Espiritismo e Consciência de Krishna: Um Estudo Comparativo em

Propaganda
Espiritismo e Consciência de Krishna: Um Estudo Comparativo
em Transmigração da Alma, Posição dos Espíritos (Bhutas),
Epistemologia e Objeto de Culto
por Thiago Costa Braga
(Bhagavan Dasa Adhikari Bhakti-sastri)
Lembro-me como se fosse hoje. Em minhas mãos, aquele livro que comprei sob
a propaganda de que desdobraria os temas da palestra que eu havia acabado de ouvir
com grande interesse. Na capa da obra, ao fundo, o topo de vários templos no que
parecia ser o amanhecer ou o entardecer. Quando cheguei em casa, deitei em minha
cama ainda com a roupa do corpo e li novamente na capa o título do livro, o qual me
dizia muito, pois era o que eu vivia. Seu título: Em Busca da Verdade. Seu autor: A.C.
Bhaktivedanta Swami Prabhupada, fundador da Sociedade Internacional para a
Consciência de Krishna.
Devorei cada página como se estivesse com muita fome. Tanto aprendi que
mentalmente agradecia a Deus por aquele livro. Fui introduzido a temas como a
impossibilidade de ser obediente a Deus sem uma descrição clara de Seus desejos e
ordens, a necessidade fundamental de conhecermos em detalhes a personalidade de
Deus para podermos amá-lO, a compreensão derradeira da ordenação do universo
com base nos três modos da natureza material, a inutilidade de tentar ser honesto sem
ter o conhecimento de que Deus é o proprietário de tudo e vários outros temas que,
tamanha sua profundidade, sequer sabia de sua existência, menos ainda que haveria
alguém capaz de apresentá-los de maneira tão acessível como o autor que agora eu lia.
Nem tudo me foi alegria ao término da leitura, no entanto. Em meu coração,
além do contínuo agradecimento a Deus, estava o desejo de divulgar esse livro tanto
quanto eu pudesse, a tantos amigos quanto eu tivesse. Porém, uma única página desta
obra me desmotivava. Pensei então em comprar vários desse livro e presenteá-lo a
amigos sem essa página que me incomodava, porém veriam que uma folha havia sido
arrancada. Uma segunda ideia: Fotocopiá-lo tirando essa página e apagando os
1
- Espiritismo e Consciência de Krishna números das páginas, de modo que ninguém saberia do excerto. Por fim, não tomei
nenhuma de minhas medidas cogitadas, pois minha ocupação em distribuir esse
conhecimento teria de aguardar um pouco mais meu amadurecimento.
A referida passagem, enfim, era esta: “Como espíritos puros, todas as almas são
iguais, inclusive nos animais”1. (p. 34) Ai de mim, como dizem os poetas. Por que a
vida não pode ser mais fácil? Por que um autor que julguei conhecer tudo
perfeitamente tinha essa “mácula” de tamanho contrassenso de afirmar que a alma que
anima os animais e os homens é a mesma, com o agravante que descobri mais tarde, de
que é a mesma alma também que pode passar inclusive por corpos vegetais?
Minha dificuldade se dava por minha formação espírita, a qual, embora me
tenha conduzido a buscar a reunião que assisti sobre a consciência de Krishna, em
virtude de utilizar termos da mesma, como karma e chakra2, tinha diferentes concepções
acerca destes conceitos e outros, e, como foi o espiritismo a religião que me convenceu
da existência de Deus, livre-arbítrio, transmigração da alma e outros tópicos, era-me
difícil lidar com os conflitos entre ela e meu novo achado da consciência de Krishna.
Hoje, passados oito anos desde este meu primeiro contato com a consciência de
Krishna, graduei-me em Bhakti-sastri3 após residência no Seminário de Filosofia e
Teologia Hare Krishna de Campina Grande e traduzi para a ISKCON mais de dez
livros, cem artigos e outros materiais, além de ter-me dado a leituras diversas sobre o
assunto da consciência de Krishna. Esse acúmulo de conhecimento de minha parte
tanto da doutrina espírita quanto da consciência de Krishna faz-me sentir obrigado a
produzir este material de estudo comparado, para o benefício tanto dos espíritas
quanto dos adeptos da consciência de Krishna. Para os primeiros, uma oportunidade
de diálogo inter-religioso não muito explorada. Embora os espíritas promovam sua
1 PRABHUPADA, A.C. Bhaktivedanta Svami. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas. São
Paulo: BBT, 2012, p. 34. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas é o novo título que em português que se deu
ao então Em Busca da Verdade, esta edição agora com tradução literal do título original da obra, Perfect
Questions Perfect Answers.
2 Karma e chakra não são, a rigor, conceitos doutrinários do espiritismo. Seu uso entre os espíritas é
considerado fruto de hibridismo com religiões orientais. Tais termos não se encontram na obra kardeciana,
sendo encontrados apenas em obras subsidiárias.
Título obtido pelo sucesso em uma prova internacional a que se submetem os membros do
Movimento Hare Krishna e outros interessados após estudo básico de sânscrito e estudo profundo das
obras O Bhagavad-gita Como Ele É, Isopanisad, Néctar da Devoção (Bhakti-rasamrta-sindhu) e Néctar da Instrução
(Upadesamrta).
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- Espiritismo e Consciência de Krishna religião em conflito com religiões que duvidam do contato com os espíritos; a
consciência de Krishna é um desafio inteiramente novo, dado que acredita plenamente
nesta comunicação, mas a tem como irrelevante para investigações acerca de Deus, da
alma e da matéria inerte. Aos adeptos da consciência de Krishna, este tenta esclarecer
algumas das zonas de conflito entre as duas religiões para fortalecimento da fé de tais
adeptos com argumentos científicos, lógicos e teológicos. As zonas de conflito a serem
analisadas são reencarnação em oposição a metempsicose, conhecimento descendente
em oposição a conhecimento ascendente, equivalência de espíritos de luz e almas
espirituais semipiedosas identificadas com o corpo, e culto a tais indivíduos e adoração
exclusiva a Deus.
Transmigração da Alma: Reencarnação e Metempsicose
Ambas as religiões em análise têm como princípio básico que a alma espiritual
indestrutível tem a faculdade de transmigrar para um corpo novo ante a destruição do
corpo em que se encontrava anteriormente. Em O Livro dos Espíritos4, encontramos:
“Chamamos alma ao ser imaterial e individual que em nós reside e sobrevive ao
corpo” (Introdução, p. 15), “A alma passa então por muitas existências corporais? ‘Sim,
todos contamos muitas existências’” (2.4.166b), e, em seguida, afirma-se que “vivemolas em diferentes mundos” (2.4.172).
Todos estes três pontos são comuns à consciência de Krishna, como
evidenciamos por estes versos introdutórios do Bhagavad-gita5. No atinente à
continuidade da alma após a morte do corpo: “Para a alma, em tempo algum existe
nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a
existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando
o corpo morre”. (2.20) No atinente às múltiplas existências: “Assim como alguém veste
roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais,
abandonando os velhos e inúteis” (2.22), e também “Assim como, neste corpo, a alma
corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice; do mesmo
4
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995
Todas as citações do Bhagavad-gita aqui contidas são as traduções de O Bhagavad-gita Como Ele É,
disponível gratuitamente e em português em vedabase.com/pt-br/bg.
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- Espiritismo e Consciência de Krishna modo, chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não
fica confusa com tal mudança”. (2.13) No atinente à existência em diferentes planetas:
“Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas
superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no
abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais”. (14.18)
Os pontos de conflito entre o espiritismo e a consciência de Krishna, como
analisaremos aqui, estão no fato de que o espiritismo advoga, ou parece advogar, que a
alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos animais ou então que, uma
vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a partir de sua criação por
Deus “simples e ignorantes” (Livro dos Espíritos 2.1.115), jamais poderia retornar a um
corpo animal dado que isto contradiz a lei do progresso, lei esta que dá título ao
capítulo sexto da obra O Livro dos Espíritos. Tal ensinamento é chamado
“reencarnação”, em oposição a “metempsicose”, cuja transmigração de uma mesma
categoria de alma – categoria única, distinta apenas de Deus e da matéria inerte – se dá
por todos os corpos.
Nesta passagem de O Livro dos Espíritos, nega-se a transmigração de uma
mesma espécie de alma por corpos humanos e animais, atribuindo a eles “almas
diferentes”:
Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa
liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?
“Há e que sobrevive ao corpo”.
Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?
“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se
der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos
animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do
homem e Deus”. (2.11.597 e 597a)
A alma animal, ainda segundo a mesma obra (2.11.601), evolui por diferentes
corpos animais, tal como a alma humana:
Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?
“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais
adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de
comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham
submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes.”
4
- Espiritismo e Consciência de Krishna A consciência de Krishna, baseada nos Vedas, declara, no entanto, que existe
uma só alma que habita por diferentes corpos, passando por todas as formas inferiores
até atingir a forma humana. No Brahma Vaivarta Purana, por exemplo, figura os
seguintes versos: “Atinge-se a forma humana de vida após a transmigração por
milhões de espécies ao longo do processo gradual de evolução, e essa vida humana é
arruinada pelos tolos orgulhosos que não se refugiam nos pés de lótus de Govinda
[Deus]”6. O Padma Purana descreve esse número de formas antecedentes à forma
humana pelas quais passa a alma: “Em todo o universo, existem 900.000 espécies
aquáticas; 2.000.000 de entidades vivas imóveis, como árvores e plantas; 1.100.000
espécies de insetos e répteis, e 1.000.000 de espécies voadoras. No que diz respeito aos
animais terrestres, existem em número de 3.000.000, e as espécies humanas existem em
número de 400.000”7.
No Srimad-Bhagavatam8 (3.29.28-32), encontramos uma descrição ainda mais
detalhada, a qual nos informa que o tato é o primeiro sentido que se experimenta, o
qual se desenvolve ao se ter um corpo de árvore. Em seguida, experimenta-se paladar
ao se obter um corpo de peixe. Após o corpo de peixe, pode-se obter um corpo como de
abelha e desenvolver olfato. A audição então se faz presente rudimentarmente em um
corpo de cobra, e, mais adiante, pode-se ter um corpo que tem todos os sentidos e
ainda é capaz de distinguir formas, como os corpos de algumas aves e, por fim, de
quadrupedes. Finalmente, tem-se o corpo humano. Os seres humanos ainda são
divididos entre diferentes níveis de estruturação social e rendição a Deus, partindo dos
seres humanos incivilizados e indo até “o devoto puro de Deus, que Lhe presta serviço
devocional sem nenhuma expectativa”.
O leitor mais arguto deve ter atentado que, na ocasião em que eu disse que o
espiritismo advoga que a alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos
6 VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From
the Puranas / Brahma Vaivarta Purana. info.vedabase.com. O verso original diz: asitim caturas caiva laksams
tan jiva-jatisu/ bhramadbhih purusaih prapyam manusyam janma-paryayat/ tad apy abhalatam jatah tesam
atmabhimaninam/ varakanam anasritya govinda-carana-dvayam.
7 VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From
the Puranas / Padma Purana. O verso original diz: jalaja nava-laksani sthavara laksa-vimsati/ krmayo rudrasankhyakah paksinam dasa-laksanam/ trimsal-laksani pasavah catur-laksani manusah.
As citações do Srimad-Bhagavatam são traduções minhas da tradução inglesa de Srila
Prabhupada, disponível em vedabase.com/en/sb.
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- Espiritismo e Consciência de Krishna animais ou então que, uma vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a
partir de sua criação, jamais poderia retornar a um corpo animal, eu intercalei o
seguimento “ou parece advogar”. A explicação para isto é que, como veremos em
discussões acerca de epistemologia, a revelação dos espíritos não é um sistema fechado
e concluído como o da consciência de Krishna, isto porque seus reveladores são
investigadores no modelo de investigação científico-filosófico, isto é, baseado
respectivamente na percepção dos sentidos e da mente, motivo pelo qual certamente
terão conflitos entre si como têm os cientistas e filósofos encarnados. Assim é que um
mesmo espírito pode ter diferentes opiniões em diferentes momentos ou variados
espíritos terem diferentes opiniões contemporâneas, e encontramos no Livro dos
Espíritos (p. 303) que isso de fato se dá com a dicotomia reencarnação e metempsicose e
acerca da relação entre os homens e os animais:
O ponto inicial do espírito é uma dessas questões que se prendem à origem
das coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecêlas de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer
suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios espíritos
longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter
opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que nem
todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e
os animais. Segundo uns, o espírito não chega ao período humano senão
depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres
inferiores da Criação9. Segundo outros, o espírito do homem teria pertencido
sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses
sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais, que
formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é
mais conforme à dignidade do homem. (grifo nosso)
Emmanuel, por exemplo, em várias psicografias de Chico Xavier, defende esta primeira teoria
contra a opinião daqueles que compuseram O Livro dos Espíritos: “O animal caminha para a condição do
homem tanto quanto o homem evolui no encalço do anjo”. (Alvorada do Reino, Na Senda da Ascensão)
Em sua obra Emmanuel: Dissertações Mediúnicas sobre Importantes Questões que Preocupam a Humanidade,
encontramos:
“Como o objetivo desta palestra é o estudo dos animais, nossos irmãos inferiores, sinto-me à
vontade para declarar que todos nós já nos debatemos no seu acanhado círculo evolutivo. São eles os
nossos parentes próximos, apesar da teimosia de quantos persistem em o não reconhecer. Considera-se,
às vezes, como afronta ao gênero humano a aceitação dessas verdades. E pergunta-se como poderíamos
admitir um princípio espiritual nas arremetidas furiosas das feras indomesticadas, ou como
poderíamos crer na existência de um rio de luz divina na serpente venenosa ou na astúcia traiçoeira dos
carnívoros. Semelhantes inquirições, contudo, são filhas de entendimento pouco atilado”. (XAVIER,
Chico. FEB. p. 119)
Interessante notar que o espiritismo diz que sua validade está em não haver contradição entre os
espíritos: “Uma só garantia séria existe para o ensino dos espíritos: a concordância que haja entre as
revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos
outros e em vários lugares”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 31)
9
6
- Espiritismo e Consciência de Krishna Assim, não há uma base sólida acerca do posicionamento dos espíritos em
relação a se a alma anima primeiramente corpos animais ou começa já em corpos
humanos, logo não há um posicionamento absoluto acerca de se a alma animal
progride unicamente por corpos animais ou se é a mesma sorte de alma que anima
agora corpos humanos. Contudo, como a obra O Livro dos Espíritos mostra predileção
pela teoria de que existem dois tipos de almas, humanas e animais, ou mais
precisamente, três, uma também apenas a animar vegetais10, tomaremos isso como o
fundamento espírita e o iremos expor aos ensinos conscientes de Krishna.
A primeira dificuldade para sustentar a teoria espírita de que os animais
sempre serão animais e sempre foram animais é que ela é contraditória com o senso de
justiça vinculado a que alguém sofre por mau uso de seu livre-arbítrio e que alguém
tem conforto por bom uso de seu livre-arbítrio, o que é aceito por ambas as religiões
em estudo. No entanto, como os animais não têm livre-arbítrio (Livro dos Espíritos
2.11.599), o que ambas as religiões concordam, Deus Se torna injusto na teoria espírita,
pois todo o sofrimento excruciante pelo qual passam, por exemplo, as vacas, porcos,
galinhas e outros animais em fazendas-fábricas e abatedouros11 é um sofrimento
desmerecido, não decorrente de nenhuma escolha ruim, tampouco há justiça ou
justificativa em uma vaca viver livremente e outra não. Deste modo, Deus torna-Se
alguém horrendo que criou almas animais apenas para animarem corpos animais
inferiores e irem progredindo por corpos animais superiores sempre sofrendo as dores
do nascimento, da morte, da velhice e da doença mesmo não tendo feito nenhuma má
escolha ou ato contrário à vontade de Deus. Tais almas animais são submetidas a um
processo automático (idem. 2.11.602) de evolução por diferentes corpos – reitero,
dolorosíssimo – e evoluem sem nenhum mérito para chegarem ao estágio máximo
delas, estágio máximo este no qual não conhecem Deus (idem. 2.11.603)12.
10 “Nos mundos superiores, as plantas são de natureza mais perfeita, como os outros seres? ‘Tudo
é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais sempre animais e os homens
sempre homens’”. (Livro dos Espíritos 2.11.591)
11 Aqueles que não estão inteirados deste “avanço” da civilização podem se inteirar do mesmo
assistindo ao documentário Terráqueos [Earthlings] ou similares. O referido documentário está disponível
neste weblink: terraqueos.org. Outros documentários similares se encontram na mesma página.
Desenvolvi, a princípio, estar argumentação sob o norteamento de Santo Anselmo, que diz que
o conceito perfeito de Deus é, entre outras coisas, de um ser absolutamente justo e infinitamente bom, e
12
7
- Espiritismo e Consciência de Krishna A única maneira de se conciliar existir sofrimento no mundo e Deus ser
onipotente e bom é a exigência do amor ser precedido por livre-arbítrio, haja vista que
um amor forçado não é amor, dado que amar exige a espontaneidade de ter o direito
de não amar. Agora, se os animais jamais conhecerão Deus para amá-lO e não têm
livre-arbítrio, por que os criar e os submeter a uma evolução dolorosa e sem sentido até
o estágio de perfeição em que não conhecem seu criador? Certamente é absurdo
atribuir a Deus tamanho capricho, em virtude do que o Livro dos Espíritos só pode dizer
sobre isso as palavras com que encerra o capítulo nono da parte segunda: “Quanto às
relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos
segredos de Deus”.
O conhecimento da consciência de Krishna, no entanto, mantém Deus como
justo ao colocar que os animais sofrem porque as almas que habitam tais animais que
estão sofrendo com nascimento, morte, doenças e velhice fizeram mau uso de seu livre
arbítrio, isto é, não procederam de acordo com a vontade de Deus, quando possuíam
corpos humanos ou no ato de se desconectarem de Deus. Assim é que um açougueiro
ou aqueles que comem carne terão de nascer, pelas reações de seus pecados, em corpos
de animais que serão brutalmente criados e abatidos. Os corpos animais para as almas
também têm um propósito muito amável, que é que uma alma em condição
pecaminosa pode dar vazão a suas tendências pecaminosas sem criar novo mau karma.
Deste modo, alguém afeito a dormir excessivamente pode ter um corpo de urso;
alguém afeito a comer carne, um corpo de tigre; alguém afeito à promiscuidade, um
corpo de macaco e assim por diante. Caso se fizesse tais atos no corpo humano,
incorreria em grandes reações pecaminosas. Porém, com a oportunidade de fazer tais
coisas em corpos animais, o indivíduo dá vazão a seus pecados e pode, quando Deus
considerar apropriado, habitar novamente um corpo humano já esgotado desse hábito.
Assim é que o Garuda Purana (2.46.9-10) afirma sobre as almas pecaminosas que estão
deixando os planetas infernais: “Quando as torturas expiatórias e restringentes cessam,
as entidades vivas nascem novamente na forma humana ou em uma forma animal com
que o conceito em que se tenha uma justiça e uma bondade insuperáveis é o conceito verdadeiro.
Semelhante argumentação que apresento, no entanto, parece também estar inteiramente em A Gênese
(3.12), onde se diz: “Se os animais são dotados apenas de instinto, não tem solução o destino deles e
nenhuma compensação os seus sofrimentos, o que não estaria de acordo nem com a justiça, nem com a
bondade de Deus”.
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- Espiritismo e Consciência de Krishna os traços característicos de seus pecados”. Por traços característicos dos pecados,
entende-se uma pessoa incestuosa nascer cão ou alguém que não discrimina o que
comer e o que não comer nascer como porco.
Com a metempsicose, a justiça de Deus é preservada, pois o sofrimento da alma
no corpo animal tem um porquê imediato, isto é, suas ações passadas, e tem um
propósito futuro: uma vez que atinja a perfeição em um dos 400.000 tipos de corpos
humanos que propiciam o livre-arbítrio de poder render-se a Deus, conhecerá Deus e
se relacionará com Ele em serviço devocional e bem-aventurança eterna.
Embora o espiritismo diga, como citado anteriormente, que talvez as almas que
hoje habitam os corpos humanos tenham sim habitado corpos animais, o espiritismo
em momento algum assume que a alma possa involuir, o que eles acreditam acontecer
na metempsicose. Isto é um erro, no entanto; ao menos na metempsicose mais antiga
que se conhece – a metempsicose consciente de Krishna. No Bhagavad-gita (2.40),
Krishna diz: “Neste caminho [o caminho da gradual rendição a Deus] não há perda
nem diminuição, e um pequeno esforço neste caminho pode proteger a pessoa do mais
perigoso tipo de medo”. Em outras palavras, como explica Prabhupada em seu
comentário, qualquer avanço que uma alma tenha feito em se render a Deus está
eternamente no crédito dela, e ela sempre continuará daquele ponto, e Krishna diz que,
desde que ela continue fazendo o mínimo progresso (pequeno esforço) ela estará livre
do mais perigoso tipo de medo (cair em uma forma sub-humana). Aqui pode parecer
haver uma contradição: Não há perda nem diminuição, ou involução, mas, se ela parar
de progredir, cairá em corpos animais. Isso não é uma contradição assim como os
espíritas aceitam que alguém que foi doutor em Letras pode, caso aja
pecaminosamente, nascer como alguém cego, surdo, mudo e paralítico. Tal aparente
involução, isto é, alguém antes pesquisador acadêmico sequer ter sentidos e
consciência o bastante para interagir ou se movimentar, é um estado temporário de
“inferioridade” à vida passada, o qual, quando superado e terminado, terá sido um
grande aprendizado para o doutor, que poderá então continuar seu progresso
novamente em um corpo com inteligência, mas temeroso de pecar e reconsiderando se
o mero conhecimento acadêmico realmente constitui progresso.
9
- Espiritismo e Consciência de Krishna Assim é que, quando alguém cai em um corpo animal após ter tido um corpo
humano, ao deixar o corpo animal – ou os vários corpos animais, a depender de seus
atos –, retoma sua vida com livre-arbítrio do ponto de rendição a Deus em que estava,
e sua experiência em determinado corpo animal serve-lhe de lição ou de esgotamento
de alguma tendência animalesca que tinha mesmo no corpo humano.
A história do rei Bharata, por exemplo, relatada no Quinto Canto do SrimadBhagavatam – para o qual já fornecemos um weblink – relata a história de um rei que
renunciou seu reino quando mais velho e se recolheu para a floresta para se dedicar a
práticas espirituais. Contudo, porque negligenciou sua vida espiritual tendo-se atraído
por um veadinho na floresta, adquiriu um corpo de veado na vida seguinte. No corpo
de veado, intuitivamente rumou para a casa de grandes devotos de Deus e lá ficou até
morrer. Uma vez de volta ao corpo humano, na vida seguinte, ele retomou sua vida
espiritual com muito mais seriedade e cuidado. Assim, é evidente que, embora tenha
adquirido um corpo sub-humano após ter tido um corpo humano, não houve
involução da consciência, mas uma experiência chocante tal qual alguém que alguma
vez enxergou porém teve um nascimento cego. Assim, negar a metempsicose porque a
mesma pressupõe a involução da consciência é ignorância de todos os sistemas de
metempsicose13, visto que a metempsicose dos Vedas, escrituras estas que formam a
Parece que o espírito que se posiciona contra a metempsicose se informou insuficientemente,
apenas em fontes semelhantes àquelas consultadas por Jung, que também possuía conhecimento
incompleto da metempsicose: “O conceito de renascimento é multifacetado. Em primeiro lugar destaco a
metempsicose, a transmigração da alma. Trata-se da ideia de uma vida que se estende no tempo, passando
por vários corpos, ou da sequência de uma vida interrompida por diversas reencarnações. O budismo
especialmente centrado nessa doutrina – o próprio Buda vivenciou uma longa série de renascimentos –
não tem certeza se a continuidade da personalidade é assegurada ou não; em outras palavras, pode tratarse apenas de uma continuidade do karma. Os discípulos perguntaram ao mestre, quando ele ainda era
vivo, acerca desta questão, mas Buda nunca deu uma resposta definitiva sobre a existência ou não da
continuidade da personalidade”. (JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo.
Petrópolis: Vozes, 2002. p. 119). Quando tal afirmação de Jung, que não conseguiu estender-se para a
metempsicose mais antiga que se conhece, a metempsicose védica ou pré-budista, foi apresentada a Srila
Prabhupada, este comentou:
“Srila Prabhupada: Uma personalidade está sempre presente, e mudanças corpóreas não mudam
isso. A pessoa, entretanto, identifica-se de acordo com o seu corpo. Quando, por exemplo, a alma está
dentro do corpo de um cachorro, ela pensa de acordo com aquela construção corpórea particular. Ela
pensa: “Sou um cachorro, e tenho minhas atividades particulares”. Na sociedade humana, a mesma
concepção está presente. Por exemplo, quando alguém nasce na América, ele pensa: “Sou americano, e
tenho meu dever”. De acordo com o corpo, a personalidade se manifesta, mas, em todos os casos, a
personalidade está presente. Discípulo: Mas essa personalidade é contínua? Srila Prabhupada:
Certamente a personalidade é contínua. À morte, a alma passa para outro corpo grosseiro juntamente com
suas identificações mentais e intelectuais. O sujeito obtém diferentes tipos de corpos, mas a pessoa é a
mesma”. (Beyond Illusion and Doubt. Cap. 15. vedabase.com/en/bid/15)
13
10
- Espiritismo e Consciência de Krishna base do movimento Hare Krishna, conciliam perfeitamente a transmigração por
diferentes corpos sem aceitar a involução da consciência. Tal aparente “involução”
pode ser comparada a alguém que estava caminhando para frente e, ao se deparar com
um buraco à sua frente, recua um pouco para saltá-lo. Tal recuo não é um retrocesso
em seu caminhar para frente, mas parte de seu progresso.
Então, porque o espiritismo não possui uma resposta clara sobre se a alma que
atualmente ocupa corpos humanos já ocupou corpos animais, e porque seu argumento
de que a metempsicose não pode ser real porque implica a involução da consciência é
produto de ignorância da metempsicose consciente de Krishna, temos aqui, acredito,
bastante espaço para reflexão.
Algo muito interessante é que Krishna deixou-nos já uma fórmula no Bhagavadgita, cinco mil anos atrás, que nos informa que a opinião de quem reside onde residem
aqueles que conversaram com Allan Kardec é, em geral, de que existem diferentes
tipos de almas. Tal fórmula é dada no Bhagavad-gita (18.20-22):
Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento
com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as
entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas. O
conhecimento com o qual se vê que em cada corpo diferente há um tipo
diferente de entidade viva, você deve entender que está no modo da paixão. E
o conhecimento pelo qual alguém se apega a um tipo específico de trabalho
como se fosse tudo o que existe, sem conhecimento da verdade, e que é muito
escasso, diz-se que está no modo da ignorância.
O universo, segundo os Vedas, é regido por três cordas, ou modos da natureza
material, os quais se chamam bondade, paixão e ignorância. Assim, classifica-se tudo
nos três modos, como alimentação, caridade etc. Pode-se ler sobre os mesmos nos
capítulos 14, 17 e 18 do Bhagavad-gita. Aqui Krishna está dizendo que, quando alguém
está no modo da ignorância, esse alguém quer apenas trabalhar, sendo indiferente a
discussões se a alma existe ou não existe, se ela é a mesma tramitando por diferentes
corpos ou se cada tipo de corpo comporta um tipo de alma. Em seguida, superiores são
as pessoas controladas pelo modo da paixão, as quais já aceitam a existência da alma,
embora, por seus sentidos imperfeitos e por seu desejo de explorar os outros, digam
que a alma da mulher, do índio, do negro ou dos animais é inferior. Por fim, existem
aqueles no modo da bondade, o melhor de todos, os quais percebem que é a mesma
11
- Espiritismo e Consciência de Krishna alma que aparece em diferentes corpos, assim como a mesma luz branca às vezes
parece azul, vermelha ou amarela a depender da cor do invólucro que recebe.
Assim, as escrituras conscientes de Krishna dizem que onde residem aqueles
que conversaram com Allan Kardec é uma morada no modo da paixão (SrimadBhagavatam 4.29.28, significado), a qual se chama, em sânscrito, Antariksa, daí a opinião
deles. A tese espírita ser prevista milênios antes do surgimento do espiritismo e ainda
propor uma tese superior é certamente algo que deve promover buscadores sinceros a
considerarem se não há livros na Terra mais avançados do que os cinco livros
codificados por Kardec e similares. A leitura do Bhagavad-gita Como Ele É, na
companhia daqueles que já o estudam há mais tempo, é um começo recomendável.
Acerca da localização das colônias espíritas e sua identificação com o modo da paixão,
falaremos mais adiante, na seção denominada “Uma análise da posição dos espíritos
segundo a consciência de Krishna”.
Ainda nos argumentos na dicotomia reencarnação e metempsicose, além dos
argumentos da questão do sofrimento a quem nunca teve livre-arbítrio para fazer algo
que merecesse sofrimento e de que Krishna previu esse argumento para aqueles que
habitam Antariksa, há o argumento moral, possivelmente o mais forte, de que perceber
outras entidades vivas como ontologicamente inferiores é a inconsciência fundamental
para se explorar o outro. Só me é possível explorar o negro, a mulher, o judeu ou o
índio, por exemplo, depois que eu me convencer de que são menos importantes para
Deus ou inferiores a mim, pois, se são iguais a mim, dou o direito de que façam comigo
o mesmo que faço com eles, e se são tão importantes para Deus quanto eu sou, Deus
me punirá de alguma forma. Assim, vê-se rotineiramente que, conquanto os espíritas
se apiedem de seres humanos em sofrimento, são promotores do sofrimento dos
animais em seus hábitos alimentares, de vestes etc., hábitos estes tendo em vista o gozo
dos sentidos. No Movimento Hare Krishna, todo membro faz o voto vitalício de não
comer carne, peixe ou ovos, e as verduras e outros alimentos também são ingeridos
apenas após serem consagrados a Deus. Assim, é visível a superioridade moral e
caridosa naqueles possuidores da visão de que a alma que anima os animais e plantas
12
- Espiritismo e Consciência de Krishna não é por natureza inferior ou sem o propósito de um dia alcançar Deus, mas uma
alma tal como nós que agora estamos em corpos humanos14.
Deste modo, apresentado o sistema de metempsicose do Movimento Hare
Krishna, que remonta mais de 50 séculos na história registrada, sistema este que não
nega a evolução permanente da consciência e que a evolução da alma pelos animais é
progressiva, a metempsicose passa a ser verdadeira segundo estes dizeres da página
303 do Livro dos Espíritos: “Seria verdadeira a metempsicose se indicasse a progressão
da alma, passando de um estado a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos
que lhe transformassem a natureza”.
Uma análise da posição dos espíritos segundo o espiritismo
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo15, o espiritismo promove-se como sucessor
de Jesus em ensinamentos, valendo-se das passagens bíblicas que se referem ao
“Espírito de verdade”, a saber, João 14:17, 15:26 e 16:13: “O Espírito de verdade, que o
mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque
habita convosco, e estará em vós. Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do
Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de
mim. Mas, quando vier aquele, o Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a
Esta questão de que o fundamento para não explorarmos os animais ou humanos de diferentes
categorias se encontra na necessidade de os vermos como indivíduos na mesma categoria que nós, uma
categoria única abaixo de Deus, fica evidente caso contrastemos, por exemplo, espíritos que acreditam que
os animais possuem almas constitucionalmente inferiores e aqueles que pensam diferente. Vemos, por
exemplo, que os reveladores do Livro dos Espíritos, partidários da ideia de que a alma em um corpo animal
é distinta, e eternamente distinta, da alma em um corpo humano, não promovem o vegetarianismo e o
consequente bem-estar dos animais: “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do
contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças
e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua
organização” (O Livro dos Espíritos 3.5.723). O já mencionado espírito Emmanuel, partidário da ideia de
que as almas que ocupam corpos animais e humanos são as mesmas, defende o vegetarianismo: “A
ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos
vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação, mesmo porque, se o estado de
materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esses valores nutritivos podem
ser encontrados nos produtos de origem vegetal, sem nenhuma necessidade dos matadouros e
frigoríficos... Consolemo-nos com a visão do porvir, sendo justo trabalharmos, dedicadamente, pelo
advento dos tempos novos em que os homens terrestres poderão dispensar da alimentação os despojos
sangrentos de seus irmãos inferiores”. (O Consolador, questão 129) Assim fica aparente que, por trás do
empenho em categorizar o outro como ontologicamente inferior, está o desejo e o ato degradado de
explorá-lo.
14
15
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 1996
13
- Espiritismo e Consciência de Krishna verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos
anunciará o que há de vir”16.
Podemos identificar quatro atributos (mais do que isso tornaria este muito
longo) para análise do Espírito de Verdade segundo os referidos versos bíblicos: O
Espírito de Verdade procede do Pai; não ensinará algo diferente do que Jesus disse;
guiará as pessoas em toda a verdade; e não falará de si mesmo, mas antes do que
houver ouvido.
O Consolador é identificado nas obras canônicas do espiritismo como o próprio
espiritismo, como em A Gênese17 (1.42): “O espiritismo realiza todas as promessas do
Cristo a respeito do Consolador anunciado”, e o Espírito de Verdade é aquele que inspira
(1.39) e preside (1.40) essa doutrina. Em termos práticos, podem-se analisar os quatro
atributos no espiritismo como uma análise paralela do Espírito de Verdade, pois, uma
vez que o espiritismo, o Consolador, é “inspirado” e “presidido” pelo Espírito de Verdade,
não pode haver diferença ou contradição doutrinária entre os dois.
Então, um estudo esmerado do espiritismo mostra os quatros atributos que
selecionamos acima? Analisemos cada um.
O Espírito de Verdade “procede do Pai” significa que ele já esteve com o Pai, isto
é, já O viu e O conhece, o que é possível segundo o Livro dos Espíritos (1.1.11): “Será
dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade? ‘Quando não mais
tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver
aproximado de Deus, ele O verá e compreenderá’”. Assim, o Espírito de Verdade, que
procede do Pai, deve ser alguém que viu Deus e O conhece, o que nenhum espírito que
se comunicou conosco disse ter feito. Dizer que “vem do Pai” significa que os espíritos
são partes de Deus e criados por Ele, daí “virem do Pai”, seria algo sem sentido, pois os
espíritos em estado encarnado também veem do pai, de modo que “vir do Pai” não
pode ser uma questão ontológica.
O Espírito de Verdade não ensinará algo diferente do que Jesus ensinou. No velho
testamento, aceito por Jesus, visto que não veio negar a lei, mas cumpri-la18,
16
17
18
bibliahabil.com.br
KARDEC, Allan. A Gênese. Brasília: FEB, 1995
Mateus 5:17
14
- Espiritismo e Consciência de Krishna encontramos: “Entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua
filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro. Nem
encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem
consulte os mortos. Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por
estas abominações o SENHOR teu Deus os lança fora de diante de ti”.19
Jesus também ensinou que o mandamento maior é Amar a Deus, e o segundo
mandamento é amar o próximo: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus
disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de
todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo,
semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”20. O capítulo do
Evangelho Segundo o Espiritismo que trata deste assunto, curiosamente, traz o título do
segundo mandamento mais importante, Amar o Próximo como a Si Mesmo. Embora
seja citada toda a passagem bíblica que aqui citei, quando os espíritos a comentam, eles
não dizem absolutamente nada sobre o primeiro mandamento, que Jesus disse ser o
mais importante, mas comentam apenas o segundo. Seu comentário completo a estes
dois mandamentos é este:
“Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros o que quereríamos que
os outros fizessem por nós” é a expressão mais completa da caridade, porque
resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos
encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que
devemos fazer aos outros aquilo que para nós desejamos. Com que direito
exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais
benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles? A
prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem
para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens
compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz
e a justiça. Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união,
concórdia e benevolência mútua. (Evangelho Segundo o Espiritismo 11.4)
Assim, fica claro que o espiritismo estabelece a comunicação com os mortos,
tida pelo velho testamento como “abominação ao Senhor”, e coloca o segundo
mandamento de Jesus como o primeiro, alteração esta facilmente assimilável à
primeira constatação de não conhecerem Deus, prerrogativa para amá-lO. A adoração
19
20
Deuteronômio 18:10-14
Mateus 22:36-39
15
- Espiritismo e Consciência de Krishna a Deus é irrelevante em uma religião cuja lei de ação e reação é soberana, haja vista que
um ateu caridoso tem o mesmo destino de um teísta caridoso que louva a Deus em
oração e cânticos. Deus é mero dador das reações, quer boas, quer ruins, o que O torna
mecânico ou impessoal e, logo, irrelevante21.
O Espírito de Verdade também guiará as pessoas em toda a verdade. Contudo, se
os espíritos não conhecem tudo, como já citamos – “Os próprios espíritos longe estão
de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais22
mais ou menos sensatas” (Livro dos Espíritos p. 303) – como poderão ensinar tudo? O
Espírito de Verdade tem mesmo de ser alguém que vem do Pai, pois apenas semelhante
pessoa pode tudo saber, ou então ser o próprio Pai, como defendem os Católicos, que
afirmam o Espírito de Verdade ser o Espírito Santo, termo este equivalente na consciência
de Krishna a Paramatma23.
Outro atributo do Espírito de Verdade é que “não falará de si mesmo, mas antes
do que houver ouvido”. Este é o atributo essencial de um mestre espiritual segundo a
As primeiras perguntas de Allan Kardec são sobre Deus, e as respostas são descrições
meramente mecânicas: “Que é Deus? ‘Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas’.
Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus? ‘Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não
há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá’”.
(Livro dos Espíritos 1.1.1 e 4)
21
Não haveria problema algum nessa divisão de opiniões caso o espiritismo se reduzisse à
posição de pesquisa científica e filosófica, como por vezes faz. Contudo, ao se atribuir valor divino, como
ter vindo do Pai e só dizer o que ouve, a existência de diversas opiniões lança-lhe descrédito. Os mestres
do Movimento Hare Krishna também atribuem a si o valor divino de só dizerem o que ouviram de Deus –
como registradas Suas palavras pelo avatara Vyasadeva no Bhagavad-gita – porém, em coerência, jamais se
vê que tenham opiniões diferentes, pois todos respondem as perguntas pelo que ouviram do Bhagavad-gita;
no caso da transmigração da alma, que a alma que habita corpos humanos atualmente pode e passa por
corpos animais. Sobre isso, Srila Prabhupada comenta:
“Mediante avanço especulativo, ninguém é capaz de chegar à plataforma real de conhecimento.
No presente momento, muitíssimos filósofos, cientistas, estão tentando avançar em conhecimento através
da especulação: ‘Eu acho’, ‘Na minha opinião’, ‘Talvez’ e assim por diante. Isso continua. Grandessíssimos
filósofos, cientistas, eles dão sua opinião. Todos estão achando. ‘Eu acho...’. E isso está sendo apoiado.
Conhecimento tornou-se sinônimo de poder pensar de qualquer maneira, e, no momento atual, isso está
sendo aceito”. (palestra em 19 de abril de 1974, Hyderabad)
Sobre o guru, ou mestre, fidedigno, diz:
“O guru [mestre] é um. Embora centenas e milhares de acaryas [mestres exemplares] tenham ido e
vindo, a mensagem é a mesma. Portanto, o guru não pode ser dois. O verdadeiro guru não falará algo
diferente. Alguns gurus dizem: ‘Na minha opinião, você deve ser assim’, e alguns gurus dirão: ‘Na minha
opinião, faça assim’ – eles não são gurus; são todos velhacos. O guru não tem opinião pessoal. O guru tem
apenas uma opinião: a opinião que foi expressa por Krishna [Deus]”. (Palestra em 22 de agosto de 1973,
Londres)
22
23
Palestra de Srila Prabhupada em Londres sobre o Bhagavad-gita 1.15, em 15 de julho de 1973
16
- Espiritismo e Consciência de Krishna consciência de Krishna, que ele tem de ter ouvido de uma autoridade, que ouviu de
outra autoridade e assim por diante até que a primeira autoridade tenha sido alguém
que ouviu do próprio Deus, como descrito no já citado Livro dos Espíritos 1.1.11. Para
maior credibilidade, é importante também que essa ordem de Deus que é transmitida
adiante também possa ser uma fonte primária para quem a recebe, isto é, deve-se
poder consultar tanto o mestre que traz o conhecimento acerca de Deus como Deus
diretamente na obra que registra as palavras de Deus, ou, caso contrário, a relação com
o mestre será de mera fé em alguém cuja autenticidade não se pode determinar. Vemos
que os espíritos, no entanto, não têm essa posição de que receberam instruções
superiores e assim por diante até alguém que está em contato com Deus, supostamente
o Espírito de Verdade, senão que têm opiniões e investigam o universo, Deus etc. através
de suas experiências. Por exemplo, o estudo da origem do Universo e dos mundos se
dá pela disciplina da Ciência, e não por revelação de uma autoridade infalível:
A história da origem de quase todos os povos antigos se confunde
com a da religião deles, donde o terem sido religiosos os seus primeiros livros.
E como todas as religiões se ligam ao princípio das coisas, que é também o da
Humanidade, elas deram, sobre a formação e o arranjo do Universo,
explicações em concordância com o estado dos conhecimentos da época e de
seus fundadores. Daí resultou que os primeiros livros sagrados foram ao
mesmo tempo os primeiros livros de ciência, como foram, durante largo
período, o código único das leis civis.
Nas eras primitivas, sendo necessariamente muito imperfeitos os
meios de observação, muito eivadas de erros grosseiros haviam de ser as
primeiras teorias sobre o sistema do mundo. Mas, ainda quando esses meios
fossem tão completos quanto o são hoje, os homens não teriam sabido utilizálos. Aliás, tais meios não podiam ser senão fruto do desenvolvimento da
inteligência e do consequente conhecimento das leis da Natureza. À medida
que o homem se foi adiantando no conhecimento dessas leis, também foi
penetrando os mistérios da criação e retificando as ideias que formara acerca
da origem das coisas.
Impotente se mostrou ele para resolver o problema da criação, até ao
momento em que a Ciência lhe forneceu para isso a chave. Teve de esperar
que a Astronomia lhe abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse
mergulhar aí o olhar; que, pelo poder do cálculo, possível se lhe tornasse
determinar com rigorosa exatidão o movimento, a posição, o volume, a
natureza e o papel dos corpos celestes; que a Física lhe revelasse as leis da
gravitação, do calor, da luz e da eletricidade; que a Química lhe mostrasse as
transformações da matéria e a Mineralogia os materiais que formam a
superfície do globo; que a Geologia lhe ensinasse a ler, nas camadas terrestres,
a formação gradual desse mesmo globo. À Botânica, à Zoologia, à
Paleontologia, à Antropologia coube iniciá-lo na filiação e sucessão dos seres
organizados. Com a Arqueologia pode ele acompanhar os traços que a
Humanidade deixou através das idades. Numa palavra, completando-se
umas às outras, todas as ciências houveram de contribuir com o que era
17
- Espiritismo e Consciência de Krishna indispensável para o conhecimento da história do mundo. Em falta dessas
contribuições, teve o homem como guia as suas primeiras hipóteses.
Por isso, antes que ele entrasse na posse daqueles elementos de
apreciação, todos os comentadores da Gênese, cuja razão esbarrava em
impossibilidades materiais, giravam dentro de um círculo, sem conseguirem
dele sair. Só o lograram, quando a Ciência abriu caminho, fendendo o velho
edifício das crenças. Tudo então mudou de aspecto. Uma vez achado o fio
condutor, as dificuldades prontamente se aplanaram. Em vez de uma Gênese
imaginária, surgiu uma Gênese positiva e, de certo modo, experimental. O
campo do Universo se distendeu ao infinito. Acompanhou-se a formação
gradual da Terra e dos astros, segundo leis eternas e imutáveis, que
demonstram muito melhor a grandeza e a sabedoria de Deus, do que uma
criação miraculosa, tirada repentinamente do nada, qual mutação à vista, por
efeito de súbita ideia da Divindade, após uma eternidade de inação.
Pois que é impossível se conceba a Gênese sem os dados que a
Ciência fornece, pode dizer-se com inteira verdade que: a Ciência é chamada a
constituir a verdadeira Gênese, segundo a lei da Natureza. (A Gênese 4.1-3)
É claro que, assim como os atuais cientistas acreditam que, embora todos os
cientistas antes deles estivessem errados, eles agora não o estarão pelo aprimoramento
de suas ferramentas; serão muitos aqueles, na mentalidade cientificista da
contemporaneidade, a acreditarem que as ferramentas dos espíritos desencarnados
serão suficientes para esse exame. Em todo caso, não é possível atribuir a tais espíritos
o caráter de “falam o que ouvem”.
Assim, parece evidente que o espiritismo não tem todos ou nenhum dos
atributos que se espera no que Jesus descreveu como Espírito de Verdade e Consolador,
fazendo parecer, destarte, que o uso bíblico é apenas um artifício de autopromoção
com a atitude de aproveitar de um corpo textual bem estruturado e famoso para isso,
tal qual fez Gandhi em relação ao Bhagavad-gita. Contudo, façamos outra reflexão. Se o
espiritismo veio para adicionar aos ensinamentos de Jesus a explicação de como as
pessoas sofrem por reações a atos de vida passada24, o que não podia ser explicado
2.000 anos atrás onde Jesus pregou, o que podemos esperar dos ensinamentos da Índia,
onde se falou o Bhagavad-gita 5.000 anos atrás, no qual se fala claramente de tudo o que
o espiritismo fala apenas hoje? No Bhagavad-gita, temos instruções claras sobre
caridade, reencarnação, amor a Deus e assim por diante. Se 5.000 anos atrás, 3.000 anos
antes de Jesus poder falar limitadamente, e quase 5.000 anos antes do espiritismo poder
falar o que fala hoje, o povo da Índia estava pronto para esse conhecimento, o que será
“[O espiritismo] vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a
todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores”. (Evangelho Segundo o Espiritismo
6.4)
24
18
- Espiritismo e Consciência de Krishna que podemos aprender com a Índia hoje, especialmente em uma sucessão ininterrupta
de mestres e discípulos desde o Bhagavad-gita 5.000 anos atrás, sucessão esta
representada, entre outros, por Prabhupada, o fundador do Movimento Hare Krishna?
Sobre caridade, entre outros versos, Krishna, ou Deus, diz no Bhagavad-gita
(17.20-22, 18.22,68):
A caridade dada por dever, sem expectativa de recompensa, no local e hora
apropriados e dada a alguém digno, está no modo da bondade. Mas a
caridade executada com expectativa de alguma recompensa, ou com desejo de
resultados fruitivos, ou com má vontade, diz-se que é caridade no modo da
paixão. E a caridade executada em lugar impuro, em hora imprópria e feita a
pessoas indignas ou sem a devida atenção e respeito diz-se que está no modo
da ignorância. Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser
abandonados, mas sim executados. Na verdade, sacrifício, caridade e
penitência purificam até as grandes almas. Para aquele que explica aos
devotos este segredo supremo, o serviço devocional puro está garantido, e, no
final, ele voltará a Mim. Não há neste mundo servo que Me seja mais querido
do que ele, tampouco jamais haverá alguém mais querido.
Sobre reencarnação, diz (22.12-17, 20-25 e 28-30):
Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem você, nem todos esses
reis, e, no futuro, nenhum de nós deixará de existir. Assim como a alma
encarnada passa seguidamente, neste corpo, da infância à juventude e à
velhice, da mesma maneira, a alma passa para outro corpo após a morte. Uma
pessoa sóbria não se confunde com tal mudança. Ó filho de Kunti, o
aparecimento temporário da felicidade e da aflição, e o seu desaparecimento
no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações
de inverno e verão. Eles surgem da percepção sensorial, ó descendente de
Bharata, e precisa-se aprender a tolerá-los sem se perturbar. Ó melhor entre os
homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e
permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificado
para a liberação. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que não há
continuidade para o inexistente [o corpo material] e que não há interrupção
para o existente [a alma]. Eles concluíram isto estudando a natureza de
ambos. Saiba que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém
é capaz de destruir a alma imperecível. Para a alma, em tempo algum existe
nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem
passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela
não morre quando o corpo morre. Assim como alguém veste roupas novas,
abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando
os velhos e inúteis. A alma nunca pode ser cortada em pedaços por arma
alguma, nem pode ser queimada pelo fogo, ou umedecida pela água ou
definhada pelo vento. Esta alma individual é inquebrável e indissolúvel, e não
pode ser queimada nem seca. Ela é permanente, está presente em toda a parte,
é imutável, imóvel e eternamente a mesma. Diz-se que a alma é invisível,
inconcebível e imutável. Sabendo disto, você não deve se afligir por causa do
corpo. Todos os seres criados são imanifestos no seu começo, manifestos no
seu estado intermediário, e de novo imanifestos quando aniquilados. Então,
qual a necessidade de lamentação? Alguns consideram a alma como
19
- Espiritismo e Consciência de Krishna surpreendente, outros descrevem-na como surpreendente, e alguns ouvem
dizer que ela é surpreendente, enquanto outros, mesmo após ouvir sobre ela,
não podem absolutamente compreendê-la. Ó descendente de Bharata, aquele
que mora no corpo nunca pode ser morto. Portanto, você não precisa afligir-se
por nenhum ser vivo.
Sobre o amor a Deus, diferentemente do espiritismo, a consciência de Krishna
sabe conciliá-la com a lei do karma, sem retirar o panorama de misericórdia e a
importância do louvor exclusivo a Deus. Na consciência de Krishna, não se alcança
Deus através do acúmulo de bom karma, senão que este conduz a alma apenas a
dimensões superiores de conforto, conhecimento e bondade. Contudo, a lei do karma é
a resposta de Deus às almas que não quiseram morar no reino dEle, onde Ele controla
tudo. Assim, rebeldes do controle de Deus, Deus cria-lhes o mundo material – que
inclui a morada dos espíritos –, onde elas mesmas são as controladoras e Ele nada faz,
isto é, os atos das almas condicionadas determinam sua ventura ou desventura, não
Deus. Querer chegar a Deus pelo acúmulo de bom karma é manter a mentalidade de ser
o controlador e autossuficiente: “Sou alguém que pode sair do mundo material por
meu próprio esforço e mérito”. Quando alguém se rende a Deus, ele se livra tanto do
bom karma quanto do mau karma, tornando-se akarma25, isto é, tornando-se alguém que
não terá mais nenhuma existência promovida por seus próprios atos, mas existirá no
reino de Deus, onde Deus é o controlador direto. Estas e outras instruções estão no
Bhagavad-gita claramente.
Em resumo, pode-se ver o espiritismo como uma revelação inválida porquanto
não sustenta os atributos que diz ter, lembrando, proceder do Pai; não ensinar algo
diferente do que Jesus disse; guiar as pessoas em toda verdade; e não falar de si
mesmo, mas antes do que houver ouvido.
Neste ponto, algumas perguntas interessantes podem estar visitando a
inteligência do leitor. Por exemplo, o Bhagavad-gita não descreve com toda a lucidez de
detalhes as colônias e planetas superiores, como faz o espiritismo. Isto não faria do
espiritismo superior? O Bhagavad-gita possui uma justificativa para não fazer
semelhante descrição. Os Vedas o fizeram profusamente, e a crítica de Krishna, no
“Aquele ocupado em serviço devocional se livra tanto das boas quanto das más reações, mesmo
nesta vida. Esforça-te, portanto, pelo yoga, que é a arte de todo trabalho”. (Bhagavad-gita 2.50)
25
20
- Espiritismo e Consciência de Krishna Bhagavad-gita (2.27), é esta: “Os homens de pouco conhecimento estão muitíssimo
apegados às palavras floridas dos Vedas, que recomendam várias atividades fruitivas
àqueles que desejam elevar-se aos planetas celestiais, com o consequente bom
nascimento, poder e assim por diante. Por estarem ávidos por gozo dos sentidos e vida
opulenta, eles dizem que isto é tudo o que existe”. E completa, em Bhagavad-gita 8.16,
dizendo que mesmo a morada de Brahma, a morada mais elevada que existe, em seis
camadas superiores à residência dos espíritos, ou bhutas, é miserável. Assim, ouvir as
descrições de tais lugares apenas aumenta o nosso desejo de tentarmos ser felizes longe
de Deus: “Aqui está ruim, mas lá, apesar de Deus não residir lá pessoalmente, vai ser
bom”. Contudo, na opinião de Krishna, lá também é ruim, até a residência de Brahma,
sendo bom apenas onde Ele mora em Seu aspecto pessoal26, morada esta chamada
Vaikuntha. Krishna chama as descrições de tais lugares de “linguagem florida” porque
aqueles que os descrevem não os descrevem de modo justo, senão que descrevem
impressionados em ter um local onde têm mais conforto do que tinham na superfície
da Terra ou em outros lugares.
No filme Nosso Lar, de autoria espírita, encontramos, por exemplo:
“Aos poucos, tudo começava a fazer sentido. Nosso Lar era a vida real, e a
Terra apenas uma passagem”. (36:00) Se o espírito progride por várias moradas, por
que o Nosso Lar não é tratado apenas como passagem, tal como se chamou de
passageira a Terra? Em outra cena, André Luiz diz: “Eu ainda era o mesmo homem,
preso aos meus próprios erros, ao meu egoísmo, ao meu passado”. (36:40) Diante disso,
não é possível ter os moradores de tal local como autoridades, o que dizer de
autoridades livres de todo erro, embora eles se vejam assim, com na cena em 1:04:00,
onde uma servidora da colônia Nosso Lar leva para André Luiz o registro de orações
feitas a ele, gravadas em uma espécie de pen drive, e diz que ali não há erros:
- Nossa, demorei a achar. Faz tempo não é? Só tem dois arquivos.
- Como assim?
“Transcendentalistas doutos, os quais conhecem a Verdade Absoluta, chamam essa substância
não dual de Brahman [a refulgência de luz que emana do aspecto pessoal de Deus], Paramatma [Deus
como a testemunha e o mestre espiritual residente no coração do corpo sutil] ou Bhagavan [Deus em Si,
em Seu aspecto pessoal com o qual interage sobretudo com as almas liberadas de todo condicionamento
grosseiro e sutil]”. (Srimad-Bhagavatam 1.2.11)
26
21
- Espiritismo e Consciência de Krishna - O registro de duas pessoas.
- Só duas? Você colocou meu nome correto? “André Luiz”.
- Não há erros aqui, senhor.
Como pode não haver erros em um local onde trabalham pessoas presas em
seus próprios erros, egoísmo e passado? Se ela teve dificuldade em encontrar – como
aponta com os dizeres “Nossa, demorei a achar” – as duas pessoas que oraram a André
Luiz, como pode não haver possibilidade de erros ou de não encontrar? Isto é o que
define linguagem florida: Descrever um local temporário, com sofrimento e pessoas
imperfeitas como sendo “Nosso Lar, a vida real, um local onde não há erros, etc.”; é
precisamente o que Krishna diz ser produto de pessoas que estão ávidas por conforto e
gozo dos sentidos.
O Bhagavad-gita e as escrituras que o sucedem, no entanto, após condenarem
semelhante audição ou leitura, descrevem com minúcias o mundo onde Deus reside
com as almas puras e toda a interação que se dá entre os mesmos. Destacamos a obra
Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, de Srila Prabhupada, a leitura da qual se
recomenda após a leitura de O Bhagavad-gita Como Ele É, do mesmo autor.
Uma análise da posição dos espíritos segundo a consciência de Krishna
Antes de colocarmos a posição dos espíritos na consciência de Krishna,
esclareçamos questões conceituais. A consciência de Krishna chama de espiritual
aquilo que é eterno, pleno de conhecimento e pleno de bem-aventurança, de modo que
jamais chamará a colônia Nosso Lar, por exemplo, de espiritual, haja vista que,
segundo a obra homônima27, foi fundada no século XVI, é a residência de pessoas
egoístas que precisam renascer etc. e é um local onde há variados sofrimentos.
Temporariedade: “‘Nosso Lar’ é antiga fundação de portugueses distintos,
desencarnados no Brasil, no século XVI”. (p. 48) Ignorância: “Notando-me a
dificuldade para apreender todo o conteúdo do ensinamento, com vistas à minha
quase total ignorância dos princípios espirituais, Lísias procurou tornar a lição mais
27
XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Brasília: FEB, 1996.
22
- Espiritismo e Consciência de Krishna clara”. (p. 66) Tristeza: “Notando que a senhora Laura entristecera subitamente ao
recordar o marido, modifiquei o rumo da palestra” (p. 116).
Assim, as colônias também são chamadas de materiais por nós. A morada de
Deus, Krishna, sim é chamada espiritual, haja vista que não possui data de fundação
nem se a deixa uma vez que se a tenha alcançado, todos lá possuem conhecimento
perfeito acerca de tudo simplesmente por lá estarem e desconhecem qualquer espécie
de sofrimento. Residência eterna para os que a alcançam: “Essa Minha morada
suprema não é iluminada pelo Sol ou pela Lua, nem pelo fogo ou pela eletricidade.
Aqueles que a alcançam jamais retornam a este mundo material”. (Bhagavad-gita 15.6)
A morada em si: “Quando todo este mundo é aniquilado, aquela região [a morada de
Deus] permanece inalterada. Aquilo que os vedantistas descrevem como imanifesto e
infalível, aquilo que é conhecido como o destino supremo, aquele lugar do qual jamais
se retorna após alcançá-lo – essa é Minha morada suprema”. (idem. 8.20-21)
Aqueles que se comunicam com os médiuns não são chamados de espíritos,
pois eles não estão na morada espiritual de Deus, de modo que seus corpos têm que ser
feitos da mesma substância da morada deles. Aqueles que moram na morada de Deus,
que é eterna, plena de conhecimento e de bem-aventurança, têm um corpo dessa
natureza, chamado em sânscrito de siddha-deha, ao passo que aqueles que residem na
parte sutil do mundo material possuem corpos sutis materiais. Para se entrar no reino
de Deus, é preciso abandonar também o corpo sutil, o que se chama liberação, ou
moksha. Caso se abandone o corpo sutil sem o desejo de servir Deus, mas apenas por se
atingir um estágio de não possuir nenhum desejo egoísta, a alma, sem nenhum corpo,
funde-se na refulgência do corpo de Deus (Brahman). Caso abandone o corpo sutil,
tendo atingido a perfeição de não ter nenhum desejo egoísta, mas possuindo o desejo
de servir Deus, recebe um corpo da mesma natureza do corpo de Deus, lembrando, um
corpo eterno, pleno de conhecimento e de bem-aventurança.
Aqueles chamados pelo espiritismo de espíritos de luz e espíritos de pouca luz
são chamados ambos de bhutas, que significa “apegados ao passado”. Quando errantes,
ficam nesta condição:
Aqueles que são muito pecaminosos e apegados à sua família, casa, vila ou
país não recebem um corpo grosseiro feitos dos elementos materiais, senão
23
- Espiritismo e Consciência de Krishna que permanecem em um corpo sutil, composto de mente, ego e inteligência.
Aqueles que vivem em tais corpos sutis são chamados de fantasmas (ghosts28).
Essa posição fantasmagórica é muito dolorosa, porque um fantasma tem o
corpo sutil e quer desfrutar da vida material, mas, porque ele não tem um
corpo material grosseiro, tudo o que ele pode fazer é criar perturbações29
devido à falta de satisfação material. (Srimad-Bhagavatam 4.18.18, significado)
Quando se enfartam de causar perturbações, caso tenham algum mérito
piedoso, podem ir para Antariksa, ou podem ir diretamente para lá caso sejam
semipiedosos, como descreve o Srimad-Bhagavatam (5.24.5): “Abaixo de Vidyadharaloka, Caranaloka e Siddhaloka, no céu conhecido como Antariksa, estão os locais de
desfrute dos yaksas, raksasas, pisacas, bhutas e assim por diante”. Estes são diferentes
nomes para designar aqueles que não têm corpos grosseiros. O mais comum é bhuta.
Parece-me seguro dizer que essa morada descrita como Antariksa é a mesma descrita
pelos espíritas, tanto por ser a morada paradisíaca dos bhutas, aqueles apegados à
família e com algum envolvimento mais ou menos recente com pecados, e por sua
descrição espacial mais adiante no mesmo verso: “Antariksa se estende até onde o
vento sopra e as nuvens flutuam no céu. Acima de Antariksa, não há mais ar”, o que
coincide com a maior parte das descrições espíritas.
Assim, a condição de não ter um corpo grosseiro é tida como algo negativo, e
embora tenham uma morada confortável destinada para eles, essa morada continua
sendo a morada de pessoas identificadas com o corpo, apegadas à família, sujeitas aos
defeitos das almas condicionadas – a saber, a tendência a enganar os outros, a enganar
A palavra que Prabhupada usa em inglês é ghost, a qual parece ser cognato com a palavra
sânscrita guha. Guha significa literalmente tanto “conhecido por poucos” como “residente no coração". A
palavra que atualmente traduz ghost nos livros de Prabhupada em português, no entanto, é bastante
infeliz, porque a raiz de fantasma é fantasia, isto é, algo que não existe fatualmente. Por ora, utilizaremos
“fantasma”, embora um termo mais apropriado em português esteja em debate pelos responsáveis pelas
traduções em português das obras de Prabhupada e outras.
28
Algumas de tais perturbações são descritas no Garuda Purana (2.9.57-62): “Falar-te-ei agora
acerca dos tormentos ocasionados pelos fantasmas contra as pessoas na Terra. Quando uma mulher
menstrua em vez de engravidar, não havendo crescimento da família apesar de vida sexual saudável, isso
é influência de fantasmas. Também é influência de fantasmas quando alguém morre jovem, perde
repentinamente seu emprego, é objeto de insultos, quando há repentino incêndio em uma casa, vê-se que
em uma casa há constante desunião e brigas, falsos elogios, sofrimento devido à ganância, e doenças que
suscitam vergonha. Quando o dinheiro investido da maneira correta não rende, mas se perde, isso se deve
à perseguição de um fantasma. Quando safras se perdem mesmo após chuva apropriada, quando
atividades comerciais fracassam, quando a esposa se mostra irritada, isso se deve à influência de
fantasmas”.
29
24
- Espiritismo e Consciência de Krishna a si mesmos, possuir sentidos imperfeitos e cometer erros30. Logo não é uma posição
desejável estar com eles, tampouco suas instruções devem ser tidas como de pessoas
abalizadas nos entendimentos acerca de Deus e de Sua vontade. O conhecimento
consciente de Krishna então divide as moradas acima de Antariksa, todas também
materiais na definição consciente de Krishna, em seis agrupamentos: Bhuvarloka,
Svargaloka, Maharloka, Janaloka, Tapoloka e Satyaloka.
Há aqui, no entanto, duas divergências entre a consciência de Krishna e o
espiritismo. Primeiramente, não se chega a essas moradas apenas com o corpo sutil,
corpo de bhuta, no sentido de que das colônias, ou de Antariksa, evolui-se mais e se
continua sutilizando o corpo até as moradas superiores. Tais moradas possuem corpos
grosseiros refinadíssimos para seus residentes, os quais lhe dão mais oportunidades do
que possui o corpo sutil sozinho31. Em Satyaloka reside Brahma, que é a entidade viva
mais poderosa e pura do mundo material, o qual preside todos os planetas, e Brahma
possui um corpo grosseiro. Outra divergência é que nenhum dos moradores destes
planetas, para não falar dos residentes de Antariksa, com seu peculiar apego aos laços
30
Cf. Sri Caitanya-caritamrta Adi-lila 7.107 e 2.86. (vedabase.com/en/cc)
Uma vez que não obter um corpo grosseiro é prerrogativa dos pecadores, não é possível aceitar
que Brahma, por exemplo, a entidade que preside a morada material [material na acepção daqueles
conscientes de Krishna] mais elevada não tenha um corpo grosseiro dado que, apenas para residir em seu
planeta, para não falar de ter o seu cargo, exige-se que, ao longo de 100 vidas, o indivíduo aspirante não se
desvie de nenhum dever prescrito (Brhad-bhagavatamrta 1.2.49, dig-darsini). Além disso, vê-se que
personalidades como Indra, de Svargaloka; Hanuman, de Bhuvarloka, e Manu e outros interagem com os
seres humanos sem qualquer dificuldade ou necessidade de um médium ou algo similar. Em 28 de
dezembro de 1972, em Bombaim, transcorreu a seguinte conversa entre Prabhupada e seus discípulos:
“Devota: Na Lua, há corpos de uma natureza mais sutil de modo que, se fôssemos lá, não
seríamos capazes de vê-los? Prabhupada: Não. Você pode vê-los. Eles têm corpo material. Devota:
Poderíamos vê-lo com nossos olhos? Prabhupada: Sim. Por que não? Na água, por exemplo, os corpos dos
aquáticos são diferentes, mas você pode vê-los. Por que não? Se não fosse visível, como você está vendo a
Lua? Se você está vendo a Lua, então não é invisível. A Lua é uma morada celestial [Svargaloka]; os
semideuses [devas] vivem lá. Temos essas informações. Eles também são inteligentes: ‘Essas pessoas [os
astronautas] estão vindo do planeta terrestre desautorizadamente. Então, divirjamo-los para a porção
desértica’. Se a Lua é celestial, seus habitantes são mais inteligentes do que vocês; logo, se vocês têm uma
máquina para chegar lá, eles têm uma máquina para divergi-los. ‘Esses sujeitos infames estão vindo aqui
sem nenhuma licença de imigração. Que eles sejam divergidos para a porção desértica e, desapontados,
irão embora’. Devoto: Há terra nos corpos deles ou seus corpos são feitos de ar? Prabhupada: Não. Estes
corpos têm cinco elementos: terra, ar, água, fogo e éter. O corpo sutil: mente, inteligência e ego. Em algum
planeta, a porção de terra pode ser maior ou a porção de fogo ou a porção de éter, mas são todos corpos
materiais; não são corpos espirituais. O corpo espiritual está dentro. A qualquer lugar que você vá dentro
do universo, você obtém o corpo material, e, segundo o corpo, a duração de vida é diferente”.
Assim fica evidente que ter apenas o corpo sutil é desprivilegio, não sintoma de estado de
consciência superior. Segundo citado anteriormente, a não obtenção de um corpo grosseiro decorre de
apego familiar, ou do passado de modo geral, e acúmulo de pecados, e não de sintoma de “evolução da
consciência”.
31
25
- Espiritismo e Consciência de Krishna familiares, pode estabelecer o caminho religioso para os terrestres ou qualquer outra
pessoa. Isso é declarado no Srimad-Bhagavatam (6.3.19): “Os verdadeiros princípios
religiosos
são
enunciados
pela
Suprema
Personalidade
de
Deus.
Embora
completamente situados no modo da bondade, nem mesmo grandes sábios que
ocupam os planetas mais elevados podem determinar os princípios religiosos
verdadeiros, tampouco o podem os devas [residentes de Svargaloka] ou os líderes de
Siddhaloka [um planeta da esfera Bhuvarloka], isso para não falar dos asuras
[literalmente, pessoas sem (a-) luz (sura)], dos seres humanos comuns, os Vidyadharas
e Caranas [outros residentes de outros dois planetas de Bhuvarloka]”.
Enquanto as escrituras descrevem os residentes de Antariksa como bhutas,
“pecadores em algum grau, apegados à família imediata ou estendida”, as escrituras
descrevem os residentes de planetas superiores, por exemplo, como indivíduos com o
seguinte mérito: “Vosso mundo [Brahmaloka] pode ser auferido somente por pessoas
santas que observam sem nenhum pecado seus deveres sociais prescritos, livres de
orgulho e outros vícios, ao longo de cem vidas”. (Brhad-bhagavatamrta 1.2.49, dig-darsini)
Se mesmo tais pessoas muito superiores não podem estabelecer códigos de religião,
certamente não o podem os bhutas.
Neste ponto talvez já tenha surgido um questionamento muito interessante no
leitor. “Você, um membro da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna,
está negando a autoridade dos espíritos, ou bhutas, bem como de personalidades mais
elevadas do que eles em dimensões superiores, mas, acaso, você também não é alguém
falível, tanto você quanto Srila Prabhupada? O verso supracitado do SrimadBhagavatam diz que os devas, siddhas etc. não podem estabelecer os princípios religiosos,
mas também menciona que não o podem os ‘seres humanos comuns’”.
Certamente Prabhupada, como apenas uma centelha de Deus, e não Deus em
pessoa, é falível. Contudo, diferentemente dos bhutas, ou espíritos, ele assume sua
condição de não poder chegar a algum conhecimento perfeito através de seus sentidos
e deduções, isto é, através de ciência e filosofia. Algumas vezes, acredita-se que os
espíritos que ditam estão em contato com outro espírito mais elevado que está em
contato com outro espírito mais elevado e assim por diante até alguém perfeito em
contato com Deus. Contudo, analisando as obras, sabemos que não é isso o que
26
- Espiritismo e Consciência de Krishna acontece. Em A Gênese (17.32), por exemplo, encontramos a ideia de que o espiritismo
se tornará a religião mundial de todos por meio da razão e da ciência:
Entretanto, a unidade se fará em religião, como já tende a fazer-se
socialmente, politicamente, comercialmente, pela queda das barreiras que
separam os povos, pela assimilação dos costumes, dos usos, da linguagem. Os
povos do mundo inteiro já confraternizam, como os das províncias de um
mesmo império. Pressente-se essa unidade e todos a desejam. Ela se fará pela
força das coisas, porque há de tornar-se uma necessidade, para que se
estreitem os laços da fraternidade entre as nações; far-se-á pelo
desenvolvimento da razão humana, que se tornará apta a compreender a
puerilidade de todas as dissidências; pelo progresso das ciências, a
demonstrar cada dia mais os erros materiais sobre que tais dissidências
assentam e a destacar pouco a pouco das suas fiadas as pedras estragadas.
Demolindo nas religiões o que é obra dos homens e fruto de sua ignorância
das leis da Natureza, a Ciência não poderá destruir, malgrado a opinião de
alguns, o que é obra de Deus e eterna verdade. Afastando os acessórios, ela
prepara as vias para a unidade.
Interessante notar a analogia de que haverá uma só religião pela força da
ciência e da razão humana assim como os povos estão se unindo social e politicamente.
Algumas décadas após esses dizeres, irrompeu-se a primeira guerra mundial, e
algumas décadas mais à frente, com a ciência e a dita razão em seu auge, a segunda
guerra mundial, na qual se conseguiu matar muito mais do que na primeira. Hoje a
globalização comercial se mostra um evento que tornou o mundo um grande
supermercado de futilidades e artigos degradantes – com a grandiosa internet tendo
como dois terços de seu conteúdo pornografia – e o sucesso em reproduzir a
alimentação e o entretenimento americanos é o parâmetro de se um país é
desenvolvido ou não. Se o espírito for tão feliz em sua previsão do espiritismo como a
religião que unirá todos os religiosos do mundo quanto foi feliz em dizer que o mundo
caminhava para uma união social, política e comercial, então certamente a ciência e a
razão não são meios para se conhecer os desígnios de Deus e unificar as crenças. A
razão e a ciência da pós-modernidade mostram como algo percebido com os sentidos, a
mente e a inteligência sempre será subjetivo e, logo, jamais unificador, mas produtor
das mais diferentes teorias, todas necessariamente falhas.
Que os espíritos usam de seus sentidos e inteligência falíveis para suas
conclusões já foi exposto em suas conclusões permeadas de dúvidas, e que se valem de
ciência e especulação é algo que expressam com frequência e vaidade, sobretudo em A
27
- Espiritismo e Consciência de Krishna Gênese. É interessante notar que Allan Kardec se opõe à razão e à percepção direta
como meios válidos, mas falhou em perceber que, embora os espíritos tenham
melhores recursos – supostamente – para poderem perceber a reencarnação como fato,
têm recursos insuficientes para dizerem tudo o que dizem, como falar sobre Deus ou a
origem e o propósito do Universo.
O homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo
aqueles, cujas ideias são as mais falsas, se apoiam na sua própria razão e é por
isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. Os que outrora repeliram
as admiráveis descobertas de que a Humanidade se honra, todos
endereçavam seus apelos a esse juiz, para repeli-las. O que se chama razão
não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere
infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados,
que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado,
não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a Natureza lhe
tenha facultado ler a última página do seu livro. (Livro dos Espíritos, p. 30)
Soube muito bem Allan Kardec determinar os percalços da razão e da vaidade,
mas não os soube identificar nesses mesmos homens esses defeitos depois de mortos –
algo bastante próprio para alguém deslumbrado ante o conhecimento da reencarnação,
o que jamais aconteceria se fosse nascido na Índia e estudioso da consciência de
Krishna. Neste caso, poderia analisar tudo sem deslumbramento, haja vista a
popularidade do conhecimento das existências múltiplas – mero pressuposto.
Sobre a questão epistemológica, os Vedas dizem que a ciência e a filosofia, ou o
conhecimento ascendente, sempre será imperfeito, em especial no que diz respeito a
Deus, uma vez que Deus é inalcançável pelos esforços das almas em corpos materiais32,
o que inclui os bhutas, em virtude dos já mencionados quatro defeitos das almas
condicionadas. No entanto, os Vedas falam de uma terceira epistemologia, chamada
sabda-pramana, ou o conhecimento revelado – revelado necessariamente por Deus, é
claro. Assim é que, embora Prabhupada e eu sejamos seres humanos comuns,
superamos toda a nossa condição precária ao não expressarmos nenhuma opinião
reunida de pesquisas, reflexões pessoais ou revelações de pessoas falíveis. Srila
Prabhupada diz:
“Adoro Govinda, o Senhor primordial, aquele além da concepção material, aquele cuja ponta
dos dedos dos pés de lótus é tudo o que abordam os yogis que aspiram ao transcendente e recorrem a
pranayama exercitando a respiração, ou o que abordam os jnanis que tentam encontrar o Brahman nãodiferenciado por meio do processo de eliminação do mundano, alongando-se nisso por milhares de
milhões de anos”. (Brahma-samhita 5.34)
32
28
- Espiritismo e Consciência de Krishna -
Porque eles são todos infames e néscios, o que eles [aqueles que adotam o
método científico como epistemologia] podem descobrir? Eles simplesmente
teorizam com base em sua necedade – isto é tudo. Esse é o afazer deles. Não
há fatos. E aqueles que são infames acreditam neles – isto é tudo. Então, não
somos semelhantes sujeitos, porque o nosso conhecimento é recebido a partir
do maior cientista, Krishna [Deus]. Eu, pessoalmente, posso ser um patife,
mas, porque sigo o maior cientista, minha proposição é científica.
Prabhupada aceita que ele, pessoalmente, possa ser um “patife”, mas,
diferentemente dos espíritos reveladores, ele não dá vazão à sua “patifaria” ao tentar
produzir algum conhecimento por suas reflexões e observações, senão que aceita
Krishna, Deus, o cientista supremo e infalível, e repete apenas o que Ele diz. Eu, do
mesmo modo, repito o que Prabhupada diz.
O Movimento Hare Krishna, no entanto, não é uma religião de algum “velhinho
indiano” que recebeu uma revelação magnífica de Deus e passou a liderar as pessoas.
A revelação de Deus, ou do cientista supremo, a que se refere Prabhupada está
inteiramente registrada no Bhagavad-gita e outras obras similares, às quais todos têm
acesso direto para constatar como Prabhupada e seus seguidores estão ensinando e
fazendo apenas o que Deus falou. Por que aceitar que esse livro é infalível e realmente
revelado por Deus? Quanto a isso, Krishna diz que a religião se dá por experiência
direta (Bhagavad-gita 9.2), ou seja, cada leitor deste terá de tirar sua conclusão após ler o
Bhagavad-gita como o próprio Gita diz que ele deve ser lido: Na companhia dos devotos
de Deus e com os esclarecimentos de um devoto de Deus entendido. Não tenho
interesse no “eu acredito que seja realmente revelada”, tampouco podemos agrupar o
Bhagavad-gita em “todas as outras obras ditas reveladas que li sei que não eram”, pois
seria um preconceito.
Em resumo, analisando as obras canônicas do espiritismo, encontramos que
parece que os espíritos não são quem dizem ser, e, segundo a consciência de Krishna,
apenas Deus pode revelar a religião à humanidade, e quem quiser ensinar às pessoas o
caminho da religião deverá conhecê-lo diretamente com Deus ou, mais possivelmente,
com alguém que esteja em uma sucessão que comece com o próprio Deus e não
subordine a revelação de Deus ao que se pode entender com os sentidos e a mente,
independente de quão refinado seja o corpo que reveste a alma pura. As almas que
atualmente se encontram no estado de bhutas não possuem nenhuma qualificação
29
- Espiritismo e Consciência de Krishna especial que lhes permita esclarecer outros acerca de vedanta, a conclusão de todo
conhecimento, salvo caso digam apenas o que Deus falou ou o que disse alguém que
ouviu diretamente de Deus. Não se vê isso nos reveladores do espiritismo.
No Srimad-Bhagavatam e, mais sinteticamente, na introdução do Bhagavad-gita
Como Ele É, de Srila Prabhupada, encontramos como o conhecimento perfeito da
consciência de Krishna chegou à Terra, tendo sido ensinado por Deus a Brahma, que o
ensinou a Narada, que, com seu corpo especial, veio à Terra e o ensinou a Vyasadeva,
que o escreveu sobretudo no Srimad-Bhagavatam, cuja introdução é o Bhagavad-gita33.
Entre os espíritas às vezes se acredita que desencarnados piedosos são em geral
superiores a piedosos encarnados. Contudo, isso pode ser mera crença, pois, afinal, não
era Jesus, encarnado, mais elevado do que todos os Espíritos34? Assim, não há
fundamento para dizer que os mestres encarnados que seguem a sucessão discipular
que
começa
com
o
próprio
Krishna,
Deus,
sejam
inferiores
por
terem
misericordiosamente vindo a este mundo. Além disso, há a vantagem de que não é
possível ser alguém passando por outrem, como frequentemente acontece em
psicografias. Insisto no ponto anterior. Se os cristãos apenas agora estão prontos para a
temática da reencarnação, por que um buscador sincero não beberia do Bhagavad-gita e
do Srimad-Bhagavatam, falado a um povo que, 3.000 anos antes do nascimento de Jesus,
já estava pronto para esse conhecimento, analisado a fundo, bem como prontos para
tópicos jamais explorados pelos espíritas, como as dinâmicas da vida junto a Deus, a
Personalidade de Deus, os três modos da natureza material, uma descrição completa
do Universo de uma perspectiva revelada, desde o planeta mais baixo ao mais
elevado?
33 Embora o Bhagavad-gita e o Srimad-Bhagavatam abordem os mesmos temas, o Srimad-Bhagavatam
é considerado superior porque seus ouvintes eram sábios autocontrolados e santos, com tempo disponível
para desdobramento de muitos assuntos, ao passo que o Bhagavad-gita foi falado a um guerreiro pouco
tempo antes do começo de uma guerra.
34 À pergunta de se Jesus seria médium, isto é, alguém cujas palavras e obras decorrem de
inspiração de Espíritos, é dada a seguinte resposta, que atesta que a visão espírita é que alguém encarnado
pode ser superior a todos os Espíritos e unicamente prestar-lhes serviço, sem receber deles nenhum: “Não,
porquanto o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos desencarnados, e
o Cristo não precisava de assistência, pois que era ele quem assistia os outros. Agia por si mesmo, em
virtude do seu poder pessoal... Que Espírito, ao demais, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e
encarregá-lo de os transmitir? Se algum influxo estranho recebia, esse só de Deus lhe poderia vir. Segundo
definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus”. (A Gênese 15.2)
30
- Espiritismo e Consciência de Krishna Caso alguém insista que a consciência de Krishna não descreve as colônias e
outras residências materiais tão bem quanto o espiritismo, julgo válido citar este verso
do Bhagavad-gita (8.6): “Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se
lembre ao deixar o corpo, ó filho de Kunti, esse mesmo estado ele alcançará
impreterivelmente”. Deste modo, caso Krishna Se detivesse a descrever a fundo
moradas que não são o verdadeiro lar eterno das almas, nem um local onde elas
finalmente encontrarão o néctar pelo qual sempre ansiaram, de ter uma existência
contínua, plena de conhecimento e plena de bem-aventurança junto a Deus, Ele estaria
encaminhando as almas para uma nova situação material pós-morte. Ele diz: “Aqueles
que adoram os semideuses nascerão entre os semideuses, aqueles que adoram os
ancestrais irão ter com os ancestrais, aqueles que adoram espíritos [bhutani] nascerão
entre tais seres, e aqueles que Me adoram viverão coMigo”.
Quanto à inferioridade de nascer entre os bhutas, Krishna sequer se detém em
fazê-lo, senão que o faz apenas em relação aos semideuses, pois, sendo muito mais
elevados e residentes de planetas muito superiores35, dizer que ir ter com eles após a
morte não é uma atitude inteligente basta para que entendamos que o destino junto aos
bhutas é igualmente ruim. “Homens de pouca inteligência adoram os semideuses, e
seus frutos são limitados e temporários. Aqueles que adoram os semideuses vão para
os planetas dos semideuses, mas Meus devotos acabam alcançando Meu planeta
supremo”. (Bhagavad-gita 7.23) Planeta este sobre o qual já citamos ser um planeta do
qual jamais se retornará após ter sido alcançado e ser um planeta livre de qualquer
sofrimento e permissor de contato direto com Deus.
Que não se pode morar eternamente nos planetas dos semideuses, para não
falar da dimensão dos bhutas, é confirmado por este verso, também do Bhagavad-gita:
“Após desfrutarem desse imenso prazer celestial dos sentidos e terem esgotado os
resultados de suas atividades piedosas, eles regressam a este planeta mortal” (9.21).
Aqui é preciso mais um esclarecimento aos espíritas, que, ao confundirem a evolução
da consciência em rendição a Deus com o acúmulo de bom karma, acreditam que o
acúmulo de bom karma jamais se perde. É verdade que o progresso da consciência
”Abaixo de Vidyadhara-loka, Caranaloka e Siddhaloka, no céu conhecido como Antariksa,
estão os locais de desfrute dos Yaksas, Raksasas, Pisacas, Bhutas e assim por diante”. (Srimad-Bhagavatam
5.24.5) (grifo nosso)
35
31
- Espiritismo e Consciência de Krishna jamais se perde, mas esse nada tem a ver com onde se reside – não era Jesus superior a
todos os atuais desencarnados residentes das melhores colônias? –, daí que o bom
karma, o grande fator a determinar onde se reside, ser algo que se esvai, como
explicado por Krishna neste verso. Krishna conclui Seu parecer sobre aqueles que
buscam comprar residência em tais moradas temporárias, portanto, dizendo que são
“homens de pouca inteligência”. (7.23)
Como apenas a residência de Deus, ou Krishna, pode nos satisfazer, e onde
quer que esteja a nossa consciência na hora da morte, para lá iremos, Krishna
recomenda: “Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto,
oferece-Me reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com
certeza virás a Mim”. (9.34) É o mesmo mandamento maior, como ensinado por Jesus,
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu
pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento”, o qual os espíritas
caprichosamente colocam em segundo plano, absorvem seu pensamento, seu coração e
sua alma em bhutas, superestimam a morada celestial dos mesmos e consideram que
chegarão a Deus acumulando méritos cármicos, comprando Deus assim como se
compra uma morada material.
Esse caminho de ascensão pelo bom karma é chamado em sânscrito de karmakandha, sobre o qual Bhaktivinoda, um mestre da sucessão discipular a que pertence a
Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, comenta: “Não é possível
utilizar a causa de uma doença para curar essa mesma doença. O processo karmakandha é a causa da doença material das entidades vivas. Tal processo jamais produzirá
o fruto de destruir a existência material das entidades vivas”. (Sri Manah-Siksa, capítulo
10) A causa da doença das entidades vivas não estarem mais morando com Deus, de
onde vieram, é que desejaram ser independentes dEle, para o que Ele lhes deu a lei do
karma, uma lei automática, ou seja, que não depende de Sua presença ou intervenção
pessoal. As entidades vivas quererem se elevar por meio de seus atos e pelas instruções
de outras almas falíveis, e não se rendendo a Deus, é apenas um sintoma de que
preservam sua doença de quererem ser independentes do controle de Deus.
32
- Espiritismo e Consciência de Krishna Objeto de Culto
Alguém talvez diga: “Mas os seguidores de karma-kandha também adoram a
Deus”. No concernente a isso, Bhaktivinoda comenta: “Karma não é nada senão
atividades egoístas. Os karmis [seguidores do caminho karma-kandha] não buscam
exclusivamente a misericórdia de Krishna. Embora respeitem Krishna, seu propósito
principal é obter alguma sorte de felicidade”. (Sajjana Tosani 11.11)
Certamente os seguidores de karma-kandha nunca buscam exclusivamente a
misericórdia de Krishna, ou Deus, mas é possível inclusive que indivíduos
desenvolvam até mesmo o pensamento ateísta conhecido como karma-mimamsa, o qual,
já mencionado antes, diz que, se alguém adora Deus, mas não age piedosamente, ele é
castigado pela lei do karma, ao passo que alguém que não adora a Deus, mas age
piedosamente, é elevado pela lei do karma. Diante desta fórmula, adorar ou não a Deus
se torna irrelevante, logo a existência ou inexistência de Deus também se torna
irrelevante. Seria este o pensamento que conduziu os espíritos a promoverem o “fazer
ao próximo o que desejaria para si” acima do “adorar a Deus de toda sua alma”?
Neste ponto, o amigo leitor talvez tenha três possíveis questionamentos, os
quais responderemos antes de chegarmos às considerações finais. “O espiritismo, ao
menos, não aprimorou o conhecimento católico? Não é injusto categorizar os
trabalhadores das colônias com os obsessores ambos sob o mesmo título de bhutas?
Krishna diz que aqueles que adoram os bhutas vão ter com os bhutas, mas os espíritas
não adoram os bhutas”.
O espiritismo teria aprimorado o catolicismo caso houvesse apenas adicionado
a lei do karma a este e houvesse mantido a salvação por misericórdia de Deus por
render-se inteiramente a Ele. Contudo, deslumbrados com a lei do karma, ofuscaram a
adoração a Deus por esta. Além do mais, se o progresso se faz por conduta moral, e
não por inteligência, de que adianta os espíritas terem mais conhecimento do que os
católicos, supostamente, mas não terem projetos de caridade ou princípios morais
superiores aos primeiros? Embora desconhecedores da lei do karma, os católicos nem se
dão à prática proibida no velho testamento, de interrogar os mortos, nem querem
alcançar Deus por seus próprios méritos, salvo o mérito de se renderem. Onde está o
33
- Espiritismo e Consciência de Krishna aprimoramento do espiritismo, então, que não soube conciliar lei do karma e rendição a
Deus?
Krishna exemplifica de maneira simples que aqueles que adoram os bhutas irão
ter com os bhutas, mas disse mais amplamente também que onde quer que esteja nosso
estado de consciência, para lá iremos. Assim, aqueles que se absorvem em pensar e
servir bhutas que tomam corpos para beber e fumar irão ter com tais bhutas, ao passo
que aqueles que pensam e servem os bhutas que residem em Antariksa, irão para
Antariksa. Há diferentes nomenclaturas sim em sânscrito para designar diferentes
bhutas. Pode-se chamar alguns de yaksas, traduzidos no Srimad-Bhagavatam da BBT, a
editora do Movimento Hare Krishna, como “superprotetores” (3.10.28) e “espíritos
semipiedosos” (10.85.41), e outros de raksasas, “aqueles contra quem temos de nos
proteger”. Contudo, dentro da dicotomia ir para Deus ou ir para os bhutas; diante de
Deus, tanto os bhutas de mais luz quanto os de menos luz são apenas bhutas: Quem
compararia o prazer de estar com eles com o prazer de estar com Deus?
Quanto ao espiritismo não adorar bhutas, no final do Bhagavad-gita (18.66),
Krishna diz que devemos abandonar tudo (sarva-dharman parityajya) e buscar
unicamente (eka) a Ele como refúgio (saranam). Essa rendição, ou sarana, é entendida
como variadas práticas: Contar que Deus nos levará para Seu reino na hora da morte,
tê-lO como aquele que nos esclarece em momentos de dúvidas e assim por diante.
Assim, se alguém, à hora da morte, fica na expectativa de que um semideus o levará
para o seu planeta, ou que um espírito de luz o levará para uma colônia em antariksa,
isso pode ser entendido como adoração a semideuses ou a espíritos de luz, nesta
definição de adoração. Se, quando alguém quer entender algo, busca por um filósofo,
cientista, doutor em direito – encarnado ou desencarnado –, em vez de buscar pela
revelação de Deus, isso é entendido como adoração a tais indivíduos: a busca deles por
refúgio doutrinário. Certamente os espíritas não adoram espíritos no sentido
etimológico de “adorar”, isto é, “oferecer ouro”, e um espírita que busque o refúgio de
espíritos de luz por acreditar plenamente que eles são dotados de poder por Deus para
dar refúgio, e a morada deles e as instruções deles são, respectivamente, a máxima
morada que Deus reservou para alguém que morrerá agora na Terra e a revelação
máxima à humanidade, então não posso dizer que são espíritas que não adoram a
34
- Espiritismo e Consciência de Krishna Deus, mas apenas discordar de que o máximo que Deus permite à humanidade, a
partir do estado encarnado da Terra, seja o alcance dessas moradas e dessas revelações.
Entendo que só poderia ser justo dizer que algum espírita adora os espíritos caso esse
espírita acreditasse que a revelação de Moisés é perfeita, e que é possível, a partir da
Terra, alcançar a morada perfeita de Deus, onde Deus mora pessoalmente, e ainda
assim preferir as revelações dos espíritos e ainda assim querer ir para a morada deles.
Considerações Finais
Enfim, aqueles adeptos da consciência de Krishna não devem se confundir nem
se dar a sincretismos ou duplas pertenças com o espiritismo, haja vista que a
consciência de Krishna explica-o inteiramente e vai além. Alguém consciente de
Krishna deve estar convicto desta declaração de modo a não desejar elevação a
moradas superiores dentro do mundo material:
O nascimento como um ser humano é o melhor de todos. Mesmo o
nascimento entre os semideuses nos planetas celestiais não é tão glorioso
quanto o nascimento como um ser humano na Terra. Qual é a utilidade da
posição de um semideus? Nos planetas celestiais, devido a profusos confortos
materiais, não há possibilidade de associação com os devotos. (SrimadBhagavatam 5.13.21)
Assim, é aqui na Terra, na companhia dos devotos que adoram exclusivamente
Deus em completo esclarecimento pelas escrituras reveladas por Deus, companhia esta
facilitada pela Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, que nos
valeremos dos meios para, no momento da morte, estarmos inteiramente absortos em
Deus para com Ele irmos estar. Assim como alguém que acumula mau karma é
obrigado a sofrer, aquele que acumula bom karma é obrigado a experimentar
felicidade, saúde e bem-estar aqui neste mundo material, o que o faz achar que é feliz e
que pode obter felicidade por seu próprio esforço, mesmo desconectado de Deus –
certamente necedade.
35
- Espiritismo e Consciência de Krishna Não há dúvidas que obter o estado de consciência de Krishna é difícil36, porém
devemos dar o nosso melhor certos de que, onde o nosso melhor não chegue, chega a
misericórdia de Krishna37. É válido lembrar que caso, neste esforço de estarmos
absortos em Krishna, ou Deus, no momento de nossa morte, não sejamos bemsucedidos, Krishna diz que não há perda, porque Ele próprio nos coloca nos planetas
superiores, para terminarmos nossos desejos de tentarmos ser felizes mesmo morando
em um local onde Ele não está pessoalmente presente, e, após essa residência, faz o
arranjo para que nasçamos novamente na Terra em uma família que facilitará nossas
práticas religiosas da consciência de Krishna38 quer provendo-nos as necessidades
36 “Dentre muitos milhares de homens, talvez haja um que se esforce por obter a perfeição, e,
dentre aqueles que alcançaram a perfeição, é difícil encontrar um que Me conheça de verdade”. (Bhagavadgita 7.3) Certamente quase todas as pessoas se tornarão bhutas no momento da morte com a formação que
se possui atualmente no mundo, salvo as pessoas deveras religiosas. Quase todos se tornarem bhutas à
hora da morte, quer errantes (com muito pecado), quer residentes de Antariksa (semipiedosos),
certamente reforçará a convicção dos residentes de Antariksa de que esse é o estado normal que se alcança
à hora da morte, e aqueles que acreditavam diferente, que acreditavam que se pode alcançar a morada de
Deus a partir desta vida na Terra; por não terem a conduta capaz de lhes dar esse resultado de ir ter com
Deus, serão doutrinados a acreditarem que tal evento de tornar-se fantasma é normal, e não produto de
iniquidade. Vejamos como são praticamente universais na atualidade as condições que tornam alguém
bhuta à hora da morte, segundo o Garuda Purana (2.22.68-74):
“Se um homem come alimento oferecido por um homem caído e morre com esse alimento dentro
de seu estômago antes de ter sido digerido, ele se torna fantasma. Um sacerdote que preside o sacrifício de
uma pessoa indigna e negligencia aquele de um sacrificante digno, e um homem que vive na companhia
de pessoas desprezíveis, ambos se tornam fantasmas. Aquele que se dá à companhia de bêbados e tem
relação com uma mulher viciada em vinho ou que come carne sem qualquer culpa torna-se um fantasma.
Aquele que rouba a propriedade de um brahmana [intelectual religioso] ou de um templo ou de seu
preceptor se torna fantasma. Aquele que abandona sua mãe, sua irmã, sua esposa, sua filha ou sua
cunhada, apesar de serem inocentes, torna-se um fantasma. Todos estes certamente se tornam fantasmas:
Um homem que toma posse de algo ilegitimamente, um homem traiçoeiro para com seus amigos, alguém
que se atrai pela mulher de outrem, um homem infiel e um canalha mentiroso. Um homem que odeia seus
irmãos, o assassino de um brahmana, aqueles que matam vacas, alguém viciado em bebidas alcoólicas,
alguém que deprava a cama de seu preceptor, alguém que negligencia ritos tradicionais, alguém afeito a
contar mentiras, aqueles que roubam dinheiro e indivíduos que roubam terra – todos estes tornam-se
fantasmas”.
Quem, senão Srila Prabhupada e outros propagadores da consciência de Krishna, ensina a
evitação de tudo isto, desde o não consumo de carne e a não alimentação em estabelecimentos mundanos
até a castidade e a abstinência de todo intoxicante, quer lícito, quer ilícito nas diferentes constituições dos
diferentes países do mundo? E ainda, quem, senão a consciência de Krishna, fornece gosto superior
suficiente nas práticas espirituais para que tais atos não sejam meramente reprimidos?
37 “Embora ocupado em todas as espécies de atividades, Meu devoto puro, sob Minha proteção,
alcança, por Minha graça, a morada eterna e imperecível”. (Bhagavad-gita 18.56)
38 “Após muitos e muitos anos de gozo nos planetas habitados por entidades vivas piedosas, o
yogi [aquele que está tentando se reconectar com Deus] malogrado nasce em uma família de pessoas
virtuosas ou em uma família aristocrata e rica. Ou [se fracassa após longa prática] ele nasce numa família
de transcendentalistas que com certeza têm muita sabedoria. É claro que semelhante nascimento é raro
neste mundo”. (Bhagavad-gita 6.41-42)
36
- Espiritismo e Consciência de Krishna materiais sem que precisemos trabalhar arduamente, quer dando-nos diretamente o
conhecimento espiritual.
Os irmãos adeptos do espiritismo, por sua vez, são indivíduos em geral
possuidores de muitas virtudes, como a propensão à caridade, à oração e a estar
vigilante a não ofender outros. Valendo-se de suas qualidades de aceitar ouvir de
autoridades e de aceitar a possibilidade de sempre progredir, estão convidados a
conhecerem a fundo a consciência de Krishna e a experimentar se os norteamentos da
consciência de Krishna em relação a conduta moral, caridade abnegada, epistemologia,
práticas de culto etc. lhes são aprimoradores. O que há de se perder?
Sobre o Autor
Bhagavan Dasa Adhikari (Thiago Costa Braga) é mestrando em Letras pela
PUC-Minas e graduando em Filosofia pela UFJF. Possui a titulação internacional
Bhakti-sastri, adquirida após residência no Seminário de Filosofia e Teologia Hare
Krishna de Campina Grande, onde foi iniciado por Sua Santidade Dhanvantari Swami.
Ministra palestras regulares sobre a consciência de Krishna desde 2005. Já traduziu
mais de 10 livros e mais de 100 artigos sobre filosofia e teologia gaudiya-vaishnava e
atualmente é chefe do departamento de tradução e revisão da BBT Brasil, a maior
editora no Ocidente de livros sobre o pensamento indiano.
Contato
Aqueles interessados em conversar com o autor acerca da temática deste podem
se corresponder pelo e-mail [email protected]. Pede-se a cortesia da leitura prévia
das obras O Bhagavad-gita Como Ele É (vedabase.com/pt-br/bg) e Krsna, a Suprema
Personalidade
de
Deus
(www.sankirtana.com.br/livros-revistas/srila-
prabhupada/krishna-volume-1-e-2.html).
37
- Espiritismo e Consciência de Krishna Perguntas e Respostas
As perguntas aqui apresentadas são paráfrases de questões apresentadas por
diferentes leitores e respondidas pelo autor do artigo.
PERGUNTAS DE ADEPTOS DO ESPIRITISMO
1. Será que o senhor comparar reencarnação e metempsicose não é sinal de
que o senhor tem pouca convicção pessoal no que diz acreditar, a metempsicose?
Quanto a compararmos nossa crença com o que não acreditamos, o espiritismo
faz bastante isso, sobretudo com o catolicismo. O senhor deve estar ciente disso, mas
cito apenas duas passagens que exemplifiquem. O espiritismo não acredita nem no
diabo nem em milagres, e assim fala dessas crenças católicas:
“Cumpre também colocar entre as causas da loucura o pavor, sendo que o do
diabo já desequilibrou mais de um cérebro. Quantas vítimas não têm feito os que
abalam imaginações fracas com esse quadro, que cada vez mais pavoroso se esforçam
por tornar, mediante horríveis pormenores? O diabo, dizem, só mete medo a crianças,
é um freio para fazê-las ajuizadas. Sim, é do mesmo modo que o papão e o
lobisomem”. (Livro dos Espíritos, Introdução 15)
“O que, para a Igreja, dá valor aos milagres é, precisamente, a origem
sobrenatural deles e a impossibilidade de serem explicados. Ela se firmou tão bem
sobre esse ponto que assimilarem-se os milagres aos fenômenos da Natureza constitui
para ela uma heresia, um atentado contra a fé, tanto assim que excomungou e até
queimou muita gente por não ter querido crer em certos milagres. Daí vem a Igreja
distinguir os bons milagres, que procedem de Deus, dos maus milagres, que procedem
de Satanás. Mas, como diferençá-los? Seja satânico ou divino um milagre, haverá
sempre uma derrogação de leis emanadas unicamente de Deus. Se um indivíduo é
curado por suposto milagre, quer seja Deus quem o opere, quer Satanás, não deixará
por isso de ter havido a cura. Forçoso se torna fazer pobríssima ideia da inteligência
38
- Espiritismo e Consciência de Krishna humana para se pretender que semelhantes doutrinas possam ser aceitas nos dias de
hoje”. (A Gênese 13.16)
Assim, o contraste pode ser falta de convicção pessoal, como o senhor colocou.
No meu caso específico, acho que não é o caso. Acho que é mesmo como fazem os
espíritas com a igreja católica: comparação com fim de argumentação lógica para quem
tiver interesse nessa modalidade de estudo comparado. O senhor deve ter notado no
meu texto, no entanto, que não uso tratamentos como nos livros espíritas, que chamam
uma crença central do catolicismo de ”bicho papão”, uma invenção que “só mete medo
a crianças”, e sua crença em milagres de uma tentativa de “fazer pobríssima ideia da
inteligência”.
2. Deus é castigador? É um castigo de Deus alguém que come carne nascer
como tigre?
O senhor perguntou se seria um castigo alguém nascer como tigre. A resposta
depende do entendimento que o senhor tenha da palavra castigo. Se castigo é uma
maldade, então não. Não é possível entender que Deus faça alguma maldade com as
almas, pois, no conceito védico de Deus, como Ele próprio Se apresenta no Bhagavadgita (5.29), Deus é “o melhor amigo de todas as entidades vivas”. Se castigo é entendido
no valor verdadeiro da palavra, que é “tornar casto”, quer dizer, “tornar puro”, então
sim: é um castigo. A alma se torna mais casta ou pura ao esgotar uma tendência
animalesca em corpos animais em vez de o fazer em corpos humanos, e, uma vez em
corpos humanos, pode prosseguir em seu empenho de render-se exclusivamente a
Deus. Mesmo em termos de saúde é algo melhor para ela, pois o consumo de carne no
corpo humano acarreta, além de reações pecaminosas sutis, várias doenças imediatas,
como câncer, ao passo que o corpo de tigre é uma máquina bastante poderosa para
digerir esse tipo de alimento.
Em relação à alma vir em condições materialmente inferiores, encontramos
vários espíritos cogitando isso. Em Exilados de Capela, encontramos que os residentes
dessa morada superior foram enviados de volta para a Terra, não por castigo, mas
porque chegaram àquele planeta e não tiveram a condição moral de ficar nele, tal como
39
- Espiritismo e Consciência de Krishna uma alma que chega a um corpo humano porém é “exilada” dele por não corresponder
ao que se espera de um humano civilizado. Isso é um castigo? Não, tais pessoas apenas
não mantiveram a consciência que as levou para aquele estado, assim como alguém
que foi aprovado no vestibular de Medicina pode ser jubilado do curso por excesso de
faltas ou sucessivas reprovações. Quando um ser humano desenvolve todos os
sentidos plenamente, não é possível que nasça surdo, mudo e tetraplégico? Isto é um
castigo de Deus? Não, é um castigo do próprio homem não ter usado o corpo humano
apropriadamente. Assim, por analogia a isso e contando que os espíritos “longe estão
de tudo saberem”, por que não considerar a possibilidade da opinião védica estar
certa? Esta é a reflexão que proponho.
3. Se o Tigre tem espírito, ele não poderia se alimentar de algum outro
alimento, sem ter de fazer tantas crueldades? Por que tantas maldades e crueldades?
Salvo engano, entendo que o argumento do senhor é que onde está o espírito
não há maldades e crueldades; logo, maldades e crueldades estarem presentes em
animais selvagens, como o tigre, é um indício da não presença do espírito, é isso? Se
crueldades e maldades são indício de ausência do espírito, então o que dizer de Hitler,
muito mais cruel do que milhares de tigres? O que dizer do prolongado sofrimento aos
animais que os homens promovem nas fazendas fábricas, muito mais cruel do que a
morte rápida que promove o tigre às suas presas? O homem moderno é muito mais
cruel do que o tigre. O tigre, por exemplo, jamais promove o aborto de seus filhos, ao
passo que o homem é responsável por 126.000 abortos por dia. O tigre mata o que ele
vai comer, ao passo que o homem mata seus próprios filhos apenas para, segundo a
maioria dos abortistas entrevistados, “ter mais dinheiro” e “não atrapalhar minha
carreira”. Não haver maldade e crueldade, portanto, não é distinção entre o homem e o
tigre em favor do homem, mas em favor do tigre. O tigre é muito menos cruel do que o
homem; e não estamos falando de tribos canibais, mas dos países mais desenvolvidos,
haja vista que o total de aborto do mundo se concentra 78 por cento nos países de
primeiro mundo e 22 por cento nos países de terceiro mundo. Vamos comparar o
índice de estupro entre os humanos e entre os animais? Armas de destruição em
40
- Espiritismo e Consciência de Krishna massa? Escravidão? O já mencionado antisemitismo? O homem é muito mais cruel e
maldoso do que o instintivo tigre. Assim como não negamos a presença do espírito nos
escravistas, antisemitas, abortistas, estrupadores etc., esse argumento de que o tigre
não pode ter um espírito porque se alimenta de carne não faz sentido, ao meu
entender.
4. Em relação a Emmanuel ensinar algo diferente do que os primeiros
espíritos ensinaram, os espíritos do pentateuco espírita, pode ser entendido como
algo análogo a Jesus não ter ensinado tudo, mas deixado para esclarecimento
posterior. Assim, Emmanuel dá mais um passo na revelação espírita.
Jesus pode não ter ensinado tudo, mas tampouco ensinou algo errado, senão
que apenas ensinou algo que precisa de esclarecimento para entendermos como é
certo. Se o começo do espiritismo ensinou que “o espírito da ostra não se torna
sucessivamente o do peixe” (O Livro dos Espíritos 2.11.613), e Emmanuel e outros
espíritos mais atuais estão certos em dizer que se tornam sucessivamente sim, então o
espiritismo ensinou algo errado, e não algo certo porém velado, como fez Jesus, pois
não é possível interpretar os dizeres sublinhados como uma parábola que quer dizer o
contrário do que claramente dizem. Assim, todo ensino espírita é duvidoso, ao meu
entender, tanto por contradições como pelos espíritos dizerem o que observam, e não o
que ouvem de uma fonte infalível, como disse Jesus que faria o seu sucessor Espírito de
Verdade: “Não falará de si, mas do que houver ouvido”. Se todos os espíritos ouvissem
de uma mesma autoridade infalível, supostamente o Espírito de Verdade, então não
haveria opiniões diferentes.
No meu entendimento, não haveria problema caso o espiritismo mudasse de
opinião caso fosse apenas ciência e filosofia, mas, como se atribui valor infalível ao se
dizer “vindo do Pai”, “ensinará todas as coisas” e os outros atributos analisados no
artigo, essas contradições e revisões dos textos primários do espiritismo lançam-lhe
descrédito, a meu ver.
41
- Espiritismo e Consciência de Krishna 5. Por que irmãos devotados ao amor a Deus, entendidos no espiritismo como
espíritos de luz, não são igualmente estimados na consciência de Krishna, mas
tratados pelo pejorativo termo bhuta?
A etimologia da palavra que designa aqueles que têm apenas o corpo sutil vem
da raiz bheu/bhu, que é o verbo ser do sânscrito, que aparece em várias línguas, como
irlandês (bha), inglês (be), letão (but) e persa (budan). Bhuta é ser no passado, daí a
tradução de bhuta como “ligados ao passado”. Tais pessoas são assim entendidas
porque, mesmo após a morte, preservam as impressões que tinham durante a vida –
forma, nome, identificação familiar etc. – o que, para os Vedas, é uma condição
anormal. O normal é que a alma, ao ter um corpo humano, deve desenvolver
inteiramente sua consciência de Krishna, o que tem por consequência que ela vai para
o Reino de Deus, onde obtém sua forma eterna, seu nome eterno, não tem nenhuma
identificação familiar material etc. e de onde nunca mais renasce (Bhagavad-gita 8.16).
Aqueles que são mal sucedidos em desenvolver amor puro por Deus, mas morrem
após terem feito bom progresso no caminho, nascem, isto é, obtêm um corpo grosseiro,
nos planetas superiores, chamados svarga (Bhagavad-gita 6.41), e de lá nascem na Terra,
e não de antariksa, as colônias, que são inferiores a svarga.
Aqueles que antes de novamente nascerem ficam apenas no corpo sutil são
tidos como pessoas que fizeram pouco desenvolvimento no amor a Deus, ao menos no
amor a Deus entendido não como sentimento, mas como observação de Suas leis. As
leis que foram quebradas para a pessoa ficar apenas no corpo sutil são estas, segundo o
Garuda Purana: “Se um homem come alimento oferecido por um homem caído e morre
com esse alimento dentro de seu estômago antes de ter sido digerido, ele se torna
fantasma. Um sacerdote que preside o sacrifício de uma pessoa indigna e negligencia
aquele de um sacrificante digno, e um homem que vive na companhia de pessoas
desprezíveis, ambos se tornam fantasmas. Aquele que se dá à companhia de bêbados e
tem relação com uma mulher viciada em vinho ou que come carne sem qualquer culpa
torna-se um fantasma. Aquele que rouba a propriedade de um brahmana [intelectual
religioso] ou de um templo ou de seu preceptor se torna fantasma. Aquele que
abandona sua mãe, sua irmã, sua esposa, sua filha ou sua cunhada, apesar de serem
42
- Espiritismo e Consciência de Krishna inocentes, torna-se um fantasma. Todos estes certamente se tornam fantasmas: Um
homem que toma posse de algo ilegitimamente, um homem traiçoeiro para com seus
amigos, alguém que se atrai pela mulher de outrem, um homem infiel e um canalha
mentiroso. Um homem que odeia seus irmãos, o assassino de um brahmana, aqueles
que matam vacas, alguém viciado em bebidas alcoólicas, alguém que deprava a cama
de seu preceptor, alguém que negligencia ritos tradicionais, alguém afeito a contar
mentiras, aqueles que roubam dinheiro e indivíduos que roubam terra – todos estes
tornam-se fantasmas”.
Assim, pode-se entender muitos espíritos como amantes de Deus no sentido
sentimental, mas todos eles, segundo o Garuda Purana, infringiram alguma das leis de
Deus acima relatadas. Com efeito, quantas pessoas, enquanto encarnadas, conhecemos
que seguem todas estas regras? Assim, é tão frequente a quebra dessas leis de Deus que
praticamente todos ficam em corpos sutis após a morte, daí o espiritismo entender que
é uma condição normal. Segundo os Vedas, os espíritos, ou aqueles que têm apenas o
corpo sutil, podem ser classificados entre ímpios e semipiedosos, porém, até onde
estudo, nunca encontrei a descrição de um espírito santo (sadhu). São ímpios porque,
por má conduta, não receberam a oportunidade de nascer novamente, quer na Terra,
quer em planetas superiores, e são semipiedosos porque, apesar de terem tido alguma
má conduta, são bem-intencionados, tementes a Deus, esperançosos em Jesus etc.
Contudo, segundo os Vedas, se alguém é verdadeiramente santo, ele vai para o Reino
de Deus ou, se quase santo, nasce em planetas superiores para esgotar seus desejos por
conforto, saúde etc. e então termina sua purificação na Terra.
O espiritismo preza mais a distinção entre bhutas de luz e bhutas de pouca luz,
no meu entender, porque entende que os bhutas de luz, até onde entendo o espiritismo,
são os indivíduos mais esclarecidos que os humanos têm para contato e, logo, para
esclarecimento. Na consciência de Krishna, diferentemente, entende-se que Deus veio à
Terra como Vyasadeva e deixou todo o conhecimento conclusivo, logo qualquer um
que se proponha rever os Vedas será mal visto, o que em geral fazem os espíritos.
Por exemplo:
Sobre a metempsicose, dogma que percorre todas as tradições ortodoxas da
Índia, encontramos:
43
- Espiritismo e Consciência de Krishna -
Entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação, há,
como também se sabe, profunda diferença, assinalada pelo fato de os
Espíritos rejeitarem, de maneira absoluta, a transmigração da alma do homem
para os animais e reciprocamente. Ensinando o dogma da pluralidade das
existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que teve origem nas
primeiras idades do mundo e que se conservou no íntimo de muitas pessoas,
até aos nossos dias. Simplesmente, eles a apresentam de um ponto de vista
mais racional, mais acorde com as leis progressivas da Natureza e mais de
conformidade com a sabedoria do Criador, despindo-a de todos os acessórios
da superstição. (Livro dos Espíritos 5.222)
Sobre astrologia, encontramos:
Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela? “Antiga superstição,
que prendia às estrelas os destinos dos homens. Alegoria que algumas
pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra.” (Livro dos Espíritos 3.10.867)
Sobre a cosmologia védica, que divide as moradas celestiais em sete (antariksa,
bhuvarloka, svargaloka, maharloka, janaloka, tapoloka, satyaloka), e coloca a morada de Deus
para além delas, na transcendência, encontramos:
Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e daí a expressão – estar no
sétimo céu – para exprimir perfeita felicidade. As diferentes doutrinas
relativamente ao paraíso repousam todas no duplo erro de considerar a Terra
centro do Universo, e limitada à região dos astros. É além desse limite
imaginário que todas têm colocado a residência afortunada e a morada do
Todo-Poderoso. Singular anomalia que coloca o Autor de todas as coisas,
Aquele que as governa a todas, nos confins da criação, em vez de no centro,
donde o seu pensamento poderia, irradiante, abranger tudo! A Ciência, com a
lógica inexorável da observação e dos fatos, levou o seu archote às
profundezas do Espaço e mostrou a nulidade de todas essas teorias. (O Céu e o
Inferno 3.1-2)
Sobre os deuses, ou devas, encontramos:
A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em ideias espíritas, com a
única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades.
Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais.
Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir
ao fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é totalmente destituída de
fundamento? “Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está muito
aquém da verdade”. (Livro dos Espíritos 2.9.537)
44
- Espiritismo e Consciência de Krishna Assim, não me parece possível a alguém que tenha os Vedas como revelados por
Deus aceitar que ao menos estes espíritos que foram aceitos por Kardec como de luz,
tendo passado pelo CUEE (Controle Universal do Ensino dos Espíritos) aplicado por
Kardec, sejam-no, ao menos não no nível que o Evangelho Segundo o Espiritismo coloca:
“Ensinarão tudo”, “veem do Pai” (6.3), “concluirão o que Moisés e Jesus começaram”
(1.9). Contudo, se um Espírito se submete à autoridade dos Vedas e encaminha alguém
ao estudo dos mesmos tal como os próprios Vedas ensinam, então esse espírito deve ser
prezado como um vartma-pradarshaka-guru autêntico, isto é, o guru que mostra o
caminho correto, em virtude do que ofereço meus respeitos aos espíritos que a
encaminham seus interrogadores para o estudo da consciência de Krishna.
Parece-me que o valor que Jesus deu às escrituras submete todos à infalível
autoridade escritural, e não o contrário, isto é, que os espíritos podem dizer o que nas
escrituras é certo e o que não é, segundo suas experiências sensoriais e mentais.
No novo testamento, por exemplo, encontramos: “À lei [de Moisés] e ao
testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles”.
(Isaías 8.20)
Contudo, os espíritos no espiritismo se libertam da revelação mosaica, aceita
por Jesus, e colocam-na como humana:
“Em face dos progressos da Física e da Astronomia, é insustentável semelhante
doutrina. Entretanto, Moisés atribui ao próprio Deus aquelas palavras. Ora, visto que
elas exprimem um fato notoriamente falso, uma de duas: ou Deus se enganou em a
narrativa que fez da sua obra, ou essa narrativa não é de origem divina. Não sendo
admissível a primeira hipótese, forçoso é concluir que Moisés apenas exprimiu suas
próprias ideias”. (A Gênese 12.10)
Assim, o espiritismo coloca Moisés como duplamente ruim: Ruim por ter
inventado algo insustentável, e, o que acho ainda pior, ter atribuído sua história
inventada a Deus. O espiritismo faz o mesmo com a revelação védica.
Outra hipótese que tenho de por que o espiritismo trabalha mais com a
dicotomia espírito bom e espírito de pouca luz do que o vaisnavismo é que o leque de
indivíduos com os quais o primeiro trabalha é menor do que na consciência de
Krishna. A consciência de Krishna hierarquiza as entidades vivas até Brahma, que é a
45
- Espiritismo e Consciência de Krishna entidade viva mais elevada dentro do mundo material, e entendemos que podemos ter
contato com Brahma pelas obras que são atribuídas a ele, como o Brahma-samhita.
Assim, se temos acesso a Brahma, a entidade viva mais elevada, para esclarecimentos
doutrinários, bem como a Deus, os residentes da parte sutil de nosso planeta não são
nada além de “impiedosos” e “semipiedosos”. O espiritismo, em contrapartida, tende a
duvidar, até onde entendo, que Deus tenha feito realmente alguma revelação
pessoalmente, e tampouco que uma alma tão elevada como Brahma possa vir à Terra
tão simplesmente e falar um conhecimento perfeito, daí o espiritismo, em seu
primórdio lidando com encarnados que não sabiam nem que existe vida após a morte,
terem os espíritos como autoridades dignas de reverências.
Outra hipótese que tenho para os espíritas prezarem mais os bhutas de luz, ou
yaksas semipiedosos, do que os vaisnavas é que o espiritismo tende a acreditar que os
anjos da Bíblia e os deuses (devas) dos Vedas são espíritos de luz, o que os vaisnavas não
aceitam. Para os vaisnavas, os anjos, entendidos como análogos aos gandharvas da
literatura védica, e os devas, dirigentes de vários departamentos do universo, são
indivíduos que residem em outros planetas e têm corpo grosseiro próprio, corpo
grosseiro este que lhes permite se comunicarem sem a necessidade de um médium,
necessidade esta própria daqueles que têm apenas o corpo sutil, isto é, uma
instrumentária incompleta. Assim, a grandiosa personalidade que falou com Maria que
ela teria um filho, por exemplo, não é entendida por nós como alguém que só tem o
corpo sutil, um espírito, mas alguém que possui um corpo grosseiro com poderes
especiais para vir à Terra e ficar invisível e inaudível ou não à sua vontade. O mesmo
para os devas.
Outra hipótese para por que a tradição védica tende a atribuir impiedade, ou,
no máximo, semipiedade, a todos aqueles que têm apenas o corpo sutil, é o fato de que,
no tempo em que os Vedas foram escritos, segundo eles próprios e aparentemente pela
longevidade que a Bíblia atribui a pessoas antigas (vivendo quase 1000 anos), os
humanos no passado eram mais avançados e esclarecidos espiritualmente. Assim, os
humanos, orientados pelos Vedas, aprendiam em vida que não eram o corpo, que existe
a reencarnação, que Deus é assim e assado, que devemos nos desapegar do que é
temporário à hora da morte etc. Então, se alguém morre em tal condição que está
46
- Espiritismo e Consciência de Krishna identificado com seu estado material passado ou tem algum dos desvios morais
enumerados acima, no Garuda Purana, ela é vista como caída por assumir a posição de
bhuta. Na atualidade, os homens mais bondosos que conhecemos no mínimo comem
alguma carne, comem alimento preparado sem consciência espiritual entre outras
coisas que deixam a pessoa apenas no corpo sutil na hora da morte. Assim, quando
alguém, apenas no corpo sutil, conhece pelo menos a reencarnação, o que não exige
nenhuma piedade, mas apenas a observação, se comunica com os encarnados
ignorantes dos Vedas e praticamente de qualquer conhecimento, tal pessoa parece uma
autoridade ilustre, sobretudo se, junto do conceito de reencarnação, traz consigo
alguma integridade herdada dos ensinamentos morais de Jesus, para colocá-la na
posição semipiedosa de ter comido pouca carne, por exemplo na semana santa, ter
bebido apenas socialmente, ter tentado perdoar de vez enquanto etc. Vale apontar, no
entanto, que os ensinamentos morais de Jesus foram todos comunicados por Jesus
encarnado, e não é mérito de espíritos. Ao contrário, haver espíritos piedosos o
bastante para estruturarem o espiritismo é mérito do mestre encarnado Jesus – o que a
senhora certamente sabe. Assim, se somarmos os ensinamentos de Jesus com os de
Vyasadeva, parece mesmo que os encarnados ensinam mais do que os desencarnados,
o que adiciona ao conceito védico de que nascer na Terra é melhor do que estar em sua
dimensão sutil em um corpo apenas sutil.
Bem. A pergunta da senhora é muito difícil: Por que os Vedas não estimam os
espíritos, isto é, as entidades vivas que estão apenas no corpo sutil. Minhas hipóteses
para isso, em resumo, são estas: (1) O Espiritismo parece aceitar a possibilidade de
espíritos serem superiores às escrituras (mosaicas e védicas), podendo dizer qual parte
delas é fidedigna e qual não é e revelar coisas novas, logo são indivíduos de grande
interesse para os encarnados. O vaisnavismo, em contrapartida, tem as escrituras como
perfeitas e revelas por Deus, logo todos, mesmo o espírito mais elevado, tem de se
submeter a elas, daí preferirmos ler as escrituras a ouvi-los, sobretudo caso sejam
espíritos, como os do pentateuco espírita, que criticam os ensinamentos védicos sob
vários adjetivos pejorativos, como apontado acima. (2) No espiritismo, analisam-se os
indivíduos com os quais podemos ter contato entre espíritos de luz e de pouca luz, e,
obviamente, preza-se os espíritos de luz como guias, os quais são entendidos como os
47
- Espiritismo e Consciência de Krishna anjos, arcanjos, deuses etc. em tradições variadas. No vaisnavismo, entretanto, anjos,
arcanjos e deuses não são espíritos, isto é, não são residentes do plano sutil, mas de
planetas superiores e indivíduos que não podem ser incorporados, pois têm corpo
grosseiro próprio. Assim, o vaisnavismo, ao considerar possível a comunicação com
indivíduos entendidos como superiores aos espíritos de luz, e a comunicação até
mesmo direta com Deus através das escrituras que são entendidas como as exatas
palavras dEle próprio, mostra desinteresse nos contatos mediúnicos.
6. Há muitos casos provados cientificamente de que tratamentos com
espíritos curam pessoas de doenças, e os romances espíritas estão cheios de relatos
de pessoas que foram promovidas para as superiores colônias à hora da morte por
terem seguido as instruções dos espíritos.
Krishna não diz que é mentira que o refúgio em tais indivíduos pode trazer
resultados como saúde e promoção a planetas superiores; na verdade, diz até mesmo
que tais indivíduos – semideuses, espíritos de luz etc. – dão resultados muito
rapidamente (Bhagavad-gita 4.12). A crítica de Krishna é que tais personalidades,
diferentemente dEle, dão coisas limitadas e temporárias (Bhagavad-gita 7.23); por
exemplo, são limitadas as respostas dos espíritos de luz, pois dão respostas
incompletas, imperfeitas e contraditórias, pois “longe estão de tudo saberem”, como
coloca o Livro dos Espíritos, e promovem seus discípulos a moradas onde não se pode
permanecer eternamente feliz.
7. Por que os Hare Krishnas não podem seguir os ensinamentos do Bhagavadgita, e os cristãos, os ensinamentos da Bíblia? A Bíblia traz várias descrições de
comunicações mediúnicas, como os anjos em Gênese 16.7-10 e o anjo que anuncia a
Maria que terá um filho e deverá chamá-lo Jesus.
Prabhupada aceita Jesus como um mestre inteiramente qualificado para guiar
as pessoas, e certamente julgo bem encaminhados aqueles que o seguem. Contudo,
tenho minhas dúvidas quanto a se todos os espíritas são fundamentalmente cristãos.
48
- Espiritismo e Consciência de Krishna Um espírita que conheci recentemente, empolgadíssimo com a leitura de Exilados de
Capela, me dizia que os egípcios foi uma das civilizações mais avançadas que já esteve
na Terra. Fiquei me perguntando como alguém pode ser cristão e, ao mesmo tempo,
considerar que os egípcios sejam avançados espiritualmente. Segundo a religião de
Jesus, o judaísmo, cuja escritura Jesus aceitava como revelada por Deus, até onde
entendo, os egípcios eram tão degradados que Deus os puniu pessoalmente. Os
egípcios foram um povo politeísta, idólatra e construíram grandes edificações para tal
idolatria politeísta com o sangue de 400 anos de escravidão aos hebreus, cujo objeto de
culto Jesus aceitou como o Pai, o Deus único e supremo. Prabhupada não ensina que
seja necessário seguir os Vedas para seguir Deus, mas disse que se pode seguir sim
seguir o cristianismo e o judaísmo. Um de meus questionamentos é precisamente este:
O espiritismo é realmente o que Jesus idealizou para a continuação de seus ensinos na
Terra ou o espiritismo não se encaixa no que Jesus chamou de Espírito de Verdade e
Consolador?
A senhora apresentou exemplos bíblicos falando de aparição de anjos, mas esse
conceito, até onde entendo, não se confunde com “mortos” e “espíritos” na Bíblia.
Encontro na Bíblia que há casos em que pessoas são possuídas por espíritos, mas nunca
por anjos. Podemos ver também que o anjo aparece para Maria e fala com ela, mas
Maria nunca viu ninguém mais, de modo que não é possível aceitá-la como médium
vidente e auditiva. Se fosse médium vidente e auditiva, veria e ouviria espíritos
frequentemente, e não apenas o anjo. Prabhupada explica que anjos são indivíduos
chamados gandharvas, e os gandharvas podem aparecer para quem quiserem quando
quiserem pelos poderes místicos que têm, siddhis, e não dependentes de que quem os
veja seja médium vidente e menos ainda “entrando” em um corpo alheio para que se
psicografem ou ouçam sua mensagem.
8. O espiritismo não adora os espíritos.
No final do Gita, Krishna diz que devemos abandonar tudo (sarva-dharma
parityajya) e buscar unicamente (eka) a Ele como refúgio (saranam). Essa rendição, ou
sarana, é entendida como variadas práticas: Contar que Deus nos levará para Seu reino
49
- Espiritismo e Consciência de Krishna na hora da morte, tê-lO como aquele que nos esclarece em momentos de dúvidas e
assim por diante. Assim, se alguém, à hora da morte, fica na expectativa de que um
semideus o levará para o seu planeta, ou que um espírito de luz o levará para uma
colônia, isso pode ser entendido como adoração a semideuses ou a espíritos de luz,
nesta definição de adoração. Se, quando alguém quer entender algo, busca por um
filósofo, cientista, doutor em direito – encarnado ou desencarnado –, em vez de buscar
pela revelação de Deus, isso é entendido como adoração a tais indivíduos: a busca
deles por refúgio doutrinário. Certamente os espíritas não adoram espíritos no sentido
etimológico de “adorar”, isto é, “oferecer ouro”, e um espírita que busque o refúgio de
espíritos de luz por acreditar plenamente que eles são dotados de poder por Deus para
dar refúgio, e a morada deles e as instruções deles são, respectivamente, a máxima
morada que Deus reservou para alguém que morrerá agora na Terra e a revelação
máxima à humanidade, então não posso dizer que são espíritas que não adoram a
Deus, mas apenas discordar de que o máximo que Deus permite à humanidade, a
partir do estado encarnado da Terra, seja o alcance dessas moradas e dessas revelações.
Entendo que só poderia ser justo dizer que algum espírita adora os espíritos caso esse
espírita acreditasse que a revelação de Moisés é perfeita, que é possível, a partir da
Terra, alcançar a morada perfeita de Deus, onde Deus mora pessoalmente, e ainda
assim preferir as revelações dos espíritos e ainda assim querer ir para a morada deles.
9. Os espíritos e a Bíblia ensinam que nossa evolução é gradual, em virtude
do que é impossível ir da Terra para onde Deus mora pessoalmente.
Os espíritos certamente ensinam que a evolução é gradual, pois, pela
experiência deles, não chegaram ao Reino de Deus após a morte. Na Bíblia, entretanto,
é fundamentável a possibilidade de irmos da Terra para o Reino de Deus, assim como é
fundamentável pelos Vedas. Na Bíblia (João 8.29), encontramos que quem enviou Jesus
para a Terra foi o Pai, Deus: “Aquele que me enviou está comigo. O Pai não me tem
deixado só, porque eu faço sempre o que Lhe agrada”. Assim, não é aceitável dizer que
Jesus foi enviado por outrem senão diretamente por Deus. Em João (7.33),
encontramos: “Disse-lhes, pois, Jesus: Ainda um pouco de tempo estou convosco, e
50
- Espiritismo e Consciência de Krishna depois vou para aquele que me enviou”. Assim, pela autoridade da Bíblia, Jesus não
voltará para nenhuma morada, sutilíssima ou grosseira, mas para aquele que o enviou,
o qual – já colocamos com a citação de João (8.29) – é Deus, o Pai. Por fim, em Lucas
(23.43), encontramos que Jesus se dirige ao ladrão que estava ao seu lado, também
sendo crucificado, com estas palavras: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no
Paraíso”. Não é possível deturpar esse “Paraíso” dizendo que é outro lugar senão onde
Deus mora, pois, relembrando, Jesus disse que, quando fosse embora da Terra, iria
para aquele que o enviou, e “hoje” não permite nenhuma interpretação para
fundamentar “evolução gradual”.
PERGUNTAS DE PESSOAS SEM VÍNCULOS RELIGIOSOS
10. É fácil entender que alguém que fica no corpo sutil, ou em condição de
fantasma, na casa onde viveu é alguém bhuta, “ligado ao passado”. Contudo, os
espíritos que ficam vagando ou fazendo travessuras pela Terra também carregam
consigo essa marca de serem ligados ao passado?
A etimologia da palavra que designa aqueles que têm apenas o corpo sutil é
bhuta. Bhu vem da raiz bheu/bhu, que é o verbo ser do sânscrito, que aparece em várias
línguas, como irlandês (bha), inglês (be), letão (but) e persa (budan). Bhuta é ser no
passado, daí a tradução de bhuta como “ligados ao passado”.
Krishna diz que onde quer que esteja nosso estado de consciência na hora da
morte, para lá iremos (Bhagavad-gita 8.6). Assim, o devoto não tem nenhuma absorção
em seu passado no sentido de se identificar com “este é o meu corpo, esta é a minha
família, esta é a minha casa, este é o meu país, este é o meu planeta, esta é a minha
vida” etc. O devoto pensa: “Eu não sou este corpo, e o senso de posse a esta família,
casa, país e planeta tem ligação apenas com este corpo, e minha vida não é estar aqui,
mas estar no mundo espiritual com Krishna”. Assim, quando o devoto morre, ele não
se torna bhuta, isto é, alguém que fica no corpo sutil com a mesma mentalidade que
tinha em vida – “este é o planeta onde moro, este sou eu, este é o meu nome” – senão
que ele está pronto para o futuro que construiu segundo as instruções de Krishna:
51
- Espiritismo e Consciência de Krishna “Deixei de ser o Thiago de Alcântara, brasileiro, branco, o que nunca fui, e agora sou o
que sou eternamente: uma gopi aos pés de Krishna”, ou “deixei de ser a Joana e agora
sou um vaqueirinho amigo de Krishna, o que eu havia me esquecido”. O devoto
também não ficará vagando pelo “seu” planeta atormentando as pessoas, pois já
abandonou a ideia de que ele é deste planeta, senão que estará colhendo no mundo
espiritual os frutos de sua consciência de Krishna, a consciência de que ele não é deste
mundo.
Assim, embora menos evidente do que alguém que fica em sua casa após a
morte, alguém que está no corpo sutil errando por vários lugares “fazendo
travessuras” também exibe o sintoma de apego ao passado por carregar consigo o
mesmo nome que tinha antes, em geral a mesma forma, residir no mesmo planeta e,
sobretudo, ter o desejo de interagir com os mesmos objetos materiais.
O devoto está pronto para o futuro, isto é, pronto para deixar seu corpo
material porque mesmo enquanto no corpo material se treinou a interagir com objetos
espirituais: os nomes de Deus, as escrituras reveladas, como o Bhagavad-gita e o SrimadBhagavatam, os templos, as almas liberadas, como Prabhupada, e assim por diante.
Aqueles que se tornam bhutas, entretanto, embora estejam sendo punidos na forma de
não ter um corpo grosseiro, ainda estão mentalmente com a impressão passada de que
precisam e querem interagir com os objetos materiais. “Precisam” porque sentem fome
– segundo o Garuda Purana, eles sentem tanta fome que quando os antepassados
oferecem alimento santificado (prasada) para a purificação deles, eles veem muito
rapidamente –, e “querem” porque gostam de bebidas alcoólicas e outras atividades
desconectadas da manutenção do corpo grosseiro.
Prabhupada explica assim o que é fantasma: “O fantasma também é um
indivíduo. Contudo, porque os fantasmas não obtêm este corpo material, eles são
invisíveis. Eles criam perturbações por falta deste corpo. Aqueles que têm experiência
de algum fantasma em alguma casa, o fantasma está lá, ele é uma alma individual,
mas, porque ele não tem esta cobertura material, isso é uma punição. Para a pessoa
mais pecaminosa, essa é a punição, que ele não obtém este corpo, embora ele queira
este corpo, porque, para o desfrute, queremos este corpo. O corpo é a combinação dos
sentidos, o instrumento. Se quero tocar você, preciso da mão, e, através desta mão,
52
- Espiritismo e Consciência de Krishna sentirei o prazer de tocá-lo. Assim, o fantasma quer tocar, mas ele não tem o
instrumento. Isso é fantasma... Enquanto estivermos contaminados materialmente,
precisamos deste corpo material para desfrutarmos dos sentidos. E, no mundo
espiritual, obtemos nosso corpo espiritual”. (12/12/76, Hyderabad, Bhagavad-gita 2.12)
Assim, acho que podemos entender que o fantasma é apegado à sua passada
atividade de interagir com os objetos materiais do planeta grosseiro onde viveu. O
devoto, por outro lado, como coloquei, é apegado ao desfrute de objetos espirituais, e,
quando sua consciência se absorve por inteiro nesses objetos – Deus na forma de Seu
nome, Deus na forma de Sua escritura – ele deixa de bom grado seu passado de ter um
corpo grosseiro para interagir com o gozo material e obtém seu corpo espiritual para
interagir com Deus.
Sobre eles ficarem, como o senhor disse, “vagando e fazendo travessuras pela
Terra”, eles os fazem, como também explicam os espíritas, para poderem interagir com
os objetos materiais através daqueles que têm corpos materiais, o que os espíritas
chamam de obsessão e nós de “graha-grasto” ou “preta-dosa”. Assim, quando vagam
pelos bares, bordéis, churrascarias e cassinos, eles mantêm as pessoas nesses locais e
hábitos para poderem interagir com tais coisas através dessas pessoas que têm corpos
materiais. Prabhupada explica:
Prabhupada: ...Algumas vezes, o fantasma ataca um homem. Porque ele não
tem corpo material, ele quer agir através do corpo de outrem... Devoto: Srila
Prabhupada, a alma, o fantasma, entre no corpo de outra pessoa? A alma está
ocupando um corpo, e o fantasma, como outra alma, entra verdadeiramente
naquele corpo? Há duas almas em um corpo? Prabhupada: Não exatamente
entra, mas ele pega o corpo. Mas porque o fantasma não tem corpo grosseiro –
ele tem seu corpo sutil: mente, inteligência e ego –, você não o pode ver, como
ele atacou aquele corpo. Você não pode ver o corpo da mente, da inteligência.
Você sabe que eu tenho minha mente; eu sei que você tem sua mente. Mas
você não vê a minha mente; eu não vejo sua mente. Assim, o fantasma está
dentro do corpo sutil: mente, inteligência e ego. Então, com esse corpo sutil,
ele ataca o homem, mas você não pode ver. Ele não entra nele. Quem está
dentro é a alma dentro do corpo. (12 de maio de 1975)
Em conclusão, os espíritos que vagueiam fazendo travessuras querem interagir
com os hábitos pecaminosos que tinham no passado, porém, não o podendo fazer por
não terem um corpo grosseiro, fazem suas “travessuras” pela Terra através de pessoas
que estão usando seus corpos nessas mesmas atividades pecaminosas. Esta classe de
53
- Espiritismo e Consciência de Krishna bhutas errantes talvez não esteja apegada à sua família ou casa, mas estão apegados ao
hábito que desenvolveram no passado, enquanto vivos, de gozar da interação com
objetos materiais.
11. Na lógica de não fazer ao outro o que não gostaria que fosse feito a você,
não seria prudente o senhor não sugerir que os espíritas devem buscar outra fonte de
conhecimento senão sua própria revelação? O senhor gostaria caso eles dissessem
para o senhor buscar outro guru em vez de Prabhupada?
A minha sugestão aos espíritas de que estudem outro guru tem valor apenas
caso a pessoa aceite que o guru dela não é o que ele dizia ser, isto é, se um espírita se
convencer de que os espíritos não são organizados pelo Espírito de Verdade, enviado
por Jesus, e os outros atributos discutidos no artigo. Caso se convençam disso, eles
naturalmente quererão buscar outro guru. Eu buscaria outro guru caso fosse
convencido de que Prabhupada não é quem diz ser, isto é, não é um devoto exemplar
de Krishna, não é alguém que não mudou nada dos ensinamentos de Krishna etc.
Coloco-me inteiramente aberto a semelhante discussão da posição de Prabhupada
porque sei que posso fundamentar toda a vida e todos os ensinamentos de Prabhupada
nos ensinamentos de Krishna. Se um espírita, da mesma maneira, consegue colocar
todos os atributos do Consolador bíblico no espiritismo, então ele não precisa se
perturbar com meu artigo. Meu artigo será, neste caso, um fortalecimento da fé dos
espíritas, que, ao defenderem a posição do espiritismo contra os argumentos que
apresentei, terão uma base sólida para sua crença.
12. Gostei do conteúdo de seu artigo, mas não sei se a linguagem foi a mais
adequada. Acho que há um tom depreciativo que poderia ser evitado.
Muito embora eu discorde da possibilidade do Espiritismo ter o caráter de
infalível que se atribuiu ao se colocar como “ensinará tudo” – para o que é necessário
onisciência (Krishna diz no Gita que ensina tudo e, coerentemente, diz-Se onisciente) –
entre outros atributos que reivindica para si, sobretudo em virtude de usar essa
54
- Espiritismo e Consciência de Krishna prerrogativa para fazer análises categóricas de ensinamentos védicos e de outras
tradições, como o catolicismo e o judaísmo, análises estas muito questionáveis, a meu
ver, é muito importante que eu diga algo da importância do Espiritismo também.
Aqueles que se propõem a cantar o santo nome de Krishna deve fazê-lo
evitando dez ofensas, entre as quais figura a ofensa de número quatro, que é srutisastra-ninda. Esta ofensa consiste em ter predileção fanática pelas escrituras smrtis,
como o Srimad-Bhagavatam e o Ramayana, em virtude destes terem um conceito teísta
claro, com claras instruções da vontade e da personalidade de Deus, bem como por
colocarem a supremacia do serviço devocional sobre o processo de atividades fruitivas
com vista à ascensão a planetas superiores (karma) e sobre o processo de especulação
filosófica (jnana), entre outros. É sabido que nas escrituras srutis, como os Vedas e
Upanisads, o aspecto pessoal de Deus é pouco discutido e se prima karma e jnana.
Apesar de haver a predileção pelos smrtis nos ensinamentos do vaisnavismo gaudiya
(dentro do que está o Movimento Hare Krishna) – Caitanya e Seus discípulos primam o
Srimad-Bhagavatam acima de qualquer sruti – é uma ofensa, também segundo os
ensinamentos deles, não reconhecer o valor das outras revelações, o que é uma ofensa
porque, segundo Visvanatha Cakravarti, essas obras que “propõem o processo do
conhecimento empírico e da ação fruitiva [...] muito misericordiosamente ajudam as
pessoas mais desqualificadas, que não estão seguindo nenhuma regra ou regulação
védica e que estão cegas pelos desejos materiais, a se elevarem ao caminho do serviço
devocional seguindo suas leis divinas”. (Madhurya Kadambini, capítulo 3)
Assim, embora eu entenda o espiritismo como uma religião que adicionou à
bhakti, ou devoção, de Jesus o conhecimento empírico, isto é, submetem a revelação à
mental análise científica, e promovam a ação fruitiva, isto é, a caridade com vista à
ascensão pessoal, tenho de reconhecer aqui que ajudam pessoas que as escrituras
védicas entendem como desqualificadas – a saber, pessoas com fé na ciência humana e
na faculdade especulativa da mente, e pessoas com o desejo de terem nascimentos mais
confortáveis em moradas mais confortáveis – a seguirem normas de conduta próprias
de santos, como a propensão a perdoar, o autocontrole sexual, a abstinência de drogas
e outras, e mesmo a adorarem a Deus, embora, no meu entender, sem um
entendimento claro do que é bhakti pura, a saber, bhakti livre de karma e jnana.
55
- Espiritismo e Consciência de Krishna Enfim, aproveito esta oportunidade para reconhecer que os espíritas são
pessoas compassivas e interessadas no bem-estar daqueles que estão confusos por
estarem no estado de possuírem apenas o corpo sutil, e são pessoas que, tanto quanto
entendem, promovem a bondade entre as criaturas e projetos sociais de beleza ímpar.
Peço desculpas a todos a quem levei mal-estar com a linguagem do meu texto e
peço que saibam que isso é uma deficiência minha em obedecer às ordens de Krishna, e
não algo que Krishna promova, pois Krishna ensina que as falas de Seus servos devem
ter os seguintes atributos: “A austeridade da fala consiste em proferir palavras verazes,
agradáveis, benéficas e que não perturbam os outros”. (Bhagavad-gita 17.15) Tanto
quanto possível, tentarei reescrever o presente artigo em uma segunda edição de forma
a me conformar às diretrizes cobradas por Krishna e por alguns leitores do meu artigo.
Conto com as bênçãos de todos.
PERGUNTAS DE ADEPTOS DO MOVIMENTO HARE KRISHNA
13. Conheço um devoto Hare Krishna que se descobriu médium vidente e
auditivo. O que ele deve fazer?
A principal característica do devoto Hare Krishna é que ele tem o SrimadBhagavatam como a autoridade suprema, autoridade esta apontada cientificamente pela
primeira vez por Jiva Gosvami em seu Tattva-sandarbha e aceita, desde então, por todo
devoto Hare Krishna. Assim, o devoto Hare Krishna tem como autoridade unicamente
aquela pessoa que ensina o que o Srimad-Bhagavatam ensina, logo um devoto médium
jamais se submeterá a indivíduos desencarnados que queiram ensinar algo a mais do
que o Srimad-Bhagavatam ou esclarecê-lo melhor do que o próprio avatara de Krishna na
atualidade, Sri Caitanya, e seus discípulos diretos, os Seis Gosvamis, esclareceram. Se o
indivíduo desencarnado fizer o papel de guru autêntico de dizer que o SrimadBhagavatam é perfeito e nada nele precisa ser revisto, basta ao devoto continuar
estudando o Bhagavatam como o Bhagavatam ensina, isto é, através da sucessão
discipular que começa com o próprio Krishna e atualmente termina, entre outras
bifurcações, em Prabhupada e em seu Movimento Hare Krishna.
56
- Espiritismo e Consciência de Krishna Deste modo, parece-me inimaginável que um devoto utilize sua mediunidade
para ser esclarecido por espíritos. Por outro lado, a mediunidade de um devoto pode
ser utilizada para esclarecer os espíritos que querem conhecer a consciência de Krishna
ou ocupar em serviço devocional aqueles que já a conhecem e a aceitam. No Padma
Purana, por exemplo, na seção das glórias do Srimad-Bhagavatam, encontramos um
devoto médium vidente e auditivo, Gokarna, que utilizou essas faculdades mediúnicas
para purificar seu irmão, Dhundhukari, perdido em um corpo de fantasma, através da
audição do Srimad-Bhagavatam. Encontramos no Padma Purana que eles conversaram:
O fantasma Dhundhukari observou Gokarna retornar [para casa], em razão
do que assumiu formas muito violentas e apareceu perante ele... Com
coragem e paciência, ele falou: “Quem é você? Por que você está exibindo
todas essas formas assustadoras? Como você caiu nessa condição?”... Quando
Gokarna o questionou, o fantasma chorou sonoramente. Ele não conseguia
falar [havia sido morto sendo incendiado a partir da boca], em virtude do que
gesticulava com suas mãos. Gokarna chuviscou um pouco de água sagrada no
fantasma. Isto o aliviou de reações pecaminosas o suficiente para ser capaz de
falar. “Sou seu irmão, Dhundhukari”, disse o fantasma. “Por causa de meus
erros, caí de meu nascimento respeitável como um brahmana. Em decorrência
de completa ignorância, matei muitas pessoas. Não é possível contar meus
pecados. Eu era viciado ao convívio com cinco prostitutas, as quais, por fim,
mataram-me, e, como resultado, estou sofrendo as reações de minhas
atividades perversas e assim obtive esta forma de fantasma... Meu querido
irmão, você é um oceano de misericórdia. Por favor, de uma maneira ou
outra, livre-me desta forma fantasmagórica”.
Esse devoto médium vidente e auditivo salvou seu irmão da condição em que
estava recitando para ele, por sete dias, o Srimad-Bhagavatam. Ao término da leitura,
descreve-se que “o céu ficou refulgente, e um aeroplano de Vaikuntha apareceu
transportando associados do Senhor. Diante de toda a assembleia, Dhundhukari
embarcou no aeroplano”.
Assim, as escrituras védicas não deixam os devotos médiuns desamparados,
senão que têm, entre outros, este Gokarna como exemplo. O exemplo de Gokarna nos
ensina que um devoto que tem contato com desencarnados deve organizar recitações
do Srimad-Bhagavatam em locais sagrados e com devotos puros e convidar aqueles que
têm interesse em serem ajudados pela consciência de Krishna a ouvirem o SrimadBhagavatam e seguir as práticas gerais da consciência de Krishna, como ouvir os santos
nomes, reverenciar os templos de Krishna, oferecer orações a Krishna sentindo-se caído
etc.
57
- Espiritismo e Consciência de Krishna Quanto aos espíritos que não têm interesse na consciência de Krishna, há
práticas para os evitarmos, assim como evitamos os encarnados que não têm fé, a
condição preliminar para aproximação da consciência de Krishna. A prática mais
fundamental que Prabhupada ensinou para evitar tais desencarnados impiedosos é
cantar puramente os santos nomes:
Se você vai a uma casa mal-assombrada, se você canta o mantra Hare Krishna,
eles vão embora... Na minha vida, houve vários casos assim. Na minha vida
como chefe de família, eu estava fazendo negócios em Lucknow. Assim, havia
uma casa, uma casa muito grande, cujo aluguel custaria milhares de rúpias,
mas era mal-assombrada. Então, ninguém morava naquela casa. Eu passei a
morar nela pagando duzentas rúpias (risos), e era uma casa muito grande...
Todos os criados se queixavam: “Senhor, há um fantasma”. Então, eu estava
cantando. Ele estava vivendo em vários locais, especialmente perto do portão.
Então, eu pude entender que ele estava ali, mas eu cantava Hare Krishna, e fui
salvo. Todos foram salvos. (Havaí, 03/02/75, aula do Bhagavad-gita 16.7)
Estas são instruções que apuro das escrituras, mas, obviamente, um devoto que
se descubra médium deve, antes de qualquer coisa, consultar seu mestre espiritual
iniciador ou um mestre espiritual instrutor que ele entenda ser um mestre fidedigno e
esclarecido.
14. Prabhupada tem uma postura bem mais cortês com as outras religiões do
que o seu texto. Não lhe seria apropriado, como seguidor de Prabhupada, apontar as
qualidades do espiritismo?
Certamente algo que aprendi com as repostas que recebi a este artigo é que,
infelizmente, não tenho essa virtude de Prabhupada de buscar pelas qualidades.
Tentarei, na medida do possível, reescrever o artigo de forma a não ser ofensivo. Os
espíritas que entraram em contato comigo, apesar de questionados em sua doutrina,
mostraram-se pessoas educadíssimas e estudiosas de sua própria tradição religiosa,
duas qualidades dos espíritas que posso começar por apontar. Independente de o
espiritismo ser ou não coordenado pelo Espírito de Verdade, é notável que seus
adeptos têm um amor muito grande por Jesus, que Prabhupada disse ser um devoto
completamente puro, logo é inaceitável que algum seguidor de Prabhupada diga que
os espíritas não têm, ao menos da parte de que aceitam Jesus, um princípio de
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- Espiritismo e Consciência de Krishna norteamento infalível. Também são dignos de menção os projetos sociais dos espíritas,
desde atendimento a famílias carentes, auxílio a deficientes, pessoas com depressão e
toda sorte de indivíduos, encarnados ou não, que buscam por ajuda. Peço desculpas
pelo meu texto não ter enfatizado estas qualidades, mas faço-o agora oportunamente e
peço em troca as bênçãos de todos os meus leitores para que eu desenvolva a visão
apropriada, com as bênçãos de Krishna, de Seus planos, muitas vezes insondáveis, na
pluralidade religiosa. Hare Krishna!
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