (Figura 2): ela situa-se
próximo ao contato de rochas majoritariamente impermeáveis (Formação Ponta
Grossa e Grupo Itararé) sobre as rochas permeáveis da Formação Furnas; esta
apresenta-se como aqüífero confinado, com rochas do Granito Cunhaporanga
abaixo e rochas da Formação Ponta Grossa e Grupo Itararé acima; o caimento
regional das camadas da Bacia do Paraná é no sentido SW, e neste sentido é o
fluxo predominante das águas subterrâneas; o gradiente hidráulico imposto pela
Escarpa Devoniana, a NE, determina que próximo ao escarpamento ocorra também
fluxo das águas subterrâneas para NE; os principais sítios naturais com relevante
patrimônio ambiental da região (APA da Escarpa Devoniana, PARNA dos Campos
Gerais, Buraco do Padre, Furnas Gêmeas, Furna Grande, Caverna das Andorinhas,
Cachoeira do Rio São Jorge, Cachoeira da Mariquina) situam-se próximos à
Escarpa Devoniana e sobre a Formação Furnas, à E-NE da cidade.
Figura 2: seção esquemática da situação da cidade de Ponta Grossa em relação ao Aqüífero
Furnas e à Escarpa Devoniana. 1) Formação Furnas (Aqüífero Furnas); 2) Formação Ponta
Grossa; 3) Grupo Itararé; 4) área de recarga do Aqüífero Furnas pelas águas das chuvas; 5)
sentido predominante de fluxo das águas subterrâneas;6) poços profundo.
Formação Furnas: comportamento e extensão
A Formação Furnas (Devoniano) é a unidade basal do Grupo Paraná,
apresentando na região de Ponta Grossa uma espessura máxima entre 250 e 300
metros (MAACK 1970, ASSINE 1996). É constituída predominantemente por
arenitos médios a grossos de coloração clara, relativamente homogêneos, com
grãos angulosos a subangulosos, cimentados por caulinita e ilita. Principalmente na
porção basal ocorrem intercalações métricas de conglomerados e arenitos
conglomeráticos quartzosos. Em direção ao topo, aparecem camadas métricas de
arenitos finos e siltitos argilosos. Os arenitos são marcantemente estruturados,
dispostos em sets com espessuras de 0,5 a 5,0 metros com geometria tabular,
lenticular e cuneiforme, com marcante estratificação cruzada planar, tangencial na
base ou acanalada (ASSINE 1996 ).
As pesquisas têm mostrado que os arenitos da Formação Furnas, a par das
estruturas sedimentares originais, de fraturas de diversas fases de deformação e de
erosão mecânica, têm sofrido também significativa erosão química, pela dissolução
do cimento caulinítico, o que promove a arenização (liberação dos grãos de quartzo)
da rocha (MELO & GIANNINI, 2007). Este é um dos motivos pelos quais as rochas
da Formação Furnas são pródigas em feições morfológicas tais como furnas, lagoas,
sumidouros, fendas, ressurgências e relevos ruiniformes, todas indicativas de
dissolução.
A tendência no meio científico é considerar como carste todo relevo onde o
processo de dissolução é relevante, independente da rocha em questão (WRAY,
1997a e 1997b). Assim, as rochas areníticas da Formação Furnas apresentam
comportamento cárstico, caracterizado pelos processos de dissolução e formas
decorrentes. Isto quer dizer que toda a área de afloramento da Formação Furnas é
uma área de exposição de rochas que constituem um aqüífero confinado, fraturado e
cárstico. No tocante ao Município de Ponta Grossa, toda esta área (Figura 3) deverá
ter leis que disciplinem o uso das terras de forma a proteger este aqüífero tão
particular.
Estruturas geológicas regionais
O Município de Ponta Grossa situa-se em área de cruzamento de importantes
estruturas geológicas regionais: a Zona de Cisalhamento Taxaquara-Itapirapuã
(CAMPANHA & SADOWSKI, 1999), de direção NE-SW, ativa no Proterozóico mas
reativada ao longo de tempos mais recentes; o Arco de Ponta Grossa, de direção
NW-SE, ativo principalmente no Mesozóico. Estes dois sistemas de fraturas e falhas
exercem marcante influência na geração de grandes feições de erosão na Formação
Furnas, tais como as furnas, fendas, sumidouros e outras.
Figura 3: mapa esquemático do Município de Ponta Grossa mostrando a área de afloramento
da Formação Furnas, que deve ser objeto de legislação de proteção de mananciais
subterrâneos. 1) perímetro urbano de Ponta Grossa; 2) Formação Furnas; 3) Grupo Itaiacoca;
4) Escarpa Devoniana.
Aqüífero Furnas: caracterização, produtividade
MAACK (1970) já mostrou dados sobre a grande variação na vazão de poços
profundos na Formação Furnas, e atribuiu este comportamento às fraturas e
cavidades subterrâneas que impõem caráter fraturado e cárstico a esta unidade
rochosa.
Poços profundos perfurados pela empresa Hidropel na região de Ponta
Grossa (KATBEH, 2009) mostram variações de vazão de 1 m³/h até 100 m³/h, com
média de 19,5 m³/h (dados de 20 poços). Esta grande variação na vazão reflete as
características do aqüífero ao mesmo tempo fraturado e cárstico.
Zoneamento do uso e ocupação das terras
Está tramitando na Câmara de Vereadores de Ponta Grossa (novembro de
2009) projeto de lei de zoneamento de uso e ocupação do solo rural, onde são
propostas duas áreas de “expansão industrial” na região de afloramento da
Formação Furnas. Este projeto de lei contraria projeto de lei anterior, de 2006,
elaborado durante o “plano diretor participativo de Ponta Grossa”, no qual a área era
considerada de proteção de mananciais.
Toda a área de afloramento da Formação Furnas no Município de Ponta
Grossa é área de recarga do Aqüífero Furnas, que abastece muitos poços profundos
na região da cidade. Ela deveria ser área de proteção de mananciais. Esta proteção
deverá levar em conta não somente os mananciais superficiais, mas também os
mananciais subterrâneos.
CONCLUSÃO
O Aqüífero Furnas é importante manancial de águas subterrâneas na região
da cidade de Ponta Grossa, estimando-se que atualmente os poços profundos que o
abastecem tenham condições de produzir o dobro do volume de águas fornecido
pela SANEPAR.
Os arenitos da Formação Furnas são muito fraturados e apresentam
significativo fenômeno de dissolução de minerais, capaz de gerar importantes
cavidades subterrâneas. Estes atributos fazem da Formação Furnas um aqüífero ao
mesmo tempo com características de aqüífero fraturado e cárstico.
Se por um lado estas características aumentam o potencial de produção de
água de boa qualidade, por outro lado implicam sérias vulnerabilidades, e colocam a
necessidade de políticas públicas que previnam a ocorrência de problemas
associados com estes aqüíferos: graves riscos de poluição a partir da superfície, o
que impõe necessidade de severo disciplinamento de uso das terras; riscos de
abatimentos do terreno, o que impõe controle de exploração e monitoramento dos
efeitos da utilização do aqüífero. Tal política pública para proteção do manancial da
águas subterrâneas de Ponta Grossa identifica-se com o tema “Gestão dos
Recursos Hídricos” dentro das prioridades de preocupações da Agenda 21.
REFERÊNCIAS
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Bacia do Paraná no Brasil. São Paulo, Instituto de Geociências da Universidade de
São Paulo, Tese de Doutoramento, 1996, 207p.
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CAPRI, Silvia Beatriz ; SILVA, Alciléia Felix da ; MORO, R. S. Cylindrospermopsis
raciborskii (Wol.) See. & S.Raju (Cyanobacteria): variação mensal e relação com
fatores ambientais no manancial Alagados< ponta Grossa, PR, Brasil.. In: IV
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UEPG. Ponta Grossa : UEPG, 2004. v. 1.
KATBEH, A. Águas subterrâneas. In: “As conseqüências sócio-ambientais da
implantação de um Aterro Sanitário na cidade de Ponta Grossa”, Debate Público.
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LETENSKI, R. O uso da água da chuva nos postos de serviços automotivos no
espaço urbano de Ponta Grossa, PR. Monografia de conclusão de curso de
Bacharelado em Geografia, UEPG-DEGEO, 2009.
MAACK, R. Fenômenos carstiformes de natureza climática e estrutural de
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MAACK, R. Notas preliminares sôbre as águas do sub-solo da Bacia ParanáUruguai. Curitiba, Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, 1970, 162p.
MELO, M.S.; GIANNINI, P.C.F. Sandstone dissolution landforms in the Furnas
Formation, southern Brazil. Earth Surface Processes and Landforms, v. 32, p. 21492164, 2007.
WRAY, R.A.L. 1997a. A global review of solutional weathering forms on quartz
sandstones. Earth-Science Reviews, 1997a, v. 42: 137–160.
WRAY, R.A.L. 1997b. Quartzite dissolution: karst or pseudokarst? Cave and
Karst Science, 1997b, v. 24(2): 81–86.
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