PROCEDIMENTOS DE MANIFESTAÇÃO DO SUJEITO1 Marcos Antonio Costa (UFRN) INTRODUÇÃO Afirmar que nossas gramáticas tradicionais apresentam graves incoerências na apresentação de muitos de seus conceitos não constitui qualquer novidade.2 O ensino de língua portuguesa, orientado por essas gramáticas - de caráter predominantemente normativo -, torna-se, freqüentemente, uma árdua tarefa tanto para o professor como para o aluno. Acompanhando a orientação da Nomenclatura Gramatical Brasileira (1959), tais gramáticas resumem o estudo da língua a três níveis de análise: o fonético, o morfológico e o sintático.3 Ou seja, apenas os aspectos estruturais são levados em consideração, ignorando-se por completo uma perspectiva pragmática que venha a possibilitar uma análise da língua além de seus limites formais. Conseqüentemente, o que se observa é uma evidente inconsistência teórica no trato de variadas questões. Esse quadro, certamente, inviabiliza uma prática de ensino prazerosa, com segurança e sem opressão “no mais íntimo terreno da vida humana, que é o da linguagem, onde estruturamos o mundo em nosso interior e nos ligamos a ele...”, como bem observa Luft (1993:12). Ao se referirem ao sujeito de uma oração, por exemplo, as gramáticas tradicionais suscitam as mais diversas críticas: O sujeito e o predicado são apontados como termos essenciais da oração. No entanto, é na própria NGB e nas gramáticas que a seguem que iremos encontrar a chamada “oração sem sujeito”. Esse fato leva Carone (1988:73) a concluir, de maneira irônica e inteligente, que a referida “espécie” só pode ser tomada como uma “oração não-oração”, já que “a construção foi mutilada na sua essência”.. 1 Este trabalho é um resumo de minha dissertação de mestrado, de mesmo título, defendida no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da UFRN, em 1995. 2 Sobre o assunto ver, entre outros, Hauy (1983), Luft (1993), Macambira (1990), Perini (1985, 1989 e 1995) e Pontes (1986). 3 Em alguns casos, encontramos, ainda, noções elementares de semântica (p.ex. antonímia, sinonímia, homonímia) apresentadas nos apêndices ou suplementos das gramáticas. 2 André (1978:245), entre outros, afirma que o sujeito é “o ser (de quem ou de que se diz algo)”. Tal definição reflete uma confusão entre entidade do mundo real e entidade do mundo lingüístico. Afirmando que o sujeito “é o ser”, ela transporta o objeto físico/concreto (o referente, entidade do mundo real) para o plano das definições. Dessa forma, são as pessoas e as coisas que desempenham a função de sujeito e não as palavras (entidades do mundo lingüístico). Kury (1990:21), como muitos, assegura que o “sujeito é o termo que exprime o ser de quem se diz alguma coisa.” Surge, então, outra dúvida: o que significa “termo”? Em “Convém que tenhamos cautela com as definições de sujeito encontradas em nossas gramáticas”, o sujeito é constituído por uma oração inteira (“que tenhamos cautela com as definições de sujeito encontradas em nossas gramáticas”). Já que a definição de termo não é dada, ficamos sem saber se podemos considerar uma oração como um “termo”. A tradição gramatical considera o SN que ocorre depois de haver (=existir) como objeto. No entanto, o SN que ocorre depois de existir é considerado sujeito. Pinto (1981) estranha, com muita razão, que em “É uma hora da tarde” o SN seja considerado predicativo, já que predicativo é definido nas gramáticas em relação a um sujeito (predicativo do sujeito) e essa construção é apontada como não tendo sujeito. As gramáticas consideram passiva a construção em que a partícula se acompanha verbo transitivo direto. Assim, em “Discutiram-se os projetos”, o se é uma partícula apassivadora e o verbo está na voz passiva sintética, concordando com o sujeito (“os projetos”). Diferentemente, com verbo intransitivo, transitivo indireto ou de ligação, o se é analisado como índice de indeterminação do sujeito, como em “Precisa-se de secretárias”, em que o sujeito é tomado como indeterminado, ficando o verbo sempre na 3a. pessoa do singular. Contudo, Barros (1985:256) lembra que no que tange ao pronome se, tido como partícula apassivante por muitos gramáticos, Said Ali consagra ao assunto um capítulo inteiro de Dificuldades da língua portuguesa, para sustentar ardorosamente que as orações em apreço são de valor ativo e o se substitui o sujeito para indicar-lhe a indeterminação. Os lingüistas modernos são mais explícitos: Procedem assim: vendem-se casas (ou vende-se casas). Em ambas, casas é objeto direto; 3 o se, mera partícula indicativa da indeterminação do agente. A concordância no singular é regular. No plural, decorre da atração do plural do objeto. O que não é mais aceitável é a espúria partícula apassivadora. A noção de sujeito indeterminado é de base semântica. No entanto, para identificá-lo, as gramáticas recomendam a observação de aspectos formais. Assim, são considerados indeterminados os sujeitos de verbos que: a) sendo intransitivos ou transitivos indiretos, apresentam-se na terceira pessoa do singular, acompanhados do pronome se e sem sujeito expresso; b) estão flexionados em terceira pessoa do plural, sem sujeito expresso. As orações “Derrubaram a árvore” e “Alguém derrubou a árvore” - semanticamente iguais não são ambas consideradas como tendo sujeito indeterminado, pois só a primeira se enquadra na definição formal apontada pelos gramáticos. Concluímos, pelo exposto acima, que questões como essas já representam um significativo grau de dificuldade no ensino/aprendizagem da noção de sujeito. Contudo, os problemas continuam. As definições de sujeito encontradas nas gramáticas são formuladas levando-se em consideração apenas um ou outro traço caracterizador dessa categoria gramatical (conforme anexo I), o que contribui, sobremaneira, para uma série de dificuldades quando precisamos identificar determinados sujeitos (não-prototípicos) de algumas orações. Alguns autores, orientados por uma análise de nível morfossintático, conceituam o sujeito como o termo que promove a concordância com o verbo. Nicola e Infante (1991:246), entre outros, asseguram que "nas orações em que está presente, o sujeito é o termo que concorda com o verbo." Acompanhando tal entendimento, Perini (1989:73-74) argumenta que a definição de sujeito "inclui como um critério crucial a concordância verbal", acrescentando que existe no máximo um constituinte da oração que está em relação de concordância com o NdP (núcleo do predicado); a esse constituinte daremos um rótulo particular, o de 'sujeito'. 4 Entretanto, a própria orientação gramatical impossibilita o reconhecimento da concordância verbal como traço exclusivo na caracterização do sujeito ao admitir um significativo número de casos em que, “por motivos estilísticos”, o verbo deixa de concordar com o sujeito. A definição de sujeito como sendo aquele que pratica a ação expressa pelo verbo, que toma por base o traço agente, de nível semântico, é encontrada em nossas gramáticas quando seus autores estabelecem a relação sujeito-verbo de ação. Almeida (1983:165), por exemplo, assegura: Ora, sabemos que não existe ação sem causa; se um pires, por exemplo, aparece quebrado, alguém deverá ter praticado a ação de quebrar. Ou uma pessoa, ou um animal, ou uma coisa qualquer, como o vento, quebrou o pires. Pois bem, essa pessoa ou coisa que praticou a ação de quebrar é em gramática chamada de sujeito ou agente da ação verbal. Said Ali (1971:268) já havia afirmado que os fatos que chegam à nossa percepção representam-se-nos ou como fatos propriamente ditos sem referências a quaisquer seres, ou como ações que se passam com alguém ou alguma coisa. Estão no primeiro caso os fenômenos da natureza que se traduzem pelas expressões verbais chove, troveja, etc. Formam estes verbos sentido perfeito e constituem orações de um só termo, também chamadas orações sem sujeito. E acrescenta o autor: O caso mais freqüente é todavia aquele em que em nosso cérebro existem dous conceitos, o de um ser e o da ação que com ele se passa, como nestes pensamentos: 'A terra movese'; 'O menino aprende'. Expressos estes pensamentos em linguagem adequada, temos as proposições de outros termos, os quais se chamam sujeito e predicado. Sabemos, contudo, que nem sempre o sujeito expressa o agente. Na oração “A criança quebrou a perna”, por exemplo, está evidente que o sujeito “a criança” não praticou 5 a ação expressa pelo verbo; ao contrário, foi afetado por essa ação. Tomando-se, por outro lado, as construções passivas, verifica-se que, nessas estruturas, agente e sujeito ocupam posições distintas. Em "Os textos foram escritos pelas crianças", por exemplo, o sujeito da oração ("os textos") não coincide com o agente da ação verbal ("as crianças"). Muito freqüente em nossas gramáticas é a afirmação de que o sujeito é o termo sobre o qual se declara alguma coisa.4 Há, aí, uma evidente sobreposição de categorias pertencentes a diferentes níveis de análise: os autores confundem os conceitos de tópico (também denominado sujeito psicológico) e sujeito gramatical. Embora, na grande maioria dos casos, o elemento que desempenha a função sintática de sujeito exerça, também, o papel pragmático de tópico oracional, o tópico de uma oração não coincide, necessariamente, com o sujeito dessa mesma oração. Na construção "Lingüística, eu gosto de estudar", o tópico é representado por "Lingüística", enquanto o sujeito é representado pelo pronome "eu". Lembro, ainda, que identificar o sujeito como sendo o referente que o falante seleciona como ponto de partida da declaração que vai fazer nos remete, primeiramente, às raízes filosóficas de nossa gramática, mais precisamente à filosofia aristotélica. A compreensão de que a estrutura do juízo se dá pela associação predicativa de dois conceitos (que constituem uma proposição) vai servir de base à origem dos estudos gramaticais no Ocidente, particularmente à delimitação do objeto de estudo da sintaxe. A proposição é tomada como sendo o resultado da articulação de dois termos: o sujeito, sobre o qual se declara algo, e atributo, a própria declaração. Ocorre que as proposições, na análise lógica, são sempre enunciados declarativos. Ou seja, a associação de dois conceitos só constitui uma proposição quando entre eles se estabelece uma relação, de tal modo que um venha a afirmar ou negar algo a respeito do outro. Assim, qualquer estrutura nãodeclarativa (orações interrogativas e imperativas) estaria fora do âmbito das proposições, o que impossibilitaria a sua análise em sujeito e predicado. Entretanto, como observa Azeredo (1990:16-17), 4 Ver, por exemplo, André (1978), Bechara (1985), Cegalla (1990), Cunha (1970), Faraco & Moura (1990), Lima (1972), Kury (1990) e Luft (1967). 6 Derivada que foi, porém, da análise lógica, a análise gramatical passou a chamar sujeito e predicado às partes fundamentais de qualquer construção centrada no verbo, fosse ou não proposição, e a dar-lhes as mesmas definições dos lógicos: sujeito - ser sobre o qual se faz uma declaração; predicado - tudo aquilo que se declara do sujeito. Ao que parece, faz-se necessária a articulação entre os diversos níveis de análise no exercício de se compreender, de fato, o que é o sujeito. Quando o ensino dessa categoria gramatical se enclausura sob a orientação de um único aspecto lingüístico, é tirada do aluno a possibilidade do uso de mais de um critério e de mais de um nível de análise na identificação do sujeito. Assim, limita-se a possibilidade de realização diversificada da língua e, conseqüentemente, dificulta-se a tarefa daqueles que a estudam. O que se busca não é mais um rótulo, a ser repetido longa e enfadonhamente. Retomando considerações antigas e inserido na perspectiva da Lingüística Aplicada, pretendo, neste trabalho, insistir na necessidade de um redirecionamento no ensino de língua materna, particularmente no que diz respeito à noção da categoria gramatical sujeito. Embora restrita a essa categoria, a análise que realizo levanta questões que podem ser facilmente identificadas em qualquer outro ponto da gramática, ou mesmo no trato que, em geral, os professores de Português dão a esses pontos. Orientado pelos pressupostos do Funcionalismo Contemporâneo, meu objetivo é descrever e explicar os procedimentos de manifestação da categoria sujeito, examinando as condições comunicativas que explicam sua codificação. Assim, a sintaxe será investigada em termos da semântica e da pragmática, cujos domínios funcionais são relacionados e interdependentes. Afastando-me da metodologia tradicional, que consiste na análise do significado e da estrutura de orações isoladas, minhas observações são baseadas em textos reais produzidos em situação específica de coleta de dados por 12 informantes natalenses, estudantes de escolas públicas e privadas, distribuídos de acordo com as variáveis sociais nível de escolaridade e sexo. São, no total, 80 textos (40 orais e 40 escritos), uma vez que cada informante produziu cinco textos orais e cinco textos escritos, conforme especificação que segue: (1) narrativas de experiência pessoal (2) narrativas recontadas 7 (3) textos descritivos (4) relatos de procedimento (5) relatos de opinião Os estudantes se distribuem da seguinte maneira: tanto nas escolas públicas como nas escolas privadas, foram selecionados um falante de sexo masculino e um de sexo feminino nas séries de 8a. do 1o. grau e 3a. do 2o. grau. Esse material é proveniente do Corpus Discurso & Gramática – a língua falada e escrita na cidade do Natal. As hipóteses com as quais trabalho são testadas em termos de tendências, que podem ser quantitativamente validadas. Assim, a análise realizada é essencialmente qualitativa, com suporte quantitativo, evidenciador de tendências. A TEORIA FUNCIONALISTA Este trabalho se insere no quadro da Lingüística Funcional. A abordagem funcionalista é definida como sendo a corrente de estudo do uso interativo da língua, que busca explicar as regularidades observadas nesse uso a partir da análise das condições discursivas em que o mesmo se verifica, conforme Votre (1991:39). Sob o enfoque dessa abordagem, a análise de uma dada estrutura gramatical da língua é concomitante ao estudo da situação comunicativa. Para o funcionalismo, todas as orações de um texto têm uma dupla função: semântica e pragmática. O que se comunica em cada porção não é só o conteúdo semântico da língua, mas também “a natureza e o propósito do ato de fala visto como um fenômeno cultural e cognitivo”, conforme Nichols (1984:102). O conteúdo proposicional-semântico de uma oração pode permanecer estável, ao passo que sua função discursivo-pragmática pode sofrer modificações. A mudança na função discursivo-pragmática de uma oração está relacionada a mudanças radicais na sua estrutura sintática, em termos de ordenação das palavras, principalmente. Dessa forma, os domínios da sintaxe, semântica e pragmática são 8 relacionados e interdependentes. A necessidade de investigar a sintaxe em termos da semântica e da pragmática é comum a todas as abordagens funcionalistas atuais. O funcionalismo representa uma tentativa de explicar a forma da língua através do uso que se faz dela. A idéia central é que a língua é usada, como o é, para satisfazer necessidades comunicativas. Assim, ao lado da descrição sintática, cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as estruturas lingüísticas, seus contextos específicos de uso. Segundo a hipótese funcionalista, a estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua, ou seja, a estrutura é motivada, explicada, determinada pela situação comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variável dependente, pois os usos da língua, ao longo dos tempos, é que dão forma ao sistema. Cada elemento da língua é explicado por referência a sua função no sistema lingüístico global. Numa gramática funcionalista, portanto, a língua é interpretada como um sistema de significados, acompanhado de formas através das quais se expressam os significados. Os lingüistas da corrente funcionalista questionam a validade da análise que, acompanhando a metodologia tradicional, investiga a sintaxe a partir da estrutura e do significado de orações isoladas, excluindo falante, ouvinte e contexto discursivo das orações. Como observam Cunha e Oliveira (1994: 47-48), Numa primeira etapa do estudo da sintaxe de uma língua particular, a descrição a nível da oração é necessária para que se identifiquem as estruturas gramaticais dessa língua. O objetivo da investigação, contudo, deve ser o de explicar como o falante usa essas estruturas para codificar e comunicar conhecimento. Para atingir esse objetivo, os funcionalistas se dedicam ao estudo das estruturas sintáticas que ocorrem em textos reais, observando seu encadeamento na organização do discurso. O estudo das estruturas sintáticas e sua distribuição em textos reais é crucial na descoberta das condições comunicativas que motivam a ocorrência dessas estruturas. Um perfil histórico-metodológico Constituindo-se, na lingüística, num paradigma que vem sendo constantemente reformulado e aprofundado, o funcionalismo contemporâneo incorpora alguns avanços da 9 gramática formal e avanços teóricos e interesses da sociolingüística e da etnografia da comunicação. Sob o enfoque dessa abordagem, procura-se explicar a forma da língua através do uso que se faz dela. Assim, a explicação das estruturas lingüísticas é procurada, mais especificamente, no papel comunicativo a que essas estruturas servem. A Escola de Praga é apontada como um dos precursores da teoria funcionalista na lingüística. Sua contribuição pode ser sintetizada no emprego dos termos função/funcional, no estabelecimento dos fundamentos teóricos básicos do funcionalismo, nas análises dos parâmetros pragmáticos/discursivos, na delimitação da metateoria básica e no reconhecimento da interdependência entre os elementos no sistema. Saussure já declarava essencial à língua o seu papel de instrumento de comunicação, papel que os comparativistas do século XIX consideravam, pelo contrário, uma causa de degenerescência. Os sucessores da lingüística saussureana, particularmente aqueles ligados à Escola de Praga, consideram o estudo duma língua como a investigação das funções desempenhadas pelos elementos, das classes e dos mecanismos que nela intervêm. Analisando as realizações do Círculo de Praga, podemos destacar os seguintes pontos: a justificação da abordagem sincrônica dos fatos da língua, assim como de seu caráter sistemático, e a insistência sobre a função desempenhada pela língua numa dada comunidade lingüística. A abordagem funcional adotada pelo Círculo de Praga, embora não considerando estritamente a questão do uso, já reconhece a língua como um instrumento que desempenha um certo número de funções ou tarefas essenciais na comunidade que a utiliza. Ilari (1992:11), contudo, lembra-nos que, embora as várias escolas de ascendência saussureana tenham desenvolvido suas contribuições a partir do postulado de que a linguagem é basicamente um instrumento de comunicação, convém não se ter ilusões quanto ao sentido que tal palavra assume no contexto das teorias estruturalistas. Afirma o autor: para nós, hoje, comunicação designa um processo que, além da transmissão física de sinais, e de sua descodificação com base num código conhecido por ambos os participantes do ato de fala, tem como um momento fundamental a modificação dos conhecimentos e da conduta do receptor. Nas escolas de ascendência saussuriana, a palavra comunicação assume um caráter muito mais técnico e específico, designando apenas o processo que poderíamos chamar de ‘discriminação’, que consiste em 10 reconhecer os elementos e expressões utilizados na fala como unidades particulares da língua. No quadro da lingüística fuincional, o trabalho de Dwight Bolinger é outro marco pioneiro. Durante a década de 70, quando as teorias estruturalistas ainda predominavam, Bolinger já chamava a atenção para o fato de que fatores pragmáticos operavam em determinados fenômenos lingüísticos estudados pelos estruturalistas e gerativistas. Embora não tenha produzido uma versão completa de gramática funcionalista, Bolinger influenciou uma geração de funcionalistas que se destacaram no panorama da lingüística contemporânea. Quanto à metodologia, Gillian Sankoff é apontada como a precursora da aplicação dos métodos variacionistas, de inspiração laboviana, à análise funcionalista. Em 1976 - no contexto da própria sociolingüística - , Gillian Sankoff e Penelope Brown escrevem um texto, hoje um clássico do funcionalismo lingüístico: “The origins of syntax in discourse: a case study of Tok Pisin relatives”. Nesse trabalho, é formulada a primeira hipótese forte da nova tendência analítica, quando afirmam que a sintaxe provém do discurso. Da sociolingüística laboviana o funcionalismo lingüístico herda os métodos de coleta, transcrição e organização dos dados, a preocupação em estudar a língua em situação real de comunicação e de concebê-la em função de fatores sociais (sexo, idade, escolaridade, nível sócio-econômico, procedência geográfica, etc) como possíveis influenciadores do modo de codificação lingüística. Também é herdada a tradição quantitativa: uma vez estabelecidas as hipóteses sobre o efeito de determinados fatores na manifestação de um fenômeno, essas hipóteses são testadas em termos de tendências, que podem ser quantitativamente validadas, através de dados em número suficiente, de um número razoável de informantes. Podemos afirmar que a abordagem da língua adotada pelo funcionalismo é de cunho transdisciplinar, uma vez que, ao lado das variáveis da sociolingüística laboviana, são incorporadas outras da psicologia cognitiva, da psicolingüística, da semântica clássica e da sintaxe tradicional. Embora as hipóteses sejam continuamente testadas com dados de textos reais, produzidos em situação específica de coleta, num contexto típico da sociolingüística de orientação quantitativista correlacional, 11 ao contrário da metodologia laboviana, que prevê correlações entre uma variável dependente e uma série de variáveis independentes, nós trabalhamos basicamente com correlações entre variáveis postuladas do contexto modular em que enquadramos o discurso, esclarece Votre (1994:7). Esse procedimento assegura uma análise qualitativa com suporte quantitativo, evidenciador de tendências. No fim dos anos 70, tendo como expoentes os lingüistas americanos Talmy Givón, Sandra Thompson e Paul Hopper e o inglês M. A. K. Halliday, as análises lingüísticas explicitamente classificadas como funcionalistas começam a proliferar na literatura de língua inglesa . Surgem como reação às impropriedades constatadas nos estudos de cunho estritamente formal, e partem do princípio de que uma dada estrutura da língua não pode ser proveitosamente estudada, descrita ou explicada sem referência à sua função comunicativa. Assim, a gramática funcional difere das gramáticas estrutural e formal pois não pretende modelar a língua, mas explicá-la com base na situação comunicativa. No que se refere à produção científica desenvolvida no Brasil, os estudos de cunho funcionalista ganham impulso a partir da década de 80, com a constituição de grupos de pesquisadores que propõem fatores de natureza comunicativa para interpretar o funcionamento de tópicos sintáticos em diferentes tipos de texto, tanto na modalidade falada quanto na escrita. Destacam-se, nesse panorama, os pesquisadores do Projeto de Estudo do Uso da Língua (UFRJ), do Projeto Discurso & Gramática (UFRJ) e do Projeto Norma Urbana Culta, que abrange várias capitais do país. Categorias Analíticas Ao compreender a língua como instrumento de comunicação - e, assim sendo, como uma estrutura derivada dos papéis que desempenha na intercomunicação humana - a teoria funcionalista prioriza as funções no estudo da codificação lingüística, sem, entretanto, negar a existência de correlações ou mesmo de pressões estruturais. O termo “função”, aqui, corresponde às tarefas que a estrutura da língua desempenha na 12 comunicação humana, enquanto “estrutura” corresponde aos mecanismos da codificação morfossintática propriamente dita. As principais funções, tomadas como categorias analíticas do funcionalismo lingüístico, podem ser classificadas ou como tipicamente discursivas ou como “híbridas”, as que se encontram numa posição intermediária entre as categorias discursivas e as manifestações morfossintáticas dessas categorias. Dentre as categorias discursivas mais produtivas, utilizarei as seguintes na análise dos procedimentos de manifestação do sujeito: I) Informatividade: manifesta-se em todos os níveis de codificação lingüística, e diz respeito, sempre, ao que os interlocutores compartilham ou supõem que compartilham, e ao que é criado e recriado via interação. Neste trabalho, recorro à seguinte taxonomia da informação5 : a) Dado: referente já mencionado no discurso precedente, com a mesma lexicalização ou não. (01) Eu assisti um filme que o seu título era uma linda mulher. Este filme falava de uma prostituta que morava num lugar não muito confortável e em seu destino encontrou-se com um rapaz com o meio de vida completamente diferente do dela. Ele se encontrou com ela na Rua rodando bolsinha, seu carro parou e ela se ofereceu para passar a noite com ele. Ele pediu que ela entrasse no carro e foram para o hotel. O interessante é que ele não sabia dirigir direito, porque estava sempre acompanhado de um motorista.(Língua escrita, 3ª série, p. 266). Nesse exemplo, o referente um rapaz é introduzido no texto como um sintagma nominal indefinido. Em seguida, é mencionado por quatro vezes através do pronome pessoal ele e, na última oração da cadeia referencial, é manifestado por anáfora zero. 5 Essa taxonomia se refere à codificação da informação nos referentes nominais, cujo domínio tem registrado maior avanço. Contudo, mesmo aqui, as tipologias são ainda muito incompletas, e as escalas propostas como refinamento da dicotomia clássica entre informação dada e informação nova não cobrem todos os casos (cf. Naro & Votre (1987)). 13 b) Disponível: referente não mencionado no discurso precedente, mas acessível ao ouvinte. O referente torna-se acessível ou por estar sempre “à mão” nos arquivos mentais do ouvinte, ou, ainda, pela sua ocorrência em contextos que o implicam. (02) A melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida foi ter me mudado do Alecrim para Candelária.(Língua escrita, 8{ série, p.383). Alecrim e Candelária são dois bairros bastante conhecidos de Natal. Assim, para os habitantes da cidade, sempre serão disponíveis. (03) Um dos temas que considero mais polêmicos e que sempre terá vertentes que defenderão seus pontos de vista é a pena de morte. (...) Devemos levar em conta que a justiça não é perfeita, e muito menos os presídios, nos quais os presos que entram só pioram, as vezes aprendem a matar lá dentro, além de não produzirem absolutamente nada, esses presídios deviam ser agrícolas ou industriais, para que estes presos produzissem para compensar os crimes bárbaros que foram cometidos. (Língua escrita, 3ª série, p. 219-220). Nesse fragmento, o informante se propõe a falar sobre a pena de morte. Conseqüentemente, os referentes a justiça, os presídios, os presos e os crimes bárbaros são prontamente acessados como possíveis, implicados, dedutíveis, inferíveis desse contexto. Vale observar que o uso do artigo definido, acompanhando esses substantivos, reforça o caráter de acessibilidade desses referentes. c) Parcialmente novo: referente não mencionado, nem disponível no contexto discursivo, mas nele introduzido através de uma conexão explícita com um referente dado ou disponível. 14 (04) Em seguida eu contei outro filme que eu gostei muito e que na primeira vez que eu assisti no cinema fiquei lá atrás, e estava sem os óculos, mas não queria admitir que não enxergava bem, e não entendi nada do filme. Então pedi que meu noivo alugasse esse filme que se chama ghost, e então eu entendi muito bem. (Língua escrita, 3[ série, p. 267). Aqui, noivo aparece ancorado no pronome meu, que se refere à informante, sob cujo ponto de vista o texto está organizado. d) Completamente novo: referente que aparece pela primeira vez, sem estar implicado no contexto discursivo.6 (05) Ai minha amiga falou que ele ficou morando com a enfermeira, no outro dia ela foi trabalhar deixou ele sozinho ele não conseguiu comer de noite ele se transformou em um lobo e começou a matar as pessoas. No outro dia ele estava no zoológico nú e depois ele viu o menino e pediu as bolas e saiu correndo pegou um casaco e quando chegou na fila do ônibus todo mundo que estava na fila olhando ai ele disse que era a moda. (Língua escrita, 8ª série, p.361). No fragmento apresentado acima, menino e bolas são referentes que ainda não haviam sido mencionados anteriormente no discurso da informante e também não estão implicados na situação dada. Tais referentes, determinados por artigo definido, soam estranhos dado que o seu status informacional é completamente novo. O fundamento cognitivo da categoria informatividade parece-nos transparente, uma vez que nos comunicamos, entre outros motivos, para informar nosso interlocutor sobre alguma coisa, que pode ser algo do mundo externo ou do nosso próprio mundo interior. 6 Naro & Votre (1991:36) admitem que a introdução de referentes que não têm nenhuma conexão pragmática ou discursiva com o contexto geral raramente é tolerada no discurso natural.... Tal fato é explicado pela característica concatenada do discurso humano. 15 II) Contrastividade: representa uma quebra de expectativa, ou pelo menos uma opção explícita por um determinado elemento de um conjunto. (06) Não... nunca entrei lá no centro cirúrgico... porque eu não poderia... num tinha condições... porque... quando o doutor Asclepíades tá fazendo uma cirurgia eu tenho que tá lá na recepção... porque tá chegando gente toda hora... tem dias que che/ tem dez... onze pacientes... pronto... ele tava fazendo uma cirurgia... toca telefone... eu tenho que atender... chega paciente eu tenho que atender... fazer ficha... aquelas coisas...né?e tá ali... pro que der e vier... quero água... onde é o banheiro? esses negócios... né... que acontece... aí pronto... aí tem o instrumentador... que é o vigia que eu falei pra você... que vigia a clínica... ele também instrumenta as cirurgias... cirurgia pequenas ele faz na clínica... mais quando é média ou maior... ele faz em outros hospitais... (Língua falada, 3ª série, p. 260). Essa é a resposta da informante ao ser indagada se realizava, na clínica onde trabalha, alguma função de enfermeira. A princípio, ela se justifica enumerando suas obrigações na recepção. Em seguida, fala de um auxiliar durante as cirurgias. A contrastividade entre cirurgia pequenas e outras cirurgias é assegurada pela estratégia de deslocamento do objeto direto, que assume posição de tópico, conforme fragmento em negrito. A base cognitiva da categoria contrastividade é salientar esse item selecionado, para atrair a atenção do interlocutor. III) Plano: figura / fundo: conforme Hopper (1979), figura corresponde ao que é narrado, é o conjunto das seqüências narrativas.. Por outro lado, fundo corresponde às circunstâncias que estão fora da seqüência propriamente dita, mas que de algum modo a completam. Figura Fundo 16 A quinze dias atrás, eu e minha família fomos a Bom Jesus e nessa viagem, meu pai tomou umas e outras e ficou bêbado; e quando nós viamos p/ casa meu pai cochilou na pista e nós ficamos muito preocupados com essa situação, mas graças a Deus nós chegamos bem em casa. O fundamento cognitivo que motiva essa categoria é o fato de que identificamos mais prontamente as entidades que se nos apresentam em primeiro plano, como figuras bem recortadas, bem iluminadas e focalizadas, em oposição a tudo o mais, que passa a ser menos percebido e se situa em segundo plano, ou plano de fundo. Esse entendimento é proveniente da psicologia da Gestalt. Conforme podemos observar, cada uma das funções tem motivação cognitiva. As ciências que envolvem a cognição, como a psicologia cognitiva, a neuropsicologia, a neuropsicologia cognitiva, a neurolingüística e a psicolingüística tentam estabelecer, de alguma maneira, relações entre a linguagem e a mente. A Lingüística Funcional procura suas explicações para o modo de ser da gramática nos fundamentos da cognição. Conforme lembra Votre (1994:16), enquanto esperamos que os cognitivistas nos dêem suporte cognitivo sobre o funcionamento dos processos que a língua codifica, eles é que esperam de nós, lingüistas, as teorias e hipóteses que possam testar. Suas expectativas se justificam, porque, levandose em conta sua complexidade e a série de habilidades e representações que envolve, o discurso é uma fonte fundamental de informações sobre as representações e os processos cognitivos humanos. 17 Dentre as categorias “híbridas”7 do funcionalismo lingüístico, minha análise levará em conta a topicidade. Topicidade está estreitamente associada a estratégias discursivas empregadas para atrair a atenção do interlocutor, atuando, também, dentro do domínio funcional da contrastividade. A topicidade se reflete no modo de ordenação dos constituintes na oração. Assim, na ordenação não-marcada SVO, a topicidade se manifesta no elemento sujeito (exemplo 07); na ordenação marcada8 OSV, por outro lado, é o elemento objeto, deslocado de sua posição prototípica, que atrai a atenção do interlocutor (exemplo 08). (07) ...mas quando chegou lá... o tenente que era o chefe de todos... que... era militar... ele começou a revistar as mochilas se ia tirando das mochilas as comidas...(Língua falada, 8ª série, p. 304). (08) o congresso dos jovens batistas aqui de Natal... a gente realiza de dois em dois anos...(Língua falada, 3ª série, p. 270). Além dessas categorias discursivas, minha análise incorpora, ainda, o exame de contextos intrinsecamente estruturais. Ao observar a ocorrência da concordância verbal, serão levados em consideração os seguintes contextos: a posição do sujeito na oração, a distância entre o sujeito e o verbo, as construções passivas e as orações subordinadas adjetivas. O Princípio da Iconicidade 7 Tais categorias (ou propriedades discursivo-estruturais) são, no dizer de Votre (1992:45), um pouco escorregadias, no sentido próprio do termo: deslizam facilmente do discurso à morfossintaxe, e se constituem, de fato, de ingredientes de ambos os universos. Representam mais propriamente pontes entre o discurso e a sintaxe, e podem prestar-se a muita confusão, por darem a ilusão de que determinada abordagem é discursiva pelo simples fato de se referir a categorias como tópico, continuidade, ou definição. 8 Uma forma é tida como marcada quando é estatisticamente menos freqüente e mais complexa, quer do ponto de vista estrutural quer do cognitivo. 18 Dentre os princípios propostos pela lingüística funcional, destaco o Princípio da Iconicidade, que aplicarei na análise do sujeito gramatical. O termo iconicidade nos remete aos debates entre filósofos gregos sobre a relação entre a palavra e a coisa que ela designa. Na Grécia antiga, os analogistas, seguidores de Platão, defendiam que essa relação se dava por motivação, ou seja, a palavra deveria trazer em si características essencialmente relacionadas com o seu referente. Do outro lado, os anomalistas, na linha de Aristóteles, sustentavam que tal relação era produto de pura convenção, portanto, arbitrária. Bem mais tarde, já no começo do século XX, a questão da iconicidade na língua é retomada por Saussure, quando o autor estabelece a arbitrariedade na relação entre o significado e o significante do signo lingüístico. A idéia de que a sintaxe das línguas naturais não é totalmente arbitrária, e sim isomórfica ao seu designatum mental, é atribuída a Pierce (1940). Contudo, como já observava o autor, essa iconicidade não é absoluta, mas moderada, uma vez que princípios cognitivamente transparentes (icônicos) interagem com princípios cognitivamente arbitrários (simbólicos). Durante o período estruturalista, a idéia de iconicidade - ou seja, de não-arbitrariedade - da estrutura sintática encontra oponentes vigorosos: a princípio Saussure (1916), passando por Bloomfield (1933) e culminando com Chomsky (1957, 1968). Nos últimos vinte anos, o interesse pela investigação da iconicidade da sintaxe é retomado por lingüistas americanos seguidores do modelo funcionalista de análise, como Bolinger (1977), Chafe (1979), Hopper & Thompson (1980) e Givón (1979a), entre outros. No domínio da lingüística funcional, o princípio da iconicidade assinala motivação na relação entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. A hipótese é a de que a forma da língua deve refletir a função que exerce ou ser restringida por ela. Assim sendo, a codificação morfossintática é, em grande parte, resultado do uso da língua. Decorre, daí a concepção de língua como estrutura maleável (sujeita às pressões do uso e constituída de um código não inteiramente arbitrário); e de gramática, como um conjunto de estratégias empregadas para produzir comunicação coerente. Portanto, a estrutura lingüística é concebida como o resultado de fenômenos não-lingüísticos, especialmente de 19 processos cognitivos. Nesse sentido, a gramática está num contínuo fazer-se mas nunca se estabiliza. Ainda em sua versão mais radical, mais próxima da raiz, o princípio da iconicidade afirma que: a) na codificação lingüística, há uma relação de um para um entre função e forma; b) essa relação é motivada e não arbitrária; c) essa relação é assimétrica, no sentido de que a função determina a forma, mas não o contrário. Tal formulação sugere que, em cada domínio funcional, há uma relação unívoca, de um para um, entre a função ativa e a forma de sua manifestação. A previsão é a de que toda alteração de função vai corresponder, automaticamente, a uma alteração na forma. Embora o princípio da iconicidade em sua versão forte permita uma análise mais profunda das condições que presidem o uso de qualquer recurso de codificação morfossintática, a análise empírica de diferentes domínios funcionais levou ao desdobramento, refinamento e conseqüente enfraquecimento da relação icônica radical entre forma e função. Isso porque, conforme observa Votre (1992:62), o exame de qualquer fragmento de codificação lingüística, na análise de qualquer domínio funcional, vai revelar muito cedo ao analista que o princípio da relação de um para um entre forma e função, bem como os subprincípios que o manifestam, é um suporte fecundo para a busca das regularidades de codificação, mas se revela radical demais, porque temos situações comunicativas em que a codificação morfossintática é opaca, vaga, ou pouco transparente em termos de sua relação sincrônica com a função a que serve. É principalmente nos contextos marginais dos processos de mudança lingüística que é possível constatar formas distintas de dizer “a mesma coisa”: a) nos processos que estão no seu início, em que os falantes ainda não gramaticalizaram essas formas e as empregam em estratégias de ensaio-e-erro; b) nos processos de desgramaticalização de itens que estão em vias de desaparecimento, na parte final da trajetória das formas lingüísticas. 20 Em sua versão mais branda, o princípio da iconicidade se manifesta em três subprincípios, que se relacionam à quantidade de informação, ao grau de interação entre os constituintes da expressão e do conteúdo e à ordenação linear dos constituintes. Assim se manifestam esses subprincípios: I) O SUBPRINCÍPIO DA QUANTIDADE a) quanto maior a quantidade de informação, maior será a quantidade de forma utilizada na codificação dessa informação; b) quanto mais imprevisível (mais nova) for a informação para o interlocutor, maior será a quantidade de forma utilizada; c) quanto mais relevante for a informação em termos da continuidade temática ou discursiva, maior será a quantidade de forma requerida para codificá-la. (Givón, 1990:969). O item (a) se reflete, por exemplo, no comprimento do SN em negrito, que codifica informação complexa: (09) ... através disso... é que você vai calcular o diâmetro da tubulação que vai conduzir a água do manancial até a estação de tratamento d’água... (Língua falada, 3ª série, p.198). A atuação do item (b) pode ser vista, por exemplo, na entrada de um novo tópico no texto. Por ser imprevisível, essa introdução requer maior quantidade de forma na codificação do SN tópico. (10) Mas aí minha mãe me contou que foi assim... e ela já tava sentindo dores... né... pra ganhar... minha mãe já tava com nove meses completo... tava sentindo dores... então... minha avó a mãe dela... tava em São Paulo... (Língua falda, 3ª série, p. 221). A atuação do item (c) pode ser observada no seguinte trecho: 21 (11) o grupo Agraphos dirigiu a música... o cântico oficial né... do congresso que falava sobre o tema né... falava sobre a bíblia... e dirigia... não vou falar agora a letra do cântico não que é muito difícil... mas... o o grupo Agraphos né... da Igreja de Santarém e Jordão... eles dirigiam esse cântico inclusive foi um dos componentes... dos componentes que fez... (Língua falada, 3ª série, p. 271). Aqui, a continuidade temática é assegurada pelo processo de topicalização. O informante começa sua narrativa falando sobre o grupo Agraphos. Esse tópico é substituído, momentaneamente, por um outro: a letra do cântico oficial do congresso. Desejando atrair a atenção do interlocutor para o tópico inicial, o informante lança mão de uma estrutura tópica, que, nesse contexto, apresenta-se com grande quantidade de forma. A base cognitiva do subprincípio da quantidade se encontra nas áreas de atenção e esforço mental ou complexidade cognitiva. Do ponto de vista cognitivo, “imprevisível” e “relevante” representam o segmento que é menos freqüente, mais marcado, que exige mais atenção. II) O SUBPRINCÍPIO DA PROXIMIDADE Os conceitos que estão mais integrados funcional, conceptual ou cognitivamente também se manifestam com maior integração morfossintática, uma vez que serão colocados mais próximos no nível da codificação. Ou seja, o grau de liberdade relativa entre constituintes de uma palavra, de um sintagma, de uma oração, de um período ou de um parágrafo são indícios do grau de integração entre os componentes cognitivos desses constituintes. (Givón, 1990:970). Esse subprincípio se manifesta, por exemplo, no grau de integração que o verbo de uma oração exibe em relação ao sujeito: (12) Há pouco tempo atrás dois bárbaros assassinatos, o da atriz Daniela Perez e o da menina que foi queimada pelos sequestradores ressuscitou a polêmica da Pena de Morte.(Língua escrita, 8ª série, p. 321). 22 Nessa oração, a utilização do aposto (o da atriz Daniela Perez e o da menina que foi queimada pelos sequestradores) é responsável pelo distanciamento conceptual entre as idéias que dois bárbaros assassinatos e ressuscitou representam. Esse distanciamento, por sua vez, favorece a não integração morfossintática desses conceitos que se reflete na ausência de concordância.. A base cognitiva do subprincípio da proximidade reflete as áreas de memória associativa e ativação estendida. III) O SUBPRINCÍPIO DA ORDENAÇÃO LINEAR a) A ordem das orações no discurso coerente tenderá a corresponder à ordem temporal de ocorrências dos eventos descritos. b) A informação mais importante tenderá a ser colocada em primeiro lugar (isto é, antes, na fala; à esquerda, na escrita). (Givón, 1990:971). (13) Ao anoitecer, começou a caminhada, onde o destino final era um local dentro de uma mata fechada. Andamos cerca de quatro quilômetros até chegarmos ao local desejado.Finalmente chegamos ao local, já era quase meia-noite. Depois de tudo organizado, foi feita uma fogueira. Quando o fogo já estava sem risco de apagar, fizemos uma roda ao redor da fogueira. A comida que foi retirada das mochilas, juntaram tudo e foi dividido para todos.(Língua escrita, 8ª série, p. 315). Como podemos observar, a codificação linear dos constituintes reflete a sequência temporal dos eventos descritos. Esse subprincípio parece ser motivado pelos mesmos fatores cognitivos que motivam o da proximidade. O exame desses três subprincípios revela que a noção de iconicidade como um todo tem uma base referencial ou cognitiva na medida em que uma distinção lingüística é posta em serviço para descrever uma distinção conceitual. 23 Como opção teórica, o princípio da iconicidade, em sua versão atenuada, permite uma investigação detalhada das condições que governam o uso dos recursos de codificação morfossintática da língua. O Paradigma da Gramaticalização Entre os lingüistas, o debate sobre a origem e desenvolvimento das categorias gramaticais não é recente. Já no século XIX (acompanhando a orientação diacrônica e comparada do período), encontramos estudos nessa área, especialmente nos trabalhos de Bopp (1816). Entretanto, dentro do quadro da lingüística funcional, a gramaticalização pode ser vista como um novo paradigma associado aos fenômenos de variação e mudança lingüística. Conforme já afirmado anteriormente, na acepção funcionalista, a gramática está num contínuo fazer-se, mas nunca se estabiliza. Assim, na trajetória dos processos de regularização do uso da língua, tudo começa sem regularidade alguma, exatamente por estar no seu começo, mas se regulariza com o uso, com a repetição, que passa a exercer uma pressão tal que faz com que, o que no começo era casuístico, se fixe e se converta em norma. No momento de estabilização, verifica-se o nível de iconicidade máxima, isto é, com relação transparente entre expressão e conteúdo, representando-se assim o máximo de economia comunicativa, o máximo de rentabilidade sistemática. Essa estabilidade, entretanto, é ilusória. Tudo que se sistematiza entra, posteriormente, em um processo de desgaste, com desgramaticalização das relações entre expressão e conteúdo. É tendência inevitável do sistema envelhecer. Como resultado inexorável do envelhecimento, afrouxamse as relações icônicas entre expressão e conteúdo, com liberdade progressiva da expressão em termos de restrição de ocorrência, e com liberdade progressiva do conteúdo em termos de desbotamento e esvaziamento semântico. Nesse processo de desgramaticalização, as unidades migram para um nível não-gramatical, no sentido de que elas deixam de obedecer às restrições de seleção, e literalmente retornam ao discurso. O discurso é, portanto, o ponto de partida para a gramática, e seu ponto de chegada. Quando algum fenômeno discursivo, em decorrência da frequência de uso, passa a ocorrer de forma previsível e codificável, sai do discurso para entrar na gramática. No 24 mesmo sentido, quando determinado fenômeno que estava na gramática passa a ter comportamentos não previsíveis, em termos de regras selecionais, podemos dizer que sai da gramática e retorna ao discurso. Com o avanço dessa nova linha de pesquisa, a gramaticalização não é mais vista simplesmente como a reanálise de material léxico em material gramatical mas também como a reanálise de padrões discursivos em padrões gramaticais e de funções a nível do discurso em funções semânticas, a nível da sentença (cf. Givón (1979a), Hopper (1979), Li & Thompson (1974)). O desenvolvimento de novas estruturas gramaticais é motivado quer por necessidades comunicativas não preenchidas quer pela presença de conteúdos cognitivos para os quais não existem designações lingüísticas adequadas. Dessa forma, a gramaticalização é interpretada como um processo diacrônico e um continuum sincrônico que atingem tanto as formas que vão do léxico para a gramática como as formas que mudam no interior da gramática. Givón (1979b), em From Discourse to Syntax: Grammar as a Processing Strategy, formula o seguinte esquema processual para representar de forma simplificada e aproximada os processos diacrônicos de regularização do uso da língua, desde o ponto mais imprevisível, do discurso, até a fase terminal: DISCURSO > SINTAXE > MORFOLOGIA > MORFOFONOLOGIA > ZERO. Assim, o paradigma da gramaticalização privilegia: a) a trajetória dos elementos lingüísticos do léxico à gramática; b) a trajetória de categorias menos gramaticais para categorias mais gramaticais (como o de categorias invariáveis para categorias flexionais), e c) o retorno dos elementos da gramática ao discurso. OS TRAÇOS CARACTERIZADORES DO SUJEITO 25 Na introdução deste trabalho, chamo a atenção para o fato de que as definições tradicionais de sujeito tornam-se imprecisas uma vez que são formuladas a partir de um único nível de análise (morfossintático, semântico ou pragmático/discursivo), que toma, isoladamente, um ou outro traço caracterizador dessa categoria gramatical (concordância, agente ou tópico, respectivamente). O que se observa é que esses traços, embora independentes, funcionam juntos e articulados. Ou seja, nenhum deles sozinho é suficiente para caracterizar o sujeito oracional, a despeito do procedimento que costuma ser adotado pelos gramáticos. Se, por um lado, uma análise que se proponha a ser o mais abrangente possível não pode deixar de articular os diversos traços caracterizadores do sujeito, permitindo que o aluno disponha de mais de um critério e de mais de um nível de análise para identificá-lo, por outro, essa articulação pressupõe um conhecimento mais profundo de cada um desses traços. O traço concordância Conforme vimos, a concordância, traço morfossintático, é apontada algumas vezes como caracterizadora do sujeito oracional. Perini (1989:73), por exemplo, argumenta que o sujeito se define como “o termo da oração que está em relação de concordância com o NdP”.9 Em seu trabalho, o autor apresenta os resultados da descrição de estruturas superficiais do português padrão escrito, objetivando dois fatores: primeiro, a necessidade de subsidiar o desenvolvimento da teoria lingüística com dados confiáveis e sistematizados; e, depois, a necessidade de fornecer gramáticas descritivas para usos pedagógicos. (p.20). Embora não advogando a exclusão da semântica, Perini opta por uma análise formal, deixando de levar em consideração o significado das formas estudadas. 9 Abreviatura utilizada pelo autor para núcleo do predicado. 26 Conseqüentemente, a definição de sujeito apresentada é “puramente sintática, formal.” (p.73).10 Ocorre que uma abordagem exclusivamente formal (sintática) da categoria sujeito encontra alguns obstáculos. Analisarei o problema a partir de dois ângulos: 1) a própria orientação gramatical impossibilita o reconhecimento da concordância verbal como traço exclusivo na caracterização do sujeito. Um levantamento das considerações formuladas por diferentes autores acerca da questão me levou a constatar que, embora exista um consenso quanto às “regras gerais” a serem adotadas, são perfeitamente admissíveis outras realizações de concordância que não se enquadram nas regras básicas da gramática. Esses casos, conforme veremos, não representam simples exceções, como desejam alguns; 2) coerente com o referencial teórico adotado, analiso as formas lingüísticas a partir das funções que elas desempenham em uma situação concreta de comunicação. Assim sendo, interessa-me investigar a pressão que determinados contextos discursivopragmáticos - ao lado de outros estruturais - exercem no controle da concordância verbal. Os “casos especiais” da gramática As “regras gerais” de concordância verbal podem ser resumidas na seguinte asserção: o verbo concorda com o sujeito em número e pessoa. Almeida (1983:441) esclarece: Quer isso dizer que o verbo deverá ir para o mesmo número e pessoa do sujeito. Está claro que é o verbo que deve concordar com o sujeito e não o sujeito com o verbo, porque o verbo é que depende do sujeito e não o contrário. Esclarece Perini: Nada se diz aí sobre o elemento que ‘pratica a ação’, ou sobre o elemento ‘do qual se diz alguma coisa’. Já argumentei em outro lugar em favor da necessidade de se distinguir essas propriedades, colocando-as inclusive em componentes separados da gramática. (p.73). 10 27 Ocorre que, em determinadas situações comunicativas, essas regras cedem espaço para diferentes possibilidades de combinações ao nível do sintagma, justificadas por razões de ordem estilística.11 A própria gramática admite tais possibilidades, conforme constatamos a partir dos casos abaixo apresentados12: 01. Sujeito formado por expressão partitiva (uma porção de, parte de, a maioria de, grande número de, etc.): de acordo com Cegalla (1990:384), quando tais expressões são seguidas de substantivo ou pronome no plural, o verbo pode ir para o singular ou para o plural, conforme se queira destacar a idéia de conjunto ou a idéia individual. Assim, “A maioria das crianças sobreviverá” e “A maioria das crianças sobreviverão” são orações igualmente aceitas pela gramática. 02. O núcleo do sujeito é um substantivo só usado no plural: é interessante observar, nesse caso, o status que o artigo assume no controle da concordância verbal. Conforme Nicola & Infante (1991:371), o uso comum obedece à seguinte regra: se o substantivo aparecer precedido de artigo no plural, o verbo irá para o plural; não aparecendo o artigo, o verbo ficará no singular. Por exemplo: Memórias de um sargento de milícias é a melhor crônica do Brasil de D. João VI / As Memórias de um sargento de milícias são a melhor crônica do Brasil de D. João VI.13 11 Baccega (1986:7) observa que a concretude de cada texto, porém, exige procedimentos diferenciados. Nem sempre - ou quase nunca - as regras gerais são suficientes para que o emissor expresse adequadamente suas idéias. Nesse sentido, a concordância verbal é menos uma questão de gramática normativa que de estilística. 12 Ao apresentar os casos especiais de concordância verbal, Cegalla (1990:381) lembra que a matéria é complexa e controversa, isso porque as normas traçadas têm, muitas vezes, valor relativo, porquanto a escolha desta ou daquela concordância depende, freqüentemente, do contexto, da situação e do clima emocional que envolvem o falante ou escrevente. 13 Faraco & Moura (1990:403) observam ainda que se o sujeito for o nome de uma obra artística, o verbo poderá ficar no singular ou ir para o plural. Os Sertões contribuíram (ou contribuiu) muito para nossa historiografia. 28 03. Caso semelhante ocorre quando os núcleos do sujeito são infinitivos: para Cegalla (1990:383), O verbo concordará no plural se os infinitivos forem determinados pelo artigo ou exprimirem idéias opostas; caso contrário, tanto é lícito o singular como o plural: O comer e o beber são necessários. Rir e chorar fazem parte da vida. Cantar, dançar e representar faz (ou fazem) a alegria do artista. 04. Sujeito formado pela expressão um dos que: de acordo com Savioli (1990:183), Quando o sujeito de um verbo for o pronome relativo que, nas expressões um dos que, uma das que, o verbo vai para o plural (construção dominante) ou fica no singular. Exemplo: Ele foi um dos / que / mais / falaram / suj / / verbo plural Ele foi um dos / que / mais / falou / suj / / verbo singular Diferentemente, Sacconi (1991:351-352) afirma que A expressão um dos que exige, no português contemporâneo, o verbo OBRIGATORIAMENTE (o grifo é do autor) no plural”, e continua: O uso do verbo no singular com a expressão pura e simples um dos que - reiteramos - é, na língua moderna, absolutamente inaceitável. Os exemplos clássicos existentes pertencem, no mais das vezes, ao quinhentismo, época em que o português, tenro de existência, não havia ainda firmado regras de uso de modo definitivo; segui-los, hoje, é enveredar por caminhos estreitos, que só levam ao solecismo. 05. Sujeito formado pela expressão um e outro / nem um nem outro: conforme Almeida (1983:452), 29 Quando o sujeito composto é constituído de um e outro, nem um nem outro, o verbo fica, indiferentemente (o grifo é do autor), no singular ou vai para o plural: Um e outro é bom - Um e outro são bons - Nem um nem outro apareceu - Nem um nem outro são meus irmãos. Contudo, assegura Lima (1972:357) que, em se tratando da expressão nem um nem outro, seguida ou não de substantivo, exige o verbo no singular. 06. Sujeitos resumidos por um pronome indefinido (tudo, nada, ninguém, etc.): a regra determina que, nesse caso, o verbo fica no singular, em concordância com esse pronome: Letras, ciências, costumes, instituições, nada disso é nacional. Bechara (1985:99) atribui a esse pronome o rótulo de “aposto recapitulativo” e observa que, no caso em questão, o verbo da oração não leva em conta a série de sujeitos (o grifo é meu), para concordar com o pronome indefinido que serve de aposto. 07. Sujeito formado por coletivo: embora a regra assegure que, nesse caso, o verbo deva ficar no singular, Faraco & Moura (1990:404) lembram que quando o coletivo vier seguido de uma expressão no plural, o verbo pode concordar com esse plural: Um grupo de palestinos morava ao lado. Um grupo de palestinos moravam ao lado. 08. Sujeito formado por número percentual ou número fracionário: a regra determina que o verbo deve concordar com o numeral: 8,5% das crianças nascem desnutridas; 2/4 das crianças ficaram sem matrícula. Ocorre que, 30 Os percentuais também admitem a concordância irregular ou figurada, isto é, a concordância com o nome que se lhes segue. Ex.: Trinta por cento da cidade está inundada, conforme assegura Sacconi (1991:349). 09. Sujeito formado por núcleos sinônimos ou quase sinônimos: o verbo pode ficar tanto no singular como no plural: O medo e o temor estrangulavam aqueles homens. O medo e o temor estrangulava aqueles homens. Faraco & Moura (1990:406) 10) Também a concordância se dá no singular ou no plural quando os núcleos do sujeito constituem uma gradação de idéias: Um mês, um ano, um século não bastava para esquecê-la. Um mês, um ano, um século não bastavam para esquecê-la. Faraco & Moura (1990:406) 11) Concordância do verbo ser: nesse caso, a concordância pode se dar entre o verbo e o predicativo do sujeito. Em “Aquele vestido eram retalhos”, o verbo concorda com “retalhos”(predicativo) e não com “aquele vestido” (sujeito), uma vez que, segundo Baccega (1986:39), quando o verbo ser aparece entre dois nomes de números diferentes, a concordância poderá dar-se no singular ou no plural, sendo preferível o plural. 12) Sujeito composto posposto ao verbo: também aqui não existe um consenso quanto à regra a ser adotada. Saconni (1991:363), por exemplo, aponta uma preferência na realização da concordância entre o verbo e o elemento mais próximo. 31 Vieram abelhas, marimbondos e o colibri... (M. Rebelo) Veio o colibri, abelhas e marimbondos. Já Almeida (1983:449) afirma que se o sujeito vier depois do verbo, poderá o verbo ficar no singular, acrescentando: Preste atenção o aluno aos dizeres da regra: ‘...poderá o verbo...’ - Não há obrigação de ficar no singular o verbo; preferem muitos pô-lo no plural, talvez por temor de críticas de ignorantes em assuntos gramaticais. Segundo Cândido de Figueiredo, o verbo anteposto aos sujeitos deve ficar sempre no singular, mesmo nos casos em que os últimos elementos do sujeito estejam no plural (‘Morreu Pedro e todos os que lá estavam’), porque assim exige a índole da língua e a prática dos melhores mestres. Em resumo, observamos que tais formulações, por parte da própria gramática, contrariam a orientação que toma o sujeito como o único constituinte da oração que promove a concordância verbal. A análise dos dados Neste trabalho, a análise da concordância verbal é feita com base em 360 orações com sujeito explícito nominal de 3a. pessoa do plural coletadas do corpus apresentado na introdução deste trabalho. 156 orações são provenientes dos informantes da 8a. série do 1o. Grau, sendo 99 do material falado e 57 do escrito. Já os informantes da 3a. série do 2o. Grau produziram 204 orações, 160 faladas e 44 escritas. O levantamento preliminar dos dados me levou a excluir os sujeitos pronominais de 3a. pessoa do plural. Nesses dados, num total de 40 orações, 37 apresentaram concordância. Além disso, não constatei nenhuma ocorrência de pronome posposto ao verbo, já que o pronome é em geral utilizado para se continuar o fluxo de informações sobre o mesmo referente. Isso significa que a concordância, nesse caso, é esperada. Foram excluídas também as orações com verbo ter empregado como impessoal, à semelhança de 32 haver, uma vez que esse processo de impessoalização se encontra bastante avançado no português falado e escrito do Brasil.14 Interessa-me investigar determinados contextos estruturais que parecem exercer significativo controle na concordância. Por outro lado, pretendo mostrar que esses contextos são motivados por pressões discursivo-pragmáticas, de maneira tal que a articulação entre os níveis morfossintático, semântico e pragmático se torna imprescindível na análise que se pretende. As ordenações SV e VS Os resultados obtidos são apresentados em forma de quadro. Os quadros foram organizados de modo a salientar a posição do sujeito em relação ao verbo. Tipologicamente, a língua portuguesa é classificada como sendo de ordenação SVO (Sujeito-Verbo-Objeto), ou seja, a posição típica, não-marcada, do sujeito é anterior ao verbo. Nas construções oracionais em que o sujeito é deslocado, ocupando posição posterior ao verbo, encontramos uma incidência maior de sujeitos que perdem suas características prototípicas15 , entre essas a de controlar a concordância, como mostram os exemplos abaixo: (14) Num país como o Brasil onde a justiça é falha nunca poderá implantar a pena de morte. Muitas pessoas morreriam inocentes e só morreria os pobres (Língua escrita, 8ª série, p. 321). (15) É... o primo dele... que vigia a clínica... mora ele... a esposa e os dois filhos... uma menina e um menino...aí... nesse quarto menor... eles moram nesse quarto menor 14 As orações com verbo existir foram consideradas, apesar da análise dos dados indicar que esse verbo também se está impessoalizando. Seu uso mais freqüente se dá em estrutura VS e sem concordância, conforme o seguinte exemplo: Se fosse por mim só existia rapazes que respeitasse porque respeito é bom e eu gosto. (Material escrito de aluna da 8a. série). 15 Votre (1994:16) sugere que a ordenação verbo-sujeito representa o resultado de um processo marcado, metonímico, de gramaticalização, iconicamente definido, no sentido de que não é apenas o sujeito que se move. Ao contrário, é o todo sintagmático que se reorganiza, e se ressintaticiza, de modo que o sujeito se despe de suas características prototípicas, e passa a ocupar a posição de objeto, e a assumir parte do comportamento sintático de objeto. 33 por não ficar de frente... o maior fica de frente ao portão... (Língua falada, 3a. Série, p.258). Conforme os dados apresentados no QUADRO I, de um total de 188 orações com SV, 159 (84,6%) exibem concordância. Diferentemente, das 68 orações com VS, apenas 16 (23,5%) apresentam concordância. Nesse quadro, as 256 orações analisadas não apresentam nenhum outro fator estrutural concomitante à posição do sujeito. QUADRO I Total Geral / 8a. Série do 1o.Grau e 3a. Série do 2o.Grau SV VS Concordância 159 (84,6%) 16 (23,5%) Não-concord. 29 (15,4%) 52 (76,5%) 188 (100%) 68 (100%) Totais Examinando os quadros por nível de escolaridade, constatamos que os resultados apresentam a mesma tendência: QUADRO II 8a. Série do 1o. Grau SV VS Concordância 62 (73%) 05 (15,6%) Não-concord. 23 (27%) 27 (84,4%) Totais 85 (100%) 32 (100%) Esses números indicam que a pressão estrutural da posição do sujeito controla a ocorrência da concordância verbal, independentemente do nível de escolaridade do informante. O mesmo acontece com relação ao tipo de canal. Ou seja, a ausência de 34 concordância é predominante tanto nos dados da fala como nos da escrita, conforme os seguintes QUADROS: QUADRO III 3a. Série do 2o. Grau SV VS Concordância 97 (94,2%) 11 (30,5%) Não-concord. 06 (05,8%) 25 (69,5%) Totais 103(100%) 36 (100%) QUADRO IV Material Falado / 8a. Série do 1o. Grau SV VS Concordância 39 (67,2%) 02 (10%) Não-concord. 19 (32,8%) 18 (90%) Totais 58 (100%) 20 (100%) QUADRO V Material Escrito / 8a. Série do 1o. Grau SV VS Concordância 23 (85,2%) 03 (25%) Não-concord. 04 (14,8%) 09 (75%) Totais 27 (100%) 12 (100%) QUADRO VI Material Falado / 3a. Série do 2o. Grau SV Concordância 75 (94,9%) VS 11 (37,9%) 35 Não-concord. 04 (05,1%) 18 (62,1%) Totais 79 (100%) 29 (100%) QUADRO VII Material Escrito / 3a. Série do 2o. Grau SV VS Concordância 22 (91,7%) 00 (00%) Não-concord. 02 (08,3%) 07 (100%) Totais 24 (100%) 07 (100%) Embora o contexto estrutural da posição do sujeito pareça controlar a realização da concordância, esse contexto correlaciona-se, por sua vez, a pressões discursivopragmáticas. Com relação à ordem VS, Naro & Votre (1991:4) demonstram que esse tipo de ordenação está limitado a apenas certos contextos discursivos bem específicos, e mostra uma série de restrições estruturais que à primeira vista poderiam parecer de natureza formal. Ou seja, em situações concretas de comunicação, as alternativas verbo-sujeito e sujeito-verbo são utilizadas pelo falante de acordo com determinadas restrições discursivas, tais como: a) O S em VS corresponde, normalmente, a um referente que se encontra fora da cadeia tópica16 . Ou seja, no momento em que ocorre numa estrutura VS, o S é periférico em relação ao fluxo central da informação. O fragmento abaixo ilustra esse fato: 16 Os autores preferem utilizar as terminologias fluxo do referente, ou fluxo da informação para dar conta da cadeia ininterrupta de declarações sobre o mesmo referente. 36 (16) É:: o congresso que a gente foi a... é... agora na... semana santa... não é? o Congresso dos Jovens Batistas aqui de Natal... a gente realiza de dois em dois anos... é geralmente na semana santa... e agora foi lá em Canguaretama... foi... a gente saiu daqui... nós saímos daqui na quinta-feira... quinta-feira à tarde... à tarde não... à noite né... tava marcado pra sair à tarde né... mas atrasou um pouquinho e saiu à noite... quinta-feira à noite e:: a gente chegou lá no máximo sete... sete e alguma coisa... sete e meia... a programação foi boa... foi um congresso assim bem organizado... nós falamos muito sobre o jovem né... que foi o tema... era o jovem... e a Bíblia... o jovem e a Bíblia... e o congresso todo girou sobre isso né... enfatizando bem a vida do jovem que deve ser dirigida pela Bíblia... o estudo né... que devemos ter... aprender da Bíblia... enfatizando os jovens a estarem lendo a bíblia... aprendendo mais... nós ficamos lá hospedados num colégio... num colégio que era próximo do local onde acontecia as reuniões... as reuniões aconteciam no clube né... (Língua falada, 3ª série, p. 270). Observe-se que o fragmento apresenta dois referentes em competição na função de tópico: o congresso e as pessoas que dele participaram. No momento em que é introduzido um novo referente (as reuniões), o fluxo de informações com respeito aos tópicos anteriores é interrompido. Esse novo referente, que não é o centro de atenção no momento de sua introdução, é apresentado através de uma estrutura VS (sem concordância). Em seguida, a informante continua a falar sobre o referente “as reuniões”, que passa a ser embalado por estrutura SV (com concordância). b) A estrutura VS tende a corresponder às circunstâncias que estão fora da sequência narrativa propriamente dita (fundo), conforme o exemplo (04) transcrito abaixo: figura fundo aí ficou muito triste... logo foi atrás dela sabe? não aguentou.... 37 ... eu acho que passou uns dias... aí foi na casa dela... c) Quanto ao status informacional do referente, em VS, o S dificilmente aparecerá como referente dado (já mencionado no discurso precedente); ou ele é parcialmente novo, servindo-se de outros referentes como ponto de suporte (ex.17) ou ele é disponível, apoiado no contexto pragmático (ex.18): (17) Nessa narrativa experiencial falei sobre a excursão a Maceió que quase não fui porque falei para mãe que ia começar as provas do colégio. (Língua escrita, 8ª série, p. 359). (18) ... você entrando nele à direita né... você... vai ver assim no lado esquerdo do corredor... a cantina do colégio... tem uma sala não é... logo após vem uma... uma sala de... uma sala de professores né... a sala de professores... tem.. é... onde fica mais um lugar onde fica dois banheiros né.. (Língua falada, 3ª série, p. 285). A posposição do sujeito na passiva As observações sobre a ordenação SV/VS também se aplicam no caso das orações passivas. Observem-se os fragmentos abaixo, retirados do material escrito de aluno da 8a. série do 1o. grau: (19) ... Na sala também se encontra um conjunto de 3 estofados de cor cinza, uma estante com uma televisão, um aparelho de som, alguns livros e também bibêlos... (p.318). (20) ... O primeiro quarto que vem em seguida, após ao corredor, encontra-se duas camas de solteiro, um guarda-roupa e uma cômoda. (p.319). 38 (21) ... Na parede toda branca, com exceção da parede de azulejo que fica dentro do boxe, está uma prateleira onde é colocado utensílios pessoais e um espelho. (p.319). (22) ... No chão tem um cesto onde é colocada roupas sujas. (p.319). Sabemos que a gramática tradicional classifica como voz passiva sintética (ou pronominal) o verbo transitivo direto, acompanhado do pronome se, que recebe o rótulo de pronome apassivador. Assim, em estruturas do tipo “Alugam-se casas” (tomada como equivalente a “Casas são alugadas”), a flexão do verbo na 3a. pessoa do plural se dá porque o substantivo “casas” é analisado como sendo o sujeito dessa oração. Parece não ser essa a compreensão lingüística do informante, conforme podemos observar nos exemplos (07) e (08). Embora se tratando de material escrito, em que a escolha da organização sintática ocorre com maior vigilância, nas 02 ocorrências de passiva sintética o verbo (encontrar) aparece no singular, apesar de vinculado a sujeitos compostos. Pareceme indiscutível que a posição marcada desses sujeitos - posposta ao verbo -, nesse contexto estrutural específico (verbo + pronome “se”, semanticamente indicador de indeterminação), faz com que o informante analise como objeto direto os sintagmas nominais que seguem o verbo. Conforme já visto anteriormente, o espaço à direito do verbo é, em nossa língua, preferencialmente reservado à categoria sintática objeto. Assim, tanto na passiva sintética, como em estruturas do tipo “Precisa-se de casas confortáveis”, o falante parece interpretar o pronome se do mesmo modo: como índice de indeterminação do sujeito.17 Nos exemplos (21) e (22), encontramos dois casos de passiva analítica. Neles, o informante também não realiza a concordância verbal. O contexto estrutural motivador dessa ausência de concordância continua sendo a posição deslocada do sujeito, que o leva a adquirir característica de objeto. 17 Não se trata de afirmar que o falante faz uso de um conhecimento adquirido a respeito das categorias e normas gramaticais. Refiro-me, acompanhando Perini (1985:17), a uma doutrina gramatical implícita, “que não é nunca explicitada, nem reconhecida como existente, mas que na verdade guia nossas decisões dentro da prática da análise gramatical.”. 39 Embora esses dois exemplos apresentem sujeitos deslocados de sua posição prototípica, na passiva analítica a posição posposta do sujeito não é categórica, como acontece na sintética. Mais freqüentemente, a passiva analítica apresenta a seguinte estrutura: sujeito + verbo auxiliar ser seguido do particípio do verbo principal, como no exemplo que segue: (23) ... isso não acontece se você realmente ama a Deus e... tambbém com relação a... a roubar... né... quando colocam aí... roubar dinheiro... né de fiéis... na verdade eu acho que essas pessoas... nunca foram transformadas... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 294). Pode-se, ainda, explicitar o agente da passiva, como acontece no fragmento abaixo: (24) ... e teve cânticos... teve louvores... foram músicas... né... que nós cantamos... cânticos foram dirigidos pelo grupo Vida... lá de Canguaretama... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 271). O QUADRO abaixo apresenta a distribuição da ordem SV e VS nas passivas segundo o traço concordância: QUADRO VIII SV VS Concordância 02 (100%) 00 (00%) Não-concord. 00 (00%) 08 (100%) Totais 02 (100%) 08 (100%) Construções Passivas Em resumo, podemos dizer que, independentemente de a informação ser codificada por uma construção ativa ou passiva, a pressão estrutural da posição do sujeito é o fator determinante na realização ou não da concordância. 40 Outros fatores que controlam a concordância Nesta seção, pretendo levantar outras questões relacionadas à concordância verbal. São questões que surgiram durante a análise dos dados, embora de uma forma ainda incipiente. Nesse sentido, elas parecem indicar tendências, comportamentos lingüísticos que merecem maior atenção. Nos contextos apresentados abaixo, apesar de o sujeito estar na posição prototípica, que favorece a concordância, outros fatores estarão atuando de modo a causar o efeito contrário, ou seja, o desfavorecimento da concordância. O distanciamento SV Em textos falados ou escritos, algumas orações apresentam sujeitos que se encontram afastados de seus respectivos verbos por material explicativo. Embora em sua posição prototípica - anteposta ao verbo -, esses sujeitos tendem a não promover a concordância. No corpus sob análise, encontrei apenas 17 orações com sujeitos distanciados de seus verbos. Apesar do baixo número de casos, nenhum deles apresenta concordância verbal. Abaixo, seguem alguns exemplos: (25) Há pouco tempo atrás, dois bárbaros assassinatos, o da atriz Daniela Perez e o da menina que foi queimada pelos sequestradores ressuscitou a polêmica da Pena de Morte (Língua escrita, 8ª série, p. 321). (26) ... e sem pena de morte não... os bandidos levam uns anos de cadeia... têm bons advogados... você sabe que... até para criminosos... os advogados... né? tem bons advogados... de repente sai da cadeia... mata do mesmo jeito... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 245). (27) ...eu acho que ao invés das pessoas saírem na rua... pedindo para... ser implantada a pena de morte no Brasil... deveria estar lutando por outras... por outros métodos... 41 outros objetivos... de melhores condições de vida... de melhor educação para os seus filhos... (Língua falada, 8ª série, p. 314). A ausência da concordância verbal em orações em que sujeito e verbo se encontram distanciados pode ser explicada pelo princípio icônico da proximidade. Conforme detalhado no capítulo 2 deste trabalho, esse subprincípio se manifesta da seguinte maneira: os conceitos que estão mais integrados no plano cognitivo também se manifestam com maior integração morfossintática. Diferentemente, os conceitos que se acham menos integrados no plano do conteúdo tendem a estar menos integrados também no plano da codificação morfossintática. A base cognitiva desse subprincípio situa-se nas áreas de memória associativa e ativação conceitual. Já vimos anteriormente que o português se classifica tipologicamente como uma língua de ordenação SVO. Ou seja, sujeito e verbo apresentam, em nossa língua, forte integração estrutural, uma vez que são ordenados em contigüidade na cadeia sintática. Essa integração, por sua vez, reflete, iconicamente, a integração entre sujeito e verbo no plano cognitivo. O uso de um verbo de ação, por exemplo, restringe a escolha do sujeito, que deve ser animado. Isso explica porque sofrem restrições de uso orações do tipo “O cinza invadiu a cidade”, utilizadas apenas metaforicamente. Por outro lado, a classificação de “verbos impessoais” é atribuída aos verbos que não se referem a qualquer sujeito implícito ou explícito, já que o evento descrito pelo verbo não pode ser atribuído a qualquer referente, como nos casos dos verbos que exprimem fenômenos da natureza. Assim sendo, a não codificação morfossintática da concordância verbal em determinadas estruturas é interpretada como resultado de pressões discursivas que levam o verbo a se distanciar do sujeito, refletindo, desse modo, a relação cognitivamente enfraquecida entre esses dois conceitos. No exemplo (25), o sujeito é separado do verbo por material que o informante considera necessário para explicitar os assassinatos aos quais se refere. A introdução desse material desvia a atenção sobre o referente “dois bárbaros assassinatos” e enfraquece a integração entre sujeito e predicado no plano do contéudo, o que resulta na não flexão verbal. 42 Já no exemplo (26), a informante, primeiramente, organiza a estrutura oracional (SVO) sem apresentar problemas de concordância (os bandidos levam uns anos de cadeia). Faz breve comentário sobre a disponibilidade de bons advogados até para criminosos e depois retoma, com verbos no singular (sai e mata), o referente os bandidos. Como no caso anterior, a existência de material entre sujeito e verbo pode explicar a continuidade do discurso sem a realização da concordância. Observo ainda que, nesse exemplo, o sujeito (os bandidos) é genérico, não se fala de alguém individualizado e sim de uma categoria, de um grupo, podemos mesmo pensar na idéia de um coletivo, o que dilui o conteúdo semântico desse sujeito. Esse fato parece reforçar a não realização da concordância. O sujeito do exemplo (27) também representa um referente genérico: as pessoas. Além disso, a seqüência pedindo para ser implantada a pena de morte no Brasil, entre sujeito e verbo, parece enfraquecer a integração entre os componentes cognitivos desses constituintes que, iconicamente, mostram-se menos integrados no plano da codificação morfossintática. A concordância com o pronome relativo Quando o verbo faz parte de uma oração subordinada adjetiva e seu sujeito é o pronome relativo “que”, tal contexto estrutural provoca uma queda na realização da concordância, embora o sujeito sempre se apresente em sua posição não-marcada, anterior ao verbo. No exemplo (28) apresentado abaixo, o informante promove a concordância quando a ordenação é SV e o S é nominal (os poros da tela começam a abrir). Na oração relativa sob investigação, o pronome sujeito correfere-se a um SN plural composto da oração anterior (pequenos poros e espaços), o que deveria, em princípio, favorecer a concordância. Como o pronome relativo que, elemento inicial da oração subordinada, não possui marca de plural, esse fato parece desfavorecer a flexão do verbo. (28) O azul da Prússia dessa tinta nacional... a gato preto... ela... ele é... ele é falsificado... quando a gente passa a mão e pensa que o trabalho está concluído... e obtém um efeito belíssimo no... no... no... na tela... sobre a tela... quando ela seca... começa a... 43 os poros da tela começam a abrir... a abrir e deixar é... pequenos poros e espaços que... que não dá um resultado final agradável... (Língua falada, 3º grau, p. 134). Outros exemplos: (29) Ai quando ele chegou a moça chamou ele para ir no hospital. Ele foi pegar um táxi ai o homem do táxi falou que morreu muita gente de noite, só que as meninas que estava contando esse filme disse que ele saiu correndo e que não queria que a namorada fosse atrás dele. (Língua escrita, 8ª série, p. 361). (30) ... todo o meu mundo sei lá parece que... expandiu os horizontes assim... mudei pra cá... tenho vários amigos no colégio que mora aqui perto... (Língua falada, 8ª série, p. 365). (31) ... e tem um centro cirúrgico... lá dentro tem uma mesa cirúrgica... e:: aquele aparelho pra você mostrar assim... leitura... num sei o nome dele... desse aparelho... aqueles aparelhos que faz cirurgias... sabe? (Língua falada, 3ª. Série do 2º grau, p. 357). (32) ... teve um cara até que::que brigou comigo... de Parnamirim... brigou comigo mas depois veio pedir desculpas e tudo mais... não sei que mais lá... eu também pedi e por aí foi... né... a rasgação de seda danada... mas... foi aí... aí:: o que que eu ia dizer... sim... aí têm umas pessoas que briga... tem outras pessoas que faz amizade e tudo mais... (Língua falada, 3ª. Série do 2º grau, p. 177). No quadro abaixo, podemos verificar que os dados analisados sugerem que: a) quanto mais alto o grau de escolaridade, maior a ocorrência de relativas; b) quanto mais alto o grau de escolaridade, maior a ocorrência da concordância verbal nessas contruções. QUADRO IX 44 Sujeito=Relativo“que” 8a.Série/1o.Grau 3a.Série/2o.Grau Concordância 10 (45,4%) 41 (74,5%) Não-concord. 12 (54,6%) 14 (25,5%) Totais 22 (100%) 55 (100%) Ao analisar os traços que caracterizam o sujeito oracional, Pontes (1986:132), referindo-se ao critério da concordância verbal, afirma que esta lhe parece mais um traço secundário, uma vez que é preciso saber antes o que é sujeito, para depois fazer o verbo concordar com ele. Ela é uma conseqüência. A autora compreende ainda que a concordância representa um traço não espontâneo, já que adquirido no processo de escolarização. No caso das subordinadas adjetivas, esse fato se torna ainda mais evidente, conforme se depreende dos resultados apresentados no quadro IX. Conforme já esclarecido anteriormente, minha análise não tem como objetivo levar em consideração outros contextos além daqueles em que o sujeito nominal se apresenta, explicitamente, em 3a. pessoa do plural. Contudo, observando o material escrito de aluno da 8a. série do 1o. grau, encontrei um caso que merece ser comentado: (33) Batman percebeu que os pinguins eram levados por vibrações,logo ele interferiu nessa freqüencia e os pinguins voltam a gruta. Aproveitando a chance, Batman os perseguem. (Língua escrita, 8ª série, p. 318). Nesse exemplo, o informante promove a concordância entre verbo (perseguem) e objeto (os=pingüins). Essa concordância é motivada pela posição do clítico “os”, anteposta ao verbo. Ou seja, a pressão estrutural da ordenação SN + V é tal que não importa se o SN codifique um sujeito ou um objeto: o falante é levado a realizar a concordância. O contato com os dados aponta para a validade da hipótese de que determinados contextos estruturais (posição do sujeito, distância entre o sujeito e o verbo e verbo integrante de uma oração subordinada adjetiva) controlam a ocorrência da concordância verbal. Uma vez evidenciada a correlação entre contextos estruturais e variabilidade da concordância verbal, entendo que a orientação exclusivamente sintática que conceitua o 45 sujeito como sendo o elemento que promove a concordância com o verbo torna-se enfraquecida. Embora a concordância verbal se materialize no plano morfossintático, a análise que realizo articula ainda fatores discursivos e cognitivos, uma vez que sua realização é motivada pelas condições de uso da língua. Isso por compreender que: a) cada unidade lingüística apresenta um propósito comunicativo específico e b) uma das dimensões básicas de um ato comunicativo é o grau de atenção que é conferido a cada uma de suas partes componentes, tornando-as ora pólo de atenção ora informação periférica. Cabe enfatizar que a pressão estrutural da posição do sujeito obedece a motivações discursivo-pragmáticas, que estão relacionadas ao status de topicidade do referente sujeito. Assim, estamos diante de um efeito dominó: fatores discursivos motivam a ordenação do sujeito em relação ao verbo, que por sua vez motiva a realização da concordância. O traço agente Em geral, as gramáticas não salientam, nas definições, o aspecto semântico do sujeito como sendo o agente, e apenas o mencionam quando relacionado a um verbo de ação. Contudo, de acordo com um levantamento realizado com 60 alunos do curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, quando indagados sobre a definição de sujeito, os alunos selecionaram, de maneira predominante (55%), o traço agente ("o que pratica a ação"), optando, assim, por um sujeito de tipo lógico, segundo a distinção tripartida entre sujeito "gramatical", sujeito "lógico" e sujeito "psicológico"18. Pontes (1986) apresenta o mesmo resultado ao relatar uma pesquisa a respeito do conceito de sujeito entre professores de Português que trabalham na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Encontramo-nos, então, diante da seguinte questão: Lyons (1979:363-364), por exemplo, apresenta essa distinção: sujeito “psicológico” (o tópico), sujeito “gramatical” (o sintático) e sujeito “lógico” (o que pratica a ação). Na perspectiva chomskyana, o sujeito “gramatical” é o da estrutura superficial, enquanto o “lógico” é o da estrutura profunda. 18 46 Já que nas gramáticas a definição de sujeito apresentada toma por base, em quase 100% dos casos, o traço tópico, de nível discursivo-pragmático, a que se deve a predominância do traço agente nas respostas dos informantes? Ou seja, quais são os fatores que levam o falante, intuitivamente, a apontar o traço agente como o mais relevante na caracterização do sujeito? O comportamento das gramáticas Almeida (1983:410), no parágrafo 650 de sua gramática, afirma: Se sujeito de um verbo é a pessoa ou coisa sobre a qual se faz alguma declaração (o grifo é meu), é evidente que o sujeito deve ser constituído de substantivo, pois a esta classe de palavras cabe nomear as pessoas e as coisas. No entanto, já na página 411, parágrafo 652, orienta o autor: Como descobrir o sujeito: Suponha-se a oração 'Pedro quebrou o disco'. - Para que se descubra o sujeito da oração, é bastante saber quem praticou a ação de quebrar, isto é, quem quebrou o disco, o que se consegue mediante uma pergunta em que se coloque que ou quem antes do verbo: Quem quebrou o disco? Resposta: Pedro. A resposta indica o sujeito da oração. Portanto o sujeito da oração é Pedro. O que se observa é uma definição de sujeito de nível discursivo-pragmático ("pessoa ou coisa sobre a qual se faz alguma declaração"), sem qualquer utilidade prática, uma vez que na "fórmula" sugerida pelo autor (sujeito = quem/que + verbo?), o critério para se "descobrir o sujeito" passa, unicamente, por um aspecto de nível semântico - o que se procura é o agente da ação verbal. Além disso, seguindo a orientação do autor, para identificar o sujeito de "Mataram o ladrão", teríamos: 47 Quem mataram? Resposta: o ladrão. Nesse caso, a resposta apontaria o objeto, e não o sujeito da oração. O autor poderia argumentar que a pergunta acima foi mal formulada, e que a forma correta seria Quem mataram o ladrão?, que apontaria para a indeterminação. Penso nesse possível argumento uma vez que o procedimento de Almeida para descobrir o sujeito oracional costuma encobrir exatamente o elemento sujeito, como podemos constatar nos casos abaixo: Sócrates discorreu sobre a alma. Pergunta: Quem discorreu sobre a alma? Resposta: Sócrates. Sujeito = Sócrates. Os romanos honravam seus deuses. Pergunta: Quem honrava seus deuses? Resposta: Os romanos. Sujeito: Os romanos. Parece-me, assim, tratar-se de um recurso inócuo, pois supõe que já descobrimos aquilo que nos propusemos a identificar. Por outro lado, se para descobrir o sujeito é bastante saber quem praticou a ação, qual o tratamento que devemos dispensar às construções passivas? Por exemplo, na oração “O caçador foi morto pelo tigre”, quem pratica a ação? É ainda Almeida (1983:209), parágrafo 389, que aponta uma resposta: Mas então o caçador deixou de ser sujeito? - Não. Mas como não, se não foi ele quem praticou a ação de matar? - Realmente, mas a ação agora expressa não é a de matar, mas a de ser morto. Por que essa diferença? - Porque no primeiro caso o verbo está na voz ativa e, no segundo, na voz passiva. 48 É inegável o esforço do autor para justificar um traço que caracteriza o sujeito prototípico. Na grande maioria das vezes, o sujeito é aquele que pratica a ação. Contudo, afirmar que alguém pode praticar a ação de ser ferido, parece-me uma retórica de difícil compreensão. Com relação a Sacconi (1991), chamou-me a atenção, particularmente, o caráter circular das definições de sujeito e predicado: para o autor, sujeito é o ser ao qual se atribui a idéia contida no predicado (p.284), e predicado tudo aquilo que se atribui ao sujeito (p.293). É evidente o aspecto tautológico das definições. Essa circularidade em nada contribui para dissipar as dúvidas do estudante quando recorre à gramatica. Voltando ao traço agente, Sacconi também sugere uma “fórmula” para se encontrar o sujeito de uma oração: basta fazer a pergunta O QUE? antes do verbo. Ex.: A casa de Juçara sofreu reforma geral. Façamos a pergunta: O QUE sofreu reforma geral? A resposta: A casa de Juçara (é o sujeito). Juçara trabalha com os pais. Façamos a pergunta: O QUE trabalha com os pais? A resposta: Juçara.” Diferentemente da proposta de Almeida, essa não faz menção explícita ao caráter agentivo do elemento sujeito, e se utiliza apenas do pronome QUE. Explica Saconni: muitos autores ensinam que se pergunta O QUE? quando o sujeito representa coisa e QUEM? quando representa pessoa. Ora, se ao fazer a pergunta ainda não se sabe qual é o sujeito, como escolher entre um e outro pronome? No entanto, como Almeida, Sacconi inclui, na pergunta, o SN objeto, o único elemento da oração que poderia competir para a função de sujeito. 49 Adotando o procedimento sugerido pelos gramáticos, pergunto: o que fazer então com orações do tipo “O menino viu o mar”? Se uso O QUE viu?, parece-me que a resposta imediata é o mar (objeto) e apenas QUEM viu? tem como resposta o menino (sujeito). A escolha de um ou outro pronome interrogativo depende, unicamente, de um conhecimento prévio das funções sintáticas de cada sintagma, o que torna o recurso absolutamente dispensável. Note-se que, nesse caso, foram omitidos os dois únicos Sns candidatos potenciais ao papel de sujeito: o menino e o mar. Isso evidencia que a fórmula sugerida pelos gramáticos só funciona quando se inclui na pergunta o elemento objeto e, portanto, já se conhece previamente o elemento que se quer identificar. As relações semânticas entre sujeito e verbo Na seção anterior, procurei mostrar como o traço semântico agente é evidenciado na análise do sujeito. O procedimento dos gramáticos, via de regra, não difere do adotado por Almeida: na definição, salientam uma característica (pertencente a um determinado nível de análise) e, concomitantemente, sugerem uma outra (de outro nível) como forma de se identificar o sujeito de uma oração. Esse procedimento ocorre sem “aviso prévio”, já que o leitor/aluno não é esclarecido sobre as possibilidades de classificação dos elementos lingüísticos, relacionadas a diferentes níveis de análise: morfossintático, semântico, discursivo. Por outro lado, até mesmo a relação semântica entre sujeito e verbo é apresentada de forma limitada, uma vez que apenas um caso merece atenção especial: a relação entre o sujeito-agente e um verbo de ação. Neste trabalho, seguindo Chafe (1979)19, analiso o sujeito a partir dos papéis semânticos que ele pode desempenhar: agente, paciente, experimentador, beneficiário e 19 As relações semânticas sugeridas pelo autor ocorrem entre nome e verbo, já que sua suposição é a de que o universo conceptual humano total é dicotomizado inicialmente em duas grandes áreas. Uma, a área do verbo, engloba estados (condições, qualidades) e eventos; a outra, a área do nome, engloba ‘coisas’ (tanto objetos físicos como abstrações coisificadas) (p.96). Ou seja, nome aqui pode, além de cobrir a categoria sintática de sujeito, também corresponder a um complemento (no caso dos objetos) ou a um lugar (no caso dos adjuntos adverbiais). 50 instrumento, relacionados, respectivamente, aos seguintes tipos de verbo: de ação, de estado ou processo, de experiência, benefactivo e de ação-processo20 . 1) Sujeito-Agente / Verbo de Ação: a possibilidade de um sujeito se apresentar como agente vai depender de sua especificação semântica como algo que tem força própria para realizar a ação que é expressa pelo verbo. Assim, a noção de agente coincide com a de animado, embora, não necessariamente, coincida com a de humano, como mostra o seguinte exemplo, em que o sujeito os pinguins é agente, animado, mas não-humano: (34) Batman percebeu que os pinguins eram levados por vibrações, logo ele interferiu nessa freqüencia e os pinguins voltam a gruta. (Língua escrita, 8ª série, p. 318). Conforme Chafe, em alguns casos, um sujeito não-animado pode ser agente, como o exemplo abaixo: (35) ... Caminhões descarregavam frutas na calçada da minha casa... (Língua escrita, 8a. Série, p. 383).21 2) Sujeito-Paciente / Verbo de Estado ou de Processo: o sujeito será analisado semanticamente como paciente em duas situações: a) quando se apresentar num certo estado ou condição: 20 Chafe observa que as relações de paciente e agente entre nome-verbo parecem desempenhar na estrutura semântica um papel mais fundamental do que quaisquer outras, um papel que se vincula à especificação básica de um verbo como estado, processo, ação ou ação-processo. (p.148). 21 Chafe (1979:110) assegura que a possibilidade de um nome ocorrer como agente depende de sua especificação semântica como algo que tem o poder de fazer alguma coisa, algo que tem uma força própria, que é automotivado, e que, na maioria dos casos, esse conceito de automotivação coincide com o conceito de animação, o que explica porque geralmente os seres animados é que são concebidos como tendo sua própria força motivadora interna. O autor admite haver, entretanto, alguns nomes que são não-animados mas que podem, contudo, ocorrer como agentes, como nos exemplos que ele cita: o calor derreteu a manteiga, o vento abriu a porta, o navio destruiu o cais. Com base nessas observações, conclui Chafe, sugerirei que um nome pode ser especificado facultativamente como potente, significando que ele tem, ou imagina-se que tenha, seu próprio poder interno. 51 (36) ... mas da minha garganta eu sofria demais... menina... eu só vivia dormindo... porque aí eu não sentia fome... nem sede... nem nada... mas foi uma luta muito grande... tomei umas seis injeções... meus braços já tava tudo dolorido... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 232). b) quando estamos diante de processos, em que o sujeito muda de estado ou condição: (37) Num país como o Brasil onde a justiça é falha nunca poderá implantar a pena de morte. Muitas pessoas morreriam inocentes... (Língua escrita, 8ª série, p. 321). Assim, quando o verbo é especificado ou como estado ou como processo, o sujeito é seu paciente. 3) Sujeito-Experimentador / Verbo de Experiência: nesse caso, o sujeito será o elemento cuja disposição mental ou cujos processos mentais foram afetados, o que ocorre com o sujeito as irmãs da oração em negrito: (38) ... o povo não ligava só que depois que começou aquela animação do coro... por incrível que pareça... começou a chamar mais gente né... pra igreja... aí... e ela continuava ensaiando esse coro né... as irmãs gostavam muito... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 279-280). Como o verbo de experiência está relacionado a percepção sensorial, o sujeito que o acompanha, na grande maioria dos casos, será animado. 4) Sujeito-Beneficiário / Verbo Benefactivo: aqui, o sujeito é aquele que se “beneficia” (em sentido amplo) de tudo o que é comunicado pelo resto da oração, como ocorre com o pronome relativo “que” (= alunos) no seguinte caso: 52 (39) Isso é muito relativo, primeiro porque pode se melhorar as escolas públicas, outro meio é que existe alunos nas escolas públicas que tem notas melhores do que alunos de outras escolas. (Língua escrita, 3ª série do 2º grau, p. 208). 5) Sujeito-Instrumento / Verbo de Ação-Processo: o sujeito classificado como instrumento é aquele que desempenha um papel no desencadeamento de um processo, não sendo, porém, a força motivadora. Assim, torna-se subsidiário para o agente, como ocorre com chave em “A chave abriu a porta”. Enquanto a ação expressa pelo verbo está relacionada a um agente não-explícito, aquele que abriu a porta, o processo de abrir afeta o complemento do verbo, a porta, que muda de estado. Nenhum caso de sujeito-instrumento foi encontrado no corpus analisado. A análise dos dados Utilizei, para a análise do traço agente, as mesmas 360 orações utilizadas para o traço concordância. São 259 orações provenientes do material falado e 101 do material escrito. Desconsiderei, aqui, a variante grau de escolaridade, considerada na análise anterior, uma vez que a concordância, por se tratar de um aspecto gramatical ensinado na escola, poderia estar associada a essa variante. A relação agente/grau de escolaridade é pouco provável, uma vez que a noção de agente parece estar relacionada a aspectos cognitivos. Conforme os resultados apresentados no QUADRO X, o sujeito-paciente (relacionado tanto a verbo de estado como de processo) ocorre mais freqüentemente do que o sujeito agente. Enquanto os sujeitos/pacientes totalizam 153 (42,50%), temos 139 (38,61%) sujeitos-agentes. QUADRO X 8a. Série do 1o.Grau e 3a. Série do 2o.Grau Língua Falada e Escrita Totais 53 Agente/Ação 139 (38,61%) Paciente/Estado 88 (24,44%) Paciente/Processo 65 (18,06%) Experimentador/Exp. 56 (15,56%) Beneficiário/Benefac. 12 (03,33%) Instrumento/Ação-Proc. 00 Total 360 (100%) Essa freqüencia também é verificada quando os dados são analisados levando-se em consideração o tipo de canal. Ou seja, o sujeito-paciente é relativamente mais freqüente tanto nos dados da fala como nos da escrita, conforme os seguintes quadros: QUADRO XI 8a. Série do 1o.Grau e 3a. Série do 2o.Grau Língua Falada Totais Agente/Ação 106 (40,93%) Paciente/Estado 63 (24,32%) Paciente/Processo 44 (16,99%) Experimentador/Exp. 39 (15,06%) Beneficiário/Benefac. 07 (02,70%) Instrumento/Ação-Proc. 00 Total 259 (100%) QUADRO XII 8a. Série do 1o.Grau e 3a. Série do 2o.Grau Língua Escrita Totais 54 Agente/Ação 33 (32,68%) Paciente/Estado 25 (24,75%) Paciente/Processo 21 (20,79%) Experimentador/Exp. 17 (16,83%) Beneficiário/Benefac. 05 (04,95%) Instrumento/Ação-Proc. 00 Total 101 (100%) Esses resultados, à primeira vista, parecem contradizer a hipótese de muitos lingüistas de que a característica semântica do sujeito prototípico é a de ser o agente, ou seja, o realizador da ação verbal22 . Contudo, esclareço que o corpus em que se baseia a análise é constituído de 08 textos descritivos (04 escritos e 04 falados), que favorecem uma maior ocorrência de verbos de estado e de processo; conseqüentemente, esses textos possuem um maior número de sujeitos pacientes. Neles, identifiquei 38 sujeitos-pacientes (25 relacionados a verbos de estado e 13 a verbos de processo) e apenas 06 sujeitos-agentes. Cabe ressaltar, ainda, que se considerarmos os pacientes de verbos de estado, de um lado, e os pacientes de verbo de processo, de outro, a freqüência de ocorrência de cada um deles seria menor do que a de agente. Embora Chafe aplique indistintamente o rótulo “paciente” aos nomes relacionados tanto aos verbos de estado quanto aos de processo, há uma tênue distinção na relação semântica entre o paciente e o verbo caso este seja de estado ou de processo. Nesse último, intervem o traço “dinâmico”, ausente no primeiro. Segundo Chafe, embora o agente não tenha, necessariamente, que ser animado, ainda assim ele é predominantemente animado23 . A análise dos dados ratificou a correlação entre agente e animado, conforme os resultados seguintes: dos 139 sujeitos-agentes, 130 22 Essa é a posição de Pontes (1986), que segue Keenan (1976). Cf. Chafe (1979:110). A categoria “potente” sugerida por Chafe e apresentada na nota 14 deste trabalho não é adotada por outros autores que trabalham com semântica. O próprio Chafe, ao analisar o calor, o vento e o navio (nos exemplos apresentados anteriormente) como nomes que têm uma força própria que os habilita a ‘executar’ certas ações, esclarece que Fillmore (1968) já apontou que tais nomes são instrumentos em vez de agentes. Embora concordando que se trata de uma questão polêmica, admito que ela não compromete a taxonomia proposta por Chafe, que se mostrou produtiva na análise dos meus dados. 23 55 (93,52%) são animados e apenas 09 (06,48%) são não-animados. Os nove casos de agente não-animado se enquadram na categoria potente. O sujeito especificado como experimentador também é, via de regra, animado. Dos 56 exemplos localizados, apenas 02 (03,57%) não apresentam essa característica: (40) Tivemos um problema com os banheiros, por que havia muita gente e por isso uma fila enorme e também muriçocas, se bem que elas foram incentivadoras p/ novas amizades, por que na última noite as luzes precisavam ficar acesas para as muriçocas não incomodarem tanto... (Língua escrita, 3ª série do 2º grau, p. 206). (41) Por traz da igreja existe um salão, creio que construído apenas para ocasiões especiais que necessitassem de um espaço grande. (Língua escrita, 3ª série do 2º grau, p. 298). Nesses casos, os informantes personificam referentes inanimados, transferindo para eles necessidades que são intrinsecamente humanas. A correlação entre sujeito-beneficiário e animado chega a ser categórica em meus dados: todos os 12 sujeitos-beneficiários são animados. Conforme os resultados apresentados, observamos que o sujeito se apresenta, tipicamente, como animado. Essa característica, normalmente associada apenas ao agente, também se evidenciou nos demais casos semânticos, com exceção dos sujeitos-pacientes. São esses os resultados: QUADRO XI 8a. Série do 1o.Grau e 3a. Série do 2o.Grau Língua Falada e Escrita Animado Não-animado Totais Sujeito-Agente 130 (93,52%) 09 (06,48%) 139 (100%) Sujeito-Paciente 63 (41,18%) 90 (58,82%) 153 (100%) 56 Sujeito-Experiment. 54 (96,43%) 02 (03,57%) 56 (100%) Sujeito-Beneiciário 12 (100%) 00 12 (100%) Totais 259 (71,94%) 101 (28,06%) 360 (100%) Vale ressaltar que a maior ocorrência de sujeitos não-animados no caso paciente, 58,82% contra 41,18% de animados, não chega a ser significativa, o que nos permite afirmar que, mesmo sofrendo a ação, o sujeito apresenta uma forte tendência a ser animado. A cognição na análise do sujeito O traço animado está relacionado ao evento causal prototípico, que tem papel importante na percepção humana da experiência. Slobin (1982) define o evento causal prototípico como aquele em que um agente animado intencionalmente (o grifo é meu) causa uma mudança física e perceptível de estado ou locação em um paciente através de contato corporal direto. Segundo slobin, por volta dos 2 anos de idade, os eventos que a criança começa a codificar gramaticalmente são apenas aqueles eventos causais prototípicos, partindo, depois, da codificação destes para a codificação dos eventos menos típicos. A codificação consistente, feita pela criança, do evento prototípico pode ser explicada pela saliência cognitiva que esses eventos refletem. Conforme sugere Slobin, a criança inicialmente focaliza sua atenção nos eventos que são mais salientes devido a uma interseção de fatores que envolvem categorias perceptuais básicas, emoção, atividades habituais e interação. Conforme Martelotta et alii (1995), as pressões cognitivas constituem uma das causas de a gramática apresentar um aspecto mais regular, pois ela é também uma conseqüência do modo como os humanos interpretam o mundo e organizam mentalmente as informações decorrentes dessa interpretação. 57 O que não significa dizer que a gramática é um organismo auto-suficiente gerado por fatores cognitivos, como querem os gerativistas. A gramática, como já salientado anteriormente, é, principalmente, uma conseqüência de padrões que se estabelecem no uso da língua. A compreensão é a de que o pensamento inicialmente trabalha com conceitos adquiridos pelo contato com o mundo concreto: o homem compreende a realidade abstrata do mundo das idéias a partir de transferências que realiza do mundo concreto. As línguas, portanto, possuem um sistema semântico cognitivo de base experiencial, que opera e determina as regularidades que caracterizam a derivação dos sentidos através da transferência do mundo real para os domínios do mundo abstrato.” (Cf. Martelotta et alii, 1995). Esse processo obedece a três fases: a) a fase concreta: em que ocorre o contato homemrealidade; b) a fase epistêmica: marcada pela experiência fundante e c) a fase discursiva: quando se chega às formas lingüísticas. Como podemos observar, a transferência ocorre mediante um processo de crescente abstração. A forte tendência de o sujeito apresentar o traço animado parece, assim, estar relacionada com a progressiva abstração das formas da língua. Para refletir o mundo concreto do aluno, os livros didáticos, quando oferecem exemplos do constituinte oracional sujeito, utilizam, primeiramente, nomes relacionados a seres animados que realizam determinadas ações, como no exemplo “Vovó conta histórias para seu neto” (CAMPELO, 1992:190). Conseqüentemente, fica estabelecida uma relação entre os referentes do mundo real, dotados da capacidade de fazer alguma coisa, e o elemento sujeito, que pertence ao mundo lingüistico. Essa relação é reforçada pela afirmação freqüente das gramáticas de que o sujeito “é o ser...”. Finalmente, ocorre uma transferência metonímica de propriedades específicas de referentes animados para objetos. Essa transferência só é possível devido a um acordo coletivo implícito que faz com que orações do tipo “A faca cortou a corda”, “Os pensamentos atrapalharam a concentração”, “A alegria pediu licença e entrou” e tantas outras sejam perfeitamente compreensíveis entre os falantes. 58 Com esse entendimento, torna-se possível admitir que o fato de os falantes associarem o conceito de sujeito ao caso agente é resultado de motivação cognitiva: como animado está associado, primeiramente, à agente, podemos supor que o caso agente, por refletir um elemento cognitivamente saliente, é associado à função gramatical de sujeito, que assinala um elemento saliente no discurso. O traço tópico24 Conforme o anexo I, das 18 gramáticas consultadas durante a elaboração deste trabalho, 11 (61,11%) definem, em termos gerais, o sujeito como sendo o elemento sobre o qual se faz uma declaração. Essa definição, contudo, coincide com a que os lingüistas, tradicionalmente, atribuem à tópico25. Pontes (1986:177) já questiona a necessidade de dois termos, se as definições são iguais. Utilizarei, neste trabalho, uma distinção entre tópico e sujeito que é adotada por muitos autores: tomarei tópico como uma noção discursivo-pragmática, enquanto sujeito será tomado como uma noção sintático-gramatical, conforme Givón (1979), entre outros. Assim, embora sintaticamante o tópico tenda a exercer a função de sujeito e, do ponto de vista discursivo, o sujeito tenda a exercer a função de tópico, é fácil observar em alguns exemplos que nem sempre essas duas funções são desempenhadas pelo mesmo constituinte. No exemplo seguinte, enquanto o SN minha tia é identificado como o sujeito oracional, mantendo com o verbo relação sintática e semântica, o SN essa casa, guardando relativa 24 Nesta seção, a noção de tópico restringe-se ao nível da oração (aquilo sobre o qual se declara algo), uma vez que o objetivo é relacioná-la à definição de sujeito que mais freqüentemente encontramos nas gramáticas tradicionais. 25 Sanders & Wirth (1985), por exemplo, afirmam que tópico está relacionado à noção de aboutness: item sobre o qual é apresentado um comentário. 59 independência com relação aos demais componentes da estrutura, corresponde ao elemento sobre o qual algo é declarado, o ponto de partida do enunciado. (42) essa casa... minha tia de vez em quando vai veranear lá... (Língua falada, 8ª. Série, p. 369). Podemos então concluir que a definição de sujeito mais utilizada pelos gramáticos se relaciona, na verdade, a um constituinte discursivo: o tópico. De fato, é do ponto de vista da enunciação que o sujeito é definido. Como o sujeito prototípico em português é aquele que além de anteceder e estar em concordância com o verbo, ser humano e agente também é tópico, conforme traços sugeridos por Keenan (1976), a definição de sujeito como sendo o elemento sobre o qual se faz uma declaração cobre apenas um determinado, embora significativo, número de casos. Isso não explica, certamente, a posição da gramática tradicional diante da categoria sujeito, pois se a definição fosse orientada por um aspecto probabilístico - maior freqüencia - ela tanto poderia privilegiar o traço tópico quanto os demais, de outros níveis. A análise dos dados Conforme salientado anteriormente, a definição de sujeito mais encontrada nas gramáticas é de caráter discursivo-pragmático, tomando o sujeito como aquele elemento a partir do qual (e a respeito do qual) uma declaração é feita. Essa definição confunde as noções de sujeito e tópico, relacionadas a níveis distintos de análise. Interessa-me, aqui, levantar as características que diferenciam essas duas categorias e hipotetizar possíveis relações entre elas. Por essa razão, na análise dos dados, desconsiderei os casos (nãomarcados) em que sujeito e tópico são representados pelo mesmo SN, como ocorre no exemplo seguinte: (43) O médico também atende pacientes queimados e acidentados no trabalho... (Língua escrita, 3ª série do 2º. Grau, p. 268). 60 Interessei-me, particularmente, por dois tipos de estruturas: a) aquelas em que os papéis de sujeito e tópico são codificados por itens distintos tanto do ponto de vista morfossintático quanto semântico, como ocorre no exemplo abaixo: (44) ... esse acampamento todos os meus amigos foram... (Língua falada, 8ª. Série, p. 303); b) aquelas em que esses papéis são codificados por itens distintos, mas correferentes, como no seguinte exemplo: (45) ... a casa de minha avó... ela é grande sabe? (Língua falada, 8ª série, p. 347). No corpus, foram encontrados 17 casos do tipo a) e 35 do tipo b). A lingüística costuma classificar essas estruturas como sendo Topicalização (estrutura a)) e Deslocamento para a esquerda (estrutura b)). Pontes (1987:65) atribui a J.R. Ross (Constraints on variables in syntax, dissertação de doutorado, 1967) a distinção entre topicalização e deslocamento para a esquerda. Para Ross, essa distinção se baseia essencialmente no fato de que, no caso de deslocamento para a esquerda, aparece um pronome que o autor chama de pronome-cópia. No caso de topicalização, esse pronome não vai aparecer. Postura semelhante encontramos em Votre (1992:46), para quem os referentes deslocados para a esquerda apresentam um pronome resumptivo, ou rastro, no interior da cláusula, e em português codificam prioritariamente sujeitos.. Como podemos observar nos exemplos apresentados, quando o tópico não é correferente ao sujeito, temos topicalização, ex. (44); quando eles são correferentes, estamos diante de um deslocamento para a esquerda, ex. (45). O que pretendo destacar é que qualquer classificação sintática tanto para o SN esse acampamento (em ...esse acampamento todos os meus amigos foram...) como para o SN a casa de minha avó (em ... a casa de minha avó... ela é grande sabe?) me parece um tanto forçada. Esses SNs se mostram relativamente independentes da oraçãocomentário que os segue, sem desempenharem nela qualquer função sintática. Antes, são tomados como ponto de partida da porção do discurso que os seguirá. O informante os 61 seleciona como o elemento central a partir do qual a informação será transmitida. Trata-se, portanto, de SNs marcadamente discursivos que recebem o rótulo de “tópico”. Conforme Chafe (1976) e Li e Thompson (1976), o que caracteriza o tópico é ele estabelecer um quadro de referência para o que vai ser dito a seguir. Assim, não analiso a estrutura apresentada no exemplo (44) como o simples resultado de uma transformação que faz com que o sintagma preposicionado passe a ocupar a posição inicial na estrutura oracional, perdendo, no processo, a preposição. Tal análise apontaria como “correspondentes” as seguintes construções: (44) ... esse acampamento todos os meus amigos foram... (44’) ...nesse acampamento todos os meus amigos foram... Em (4’) é possível analisar o constituinte nesse acampamento como adjunto adverbial de lugar. Diferentemente, em (44), não vejo como restringir o significado do SN esse acampamento a um valor adverbial, completando o sentido do verbo ir. Sua função não é intra-oracional e está, mais propriamente, relacionada às estratégias discursivas utilizadas pelos falantes na apresentação do conteúdo informacional. Já a estrutura apresentada no exemplo (45) recebe, na gramática tradicional, o rótulo de pleonasmo, aparecendo entre as figuras de sintaxe. O pleonasmo é definido, de maneira geral, como sendo a repetição de uma expressão ou idéia já enunciada anteriormente. Aqui, mais uma vez, a análise se prende a aspectos formais. O muito que se faz é atribuir a organização dos elementos oracionais a fatores “estilísticos”, ficando obscurecida a função discursivo-pragmática da construção. Com relação às estrutras objeto de minha análise - topicalização e deslocamento para a esquerda - esclarece Votre (1992:45) que ambos os processos estão estreitamente associados a estratégias discursivas para atrair a atenção do interlocutor, e atuam dentro de um domínio funcional complexo que podemos rotular de contrastividade. É essencialmente a função contrastiva, com todos os seus reflexos funcionais e suas contrapartes estruturais, que melhor explica o mecanismo de anteposição para fora dos limites estruturais da cláusula. 62 Os exemplos a seguir ilustram a afirmativa de Votre: (46) E: Solange... você poderia descrever um lugar que você goste de ficar ou até que você não goste... um lugar que você já foi... qualquer lugar... I: É... o meu colégio... o Ferro Cardoso né... ele.. eu gosto... eu gosto de ficar lá né... apesar de ser um prédio pequeno... mas eu gosto e.... também porque eu já passei muito tempo estudando lá e eu já me acostumei né... com o prédio... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 283). Nesse exemplo, a informante, ao iniciar sua fala, aponta, primeiramente, o referente sobre o qual todo o restante do texto irá tratar. A função comunicativa básica dessa estratégia discursiva é abrir espaço para um tópico contrastivo, já que ele é selecionado entre todas as outras possibilidades oferecidas na solicitação do entrevistador. Aqui, a função contrastiva é ainda salientada pelas três diferentes formas de codificação utilizadas pela informante para o mesmo elemento tópico: primeiro o SN o meu colégio é contrastivo com todos os outros lugares possíveis de ser descritos; o segundo SN, o Ferro Cardoso, representa mais um recorte, uma vez que determina de qual colégio se fala; por fim, o pronome ele, anafórico, funciona como reforço na indicação do elemento escolhido para ser o tópico. A sequência seguinte, eu gosto... eu gosto de ficar lá né..., representa o comentário que é feito sobre o tópico selecionado (repetido no advérbio lá). Assim, a ordenação dos constituintes no início da resposta da informante ilustra, antes de mais nada, uma construção de tópico-comentário, de nível pragmático-discursivo. (47) ... há uma... é... a religião verdadeira né... que é o amor... o amor que você tem a Deus... o amor que você tem a seu próximo... agora... geralmente as seitas... elas não têm interesse de mostrar... de... de mostrar... a verdade... não é... de mostrar Deus... (Língua falada, 3ª série do 2º grau, p. 292). No exemplo (47), a seqüência em negrito representa uma quebra da expectativa natural decorrente do fluxo do texto, uma vez que a informante vinha falando da “religião 63 verdadeira”. A entrada de um novo tópico - “as seitas” -, altamente contrastivo com o anterior, requer uma abertura de espaço especial, o que é garantido pela construção de tópico-comentário. As estruturas que estão sendo aqui examinadas são produzidas, predominantemente, na oralidade. Entretanto, em meus dados de material escrito, encontrei o seguinte exemplo: (48) Quando eu e os meus amigos chegamos ao local de partida, todos estavam alegres pensando que tudo não ia passar de um simples piquinique. Todos nós trouxemos uma mochila, dentro dessas mochilas havia mais comida do que utensilios pessoais. Mas, ainda no local de partida teve um momento em que o tenente do curso começou a revistar nossas mochilas. As mochilas que tinham comida dentro, foi revistada toda a comida. Algumas pessoas até protestaram. (Língua escrita, 8ª série, p. 315). A estrutura em negrito, a meu ver, apresenta todas as características de uma construção de tópico-comentário. Tem-se, primeiramente, um tópico (as mochilas que tinham comida dentro) - com um grau maior de complexidade estrutural em relação aos exemplos precedentes -, seguido de uma oração que funciona como um comentário, completando a informação sobre o referente-tópico. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS A insatisfação generalizada com a qualidade do ensino da língua portuguesa fundamentado na “doutrina” da gramática tradicional é o motivo primeiro a justificar a existência deste trabalho. É mais do que notório o descaso crescente da parte dos jovens pelo estudo de sua própria língua, a ponto de se ter aversão às “aulas de português”. Já são muitas (e antigas) as vozes que se somam na reivindicação de uma nova roupagem para esse ensino, de modo a torná-lo minimamente mais prazeroso tanto para o professor quanto para o aluno. As bases do ensino gramatical tradicional já foram inúmeras vezes questionadas. A inconsistência teórica é flagrante no trato que a gramática oferece a inúmeras questões. Continua evidente o preconceito com a modalidade oral da língua, a despeito de um número cada vez mais representativo de trabalhos que a lingüística hoje desenvolve nessa área. Contudo, a prática de ensino do português parece continuar alheia a todas essas questões. Freqüentemente, fala-se do quão distanciada se tornou a língua apresentada nos compêndios gramaticais daquela através da qual diariamente nos comunicamos. Lamentavelmente, estabelece-se uma dicotomia que em nada incentiva a curiosidade intelectual dos jovens alunos: de um lado, uma língua para concursos, estática, “a mais difícil e mais complexa de todas”, “a mais chata”, “a mais complicada”, aquela que se aprende para ser esquecida algumas horas após a prova; do outro, uma língua dinâmica, criativa, produtiva, verdadeiro camaleão capaz de se vestir da cor mais improvável se o objetivo é atender a um ato comunicativo. O desafio, ao que parece, é fazer com que se entenda que a complexidade de uma língua pode e deve ser descoberta a partir de uma reflexão coerente, de uma prática de ensino baseada nos “fatos” que realmente essa língua revela, não permitindo, principalmente, que a “norma” se transforme no objetivo final do processo. Nesse sentido, faz-se necessário uma nova concepção de língua, diferente daquela que depreendemos a partir do ensino tradicional. Enfatizo, porém, como Perini (1995:35), que o estudo da gramática de uma língua não pode dispensar o estudo da teoria e da metodologia lingüísticas. 65 Neste trabalho, procurei mostrar que, muitas vezes, o ensino de uma categoria gramatical da língua portuguesa se torna enfadonho, cansativo e improdutivo por razões relativamente fáceis de ser contornadas. O primeiro passo seria uma perspectiva mais ampla da estrutura e do funcionamento da língua. Assim, não se pode perder de vista que a língua não se resume à sua forma, já que essa forma está relacionada a um significado e a serviço de um uso que se faz dela. Quando, por exemplo, o professor afirma para seu aluno que o sujeito é aquele que promove a concordância verbal é imprescindível que se tenha bem claro que essa é uma definição parcial de sujeito. Ela cobre apenas um aspecto, um nível da análise, o formal, já que a concordância está diretamente relacionada com a organização sintática. Procedimento idêntico deve ocorrer quando o sujeito for definido como o que pratica a ação expressa pelo verbo. O elemento analisado é o mesmo, o que muda é o direcionamento da análise. O que se evidencia, aqui, não é mais a forma mas um valor semântico, entre outros, que o elemento sujeito pode expressar. O professor pode afirmar, ainda, que o sujeito é o termo a partir do qual se faz uma declaração. Para tanto, basta possuir e transmitir para seus alunos a consciência de que tal definição é orientada pela característica discursiva que o sujeito possui mais freqüentemente. Por ser uma característica discursiva, ela está relacionada às diferentes possibilidades de uso, aos diferentes objetivos almejados durante o ato conversacional. Com esse procedimento, três níveis de análise ficam delimitados e, finalidade maior, começa-se a perceber que estudar uma língua não se resume a decorar rótulos. Segundo passo: o entendimento de que, embora independentes, os aspectos formais, semânticos e discursivos de uma língua devem ser articulados, uma vez que representam diferentes faces de um mesmo objeto. Não falo, obviamente, da “mistura” indiscriminada de critérios muitas vezes observada nas análises de nossas gramáticas. Esse procedimento só confunde o aluno. A articulação pressupõe o reconhecimento de cada nível, isoladamente. É ela que nos permite compreender, por exemplo, que não estruturamos aleatoriamente nosso discurso: a ordenação e a escolha dos elementos lingüísticos é, em última análise, orientada pelas diversas funções que a língua é convidada a desempenhar. Assim, quando Caetano Veloso, na letra de O Índio, constrói o verso “virá 66 que eu vi” , o que menos importa é a ausência da lógica em se argumentar com um verbo no passado um fato que ainda está por acontecer. Quero salientar que tais considerações não devem ser interpretadas como sendo exclusivas para a modalidade escrita. Por puro preconceito, continuamos atribuindo à oralidade um status inferior, o espaço privilegiado dos “erros” e “defeitos” da língua. Tanto é que muitos dos “desvios” na escrita são analisados como “transferências indevidas” da fala. Com esse entendimento, fica comprometida, logo de início, qualquer tentativa de uma prática pedagógica sem os equívocos tão cotidianos das aulas de português. A importância, então, da descrição das estruturas da língua oral é evidente, observa Pontes (1987:85), já que se os próprios professores não conhecem as estruturas da língua oral, eles não podem compreender muitas das dificuldades que seus alunos têm no processo de aprendizagem da escrita. Para mudar este ‘status quo’ nós temos que conhecer, primeiro, porque o aluno usa uma determinada estrutura. Para conseguir isto é, portanto, necessário que nós observemos e descrevamos as estruturas da língua oral. A partir daí, podemos ir adiante e realizar estudos contrastivos entre a língua oral e a escrita. Ao longo desta trabalho, procurei analisar o sujeito guiado por essas considerações. Nunca perdi de vista que o procedimento adotado poderia ser o mesmo se o objeto analisado fosse qualquer outra categoria gramatical. Os traços caracterizadores do sujeito - concordância, agente e tópico - já foram, isoladamente, temas de muitos trabalhos cujas análises apresentam um nível de aprofundamento maior do que o que consegui realizar no capítulo III. Se os trago novamente para o debate é porque: a) percebi a necessidade de se ter um perfil mais completo, em um só trabalho, das diferentes manifestações de procedimento da categoria sujeito; b) objetivei demonstrar o porquê das definições encontradas na gramática tradicional se tornarem inconsistentes, dificultando ainda mais a tarefa de ensino-aprendizagem. Assim, não me contentei apenas com a resenha crítica dos postulados gramaticais e procurei o respaldo de uma teoria que me levasse além da crítica. A teoria funcionalista contemporânea foi adotada por resgatar os pontos levantados anteriormente, como, por exemplo, a concepção de língua como um sistema que está em constante transformação; a 67 articulação dos diferentes níveis na análise dos fenômenos lingüísticos; a concepção de gramática como um conjunto de regularidades decorrentes de pressões de uso, a partir da compreensão de que o discurso é o ponto de partida, e também o ponto de chegada, da gramática. A adoção do funcionalismo também se deveu a seu relativo caráter transdisciplinar. Conforme demonstrado, essa teoria, em busca de uma acepção mais ampla do fenômeno lingüístico, baseia-se em diferentes domínios no estudo da linguagem, trabalhando com variáveis da psicologia cognitiva, da psicolingüística, da sociolingüística, da semântica e da sintaxe. Num certo sentido, essa característica aproxima a teoria funcionalista das abordagens hoje presentes no Brasil na linha da Lingüística Aplicada. Ambas reconhecem que o estudo da língua não pode estar restrito a fatores intrinsecamente lingüísticos. Outras áreas de conhecimento participam do debate, recebendo e oferecendo subsídios para que se possa ter uma visão mais global da linguagem, evitando os recortes característicos de muitas outras abordagens. Com isso, acredito ter demonstrado o quanto é desnecessário (e, acredito eu, prejudicial) salientar uma dicotomia que, na verdade, não existe: de um lado a teoria e do outro a aplicação. No meu entender, essas são faces de uma mesma moeda e, por isso mesmo, estão sempre juntas, fatalmente. Fazer uso da teoria funcionalista também acarretou algumas “dificuldades”: em sua versão contemporânea, trata-se de uma teoria nova, em constantes reformulações, refinamentos e testagens de seus pressupostos. Assim sendo, necessariamente, não só aplico esses pressupostos como participo de sua construção. Muitas são as passagens neste trabalho que se revelaram como autênticos convites a novas e específicas pesquisas inseridas no quadro da lingüística funcional. Embora com a preocupação de não me afastar dos objetivos delineados para esta dissertação, foi impossível, por exemplo, não sugerir uma análise da relação entre sujeito e tópico à luz do paradigma da gramaticalização/desgramaticalização. Isso se deu como conseqüencia imediata das reflexões que vinham sendo feitas ao longo do trabalho, parecendo-me relevante ressaltar a correlação entre as estruturas de tópico-comentário e de sujeito-predicado, apontando a precedência de uma em relação à outra, na análise que leva em consideração não apenas fatores sintáticos, mas também fatores discursivo-pragmáticos. O ponto de vista de que uma 68 determinada ordenação vocabular possa desencadeear o surgimento de outra, dado o desgaste no uso rotineiro da língua, enfatiza o caráter de relativa instabilidade do sistema lingüístico. Embora sendo verdade que não basta uma teoria ou uma nova metodologia para se resolverem os problemas relacionados ao ensino da língua portuguesa, estou certo de que um bom começo seria alicerçar esse ensino com bases mais consistentes e mais coerentes do que aquelas que hoje existem. A teoria lingüística já se desenvolveu o bastante para oferecer sua contribuição. Ensino gramatical e lingüística não podem continuar dissociados. Não se trata de negar o conteúdo das gramáticas ou mesmo de deixar de reconhecer que existe um espaço para a norma. O que estão em xeque é uma abordagem caduca e uma prática de ensino mecanicamente reprodutora de tal abordagem. Se, mesmo timidamente, minhas reflexões suscitam essas questões, concluo que meus objetivos foram alcançados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, N. M. de. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo, Saraiva, 1983. ANDRÉ, H. A. de. Gramática ilustrada. São Paulo, Ed. Moderna, 1978. ARISTÓTELES. In: PESSANHA, J. A. M. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1978. ARNAULD, A. & LANCELOT, C. Gramática de Port-Royal. São Paulo, Martins Fontes, 1992. AZEREDO, J. C. de. Iniciação à sintaxe do portutugês. Rio de janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990. BACCEGA, M. A. Concordância verbal. Série Princípios, no. 55. São Paulo, Ática, 1986. BARROS, E. M. de. Nova gramática da língua portuguesa. 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