GEOGRAFIA, REPRESENTAÇÃO E ENSINO:
UM OLHAR SOBRE A DIMENSÃO CONCEITUAL
Salete Kozel-UFPR
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Ao refletirmos sobre o Espaço de Representação na escola
podemos vislumbrar diversas perspectivas, como: a
representação espacial construída pelos educando e
educadores sobre espaço físico da escola e seus arredores, o
espaço de representação gerado a partir da relação
estabelecida entre os agentes sociais que desenvolvem a
gestão da escola (docentes, discentes e gestores
administrativos), a representação do espaço elaborada pelo
educador/educandos a respeito dos espaços local/global
perpassando pelas categorias de análise e conceitos, entre
outras. É importante destacar que devido a amplitude de
enfoques possíveis elegemos enfocar a representação
espacial sob a perspectiva conceitual e pedagógica, refletindo
sobre as dimensões conceitual e de escala estabelecidas na
relação docente/discente.
O complexo contexto histórico que vivenciamos nos leva a
rever padrões e valores assim como o papel da instituição
escola, o fazer pedagógico e nosso papel como
docente/pesquisador.
E nesse aspecto a abordagem
geográfica nos currículos e a relação estabelecida entre
educando, educador e conhecimento geográfico se tornam o
cerne da questão.
Atualmente a Geografia se depara com o desafio de entender
e explicar o espaço num contexto em constante
transformação. O avanço tecnológico, a acelerada circulação
de mercadorias, de homens e idéias faz com que os seres
humanos redimensionem significativamente as relações
espaciais, pois sempre estiveram atreladas ao processo
produtivo e à vida social. O predomínio do tempo e do espaço,
mecanizados e padronizados, como fonte de poder material e
social leva a uma compreensão e uma vivência de espaço e
de tempos relativos, sobretudo por serem realidades
construídas individual e coletivamente.
A preocupação com as representações sempre esteve
presente, tanto no cotidiano dos grupos sociais como na
pesquisa geográfica estruturando as vertentes; representação
cartográfica e representação social/cultural (incorporando
valores, significados, ideologias, simbolismos).
Essa vertente de análise propõem entender os processos que
submetem o comportamento humano, tendo como premissa
que este é adquirido por meio de experiências (temporal,
espacial e social), existindo uma relação direta e indireta entre
essas representações e as ações humanas, ou seja, entre as
representações e o imaginário, revolucionando a gênese do
conhecimento, permitindo compreender a diversidade inerente
às
práticas
sociais,
às
mentalidades
e
aos
vividos.(Kozel,2002)
A escola, neste contexto é um referencial no espaço e um
tempo de construção histórica, social e geográfica (construído
na vivência e na representação cultural). O tempo de escola
não é uma mera realidade objetiva e a escola não é apenas o
lugar objetivo onde se aprende. É o tempo-espaço subjetivo,
vivido culturalmente onde aprendemos a nós mesmos de
forma objetiva e subjetiva, individual e coletiva.(Moraes,
2006).
E diante a esse panorama como gerenciar e entender uma
nova instituição para os novos tempos?
Desde a fase da vida infanto-juvenil, os anseios do ser
humano se constituem em tomar conhecimento e entender o
mundo, desde as questões naturais e humanas as questões
mais complexas. A televisão e demais mídias apresentam um
mundo que é próximo e ao mesmo distante, sem dúvida um
mundo mais complexo daquele apresentado nas “salas de
aula”. Geralmente nas escolas se tenta esclarecer as dúvidas
que surgem no processo de construção e apreensão do
conhecimento, porém limites são estabelecidos para a
possibilidade de pensar, sobretudo não permitindo que as
diferentes escalas espaciais possam ser ultrapassadas e
relacionadas com a realidade.
A prática pedagógica da geografia segundo Santos (1977),
acontece de acordo com duas abordagens: a sintética que
apresenta a realidade como ponto de partida e a analítica que
parte do estudo da superfície terrestre no seu conjunto, para
posteriormente se chegar ao lugar de convivência. Nas
últimas décadas se tem procurado desenvolver a abordagem
sintética, sobretudo por priorizar a ação do indivíduo como
agente social sobre o objeto, fundamental para a construção
do conhecimento.
Entretanto, nas complexas inter-relações educador/educando
e conhecimento geográfico ainda prevalecem um fazer
pedagógico pautado na hierarquização linear e mecânica do
espaço. Geralmente se apresenta primeiramente a família, em
seguida a escola, a rua, o bairro, a cidade, o campo, o
município, o estado, a nação, o continente e, por fim o mundo.
E essa seqüência raramente transgredida, não permite uma
maior compreensão do espaço, tornando o conhecimento
geográfico desestimulante. Almeida e Passini (1991)
referendam essa reflexão apontando que: ...“os avanços
tecnológicos dos meios de comunicação e circulação
proporcionam a aproximação dos espaços por estabelecer
ligações entre as diferentes escalas espaciais o que
raramente é considerado nas práticas pedagógicas em
geografia”.
E nesse aspecto é interessante ressaltar ainda que essa
situação também é reforçada por grande parte dos materiais
didáticos de apoio onde cada escala espacial é apresentada
de forma isolada, sem a preocupação em estabelecer relação
entre o espaço imediato, próximo e o distante.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais - MEC (Brasil, 1998)
também se pode encontrar um alerta aos educadores para
que não trabalhem hierarquicamente do local ao mundial (...)
“A compreensão de como a realidade local relaciona-se com o
contexto global é um trabalho que deve ser desenvolvido durante
toda a escolaridade de modo cada vez mais abrangente, desde os
ciclos iniciais”.
Nesse sentido, as diferentes escalas não podem ser
compreendidas de forma descontextualizadas e isoladas,
sobretudo quando a televisão, Internet e as diferentes mídias
apresentam em tempo real todos os acontecimentos
mundiais.
Não se espera que o estudante possa compreender toda a
complexidade das relações do seu lugar com o mundo e viceversa, mas não se deve privá-lo de estabelecer hipóteses,
observar, elaborar as suas explicações.
E nessa perspectiva é importante que o educador tenha em
mente que os conteúdos referendam o conhecimento
geográfico e são apenas ferramentas e não o foco central
para as ações pedagógicas.
O currículo reflete a sociedade e o momento histórico vivido,
portanto, as noções e experiências espaço-temporais
perpassam o cotidiano da educação tanto na organização
escolar quanto na totalidade dos conteúdos e vivências.
E nesse sentido Castrogiovani (2000) evidencia que...
“assim como o tempo, o espaço é visto apenas do
ponto de vista da forma e da estrutura, ou seja, do
visível, não tem significações e tampouco desperta
os alunos para possíveis “emoções”. Todo trabalho
espacial deve conter o sentimento da provocação
dos “porquês”, “para quês” e “para quem”.
As relações do indivíduo com o espaço geográfico construído
no cotidiano, os microespaços (que são os territórios do
indivíduo) devem ser incorporados aos conteúdos formais
apresentados na prática da geografia. Essa correlação entre a
vida real concreta e as demais informações permitirá análises
mais pertinentes e “um ressignificar” da abordagem
geográfica. Pode-se constatar que muitas vezes essas
questões deixam de ser consideradas por desconhecimento e
ingenuidade quanto a sua importância.
O descompasso entre a prática pedagógica e a ânsia em
descobrir o mundo também é apontado por Rubens Alves
(2004) quando diz :
“A curiosidade é a voz do corpo fascinado com o
mundo. A curiosidade quer aprender o mundo. A
curiosidade jamais tem preguiça! Por amor às
criança – e ao corpo – não seria possível pensar que
o nosso dever primeiro seria satisfazer essa
curiosidade original, que faz com que a
aprendizagem do mundo seja um prazer? (...) O fato
é que existe um descompasso inevitável entre os
programas escolares e a curiosidade”.
No seu dia a dia é importante que se possa perceber que o
seu território e o seu município são construídos pelo
movimento dos seres humanos que envolvem interesses que
podem ser localizados, reconhecidos e entendidos no
processo dinâmico da vida cotidiana. Isso fará com que se
compreenda o lugar ou território onde se insere como “espaço
total”,
construído
por
diferentes
temporalidades,
territorialidades e representações.
Assim, se pode não apenas estabelecer relações
socioculturais ao funcionamento da natureza às quais
historicamente pertence, como também compreender e refletir
de forma singular sobre a realidade sob a lente do
conhecimento geográfico.
Para se estabelecer a representação espacial esse
conhecimento deve ser considerado tanto em sua dimensão
conceitual como na dimensão instrumental.
A dimensão conceitual permite conhecer e aplicar conceitos
como: espaço, território, lugar, região, paisagem, ambiente,
rede bem como estabelecer relações entre eles. A dimensão
instrumental refere-se às competências relacionadas com a
observação direta, com a utilização, a elaboração e a
interpretação de representações cartográficas e gráficas,
visando integrar diferentes
características
espaciais
permitindo o desenvolvimento de um processo de
conhecimento.
A construção dos conceitos lugar, paisagem, território, região
entre outros é imprescindível para que se possa decifrar o
espaço geográfico. De acordo com Suertegaray (2002)
“(...) quando pensamos o espaço geográfico,
compreendemo-lo como a conjunção de diferentes
categorias, quais sejam: natureza, sociedade,
espaço-tempo. Essas categorias transformam-se
com a histórica mudança do mundo; por
conseqüência, transforma-se o espaço geográfico,
bem como o conceito de espaço geográfico.”
Quando optamos por trabalhar com um determinado conceito
estabelecemos a dimensão desse olhar. Por exemplo: o
conceito de território permite uma análise do político, o
conceito de região aponta para o econômico e o cultural, a
paisagem para a compreensão de natureza e cultura, o lugar
como reflete a subjetividade humana. Os exemplos nos
indicam a pertinência do que fundamenta a análise
geográfica, ou seja, a relação sociedade natureza, embora
nem sempre compreendida, pois os diferentes filtros
proporcionam olhares e significados diferenciados.
Pensar o espaço geográfico é considerar a multiplicidade de
olhares integrando o individual, particular ao coletivo, social.
Poderemos ler o espaço geográfico a partir das lentes
proporcionadas pelos diferentes conceitos de lugar, paisagem,
região, território. Considerando que cada uma das análises
contém as demais, isso porque todas contem a complexidade
da dimensão ampla do Espaço geográfico.
Como habitantes do espaço do planeta Terra convivemos com
múltiplas relações e a Geografia se constitui numa das lentes
que permite a sua leitura e o desencadeamento de ações
reflexivas e significativas. Não são apenas as explicações
sobre o mundo os objetos de estudo ou o foco do processo
educacional, mas particularmente a capacidade de ação dos
sujeitos nesse processo.
Referências:
- Almeida R. D E Passini, E O espaço geográfico: ensino e
representação.São Paulo: Contexto, 1991.
- Alves,R. Entre a ciência e a sapiência. O dilema da
Educação.São Paulo: Loyalo, 2004
- BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: história, geografia, Brasília, DF:
MEC/SEF, 1997
- Castrogiovani,A C. Ensino de Geografia: práticas e
textualizações no cotidiano (org) Porto Alegre:Mediação,2000
- Cavalcanti,L.S.Geografia, escola e construção do
conhecimento. Campinas: Cortez,1997
- Claval P. Mondialisation et enjeux geo-culturels. Texto
apostilado, 2006
- Kozel,S e Filizola, R. Memórias da Terra: o espaço
vivido.São Paulo: FTD,1996
- Kozel,S. As representações no geográfico IN: Mendonça,F. e
Kozel,S. Elementos de Epistemologia da Geografia
contemporânea.Curitiba:Editora da UFPR,2002
- Moraes,G R. A chave do tamanho abre o conhecimento do
espaço geográfico. Porto Alegre, 2006 138 p (Dissertação de
mestrado em Geografia) Instituto de Geociências da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Morin,E.Ciência com consciência.Porto Alegre:Sulina,1996
- Moscovici,S. As representações sociais. Actes du se coloque
sur la didactique de l’histoire et de la géographie. Paris: INRP.
- Rego,N;Moll,J;Aigner,C;Heindrich,A (orgs) Saberes e
práticas na construção de sujeitos e espaços sociais.Porto
Alegre:Editora da UFRGS,2006
- Santos, M.Sociedade e espaço: a formação social como
teoria e como método. Boletim Paulista de Geografia. São
Paulo, n 54,1977
- Suertegaray, D.Geografia física(?) ou Geografia e
ambiente(?).IN:Mendonça,F. e Kozel,S. Elementos de
Epistemologia da Geografia contemporânea.Curitiba: Editora
da UFPR,2002