A CONCEPÇÃO MARXISTA DE HISTÓRIA: ASPECTOS DA CONTRIBUIÇÃO DE MARX PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO TRIGO, Thiago Alves [email protected] SOUZA, Rodrigo Augusto de – UEM [email protected] Eixo Temático: História da Educação Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Este trabalho procura apresentar a concepção marxista de história e identificar a sua contribuição para a história da educação. O pensamento de Karl Marx (1818-1883) é de importância fundamental para a compreensão da sociedade contemporânea. Não obstante sua importância, sua obra possui notável complexidade, abrangendo estudos de: economia, filosofia, sociologia, história e religião, entre outros. Nossa intenção é aprofundar a concepção marxista de história. Para isso, vamos mostrar a caracterização da sociedade capitalista burguesa, alvo da crítica de Marx. Realizaremos uma breve incursão no pensamento de Hegel, a fim de permitir uma melhor compreensão do pensamento marxista e de seu método histórico-dialético. Por fim, mostraremos como o pensamento de Marx contribuiu à educação, influenciando a pedagogia histórico-crítica. Palavras-chave: Filosofia da História; História da Educação; Karl Marx. Introdução O pensamento de Karl Marx (1818-1883) denota uma considerável complexidade. Não é nossa intenção uma análise profunda do pensamento marxista. Isso demandaria um estudo mais detalhado. No entanto, buscamos com este trabalho apresentar uma compreensão da concepção marxista de história. Segundo nosso entendimento, uma das mais significativas 6937 contribuições de Marx ao pensamento contemporâneo se deu na sua forma de compreender a história. Ao lado da crítica à sociedade capitalista, industrial ou burguesa, está a noção de história em Marx a iluminar a produção do conhecimento na contemporaneidade. Não podemos deixar de nos referir ao conceito de ideologia em Marx. Trata-se de uma contribuição original e inédita. Através dessa nova formulação da noção de ideologia, Marx realiza sua crítica à burguesia e ao capitalismo. A ideologia, segundo os pressupostos marxistas, nos remete à idéia de consciência, isto é, uma espécie de concepção de pensamento e da racionalidade. Essas idéias de Marx ofereceram uma contribuição extraordinária para a filosofia e a educação. Para Pucci (1995), em termos filosóficos elas inspiraram os pensadores da Escola de Frankfurt, como Marcuse, Adorno, Horkheimer, Benjamin e Habermas. Esses filósofos buscaram interpretar Marx no século XX. Ofereceram novos critérios à análise do pensamento marxista, tais como: a indústria cultural, a sociedade de massa, a teoria crítica, entre outros. Apesar da inspiração marxista da Escola de Frankfurt, esse movimento filosófico também é criticado por alguns leitores de Marx. Para tais críticos, os filósofos “frankfurtianos” teriam esvaziado o conteúdo político e revolucionário do pensamento de Marx, se concentrando apenas nos estudos culturais e antropológicos. Para além da Alemanha, Marx exerceu uma influência mais direta na Itália do século XX, especificamente no pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937). Um dos fundadores do partido comunista italiano, Gramsci se tornou o principal contestador do fascismo, movimento reacionário de direita. O pensamento gramsciano procurou afastar o pensamento de Marx das experiências do chamado “socialismo ou comunismo vulgar”, da antiga União Soviética e de outras experiências totalitárias de comunismo. Gramsci prefigurou um “comunismo à italiana”, diferente das outras feições políticas do comunismo real. Sendo assim, Gramsci manteve vivo o ideal revolucionário de Marx, com novas caracterizações. Não separando o pensamento de Marx da luta política revolucionária. A Sociedade Burguesa A caracterização da sociedade burguesa será tomada como ponto de partida para a compreensão do pensamento de Marx e de sua concepção de história. Antes de chegarmos ao 6938 pensamento marxista, é preciso entender o capitalismo industrial e perceber a organização da sociedade burguesa. Esses dois elementos são fundamentais para se entender o espírito da obra de Marx. Sua crítica ao capitalismo e à burguesia revela ainda a atualidade de suas idéias, uma vez que o modo de produção capitalista permanece em nossos dias. Marx é um pensador que ultrapassa o seu tempo histórico, apesar de datado ao século XIX, suas idéias, sem nenhum tipo de idealismo à moda de Hegel, se projetam para o século XX e permanecem como uma crítica contundente ao capitalismo. Considera Marx, na “Crítica do Programa de Ghota”: O modo capitalista de produção repousa no fato de que as condições materiais de produção são entregues aos que não trabalham sob a forma de propriedade do capital e propriedade do solo, enquanto a massa é proprietária apenas da condição pessoal de produção, a força de trabalho. Distribuídos deste modo os elementos de produção, a atual distribuição dos meios de consumo é uma conseqüência natural. Se as condições materiais de produção fosse propriedade coletiva dos próprios operários, isto determinaria, por si só, uma distribuição dos meios de consumo diferente da atual. (MARX e ENGELS, s./d., vol. 2, p. 215). De acordo com Hobsbawm (2001), o palco da sociedade burguesa é a modernidade. Essa, por sua vez, pode ser caracterizada a partir das revoluções que lhe são próprias. A opção de Hobsbawm é entender a modernidade considerando as revoluções que marcaram a sua constituição. Assim, para entender o pensamento de Marx, é preciso uma incursão nas três grandes revoluções da modernidade: a revolução científica do século XVI, protagonizada pela ciência moderna de Bacon, Locke e Hobbes; a revolução francesa ou burguesa, marco político da ascensão da burguesia ao poder e a revolução industrial, como implantação radical do modo de produção capitalista. Desse modo teríamos a modernidade definida a partir dos seus aspectos: científicos, políticos e econômicos. A revolução científica tem sua matriz teórica no empirismo inglês. Serviu de suporte à industrialização ocorrida principalmente nos séculos XVIII e XIX, na Europa. A marca do empirismo também influenciou a filosofia de Marx. O materialismo dialético e histórico, de Marx e Engels, tem pretensões cientificistas. O historiador da filosofia, François Châtelet, afirma que nenhuma filosofia do XIX escapa ao cientificismo e ao historicismo. São as duas grandes ideologias que influenciaram a produção filosófica desse período. Marx defende o socialismo científico, o que mostra como ele se adequa à filosofia do século XIX. 6939 No plano político, Marx percebe com grande visão a consolidação dos ideais burgueses da revolução francesa. A pseudo-democracia moderna, advinda da afirmação do liberalismo político. A sociedade divida em classes é o sintoma crítico do modo de produção capitalista. A filosofia marxista é uma grande crítica da burguesia e da sociedade dividida em classes: os burgueses, donos do modo de produção capitalista e os trabalhadores, massa explorada pelos detentores do capital. Considera Marx, na obra “O Dezoito de Brumário de Luiz Bonaparte”: A revolução social do século dezenove não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de alcançar seu próprio conteúdo a revolução do século dezenove deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase. (MARX e ENGELS, s./d., vol. 1, p. 205). A revolução industrial é a expressão mais nítida do processo histórico da modernidade. Marx vê o homem alienado, produto da revolução industrial, contaminado pela ideologia burguesa. O homem não é sujeito de si mesmo, está despersonalizado. Seu trabalho é alienado. O trabalho que deveria realizar a natureza humana, é um modo de subserviência ao capital. Com maestria, Marx analisa o impacto do capitalismo sobre a vida humana, produzindo um homem monstruoso, cada vez mais distante da sua própria humanidade. A Crítica ao Idealismo de Hegel Se por um lado a compreensão da sociedade burguesa é importante para o entendimento do pensamento de Marx, por outro, não se pode negar a influência de Hegel (1770-1831) sobre o pensamento marxista. São filosofias distintas: o idealismo de Hegel e o materialismo de Marx. No entanto, elas se aproximam em duas características comuns: o historicismo e a dialética. Marx recebe essa influência do idealismo hegeliano. Podemos dizer que é uma influência muito mais metodológica do que teórica. Há diferenças entre a dialética marxista e a hegeliana, mas ambos recorrem à dialética. Vamos apresentar o pensamento de Hegel a partir das obras: Fenomenologia do Espírito e Filosofia do Direito. Segundo Châtelet (1982), podemos compreender o conceito de dialética em Hegel como a vida do espírito absoluto. Sendo a dialética o ultrapassar imanente, a superação 6940 constante em uma relação de identidade de contrários, constitui um movimento triádico de superação progressiva da realidade, onde ser e nada são a mesma coisa em uma relação de alteridade. Por ser um movimento de constante progresso na superação da realidade, a dialética é a vida do espírito absoluto em Hegel. O espírito absoluto é uma totalidade inteligível que engloba a cultura como conjunto sistemático do que é e foi dito e pensado, no espírito se abriga a identidade da coisa que não é repetida. Ela se reconstitui continuamente, pois também é o Absoluto, enquanto totalidade que vale para o real e cada uma das partes, por isso se afirma: “o verdadeiro é o todo”, é o Espírito, é a relação de alteridade nas identidades. Não se concebe uma parte dissociada do todo. Aqui é possível notar mais uma semelhança entre Hegel e Marx. A visão de totalidade do real e do conhecimento. O movimento do real, segundo o pensamento hegeliano, está na totalidade e é lá também que se distingue a realidade pela identidade de contrários. O verdadeiro é aquilo que se determina, pela dialética de superação, na realidade e por sua vez “o real é racional e o racional é real”. Por sua fundamentação, meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também sua antítese direta. Para Hegel o movimento que ele personifica no nome da idéia é o demiurgo da realidade, a qual é apenas a forma fenomenal da idéia. Para mim, pelo contrário, o movimento do pensamento é apenas a reflexão do movimento real, transportado e transposto no cérebro do homem. (MARX, 1975, p. 73). Na medida em que se apreende racionalmente o movimento progressivo dialético, superando e determinando a própria realidade, se pode afirmar com segurança que o “real é racional e o racional é real”, por entender a determinação da coisa ou realidade pelo movimento histórico-dialético que é devidamente inteligível. A dialética de Hegel supõe o par dialético ser e pensamento. Ele reúne em sua análise dois elementos que até então eram desvinculados, pois eram entendidos separadamente em uma lógica predicativa, universal onde ambos se determinam separadamente e em nada se relacionam no que compete à identidade. Hegel inova quando rejeita a lógica predicativa e insere em seu lugar o par dialético do ser e pensamento colocando assim em uma mesma relação que pode estabelecer a identidade, o que supõe a diferença. Ser e pensamento, para Hegel, não podem ser diferentes em uma perspectiva predicativa e universal, mas devem ser dialéticos, por conter uma tensão de contrários, que não é uma confusão de identidades, mas por estarem reunidos, sendo assim uma determinação da diferença de identidades. 6941 Merece destaque o pensamento político e moral de Hegel. É importante estabelecer a relação entre estado e sociedade no pensamento hegeliano. Há o estabelecimento da distinção entre estado e sociedade civil, mas o estado é o fundamento. Nesse sentido, é o estado que funda o povo e não o povo que funda o estado. Assim, o estado absorve a sociedade civil, na forma da filosofia do direito. Afirma Marx (1975): Ainda que Hegel desfigure a dialética com o misticismo, não deixa de ser ele quem pela primeira vez expõe o seu movimento de conjunto. No seu caso, a dialética apóia-se sobre a cabeça; basta repô-la sobre seus pés para lhe dar uma fisionomia racional. Na forma racional ela é um escândalo e uma abominação para as classes dirigentes e seus ideólogos doutrinários, porque captando o próprio movimento, no qual qualquer forma realizada é apenas uma configuração transitória, não se deixa subjugar por nada: porque ela é essencialmente crítica e revolucionária. (p. 74). Hegel defende o estado ético, ou seja, o estado deve ser compreendido como ele é, e não como deveria ser. Apesar desse ideal, nós sabemos que o estado liberal burguês não é ético. Buscando em Platão, o grande mentor do idealismo na filosofia, a idéia de estado, em especial, as idéias de liberdade e propriedade, Hegel se põe a defendê-las. Para Hegel, o estado é personificado no monarca. A crítica de Marx à teoria política hegeliana está no fato de termos a constituição do monarca e não o monarca da constituição. Marx desmascara o estado burguês, ao afirmar que ele é a ditadura da minoria. Apesar a visão histórica de Hegel, baseada da dialética: tese, antítese e síntese, o pensamento hegeliano traduz a Alemanha do seu tempo, diante da Revolução Francesa. A Concepção Marxista de História Marx entende a história pela perspectiva da produção material de bens. A análise empreendida por Marx se volta para a produção material dos bens e dos elementos que lhes envolvem ou correspondem. A análise marxista se volta para os modos de produção, a realização do trabalho e as relações econômicas que o envolvem, resgatando tais relações em perspectiva histórica. A história evolui dialeticamente para Marx. Nessa característica ele é semelhante a Hegel. A dialética marxista é substancialmente diferente, pelo seu materialismo. A expressão mais plena da dialética marxista é a luta de classes, que é o “motor” da história. O conflito das classes leva ao progresso da história, ao seu desenvolvimento. Concebe ainda a história como 6942 multifacetada e não unilinear. Para Marx, a história é entendida de muitas formas, aqui está presente a idéia de classes, que formam a sociedade, e não segue um curso unilinear e evolutivo. Argumenta Marx sobre sua concepção de história em “O Dezoito de Brumário de Luiz Bonaparte”: Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstãncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra, as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada. (MARX e ENGELS, s./d., vol. 1, p.. 203). Segundo Marx, a sociedade política deveria ser a expressão da sociedade civil, isto é, das relações de produção que nela se instalam. Assim critica os traços fundamentais da filosofia do direito de Hegel. Marx (2007), em sua obra “A Ideologia Alemã”, desconstrói toda a filosofia da consciência anterior ao seu tempo, principalmente a hegeliana. Mostra o estado como uma superestrutura, parte essencial da estrutura econômica. Dessa maneira, o estado escravista garante a dominação sobre os escravos. O estado feudal garante o predomínio das corporações. O estado capitalista garante o predomínio das relações de produção capitalistas, e, inclusive, protege-as. Para Marx, a luta de classes determina, no capitalismo, a necessidade do estado. A classe que detém a propriedade dos meios de produção deve institucionalizar sua dominação econômica, através de organismo de dominação política, jurídica, forças repressivas, de convencimento, entre outra. O estado em Marx nasce da luta de classes como um poder concentrado, burocrático. Não existe uma teoria política marxista do estado. A finalidade de Marx e Engels era acabar com o estado. Existe sim, uma teoria crítica do estado capitalista. Para Marx, em “A Luta de Classes na França de 1848 a 1850”: 6943 O desenvolvimento do proletariado industrial tem por condição geral o desenvolvimento da burguesia industrial, sob cujo domínio adquire ele existência nacional que lhe permite elevar sua revolução à categoria de revolução nacional, criando meios modernos de produção, que hão de transformar-se em outros tantos meios para a sua emancipação revolucionária. Somente o domínio da burguesia industrial extirpa as raízes materiais da sociedade feudal e prepara o único terreno em que é possível uma revolução proletária. (MARX e ENGELS, s./d., vol. 1, p.119). O pensamento de Marx dá muita importância à observação da realidade histórica identificando as relações de contradição. Essas relações são conflitantes. Assim, a filosofia marxista considera: as relações sociais, a luta de classes, a práxis e a mudança como condição fundamental para superação das desigualdades provocadas pelo capital. A luta de classes é marcada pelo embate entre a classe trabalhadora e a burguesia. Marx defende uma história em movimento, a transformação da realidade e profundas mudanças sociais. Para que a superação do modo de produção capitalista aconteça é preciso desmascarar e superar a ideologia burguesa. Ao conferir um valor significativo à história, o pensamento de Marx entende a experiência a partir da descrição e classificação da realidade concreta do fenômeno. Há um resgate da estrutura sócio-econômica. O princípio da realidade é a matéria. A consciência, por sua vez, não é vista longe do homem histórico e concreto, por isso, ela deve ser crítica e reflexiva. Aspectos da Contribuição de Marx à História da Educação O legado marxista para a história da educação não é fácil de ser examinado. Há uma vasta produção nesse sentido. Marx foi e ainda é uma influência decisiva para a história da educação. Apresentaremos o método crítico-dialético como expressão da contribuição de Marx para a educação. Essa influência marxista pode ser notada nos mais variados campos da educação: didática, teorias da educação, história, políticas, gestão, avaliação, entre outros. Do ponto de vista das teorias da educação, se destaca Demerval Saviani, com sua pedagogia histórico-crítica. Em sua obra “Pedagogia Histórico-Crítica:Primeiras Aproximações”, Saviani expõe sua aplicação do pensamento de Marx à educação, em 6944 especial, tendo como foco, a educação brasileira. Sua influência não ficou restrita ao âmbito das teorias da educação ou da história, logo se espalhou para a didática. Inspirando obras como “O Método Dialético na Didática”, de Lílian Wachowicz ou “Didática e as Contradições da Prática”, de Pura Martins, e muitas outras. No prefácio da edição brasileira do livro “Marx e a Pedagogia Moderna”, afirma Saviani: A vitalidade do marxismo se expressa não apenas pela persistência dos problemas por ele formulados, mas também por sua capacidade de exercer a crítica tanto externamente, isto é, em relação sua à sociedade burguesa à qual se contrapõe, quanto internamente, quer dizer, em relação às diferentes apropriações de Marx e do marxismo efetuadas por aqueles que se definem como marxistas. (SAVIANI, 1991, p. X). Ainda na educação brasileira encontramos a figura de Paulo Freire. Com a peculiaridade que lhe é própria, Freire também faz uso do pensamento de Marx. É claro que Marx não é a única influência do pensamento freireano. No entanto, ela parece ser decisiva para a elaboração da pedagogia da libertação de Paulo Freire. É bom considerar que a releitura da obra de Marx na educação brasileira inspirará a abordagem progressista na educação. O pensamento de Marx teve uma boa repercussão na Itália. Autores como Antonio Gramsci e Mario Manacorda tomam a filosofia marxista como um referência para os seus trabalhos. Eles procuram separar Marx e o marxismo. Denominam assim o pensamento de Marx de “marxiano” e não mais marxista, para afastar sua interpretação das experiências do “materialismo vulgar” ou do “comunismo real”. No livro de Manacorda “Marx e a Pedagogia Moderna”, existe um precioso exame da influência de Marx na educação contemporânea. Manacorda toma em análise as principais teorias pedagógicas contemporâneas e mostra como elas se aproximam ou se distanciam do pensamento de Marx. Manacorda apresenta também a pedagogia “marxiana”. Vamos situar no desenvolvimento do pensamento de Marx e Engels essas teses pedagógicas e suas motivações, isto é, a necessidade de eliminar a propriedade privada, a divisão do trabalho, a exploração e a unilateralidade do homem, para atingir um pleno desenvolvimento das forças produtivas e a recuperação da onilateralidade. (MANACORDA, 1991, p. 22). 6945 Podemos afimar que o tema da educação não é fundamental no pensamento de Marx, isto é, ele não ocupa o lugar central na obra marxista. A educação não está no mesmo plano que o trabalho, a ideologia, a consciência, o homem ou a dialética. Os temas da educação e da escola aparecem em um segundo plano. A escola existe para preparar o proletariado para a revolução, isto é, para a sua própria emancipação. Essa parece ser a visão defendida por Marx na “Crítica ao Programa de Gotha”. A escola seria um instrumento de emancipação do proletariado. Contudo, vale ressaltar que a revolução, a transformação profunda da sociedade pelos trabalhadores, não é conseguida pelos acadêmicos. É pela luta dos trabalhadores que o socialismo será implantado.Nisso tudo a escola tem um lugar fundamental, como instrumento a serviço da implantação do socialismo. Educação popular igual? Que se enten de por isto? Acredita-se que na sociedade atual a educação pode ser igual para todas as classes? O que se exige é que também as classes altas sejam obrigadas pela força a conformar-se com a modesta educação dada pela escola pública, a única compatível com a situação econômica, não só assalariado, mas também do camponês? [...]. O fato de que em alguns países sejam “gratuitos” alguns centros de ensino superior, significa tão somente, na realidade, que ali as classes altas pagam suas despesas de educação às custas do fundo de impostos gerais. (MARX e ENGELS, s./d., vol. 2, p. 223). Outra discussão que podemos fazer é sobre o modelo “comunista” ou “socialista” de educação. Marx não explicita um modelo especificado de educação. Seu pensamento oferece como que diretrizes para efetivação de uma escola em perspectiva socialista. Ainda seguindo a reflexão de Marx na “Crítica ao Programa de Gotha”, há a distinção entre: escola estatal e escola pública. Para Marx, a escola deve se ver livre da influência burguesa. Desse modo, ela não pode mais reproduzir a ideologia burguesa, mas buscar os ideais proletários. É preciso dissolver a escola burguesa e dar lugar a um novo modelo de educação, na perspectiva dos trabalhadores. Uma coisa é determinar, por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc, e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado [...], e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do 6946 povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola de toda a influência por parte do governo e da Igreja. (ibid.). Retomando a discussão sobre escola estatal e escola pública. Marx defendia o fim da escola burguesa. Igualmente rejeitava a apropriação feita pelo estado da escola pública. Marx queria a escola pública livre da manipulação do estado e também da religião. A escola deveria ser independente da ideologia burguesa e de todos aqueles que a representam. Seguindo a lógica do pensamento marxista, o estado está a serviço da burguesia. Assim, a manipulação ideológica da escola pública realizada pelo estado é nociva e deve ter um fim. Um novo modelo de escola e educação deve surgir, na perspectiva do proletariado e em vista da emancipação e da revolução. Considerações Finais Marx com sua filosofia produziu uma excelente resposta ao contexto histórico do seu tempo. Enquadrando-se a características do pensamento filosófico do século XIX. Recebe influência de Hegel, pensa dialeticamente, tem mentalidade historicista, dá grande importância à história, é visivelmente empirista e também cientificista. O pensamento de Marx produziu uma louvável proposta filosófica para as necessidades do seu tempo, influenciado pelo contexto histórico em que vivia. De forma magistral, Marx expôs a articulação de um sistema de exploração e dominação que expropria o homem de si mesmo. Apontou para o desmantelamento de uma propriedade tão fundamental à existência do indivíduo como o seu trabalho, observando a descaracterização humana da atividade laboral. A usurpação do trabalho pelo capitalismo transformou o homem em uma “monstruosidade”, sobretudo no contexto de Marx, desprovido de qualquer expectativa existencial. A atualidade de Marx permanece em nossos dias, mesmo sendo um pensador do século XIX. O modo de produção capitalista ainda predomina entre nós. A crítica de Marx é implacável ao capitalismo e, nesse sentido, ainda não superada. Sua dialética materialista da história é uma grande contribuição à ciência e ao conhecimento. Retirar a história e o conhecimento da abstração, do mundo das idéias, e colocá-los no concreto da vida é uma mudança radical. 6947 A escola burguesa ainda carece ser desmontada. Ela está plena de vigor em nossos dias. Uma educação que leve à emancipação e à transformação da sociedade em que vivemos ainda é um ideal a ser perseguido, principalmente no Brasil. Nosso contexto hoje é diferente em relação ao tempo de Marx, no entanto, a ideologia burguesa mudou apenas a camuflagem de sua estratégia de dominação. Precisamos de uma escola e de uma educação que ajudem na superação do modo de produção capitalista dos nossos dias. E não, de uma educação vendida aos interesses do capital. A filosofia marxista mostrou como o capitalismo tem um projeto bem construído de roubo desmascarado das propriedades humanas em favor de um sistema que privilegia a humanidade de poucos e a morte de muitos. REFERÊNCIAS CHÂTELET, François (org.). História da Filosofia: Idéias, Doutrinas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 18ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. HOBSBAWN, Eric. Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. MANACORDA, Mario Alighiero. 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