seleção de habitat.

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Unidade 1
Fatores que limitam a
distribuição de uma espécie:
seleção de habitat.
Autora: Sofia Campiolo
I. Introdução
II. Habitat
III. Seleção de habitat e escala espacial
IV. Abordagens do estudo de seleção de habitat
V. Mecanismos comportamentais
VI. Evolução das preferências por habitat
VII. Uma teoria para a seleção de habitat
VIII. Referências
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M6U1
I. Introdução
Caro (a) Aluno (a).
Você sabe por que os organismos de uma determinada espécie estão presentes em alguns lugares e ausentes em outros?
Esta é uma das questões ecológicas mais simples que podemos formular e ao
mesmo tempo um bom ponto de partida para o estudo da ecologia.
O fato de espécies próximas ocuparem habitats diferentes já chamava a atenção de Charles Darwin. Em sua visita as Ilhas de Falkland, durante sua expedição
a bordo do Beagle, entre 1831 e 1836, ele registrou:
“Dois tipos de gansos são frequentes em Falkland. A espécie de terras altas
(Anas magellanica) é comum, aos pares ou em pequenos bandos, por meio de toda
a ilha... O Ganso das rochas, assim chamado por viver exclusivamente nas praias
(Anas antártica), é comum tanto aqui como na costa oeste da America, tão longe
quanto no Chile”.
Os nomes destas aves mudaram (Chloeophga picta e C. hybrida, respectivamente), mas cada uma destas duas espécies próximas vive numa faixa de habitat
diferente, como Darwin descreveu.
Dentre os fatores que limitam a distribuição das espécies, temos: a dispersão,
a seleção de habitat, a inter-relação com outros organismos (competição, predação),
temperatura, umidade e outros fatores físicos e químicos. Nesta unidade, vamos
tratar da seleção de habitat. Logo, ao final deste estudo, você deverá ser capaz de:
• Definir habitat e seleção de habitat.
• Compreender fatores que limitam a distribuição de espécies.
• Diferenciar nicho ecológico de habitat.
• Identificar mecanismos que atuam na seleção de habitat.
• Compreender a seleção de habitat e escala espacial.
• Conhecer a abordagem comportamental e a evolutiva.
II. Habitat
O que é habitat?
O habitat é qualquer porção da superfície do planeta onde um organismo
pode viver, mais precisamente é uma série de recursos e condições de uma área
que leva uma espécie a ocupá-la. Então, o habitat de uma espécie é a composição
e a configuração de uma área que fornece condições para manter suas necessidades vitais (alimento, cobertura, água, espaço, parceiros etc.), possuindo tamanho
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Módulo VI - Mecanismos de ajustamento ambiental e colonização
Charles
Robert
Darwin: foi um
naturalista britânico
que alcançou fama
ao
convencer
a
comunidade
científica
da
ocorrência
da
evolução e propor
uma teoria para
explicar como ela
se dá por meio da
seleção natural e
sexual. Esta teoria
se
desenvolveu
no que é agora
considerado
o
paradigma central
para explicação de
diversos fenômenos
na Biologia. Foi
laureado com a
medalha Wollaston
concedida
pela
S o c i e d a d e
Geológica
de
Londres, em 1859.
Fonte:
<http://
pt.wikipedia.
org/wiki/Charles_
Darwin>.
Eixo Biológico
O macrohabitat é
o habitat na escala
geográfica, sendo
constituído por uma
combinação de fatores climáticos e
geológicos próprios
(Biomas podem ser
considerados macrohabitats); Mesohabitat é o habitat
estudado numa escala regional, sendo formado por um
conjunto de fatores
climáticos, topográficos, edáficos e hidrológicos próprios
(quando se caracteriza o macrohabitat em categorias
menores, como, por
exemplo, corredeiras, cachoeiras ou
remansos nos rios;
mata de galeria,
cerradão ou campo
limpo no Cerrado).
Microhabitat é o
habitat imediato ao
animal,
estrutura
é determinada por
microclima, solos,
hidrologia e outros
fatores
microambientais próprios.
suficiente para manter a população viável da espécie em questão. Em síntese, o
habitat é o local onde uma espécie em particular pode viver, seja temporariamente
ou permanentemente.
Alguns animais não ocupam toda sua faixa potencial no uso do habitat, embora eles estejam aptos a dispersar para áreas desocupadas, por isso, os indivíduos “escolhem” não viver em certos habitats e a distribuição de espécies pode ser
limitada pelo comportamento dos indivíduos na seleção de seu habitat. Seleção
de habitat é um processo pelo qual os indivíduos usam ou ocupam conjuntos de
habitat de modo não aleatório, cuja decisões repercutem desde o microhabitat, até
uma escala espacial mais ampla o macrohabitat.
Se nós refletirmos que um animal não pode viver em todos os lugares, vamos perceber que a seleção natural irá favorecer o desenvolvimento de sistemas
sensores que possam reconhecer um habitat adequado. Devemos ter cuidado para
definir a percepção do mundo pelo animal em questão, antes de definir os mecanismos de seleção de habitat. Locais que podem parecer similares para um observador humano podem ser muito diferentes para um mosquito ou um peixe.
Por outro lado, habitats que nós consideramos muito diferentes podem parecer
idênticos para um pássaro.
Aqui devemos atentar para uma questão importante relacionada à seleção
de habitat: os habitats são heterogêneos e complexos.
Habitat “ricos” permitem um fitness maior (ou uma maior adaptação) para
os organismos que vivem lá, enquanto habitats “pobres” permitem um fitness inferior (ou uma menor adaptação).
Agora reflita: como habitats pobres e ricos são definidos?
A qualidade do habitat é definida por variáveis como a disponibilidade de
alimento, a ocorrência de predadores, disponibilidade de abrigo e locais de nidificação, variações microclimáticas e muitas outras.
cho?
A heterogeneidade
(patchiness)
representa a variação
horizontal na fisionomia do habitat,
enquanto complexidade descreve a
variação do estrato
vertical dentro do
habitat.
Para ampliar seus
conhecimentos
faça uma pesquisa
no site do Google
(www.google.com.
br) e saiba mais sobre Charles Sutherland Elton.
P
BSC
B
Continuando nossos estudos sobre habitat, você sabe diferenciá-lo de ni-
O termo nicho ecológico é algumas vezes mal entendido e mal utilizado. Ele
é frequentemente usado erroneamente para descrever o lugar onde um organismo
vive. Entretanto, onde um organismo vive é seu habitat.
Um nicho não é um lugar, mas uma ideia: um conjunto de necessidades e
tolerâncias de uma espécie. O habitat de um peixe pode ser um lago. Cada habitat
fornece muitos nichos diferentes. Além do peixe, muitas outras espécies podem viver no lago, mas com estilos de vida diferentes. A palavra nicho começou a ganhar
presença cientifica quando Charles Sutherland Elton escreveu, em 1933 que o nicho de uma espécie é seu modo de vida “no sentido que nós falamos de empregos
ou profissões para os humanos”. O termo nicho de uma espécie começou então a
ser utilizada para descrever como e não onde uma espécie vive.
Agora que conseguimos diferenciar habitat e nicho, faça a Atividade Complementar 1.
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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Fatores que limitam a distribuição de uma espécie: seleção de habitat
Atividade Complementar
Observe as figuras a seguir e determine o habitat e o nicho de cada
animal. Lembre-se de que você pode pesquisar na internet.
01
Fig. 01 - Macaco da Noite.
Nome científico: Aotus lemurinu.
Fig. 02 - Sapo Cururu
Nome científico: Bufo marinus.
Fig. 03 - Macaco Guariba.
Nome científico: Aloatta guariba.
Fig. 04 - Harpia.
Nome científico: Harpia harpyja.
III. Seleção de habitat e escala espacial
A seleção de habitat é um processo usado pelos indivíduos quando estão
escolhendo recursos e habitats. Essas escolhas ocorrem numa variedade de escalas
espaciais e temporais que vão de encontrar o recurso alimentar numa determinada
estação do ano, passam por definir sua área de vida durante a vida toda, chegando
a expansão das faixas de distribuição entre as gerações. A motivação para seleção
de habitat é presumivelmente maximizar o fitness individual com consequências
na distribuição e densidade entre os diferentes habitats.
Os mecanismos que atuam na seleção de habitat para residência, também
se aplicam para a seleção de habitats para movimentação dos animais. Mesmo
durante os movimentos de dispersão, os animais devem forragear, dormir, evitar
predadores e ainda procurar ou evitar coespecificos. Eles precisam continuamente
acessar os habitats para avaliar se é adequado.
Seleção de habitat é um processo que opera no nível do indivíduo. As tomadas de decisão ou escolhas feitas por animais móveis, como pássaros migratórios,
podem ocorrer numa maneira hierárquica, de uma escala espacial grande (macrohabitat) para uma escala espacial pequena, selecionando o microhabitat. A maior
parte dos estudos de seleção de habitat é feita em pequena escala de microhabitat.
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Módulo VI - Mecanismos de ajustamento ambiental e colonização
Eixo Biológico
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A tabela a seguir relaciona a escala e estruturas espaciais em que os processos acontecem.
Tabela 1 - Processos de seleção de habitat e movimento em relação às estruturas e
escalas espaciais
ESCALA ESPACIAL
SELECAO DE HABITAT
TIPO DE MOVIMENTO
Região
Faixa geográfica
Migração
Mosaico de manchas
Seleção da faixa de vida
Dispersão
Mancha de habitat
Manchas dentro da faixa de vida
Busca de manchas de habitat; patrulha de território
Mancha de recurso
Itens alimentares dentro da mancha
Busca de itens alimentares (forrageamento)
Fonte: adaptado de IMS, 1995; Johnson,1980.
Amplie seus conhecimentos realizando a Atividade Complementar 2.
Atividade Complementar
02
O sentido de macrohabitat, mesohabitat e microhabitat é melhor definido,
mediante a observação do fenômeno estudado. Com os conhecimentos
adquiridos, observe as figuras a seguir e discuta como enquadraria os habitats
em uma escala espacial.
Reúna com os seus colegas, pesquise, apresente e discuta outros
exemplos de habitat em escala espacial.
Fig. 05 - Floresta amazônica com seus diversos tipos de habitat (floresta de várzea, floresta de terra-firme, Floresta de
igapó, lago de várzea, bromélias terrestres).
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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Fatores que limitam a distribuição de uma espécie: seleção de habitat
IV. Abordagens do estudo de seleção de
habitat
Os ecólogos estão interessados em responder duas perguntas principais sobre seleção de habitat:
1. O que determina a faixa de habitat, onde a espécie ocorre?
2. Como cada indivíduo determina onde é um habitat apropriado?
A primeira pergunta é evolutiva: como a seleção natural moldou as escolhas
de habitat? A segunda pergunta é comportamental: que pistas um animal usa na
“escolha” de sua casa? A palavra escolha está entre aspas para mostrar que não há
escolha consciente, propriamente dita. De fato, alguns ecólogos preferem o termo
“uso de habitat” ao invés de “seleção de habitat” para evitar a conotação de que os
organismos tomam decisões deliberadas entre habitats alternativos.
Há, portanto, duas abordagens para estudar a seleção de habitat:
• A abordagem comportamental que vê a seleção de habitat como resultado
dos mecanismos comportamentais e busca entender como o animal escolhe seu
habitat num sentido fisiológico.
• A abordagem evolutiva enfoca as razões adaptativas para a escolha de
habitat e o significado evolutivo do comportamento envolvido.
A seleção de habitat em pássaros tem sido mais estudada que em outros
grupos biológicos. As aves são objetos quase ideais para os estudos de seleção de
habitat porque são altamente móveis, pois frequentemente migram milhares de
quilômetros passando por uma enorme variedade de ambientes e mesmo assim
normalmente forrageam e reproduzem em habitats muito específicos.
De fato, a vida de pequenos pássaros migratórios é repleta de escolhas de
habitat: onde se alimentar, onde procurar um parceiro, onde construir um ninho,
onde parar para recuperar as reservas de gordura quando em migração. Essas escolhas podem ser tão finamente ajustadas que frequentemente os dois sexos de
uma mesma espécie usam habitat diferentemente. Em algumas aves, os machos
forrageam mais longe dos ninhos que as fêmeas. Em outras, fêmeas e machos utilizam extratos diferentes, enquanto as fêmeas buscam o alimento mais próximo da
altura do ninho, os machos forrageiam em extratos superiores, mais próximos de
seus poleiros de vocalização.
Em especial, nas pesquisas sobre seleção de habitat em aves, os dois tipos de
fatores têm que ser mantidos separados na discussão de seleção de habitat: 1. Fatores evolutivos, conferindo valor de sobrevivência à seleção de habitat; e 2. Fatores
comportamentais, dando os mecanismos pelos quais as aves selecionam as áreas.
A seleção de habitat é o resultado de estímulo proveniente de: paisagem; locais
para nidificação, canto e observação; alimento e outros animais.
As plantas apresentam preferências de habitat de uma forma distinta dos
animais, pois elas não podem ativamente se mover de um habitat para outro, sementes e esporos chegam num diferente por meio da dispersão. A partir daí sobrevivem e crescem ou morrem devido a fatores biológicos ou físicos. Os animais
usam os mecanismos comportamentais para escolher seus habitats, e os movimentos individuais são componentes essenciais da seleção de habitat.
Na próxima seção vamos discutir os mecanismos comportamentais.
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Módulo VI - Mecanismos de ajustamento ambiental e colonização
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V. Mecanismos comportamentais
A seleção de habitats em animais envolve considerações sobre a estrutura
física do habitat, a fisiologia do animal, a disponibilidade de recursos e a proteção
contra predadores.
O padrão de distribuição local dos animais pode significar adaptações individuais ao ambiente físico. Uma distribuição espacial não aleatória dos organismos pode fornecer informações sobre seu sucesso relativo em diferentes habitats,
sugerindo quais as características dos habitats contribuem para o sucesso dos indivíduos.
Geralmente, assume-se que os animais verificam as manchas de habitats durante sua fase dispersiva e então selecionam entre as manchas disponíveis, baseados em pistas que indicam a qualidade do habitat. Uma forma mais complexa de
comportamento, envolvendo seleção de habitat é a escolha de locais de oviposição
por insetos. Algumas pragas de milho podem se alimentar de uma ampla variedade de plantas. No entanto, ocorrem principalmente no milho porque as fêmeas
no período de oviposição são atraídas por odores voláteis produzidos pela planta
(KREBS, 2009).
No caso dos besouros minadores de plantas, estes usam compostos secundários das Curcubitáceas (família das abóboras, abobrinhas e melancias) como pistas para a seleção de hospedeiro. Essa associação está presente em cerca de 1500
espécies de besouros que se alimentam em plantas da família Curcubitaceae. Algumas espécies podem minar outras espécies de plantas, mas são mais comumente
encontradas em Curcubitaceas (KREBS, 2009).
Os mosquitos Anopheles são importantes vetores de doenças e sua ecologia
tem sido muito estudada, em grande parte, devido o problema prático de erradicação da malária. Cada espécie de mosquito é normalmente associada com um tipo
particular de local de reprodução. No entanto, é comum observar que em algumas
áreas que são aparentemente apropriadas para a reprodução do mosquito, não são
encontradas larvas. Isto nos leva a perguntar: por que alguns habitats são ocupados por larvas e outros não? (KREBS, 2009).
As primeiras pesquisas assumiram que alguma característica da água estaria
evitando que as larvas destes mosquitos sobrevivessem, entretanto, não consideraram que o comportamento da fêmea em escolher onde colocar os seus ovos poderia estar levando a isto.
Por exemplo, algumas espécies de mosquito do gênero Anopheles não ovipõem em lavouras de arroz quando estas têm mais de 30 cm de altura. Alguns
experimentos mostraram que estes locais, onde não eram encontrados ovos, possuíam as condições adequadas para crescimento e desenvolvimento que outros
locais onde os ovos eram encontrados. Isto foi testado colocando ovos no local
e observando taxas de sobrevivência. Essas taxas foram compatíveis com locais
onde a oviposição ocorreu naturalmente. (KREBS, 2009).
Outros experimentos provaram que, na verdade, o impedimento da oviposição era mecânico. Obstáculos colocados em poças de água evitaram a oviposição pelas fêmeas, pois estas ovipõe durante o vôo, nunca tocando a água, mas se
mantendo de 5 a 10 cm da superfície da água. Essas obstruções mecânicas parecem
evitar que as fêmeas do mosquito desenvolvam livremente sua dança da oviposição e com isto restringir para esta espécie a faixa de habitat que ela pode ocupar
(KREBS, 2009).
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Fatores que limitam a distribuição de uma espécie: seleção de habitat
Como já foi dito, um dos grupos biológicos mais estudados em relação a
seleção de habitat é o das aves. Uma das pistas ambientais que pode ser utilizada
pelas aves para seleção de habitat é a presença de poleiro. Nesse caso, podemos
usar como exemplo, três espécies de falcões que reproduzem em áreas de campo
e arbustos na América do Norte. O falcão de cauda vermelha prefere áreas com
muitos arbustos para servirem como poleiros enquanto o falcão de Swainson e o
ferruginoso preferem áreas mais abertas e com poucos arbustos.
Estas três espécies se alimentam, de forma geral, do mesmo tipo de presa e
sua escolha de habitat está relacionada com a sua forma de forrageamento. Uma
das espécies, o falcão de cauda vermelha, fica sentada em poleiros procurando
suas presas, esta espécie possui asas menos adequadas a soaring (planar, vôo de
reconhecimento nos quais os falcões procuram suas presas). O falcão de Swainson
é melhor em soaring e caça muito mais durante o vôo que de poleiros. Já o falcão
ferruginoso é intermediário. Voo flapping (voo com manobras) são incomuns em
todos estes falcões e a seleção de habitat está profundamente ligada ao seu método
de caça (KREBS 2009).
A seleção de habitat em pássaros é parcialmente uma característica genética, embora possa ser modificada de alguma forma pelo aprendizado e pela experiência. A base genética da seleção de habitat é provavelmente responsável pela
resposta lenta de alguns pássaros as mudanças ambientais causadas pelo homem.
O habitat original, selecionado por um pássaro, é frequentemente reforçado pelo
apego dos indivíduos aos seus locais de origem. Muitos pássaros, mais velhos,
retornam ano após ano para o mesmo local de nidificação mesmo se o habitat no
local esteja se deteriorando. Infelizmente, ainda não há muitas análises experimentais sobre a seleção de habitat por pássaros.
VI. Evolução das preferências por habitat
Na seção anterior nós discutimos como alguns organismos selecionam seus
habitats, agora colocaremos outra questão: por que os indivíduos preferem alguns
habitat e evitam outros?
A seleção natural favorecerá os indivíduos que usam os habitats, onde a
maior parte de sua progênie pode crescer com sucesso. Indivíduos que escolhem
os habitats mais pobres não vão conseguir ter uma prole numerosa e bem sucedida e consequentemente serão selecionados negativamente. Populações de habitats
marginais podem então ser sustentadas apenas pelo fluxo de indivíduos vindos de
um habitat preferencial. Isto significa que a população nesses habitats marginais
será mantida, principalmente pela entrada de indivíduos provenientes de outros
habitats mais adequados e não pelo crescimento da população, mediante uma taxa
de natalidade superior a de mortalidade.
Uma grande variedade de pistas físicas pode ser adotada pelos organismos
como um estímulo na escolha de um tipo particular de habitat. A seleção natural
pode agir diretamente sobre os comportamentos que resultam na escolha de habitat, ou pode selecionar indivíduos que têm uma capacidade de aprender qual é
o habitat adequado. Os estoques de salmão, por exemplo, se adaptam a condições
peculiares de fluxo de água, temperatura e sazonalidade. Esta adaptação precisa e
pode ser preservada apenas se um excelente senso de homing (ato de voltar para
casa), for desenvolvido.
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Módulo VI - Mecanismos de ajustamento ambiental e colonização
Homing palavra de
origem inglesa que
significa ato de voltar para casa, assim
como os pombos,
tartarugas e salmões que sempre
conseguem voltar
para o local onde
nasceram.
Eixo Biológico
Idiossincrasia:
Disposição do temperamento do individuo, que o faz
reagir, de maneira
muito pessoal, à
ação dos agentes
externos / Maneira
de ver, sentir, reagir, própria de cada
pessoa.
Fonte:Dicionário
Aurélio
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BSC
B
No outro extremo, estão animais como os afídeos (pulgões) que enfrentam
habitats que podem ser favoráveis em um mês e não no outro. Organismos que
enfrentam a imprevisibilidade dos habitats devem adotar um comportamento de
seleção de habitat mais flexível.
Como podemos explicar a idiossincrasia (temperamento peculiar) de animais como o pipit tree (Anthus trivialis), pássaro comum no continente Europeu,
que rejeita habitats perfeitamente bons?
É importante termos em mente que a evolução não produz indivíduos perfeitos. Nem todos os comportamentos são adaptativos, e as condições ambientais
podem mudar de tal forma que um comportamento, anteriormente bem adaptado,
pode se torna mal adaptado. O reconhecimento do habitat pode ser muito impreciso ou muito exato. Logo, isso pode ser extremamente específico, caso seja benéfico
aos indivíduos que agem desta forma.
Os mecanismos pelos quais os habitats são selecionados sustentam-se pelas
necessidades do fitness definidos evolutivamente. Nós não sabemos com que velocidade o “maquinário” genético e comportamental pode mudar com relação à
seleção de habitat.
Problemas podem aparecer se o habitat muda, e isto tem sido uma fonte
de dificuldades para muitos organismos, desde que os humanos têm modificado
a face da terra. As pessoas fornecem novos habitat e destroem outros. Algumas
espécies de organismos, mas não todas, têm respondido a colonização de habitat
pelo Homo sapiens. Outros eventos naturais, como as eras do gelo, causam mudanças nos habitats, mas de forma lenta. Os organismos com seleção de habitat, geneticamente programada, cuidadosamente ao longo do tempo evolutivo, podem
necessitar de um tempo considerável para evoluir o maquinário necessário para
selecionar um novo habitat que seja adequado para eles.
A adaptação nunca pode ser exata e instantânea e nós devemos ter cuidado
para não esperarmos perfeição dos organismos.
Algumas espécies evoluíram sob um determinado conjunto de condições
ambientais e as populações se adaptam ao seu próprio ambiente particular. Nenhuma espécie pode funcionar como um coringa. A adaptação a um determinado
tipo de habitat pode tornar impossível viver em outro.
VII. Uma teoria para a seleção de habitat
Uma teoria simples pode ser usada para ilustrar como a seleção de habitat
pode operar numa população natural. Vamos considerar que três habitats estão
disponíveis para uma espécie.
Para qualquer espécie em particular, nós definimos habitat como qualquer
parte do planeta, onde aquelas espécies podem viver, seja temporária ou permanentemente. Cada habitat é assumido por que tem “adequação” aquela espécie
(adequação seria a adaptação no tempo evolutivo), por exemplo, consideramos
que as fêmeas produzem mais indivíduos jovens em ambientes mais adequados
do que em ambiente menos adequados.
Adequação não é constante, mas será afetada por muitos fatores no habitat,
tais como: suprimento de alimento, disponibilidade de abrigo e presença de predadores. Além disso, o quanto um habitat é adequado é normalmente uma função
da densidade de outros indivíduos, de forma que uma superpopulação reduz a
adequação.
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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Fatores que limitam a distribuição de uma espécie: seleção de habitat
Quando uma população preenche seu melhor habitat (A), chega a um ponto
em que a adequação de um habitat intermediário (B) é igual a do habitat A, desde que este habitat intermediário apresente uma densidade menor. Quando esses
dois habitats ficam ainda mais povoados, o mais pobre (C) finalmente tem uma
adequação igual a dos habitats A e B. Nós assumimos com esse modelo simples
que todos os indivíduos são livres para se mover para qualquer habitat sem impedimentos.
A predição que emerge desses modelos simples de seleção de habitat é interessante porque é intuitiva – nós podemos prever a partir deste modelo que,
quando a densidade é alta, habitats bons e ruins podem ser igualmente adequados, desde que com densidades diferentes. A adequação de um habitat bom com
alta densidade de indivíduos pode ser igual à adequação de um habitat ruim com
baixa densidade de indivíduos. E então, será que existem evidências de que isso
realmente ocorre em populações naturais?
Estudos mais recentes indicam que diferentes preferências de habitat em
animais têm sido até agora interpretadas como o resultado de diferentes designer
adaptativos das espécies e/ou como resultado de competição interespecífica. No
entanto, alguns autores mais recentemente propuseram uma visão alternativa da
evolução da preferência de habitat.
Esse novo modelo é baseado na aquisição progressiva aleatórias de pistas
cognitivas (de corrente de aprendizado) que discriminam as características do habitat que se correlacionam com um fitness esperado. Esses autores assumem que
cada pista cognitiva permite a distinção entre habitats melhores e piores (de acordo com o fitness de cada habitat), limitando a evolução posterior porque cada pista
adicional vai discriminar o habitat apenas dentro das preferências previamente
adquiridas.
Modelos simples de simulação mostram que, nesse caso, mesmo as espécies
com iguais diferenças de fitness, relacionadas ao habitat, irão diversificar rapidamente em suas preferências de habitat.
Assim, de forma similar a evolução de outras características espécie-específicas, a evolução da relação animal e habitat pode ser fortemente afetada por eventos
estocásticos e contingências históricas.
Para saber mais sobre seleção de habitat você pode acessar os seguintes links:
<http://www.biotaneotropica.org.br/v8n3/pt/fullpaper?bn02008032008+pt>
<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12022>
<http://www.ib.usp.br/~rbrandt/EL/habitat.htm>
<http://bolt.lakeheadu.ca/~dmorriswww/htmldocs/56.pdf>
<http://www.cnrhome.uidaho.edu/documents/krausman.pdf?pid=74882&doc=1>
Para colocar em prática o que aprendemos nesta unidade, faça a Atividade
Complementar 3.
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Módulo VI - Mecanismos de ajustamento ambiental e colonização
Eixo Biológico
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BSC
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Atividade Complementar
03
Faça uma releitura do texto e atente se você conseguiu perceber os
mecanismos que atuam na seleção de habitat? ...Ótimo, agora se reúna em
grupos e tente reproduzir essa atividade copilada do Jornal da Ciência de 30 de
agosto de 2005 (<http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=31019>).
“No experimento a seguir, vamos investigar se determinados animais
são ou não são capazes de selecionar o lugar onde vivem. Em termos mais
técnicos, esse assunto é rotulado pelos especialistas como um caso de seleção
de habitat? [Nota 3].
Para conduzir o experimento, vamos precisar de um par de recipientes
para abrigar os animais sob estudo. Se os animais forem diminutos, podemos
empregar recipientes igualmente pequenos.
Um animal pequeno que se presta muito bem a esse tipo de experimento
é o tatuzinho de jardim, também denominado de paquinha.
Nesse caso, precisaríamos então dos seguintes materiais (para cada
grupo de alunos): duas garrafas de plástico transparente (2 litros), sem tampa;
barbante ou fita adesiva; dois sacos plásticos (um transparente e o outro,
preto); um pouco de terra, gravetos e folhas secas; tatuzinhos de jardim (6-8
tatuzinhos para cada par de garrafas).
Procedimentos. Colocar um pouco de terra dentro das garrafas, de modo
que, fixando-as depois em posição horizontal, a terra seja suficiente para cobrir
o fundo das garrafas.
Em seguida, acrescentar alguns gravetos, pedaços de folhas e metade do
número de tatuzinhos em cada uma das garrafas.
Unir as duas garrafas pelo bico, mantendo-as presas com o barbante.
Cobrir uma das garrafas com o saco plástico transparente e a outra, com o saco
preto; amarrar os sacos no bico das garrafas, reforçando a ponte entre as duas
[Nota 4].
Ao final da montagem, verificar que cada garrafa tenha ficado exatamente
com a metade do número de tatuzinhos e que a passagem pelo bico entre
as duas esteja desimpedida. Manter as garrafas em um lugar claro, mas sem
receber insolação direta.
No dia seguinte, cada grupo deve reexaminar o conteúdo de suas
respectivas garrafas (para isso, claro, será necessário remover os sacos plásticos
que recobrem as garrafas). Registrar as observações, respondendo as seguintes
perguntas:
1) Os tatuzinhos continuam vivos e ativos?
2) As duas garrafas continuam abrigando o mesmo número de tatuzinhos
ou um delas tem mais tatuzinhos do que a outra?
3) Neste último caso, o que será que ocorreu para que uma das garrafas
ganhasse tatuzinhos?”
Consórcio Setentrional de Ensino a Distância
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Fatores que limitam a distribuição de uma espécie: seleção de habitat
VIII. Referências
IMS, R. A. Movement patterns related to spacial structure. In: HANSSON, L.;
FAHRIG, L.; MERIAM, G. Mosaic landscape and ecological processes. New
York: Chapman and Hall, 1995.
JOHNSON, D.H. The comparison of usage and availability measurements for
evaluating resource preference. Ecology, 1980.
KREBS, Charles J. Ecology. The Experimental Analysis of Distribution and
Abundance. Addison Wesley Longman (Pearson Education), 2009.
150
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