IDENTIDADE E EDUCAÇÃO MUSICAL NAS SÉRIES INICIAIS

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IDENTIDADE E EDUCAÇÃO MUSICAL NAS SÉRIES INICIAIS:
CHAMADAS MUSICAIS
Artur Costa Lopes
[email protected]
Professor de música na Rede Municipal do Rio de Janeiro
Pós-graduando em História na UCP
Claudia Helena Alvarenga
[email protected]
Professora de Música no Colégio de Aplicação da UFRJ
Doutoranda em Educação pela UNESA
Palavras-chave: Identidade. Educação Musical.
PRÁTICAS DOCENTES.
Este trabalho visa apresentar uma prática docente utilizada por ambos
autores em aulas de música de escolas regulares da educação básica, com o
intuito de fazer uma reflexão a respeito das constituições identitárias, bem como
dos processos cognitivos e afetivos envolvidos em sua realização. Por meio das
interações sociais diversas que se estabelecem entre alunos, professores e
comunidade escolar, a escola é um ambiente de múltiplas afiliações sociais, que
revelam a diversidade de vinculações simbólicas afirmadas por estes atores. A
questão da identidade nos coloca diante de ligações variadas: a relação entre
espaço coletivo e individual; as circunstâncias de caráter psicológico, social e
cultural; o estabelecimento de semelhanças e diferenças de onde se constituem as
categorias de identificação, entre tantos outros aspectos que contribuem para que
o indivíduo desenvolva uma concepção de si mesmo em integração com os grupos
que frequenta, ou seja, o reconhecimento das pertenças sociais em conformidade
com as singularidades do indivíduo (DESCHAMPS; MOLINER, 2009).
Para tanto, nosso ponto de partida para a atividade musical proposta é o
nome do aluno. O nome próprio é um dos primeiros traços de reconhecimento de
si mesmo e do outro cujas ligações ultrapassam a simples designação ou
nomeação de um indivíduo por meio da linguagem. Para Bosco (2006, p. 105), o
nome próprio produz “um significante que cifra a história de um sujeito”. Ainda
que haja coincidência de nomes no mesmo grupo, os apelidos ou os segundos
nomes acrescentados operam no estabelecimento das diferenciações entre
indivíduos e sua integração no espaço coletivo. Nesta perspectiva, o nome próprio
se reveste, simultaneamente, de um campo subjetivo, ao constituir o Eu, que
torna a pessoa única e singular, e um campo intersubjetivo, pois o
reconhecimento e a significação de si mesmo provem da identificação que os
outros sinalizam ao indivíduo nas interações sociais, uma ação necessária à
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constituição identitária. Sendo assim, a identidade, neste caso vinculada ao nome
próprio, aciona não apenas o que identifica o sujeito, mas também as
identificações que ele sustenta. Com isso, institui um campo simbólico que
possibilita o indivíduo, além de descrever-se na comparação com os outros,
classificar as informações e conhecimentos do mundo, explicar, e atribuir
significados ao entorno pelos julgamentos e inferências que faz (DESCHAMPS;
MOLINER, 2009).
Nesta mesma direção, as atividades sociais que envolvem o uso da música
reforçam os vínculos identitários, pois a música, desde sempre, integra o
repertório das tradições culturais dos grupos cuja função é afirmar as pertenças
sociais pela comunhão de valores, o que faz parte das práticas comunicativas
características do epidítico (KENNEDY, 1998). Sendo assim, as musicalidades
são a expressão do ethos do grupo, corroboram os valores compartilhados, as
ligações simbólicas estabelecidas e os significados aceitos por seus membros. Os
hinos, as canções, os diversos gêneros musicais em torno dos quais os grupos se
reúnem revelam afiliações sociais pelas funções sociais que cumprem. A repetição
forja as associações entre evento e os significados a estes atribuídos por meio de
vínculos simbólicos. Transformados em rotina, ou seja, um ritual frequentemente
relembrado, engendra hábitos, costumes, tradições que configuram uma
estrutura às nossas atividades. O mesmo ocorre com as atividades educativas
que, para Kennedy (1998), configuram atos do epidítico, uma vez que têm por
função promover a transmissão e o reforço de valores dos grupos com vistas à
coesão social.
A atividade proposta por nós parte de uma rotina realizada nas escolas
regulares: o registro da presença do aluno pelos professores nos diários de classe,
visto que, diariamente, os professores verificam os alunos que comparecem à
escola, chamando um a um os nomes dos alunos em suas turmas. Essas
atividades foram denominadas “chamadas musicais” e construídas, basicamente,
de duas maneiras: (1) por meio do improviso, que surgia de uma melodia
inventada com o nome dos alunos da turma ou adaptadas de músicas que já
tinham um nome como tema no texto, por exemplo, “Anna Júlia”, autoria de
Marcelo Camelo do grupo Los Hermanos ou “Carolina”, de Chico Buarque; (2)
com um tema já predefinido, um refrão repetido e cantado, muitas vezes, com
modificação de tonalidade para proporcionar variedade e experimentação do
canto em várias regiões, conforme o exemplo a seguir de nossa autoria:
Figura 1 - Chamada musical 1 (partitura)
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Essa chamada é utilizada, normalmente para as primeiras aulas, em que
os alunos e o professor de música estão se conhecendo. No caso, João Vitor é o
aluno chamado e Claudia, a professora que se apresenta, cantando o trecho
musical com acompanhamento em instrumento harmônico (violão, teclado ou
acordeão). Os nomes dos alunos são substituídos a cada repetição. Esta atividade
funciona muito bem nas turmas de 1° e 2° anos do ensino fundamental (alunos de
7 a 9 anos), pois, ao nomear cada aluno num contexto musical, requisitando a sua
apresentação para o grupo, não apenas valoriza a identidade pessoal, como
também resulta em uma maior interação entre eles na sala de aula. Além do que,
a descoberta do nome com a consequente exposição para a turma proporciona
uma sensação de valorização pessoal, de modo que o aluno se sente estimulado a
executar da melhor maneira possível o que foi proposto nessa circunstância
(BOSCO, 2006). A seguir, outros exemplos:
Chamada musical 2: “Quero ver quem vai falar a palavra que começa com “a”…”
Chamada musical 3: “Quero ver quem vai dizer a palavra que começa com “b”…”
Chamada musical 4: “Me diga com convicção o nome de uma profissão…”
Nos exemplos 2, 3 e 4, propomos um improviso baseado em sambas de
roda, em que um refrão é repetido e abre-se espaço para o improviso, no caso, com
letras do alfabeto e nomes referentes a profissões.
A criação em forma de desafio e de uma rima de simples execução e
entendimento foram os fios condutores nessas composições sobre o alfabeto e as
profissões, visto que, além de surgirem de improviso, durante a aula, puderam
motivar os alunos a mostrar que são capazes de entender e atuar em
conformidade com as regras propostas pela brincadeira como pode-se observar em
outra “chamada musical” abaixo:
Chamada musical 5: “Quero ver quem vai saber o que é o que é que eu vou
cantar /
Não vai ser em português, inglês, espanhol nem japonês /
A chamada que eu vou cantar eu acabei de inventar”
Essa “chamada”, também cantada como um samba, diferencia-se das
anteriores no que diz respeito à intervenção do aluno que é mais livre, visto que
ele pode inventar qualquer nome. Entretanto, essa liberdade, em alguns casos,
pode oprimir, pois o aluno se vê diante de tantas possibilidades que acaba não
realizando seu improviso com o nome no tempo da canção. Isto não prejudica a
atividade, uma vez que esta é cíclica, sendo repetida até que todos tenham
participado de modo satisfatório.
Este relato abrange apenas algumas possibilidades musicais criadas a
partir do nome dos alunos, adequadas às séries inicias do ensino fundamental. A
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recepção positiva pelas turmas permitiu explorar muitos temas relativos aos
conhecimentos adequados para esta faixa etária, por exemplo: (1) as relações
entre letras, palavras, rimas com suas sonoridades; (2) ritmo das palavras e do
corpo com relação à métrica e tonicidade no texto e na música; (3) categorias em
diversas áreas do conhecimento (profissões, animais, entre outras).
O improviso musical é um procedimento que permite a interação com os
materiais sonoros produzidos por si mesmo e pelos colegas, e o contato com a
variedade de soluções musicais neste contexto. Portanto, possibilita o
desenvolvimento cognitivo pela transformação afetiva, capacidade de produzir
algo que mobilize os colegas, bem como mobilizar-se pela percepção da produção
do outro. Nesta perspectiva, a educação é formativa e cooperativa, sendo a música
uma das vias para o desenvolvimento cognitivo e afetivo dos alunos,
conhecimento adquirido pela experiência sensível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSCO, Zelma Regina. A errância da letra: O nome próprio na escrita da
criança. 2005. 282 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Programa de PósGraduação em Linguística, Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), SP, 2005.
DESCHAMPS, Jean-Claude; MOLINER, Pascal. A identidade em psicologia
social: dos processos identitários às representações sociais. Tradução: Lúcia M.
Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2009.
KENNEDY, George A. Comparative Rhetoric: An Historical and Cross-Cultural
Introduction. New York: Oxford University Press, 1998.
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