O Sexo no Mundo das Abelhas Francisco Padilla Álvarez José M. Flores Serrano Departamento de Zoologia, Universidade de Córdoba in Vida Apícola páginas 18 a 24 Apesar do título sugestivo deste artigo, a determinação do sexo nas nossas amigas abelhas não tem nenhum aspecto controverso e também não carece de morbosidade ou de molho picante, no entanto é muito difícil encontrarmos alguma referência a este tema num dos muitos programas de televisão que se dedicam à imprensa cor-derosa ou ao jornalismo amarelo. Ainda que, careça de interesses para os meios de comunicação, a biologia da reprodução e da determinação do sexo na Apis Mellifera, é um tema que apaixona muitos investigadores. Todos sabemos, apesar de forma intuitiva, que a sexualidade é uma questão básica na biologia dos animais. Além disso, também somos conscientes de que a diferenciação sexual, ou seja, desenvolve-se como macho ou fêmea é um processo fundamental da vida. Ao falarmos deste tema da mesma forma que ocorre quando se fala de qualquer outro num âmbito científico, utilizamos diferentes termos que às vezes não são muito conhecidos. Como será embaraçoso descrevê-los um a um, para resolver este possível problema vamos tentar usar os menos possíveis, e realizar um breve esclarecimento dos mesmos quando considerarmos necessário. Para abordar o tema da sexualidade é conveniente começar por algo conhecido. Portanto, vamos começar por usar a nossa espécie (Homo sapiens) como exemplo básico, para depois descrever como se determina o sexo na Apis Mellifera. Em Biologia falar de reprodução é algo muito normal e bastante natural, para nós humanos é básico conhecer os ciclos vitais dos animais benéficos e prejudiciais, e a reprodução (sexualidade) é um aspecto muito importante do ciclo vital de qualquer ser vivo. O Sexo no Mundo das Abelhas Na nossa espécie o número de cromossomas de qualquer pessoa é de 46, e estes 46 cromossomas estão presentes em todas as células do nosso organismo, excepto os gâmetas (espermatozóides e óvulos) que tem a metade, ou seja, 23 cromossomas. Porquê? Pois é devido à união dos gâmetas que se dá dar lugar à formação de um embrião que permite reconstruir o número de cromossomas da espécie, no nosso caso 23+23=46 cromossomas. Determinação do Sexo na Espécie Humana Nós, animais possuímos nas nossas células toda a informação que necessitamos para poder fabricar uma cópia de nós mesmos. Esta informação armazena-se numas estruturas que se localizam no núcleo celular e que se denomina cromossomas. O conjunto de material genético (informação genética) que um organismo tem nas suas células conhece-se como genoma. Para manter constante o número de cromossomas de uma espécie existe um modelo de divisão celular que recebe o nome de meiose, que permite que cada célula resultante tenha metade dos cromossomas da célula progenitora. A doação de 46 cromossomas na nossa espécie denomina-se diplóide porque as estruturas celulares estão duplicadas, isto é, temos pares de cromossomas. Assim, as nossas células contêm duas cópias da informação. A vantagem de ter duas cópias de algo é bastante evidente, se perdermos uma cópia ou parte dela torna-se inútil, sempre temos uma cópia de reserva. O Sexo no Mundo das Abelhas Quem não perdeu uma chave e tenha desejado nesse momento ter uma cópia? As células sexuais ou gâmetas (óvulos e espermatozóides) são células especiais já que, como comentámos anteriormente, contêm só metade dos cromossomas, ou seja, uma só cópia da informação (23 cromossomas) e recebe a denominação de células haplóides. Até agora não falamos de sexo e todos sabemos que os homens e mulheres têm corpos diferentes desde do ponto de vista da nossa sexualidade, mas, Onde se localiza o sexo a nível celular? No caso da nossa espécie muitos dos nossos cromossomas que recebem o nome de cromossomas sexuais. Provavelmente muitos de nós ouvimos falar com certa frequência de cromossomas “X” e “Y”. Recordamos, as células que formam o nosso corpo são células diplóides, ou seja, têm duas cópias de cada cromossoma. Com os cromossomas sexuais passa-se o mesmo, em cada célula do nosso corpo, excepto nos gâmetas, temos dois cromossomas sexuais. Como temos “X” e “Y” as possibilidades de combinação são: “XX”, “XY” e “YY”. Porém estes dar-nos-ia três possíveis sexos diferentes, e todos temos claro que somente dois: macho e fêmea. Nós os machos temos no nosso genoma um cromossoma “X” e um cromossoma “Y”, portanto os nossos cromossomas sexuais são “XY”. As fêmeas da nossa espécie têm dois cromossomas “X”, portanto a sua dotação diplóide é “XX”. O que ocorre com os gâmetas? Sabemos que são células haplóides e portanto só contém uma cópia dos cromossomas. No caso das fêmeas as opções são simples, os seus óvulos contêm ou um cromossoma “X” ou um cromossoma “X”, ou seja, só “X”. No caso dos machos há duas opções, os nossos espermatozóides contam ou com um cromossoma “X” ou com um cromossoma “Y”. O que ocorre quando se une um óvulo e um espermatozóide? Pois só pode acontecer duas coisas: • Se une-se um cromossoma “X” de um óvulo com um cromossoma “X” de um espermatozóide, teremos um descendente fêmea, no nosso caso uma menina. • Se une-se um cromossoma “X” de um óvulo com um cromossoma “Y” de um espermatozóide temos um descendente macho, ou seja um menino. Resumindo, no caso da nossa espécie a determinação do sexo não é muito complicada, embora às vezes nos pareça. Somos diplóides, temos cromossomas sexuais e está claro que a dotação cromossómica “XY” corresponde a um macho e a “XX” com uma fêmea. O Sexo no Mundo das Abelhas Mas, a determinação do sexo é igual no resto dos animais? Pois a verdade é que não. Muitos animais regem-se por um sistema parecido com o nosso, mas outros não e neste segundo incluem-se as abelhas. As abelhas são haplóides. O que significa isto? Pois os zangões são haplóides, ou seja, que só contam com um jogo de cromossomas (16 cromossomas), enquanto que as fêmeas são diplóides e contam com 32 cromossomas. Antes de mais, as abelhas têm outra particulariedade, carecem de cromossomas sexuais. O ser haplodiplóides ou os que não têm cromossomas especificamente sexuais não é algo raro no Reino Animal. Estimou-se que 20% das espécies de animais são haplodiplóides incluindo neste grupo todos os himenópteros (grupo de insectos sociais em que se encontram as abelhas). A Sexualidade nas Apis Mellifera Há muito tempo os apicultores sabem que nas colmeias há machos e fêmeas, identificando claramente que insectos são fêmeas e quais são machos. Por exemplo, Abu Zacaria Iahia (também conhecido como Abuzacarías) foi um andalucí que viveu em Sevilha no século XII ou entre este e o século XIII, e escreveu um famoso Livro de Agricultura que inclui um artigo dedicado às abelhas, em que cita textualmente: “Das abelhas (dizem) umas são chamadas de fêmeas, nas quais são as mais pequenas e as que têm favos de mel; e as outras são chamadas de machos, que são maiores que as fêmeas, e não têm favos. As últimas são chamadas de reis, são os machos mais corpulentos, os quais são em menos números, e não têm ferrão. Máximo são alguns, os reis das abelhas são de dois generos; uns de cor violeta, que são os melhores; e outros pretos que variam na cor: o rei é maior, e a sua magnitude é como duas vezes a da abelha que faz o mel: e os melhores reis são os violeta claro e brilhante e depois os manchados de pontos brancos com um pouco de preto.” Os textos agronómicos andaluzies eram de tipo didáctico, estavam escritos de forma clara e precisa, e dirigidos aos camponeses. A obra de Abu Zacaria Iahia está dividida em 34 capítulos e cada um deles encontra-se subdividido em vários partes ou artigos. Embora, os apicultores conhecem perfeitamente e desde a antiguidade os machos e fêmeas das colónias, temos que esperar até ao ano de 1845 para que o apicultor da província de Silesia (actualmente na Polónia), o padre Johall Dzierzon, proponha o modelo genético que usam as abelhas na sua reprodução: os machos provêm de ovos não fertilizados e as fêmeas originam-se a partir de ovos fertilizados. Isto é, os machos são haplóides e as fêmeas diplóides. Esta hipótese foi confirmada por Carl Theodor Ernst von Siebold no ano de 1856 graças a um estudo microscópico dos ovos. H. Nachtsheim posteriormente demonstrou que os ovos destinados a ser fêmeas continham 32 cromossomas e os destinados a ser machos só tinham 16. O Sexo no Mundo das Abelhas Um marco importante que ajudou os investigadores no seu trabalho de desentranhar a sexualidade das abelhas foi o desenvolvimento das técnicas de inseminação artificial. Nos finais do século XVIII o naturalista suíço F. Huber e a sua assistente F. Burnens conseguiram colocar esperma dos zangões na câmara genital das rainhas. O desenvolvimento mais importante desta tecnologia foi realizada por L. Watson, W.J. Nolan, H.H. Laidlaw e O. Mackensen que trabalharam durante 30 anos até que conseguiram desenvolver a técnica e controlar a fecundação. Porém, a aplicação desta tecnologia originou em alguns casos importantes problemas, já que em diferentes colmeias produzia-se uma alta mortalidade das larvas de origem desconhecida que reduzia notavelmente a viabilidade das colónias. A pergunta que ainda não podiam responder os científicos era a seguinte: Porque as abelhas retiravam as larvas dos favos de cria? A reprodução das espécies haplodiplóides suscita interessantes questões biológicas, que ficam à margem dos objectivos deste trabalho. Uma vez que sabemos que os zangões procedem de ovos não fecundados, e que as obreiras e rainhas originam-se a partir de ovos fecundados, a seguinte questão biológica que se dispuseram resolver vários investigadores foi conhecer o número de zangões que acasalam com as rainhas, um ou vários? E o mais importante, porquê? Muitos Zangões Para uma Rainha Para saber com quantos machos acasala uma fêmea o mais fácil é observá-la, mas isto no caso das abelhas rainhas é um problema já que todos sabemos que acasalam nos voos nupciais e é muito difícil estudar este comportamento na natureza. Se não podemos observar algo de forma directa, teremos que fazer de forma indirecta, e são vários os estudos que abordam de forma indirecta esta questão. Um dos primeiros trabalhos realizados baseou-se no estudo da capacidade de armazenamento (volume) de espermateca na rainha e o volume de ejaculação do zangão. O raciocínio é básico e claro: se dividimos a capacidade de espermateca pelo volume de ejaculação de um zangão, saberemos quantos zangões acasalaram com uma rainha. No estudo comprovou-se que praticamente com o sémen de um zangão podese chegar ao espermateca da rainha, portanto parecia lógico pensar que o número de zangões que acasalam com a rainha seja 1 ou no máximo 2. Contudo, actualmente sabemos que somente uma parte do sémen de cada zangão permanece na espermateca, o que permite o armazenamento de sémen de um maior número de machos. O Sexo no Mundo das Abelhas Uma aproximação mais fiável a esta questão consiste em criar rainhas homozigotos para algumas características e depois de serem fecundadas estudar a descendência. A abordagem é boa, mas o estudo é bastante complicado e com uma certa margem de erro. Os microsatélites são curtas sequências de ADN que se repetem nos cromossomas. Nas abelhas conhecemos vários que têm sido utilizados para realizar diferentes estudos sempre relacionados com a genética, por exemplo, caracterizar populações de abelhas de diferentes zonas ou regiões geográficas. Estoup e cols (1994) estudaram estes marcadores para deduzir com quantos machos acasala uma rainha. A sua abordagem experimental é relativamente simples, ainda que levá-lo à prática supõe uma carga importante de trabalho. Hernández-García e cols (2009) utilizando esta tecnologia em abelhas da nossa raça (Apis mellifera iberiensis) encontraram que nos apiários do norte peninsular as rainhas acasalam com cerca de 8 e 25 zangões (média 15,73 ± 4,58) e as do sueste com cerca de 10 e 29 (média de 18,92 ± 5,07), existindo entre os grupos uma diferença significativa. Super-Irmãs Uma questão prévia: se uma rainha acasala com vários zangões, como se armazena o sémen na espermateca? Se se mistura o sémen de diferentes zangões ou não? Há vários trabalhos que estudam esta questão, e a maioria dos autores concluem que no espermateca da rainha mistura-se o sémen de todos os zangões que acasalam com ela. Cada família de obreiras está formada pelo que se conhece como um grupo de super-irmãs devido a compartilharem 50% do genoma da mãe e 100% do genoma do pai, ou seja, compartilham 75% ((50+100)/2) de todo o genoma dos seus progenitores. Nós os humanos compartilhamos 50% do genoma dos nossos pais ((50% da mãe + 50% do pai)/2 = 50%). A conclusão dos estudos realizados é que as rainhas acasalam com um alto número de zangões, mas porquê? Pois para que a variabilidade genética da colmeia seja o mais alta possível. Elucidada esta primeira questão, é lógico concluir que o mais normal é que numa colmeia convivem ao mesmo tempo obreiras de diferentes pais. Todas as obreiras filhas do mesmo pai considera-se que formam uma família (tem a mesma mãe rainha e o mesmo pai zangão) e se pudermos averiguar quantas famílias convivem ao mesmo tempo na colmeia, podemos deduzir com quantos zangões acasalou a rainha. Simples, não? Aqui é onde entram os microsatélites, como se identificou vários (no seu trabalho Estoup e col. Estudam 10 diferentes) vamos estudar as combinações de microsatélites presentes em diferentes colmeias. Os resultados obtidos foram que nas colmeias estudadas havia entre 7 a 20 famílias diferentes, ou seja, as rainhas acasalaram com 7 e 20 zangões. Que vantagem tem uma alta diversidade (variabilidade) genética? Os investigadores que estudaram esta questão concluem que a diversidade tem a vantagem de poder reagir de forma mais versátil em diferentes situações. O Sexo no Mundo das Abelhas P. Whitting foi um investigador que tentou solucionar o problema da determinação sexual haplodiplóide das abelhas trabalhando com um parente próximo das mesmas, uma pequena vespa parasita denominada Bracon hebetor. O motivo é simples de explicar, os investigadores frente a um determinado problema biológico com uma espécie, recorrem às vezes ao estudo de um parente próximo que seja morfologicamente ou biologicamente mais simples, ou que tenha umas gerações mais curtas. A vespa B. hebetor tem num genoma só 10 cromossomas e as gerações são mais curtas que as da Apis mellifera. Sabemos que cada uma das famílias de obreiras de uma colónia (super-irmãs) reage de forma diferente frente a certos estímulos ou situações. Por exemplo, há famílias que começam a forragem com menor idade que outras, isto é, uma vantagem para a colónia já que permite medir de forma natural a saída das abelhas fora da colmeia. Também sabemos que há famílias que se especializam na colheita de pólen ou na procura de água. Uma observação interessante que realizaram Estoup e cols (1994) no seu trabalho consistiu no estudo dos microsatélites num enxame que saiu de uma das colónias incluídas nas suas experiências. Os resultados mostraram que a composição das famílias de super-irmãs (linhas paternais) do enxame era diferente à da colónia de onde procedia. Uma possível explicação desta observação é considerar que as diferentes famílias das super-irmãs de uma determinada colónia, tem uma diferente propensão à enxameação. Determinação do Sexo nas Abelhas Anteriormente expusemos que as abelhas carecem de cromossomas especificamente sexuais, mas em algum lugar do genoma tem que se localizar o gene ou os genes responsáveis pela expressão sexual, ou seja, determinar se uma larva se vai desenvolver como fêmea ou macho. O lugar fixo que ocupa um gene num cromossoma recebe o nome de locus. Mas antes de explicar a hipótese proposta por este investigador, necessitamos de perceber os termos homozigoto e heterozigoto. Quando lemos que um organismo (ex: uma obreira) é homozigoto para um determinado gene (recordemos, os “tijolos” ou “livros” que formam os cromossomas) significa que esse organismo conta com duas cópias idênticas desse gene nos cromossomas do seu genoma que contém informação similar. Recordamos que os seres vivos com um genoma diplóide tem duas cópias de cada cromossoma, e estes dois cromossomas “irmãos” recebem o nome de homólogos. As duas cópias idênticas de um gene (homozigoto) em dois cromossomas “irmãos” representam-se com duas letras idênticas, por exemplo, “AA”. O Sexo no Mundo das Abelhas Ainda que num primeiro momento nos pareça algo raro ou pouco corrente, a verdade é que é bastante normal que um determinado gene (“A”) tenha várias variantes diferentes. Cada uma delas denominase alelo e identifica-se com um subíndice diferente (“A1”, “A2, “A3”, etc). Um gene é heterozigoto quando cada um dos cromossomas “irmãos” (homólogos) contém uma cópia (alelo) diferente e representa-se graficamente como por exemplo: “A1A2”. Voltando a Whitting, em 1993 propõe uma hipótese que denomina “mecanismo de determinação complementar do sexo” que podemos expressar da seguinte forma: há diferentes machos similares em aparência mas com diferentes factores sexuais e o complexo diplóide das fêmeas representa o heterozigoto duplo dominante, combinação de dois complexos diferentes de machos. Este autor também demonstrou que para um locus sexual simples existiam vários alelos, sendo as fêmeas diplóides sempre heterozigotas, enquanto que os machos eram haplóides e homozigotos para dito locus. Antes, no ano 1951 O. Mackensen fecundou rainhas irmãs procedentes de uma colónia com zangões dessa mesma colónia, encontrando aproximadamente na metade das colónias filhas (rainhas irmãs) 50% da cria não era viável e nos favos observava-se crias em mosaico devido às obreiras eliminarem a cria. Mackensen suspeitou que isto podia explicar-se mediante uma homozigose (recordemos “A1A1”) no locus sexual, que produzia o não nascimento ou a destruição dos ovos destinados a ser machos diplóides. Se resumirmos todo o exposto podemos explicar de forma satisfatória o modelo de determinação sexual das abelhas, que seria o seguinte: a heterozigose no locus sexual (“A1A2”) dá lugar a uma fêmea (rainha ou obreira), e a homozigose (“A1A1” ou “A2A2”) ou a hemizigose (“A1” ou “A2”) a um macho (zangão). J. Woyke com uma experimentação similar ao de Mackense demonstrou no ano de 1963 que a morte da cria de machos diplóides produz-se nas primeiras horas de incubação, além disso viu que realmente o que ocorria era que as obreiras comiam as larvas. Este autor desenvolveu um procedimento que protegia as larvas do canibalismo das obreiras, encontrando que se a protecção se realizava durante as primeiras 72 horas de vida, as larvas completavam o seu desenvolvimento até chegarem a ser machos adultos que eram estéreis. O estudo destes machos estéreis demonstrou que eram abelhas diplóides. Se a sua dotação genética tivesse sido heterozigótica (“A1A2”) haviam-se desenvolvido como fêmeas, mas ao ser homozigótica (“A1A1” ou “A2A2”) haviam-se desenvolvido como machos. O Sexo no Mundo das Abelhas As filhas procedem de ovos da rainha (que têm os alelos “A1” ou “A2”) e unem-se com os espermatezóides do zangão (que têm o alelo “A1”); as possibilidades são somente duas: filhas com os alelos “A1A1” ou “A2A2”. Do exposto anteriormente deduzimos que as larvas com os alelos “A1A2” (50%) desenvolvem-se como fêmeas, entretanto as larvas com os alelos “A1A1” (50%) serão realmente machos que além disso seriam comidos pelas obreiras. A seguinte questão importante a esclarecer consistiu em averiguar quantos alelos diferentes podemos encontrar nos locus de determinação sexual (sex determination locus ou SDL). O conhecimento deste dado é bastante importante, sobretudo se queremos recorrer à fecundação artificial ou queremos desenvolver programas de melhoria similares aos que realizamos noutras criações. Se o número de alelos implicados na determinação do sexo é reduzido, a probabilidade de uma fêmea heterozigótica (ex: “A1A2”) acasalar com um macho hemizigótico que contenha um alelo comum (“A1” ou “A2”) é alta. Mas se os alelos são muitos estas probabilidade baixa notavelmente. Vamos vê-lo mediante um exemplo (ver tabela 1). Suponhamos que temos três colmeias e as rainhas dessas colmeias têm a seguinte composição alélica: rainha 1 (“A1A2”), rainha 2 (“A3A4”) e rainha 3 (“A5A6”). Estas rainhas vão-se cruzar com 3 zangões que têm os seguintes alelos: “A1”, “A2 e “A3”. Se a tabela 1 é confusa ou complicada, vamos descrever um exemplo muito simples. Suponhamos que um único zangão com o alelo “A1” acasala com uma rainha que tem os alelos “A1A2”. Recordemos que os zangões procedem de ovos não fecundados, portanto os filhos (zangões) desta rainha teriam o alelo “A1” ou o “A2” (zangões hemizigóticos). Tem sido realizados diferentes trabalhos com a intenção de conhecer o número de alelos diferentes do locus da determinação do sexo e os resultados, como pode supor, são variados. Geralmente podemos admitir que numa população natural o número de alelos presentes está compreendido entre 11 e 19. Com 19 alelos presentes numa população, se fazem os cálculos apropriados obtém-se 171 combinações possíveis de heterozigotos, assim como 19 combinações de homozigotos. Isto dá-nos uma boa margem para realizar programas de inseminação artificial ou de selecção genética. Tabela 1 Gametos Zangão 1 A1 Zangão 2 A2 Zangão 3 A3 Obreiras Viáveis % Rainha 1 “A1A2” A1 A2 A1 A1(*) A1 A 2 A1A2 A2A2(*) A1A3 A2A3 66,6% Rainha 2 “A3A4” A3 A4 A3A1 A4A1 A3A2 A4A2 A3A3(*) A4A3 83,3% Rainha 3 “A5A6” A5 A6 A5A1 A6A1 A5A2 A6A2 A5A3 A6A3 100% Resumo das acasalamento das rainhas com os zangões. As composições com os mesmos pares de números (*) seriam machos diploides que são comidos pelas obreiras, os pares de números diferentes seriam obreiras normais. O Sexo no Mundo das Abelhas Cho e cols (2006) no seu trabalho citam que numa amostra de obreiras (27 abelhas) de uma colmeia localizada no Michigam (USA) encontraram 18 alelos diferentes do gene que determina o sexo. Se numa colmeia há 18 alelos, o número total de alelos segregados numa população grande deve de ser muito maior. Resumindo, na Apis mellifera o modelo de determinação sexual dominou-se “determinação complementar do sexo”, é o modelo da maioria dos himenópteros (grupo em que se incluem os insectos sociais) e o sexo de uma determinada abelha depende da composição alélica do locus SDL (sex determination locus), ou locus de determinação do sexo. No locus onde se localiza fisicamente a determinação do sexo (SDL) os investigadores falaram há algum tempo do primeiro gene relacionado com a determinação do sexo. O gene csd (complementary sex determiner) codifica o primeiro sinal (é uma proteína) que controla a diferenciação sexual entre fêmea e macho. Sabemos que a transcrição do gene csd começa nas primeiras etapas do desenvolvimento embrionário. Encontra-se inactivo nos embriões com 12 horas de idade, mas a partir deste momento a sua transcrição continua durante todo o desenvolvimento embrionário. A transcrição é realmente uma espécie de leitura, a informação contida no ADN do gene lê-se (transcrito) num ARN mensageiro que posteriormente vai dar lugar à formação (o processo conhece-se como tradução) de uma proteína. Já conhecemos o primeiro gene que participa na determinação do sexo da futura abelha. O seguinte passo a dar consiste em averiguar se a acção deste gene dá lugar a um macho ou a uma fêmea. Recordemos que na nossa espécie (Homo sapiens) se não existe o sinal contido no cromossoma “Y” o desenvolvimento embrionário produz uma fêmea, mas, o que ocorre nas abelhas? O sistema é o mesmo? Existe uma técnica de laboratório conhecida como “ARN de interferência” que permite bloquear a expressão de um determinado gene. Se aplicarmos esta técnica ao gene csd dos embriões diplóides (fêmeas) heterozigóticos estes evoluem como machos. O que ocorre se aplicarmos esta técnica a embriões haplóides (machos)? Pois todos seguem o seu desenvolvimento normal e são machos normais. Portanto, no caso das abelhas é necessário um correcto funcionamento do gene csd para produzir uma fêmea. Sintetizando o que sabemos até agora, podemos dizer que a determinação do sexo nas abelhas (Apis mellifera) depende em primeiro lugar da composição alélica do gene csd, no caso de ser heterozigótico (por exemplo, “A1A2”) dá lugar ao desenvolvimento de uma fêmea e no caso de ser momozigótico (por exemplo, “A1A1”) ou hemizigóticos (por exemplo, “A1”) permitirá o desenvolvimento de um macho. Também sabemos que nas abelhas fêmeas o gene csd produz uma proteína que é funcional e necessária para o correcto desenvolvimento das fêmeas. No caso dos machos ou dos homozigotos a proteína não é funcional. Para complicar mais o panorama, os investigadores descobriram que no locus de determinação do sexo (SDL) há ao menos outro gene denominado fem (feminizante) cujo produto (outra proteína) também é necessário para a determinação do sexo da futura abelha. Hasselmann e cols (2008) demonstraram que o bloqueio do gene fem induz nas fêmeas o desenvolvimento da diferenciação de uma cabeça de macho, sem que as larvas dos machos vejam afectadas pelo bloqueio do citado gene. Portanto, a sua acção é secundária na via de determinação sexual das fêmeas, sem que tenha efeito na dos machos. Ainda que pareça que estamos a chegar ao final do caminho e que já sabemos o caso todo sobre o sexo no mundo das abelhas, a verdade é que ainda fica um caminho por percorrer. As últimas investigações que se realizaram indicam que as proteínas fabricadas graças à informação contida nos genes csd e fem actuam sobre outro gene denominado dsx (doublesex - duplo sexo) que seria o autêntico regulador da expressão do sexo. O Sexo no Mundo das Abelhas Portanto, sobre este tema ainda não se disse a “última palavra” e a determinação do sexo na Apis mellifera continua a ser um campo de trabalho muito interessante para os científicos. Finalmente outra questão interessante consiste em averiguar se o gene csd está presente só nas nossa abelhas de mel (Apis mellifera) ou se também está presente noutros parentes próximos. Já sabemos que este gene não só determina o sexo na A. mellifera, como também está presente noutras espécies de abelhas como: A. dorsata ou A. cerana. Agradecimentos Queremos agradecer a colaboração que recebemos do INIA (projecto API-06-010) e, sobretudo, dos apicultores. Bibliografia ADAMS,J.,E.; ROTHMAN, D.;KERR, W.E.; PAULINO, Z.L. (1977). 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