A HISTÓRIA NOSSA DE CADA DIA: SABER ESCOLAR E SABER ACADÊMICO NA SALA DE AULA. Katia Maria Abud* Quando se toma conhecimento de novos documentos curriculares e de textos legais que pretendem reformar a educação básica, interferindo diretamente no processo de ensino e aprendizagem, a primeira atitude é de a de discuti-los como se a sua publicação já fosse suficiente para que as mudanças se fizessem sentir na organização escolar. Sabe-se, contudo, que o que ocorre é um movimento diferente, que leva em conta os sujeitos escolares (alunos, professores, diretores, coordenadores pedagógicos) e a cultura escolar. A interferência desses elementos se faz sentir na medida em que surgem as resistências, e mesmo as concordâncias, de tais agentes e que se não impedem que as propostas se efetivem de modo absoluto, as transformam e lhe dão novas características. Mas, se não se pode conceber o currículo como construção exclusiva da ação nas salas de aula, também o sistema escolar não pode ser tomado como “tabula rasa”, pois não é possível reduzi-lo “às intervenções e ações subjetivas dos docentes e discentes, impedindo-nos de entender o surgimento e persistência históricos de determinados conceitos, conhecimentos e convenções ( por exemplo, as disciplinas escolares)” (Young e Whitty, apud Goodson, 1995, 18). A cultura escolar pode ser uma força formadora, que requer processos específicos que surgem no interior do espaço escolar e orientam as ações didáticas, as práticas escolares e a composição de saberes (Forquin, 1993, 15). Ao receber novos documentos curriculares, as apropriações que se fazem na escola sofrem também o impacto dos regulamentos dos sistemas de ensino. Forças que se relacionam com o caráter social da instituição escolar (função social da escola, interesses profissionais, p. ex.) intervêm de maneira decisiva na seleção e configuração da organização curricular. Mas, a discussão curricular não fica restrita aos elementos pedagogizantes do ensino de História. No Brasil, o conhecimento acadêmico, a produção da ciência de referência ocupa um lugar de importância predominante em relação ao currículo de História. * Professora doutora de Metodologia do Ensino de História e do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. A discussão sobre os currículos de História vem tomando largo espaço nas universidades, a partir da publicação das Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação. Sua preocupação central tem sido garantir o lugar para o conhecimento científico, produzido em centros de pesquisa e enfatizar a importância do conhecimento histórico acadêmico na seleção e organização dos conteúdos para a transformação do ensino da disciplina na escola básica. Esta idéia se apóia numa concepção que vê o conhecimento escolar como uma versão simplificada do conhecimento cientifico e considera que sua didática tem como objeto realizar de forma adequada essa simplificação, para que a história produzida pela comunidade cientifica possa ser assimilada pelos estudantes em diferentes níveis de ensino (Merchán Iglesias, 2002, 4154). Em quase dois séculos de existência da escola secundária, construiu-se uma tradição quanto ao ensino da História e aos conteúdos que a compõem, na qual intervém a produção historiográfica, os documentos legais, a formação de professores, a produção de materiais didáticos, todos componentes assentados no contexto em que se desenvolve a prática escolar. A interação entre esses elementos que se assiste cotidianamente na escola é fundamental para que possamos compreender que o ensino de História vai além da simplificação didática dos conteúdos ao tecer os cruzamentos entre os componentes do saber escolar. O reconhecimento da existência e interação entre todos esses elementos não tem sido a regra nas universidades brasileiras, quando se abordam as questões relativas ao ensino de História na escola básica e à formação do professor. Há razões históricas para a permanência da concepção que atribui exclusividade à participação da ciência de referência no conhecimento histórico escolar. A criação do Colégio Pedro II, a primeira escola secundária do Brasil, introduziu a História como disciplina escolar. Paralelamente, a História acadêmica se iniciava, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. As duas instituições, criadas durante a regência de Pedro de Araújo Lima, iniciaram suas atividades no mesmo ano de 1838, incumbidas que estavam de colaborar para a consolidação do Estado Nacional Brasileiro e para o estabelecimento de uma identidade para o país. E, se o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro cuidava de estabelecer os paradigmas para a construção da História Brasileira, o colégio tratava de transformá-los em programas de ensino. Duas tendências cruzavam-se na construção da disciplina. Se por um lado, tratava-se de garantir, por meio da recuperação do passado, a genealogia da nação recém criada, permitindo que se aclarasse sua identidade e autonomia, por outro, cuidava-se também de garantir um lugar para ela na civilização ocidental cristã. Isto implicava que a construção da identidade não poderia significar uma ruptura com os colonizadores, cuja imagem era a de civilizadores. Ao contrário, buscava-se salientar as relações entre a antiga colônia portuguesa e a Europa. Coube à produção historiográfica, localizada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a construção da idéia de Nação que não se assentava sobre a oposição à antiga metrópole, mas o novo país se reconhecia como continuador da tarefa civilizatória, que, antes da Independência, era atribuída a Portugal. A antiga metrópole não se definiu como o outro. A alteridade que se buscava como afirmação da identidade caminhou por duas vias. No plano externo, os outros, os representantes da barbárie eram as novas repúblicas americanas. Internamente, os outros eram os excluídos do projeto de Nação, pois se tratava de gente incivilizada: os índios e os negros. O conceito de nação era eminentemente restrito aos brancos (Guimarães, 1988, 5-27). Assim, coube às instituições encarregadas de pensar a nacionalidade uma pesada atribuição: construir a “genealogia”, demonstrando as origens civilizadas, sem se esquecer de riscar com clareza os contornos da identidade nacional. A dualidade que se expressava nas produções dos sócios do IHGB atingiu o Colégio D. Pedro II. Percebe-se a “tentativa de integrar o velho e o novo, de forma que as rupturas sejam evitadas”. Assim, a História produzida no Instituto foi marcada por um duplo projeto: “dar conta de uma gênese da Nação brasileira, inserindo-a contudo numa tradição de civilização e progresso, (...) A Nação (...)deve (...) surgir como o desdobramento nos trópicos de uma civilização branca e européia” (Guimarães, 1988, 5-27). E sua História não poderia se desvincular das proposições da historiografia do continente europeu. Partilhando com o positivismo o postulado do progresso da humanidade a escola metódica, que se desenvolveu durante o século XIX, destacava alguns traços epistemológicos: - o estudo das fontes oficiais; - elaboração de rigorosos métodos de análise, codificados no final do século por Langlois e Seignobos; - só a ausência de fontes limita o conhecimento do passado; - a narrativa cronológica como única maneira de escrever a História; - a História é uma ciência, com métodos próprios e meios de verificação; - a História é uma ciência que estuda um passado exterior ao pesquisador, que assim pode encará-lo com toda objetividade (Le Pellec, Marcos-Alvarez, 1991, 42). Os postulados da escola metódica foram preservados pelos primeiros historiadores, no Brasil. Associados do IHGB foram também, durante o século XIX, os professores do Colégio D. Pedro II e transpuseram a concepção de História da academia para a escola secundária, ao se transformarem em autores dos programas que seriam fundamentos para os exames a se realizar em todos os estabelecimentos escolares nacionais.1 As cadeiras e os programas de História do Colégio Pedro II contemplavam a História do Brasil, em alguns momentos chamada de História Pátria, e a História da Civilização. De um lado, o Brasil era pensado como parte da civilização ocidental, fruto da cultura européia transplantada para os trópicos, de outro como um novo país a se organizar. Isso ajuda a explicar a alternância da História da Brasil com a que hoje chamamos de História Geral. Tome-se como exemplo o “Programa de exame para o ano de 1850”: No sétimo ano, se contemplava a História do Brasil (desde o “descobrimento” até o Movimento de Pernambuco em 1824), mas nas séries anteriores o objeto de estudo tinha sido a História Moderna (de França. Luis XI ao absolutismo, terminando com o reinado de Luis XVIII) no sexto ano; a História Média (de invasões bárbaras à Carlos VII. Joana D’Arc) , no quinto ano; a História Romana (de Fundação de Roma. Rômulo a Calígula) no quarto ano; História Antiga (De opiniões dos antigos a respeito da criação do mundo até Alexandre Magno) (Vecchia e Lorenz, 1998, 4, 9, 14,17). Os programas do Pedro II, que até 1931, foi a escola modelo brasileira, criaram uma tradição curricular que se mantém até hoje na maior parte das escolas brasileiras, de caráter público ou privado: a de se estabelecerem programas e planejamentos curriculares, nos quais até hoje, a chamada História Geral organizada de forma cronológica, ocupa espaço predominante. Introduziram também a discussão de um determinado conceito de identidade nacional, que ainda permeia, apesar das transformações, os textos da História ensinada. Manteve-se, na reformas educacionais realizadas no século XX, uma concepção de história eurocêntrica que fundamenta a organização de conteúdos a serem ministrados nas escolas básicas, sobretudo a partir do segundo ciclo do ensino 1 As escolas secundárias brasileiras preparavam os alunos para os exames do Pedro II, colocando em uso para tanto os programas organizados pelos seus “lentes”. Do mesmo modo, as bancas examinadoras também eram aprovadas pela escola secundária modelo. fundamental, ou seja, a partir da 5ª série. Mas, manteve-se também a idéia de que cabe à História assegurar a formação dos cidadãos, unidos pelos laços da identidade nacional. A primeira grande reforma pela qual passou a escola secundária no Brasil, a Reforma Francisco Campos, de 1931, reconhecia em suas Instruções Metodológicas: “conquanto pertença a todas as disciplinas do curso a formação da consciência social do aluno, é nos estudos de História que mais eficazmente se realiza a educação política, baseada na clara das necessidades de ordem coletiva e no conhecimento das origens, dos caracteres e da estrutura das atuais instituições políticas e administrativas” (Hollanda, 1957, p. 18). A preocupação expressa nas Instruções Metodológicas não impediu que os programas ao criar como única disciplina para as cinco séries do curso ginasial, a disciplina História da Civilização, que compreendia a História Geral e a História do Brasil e da América, enfatizassem a História Geral. Os programas para cada uma das séries do curso ginasial eram divididos em duas partes, a primeira continha os itens de História Geral e a segunda parte era dedicada à História do Brasil e da América . A organização ideal dos temas procurava uma integração entre os conteúdos, relacionando os fatos históricos da História Geral aos da História do Brasil, nas listas de conteúdos a serem desenvolvidas nas mesmas séries. A carga horária de duas aulas semanais e a extensão dos programas impedia que os programas de História de Brasil e da América se completassem durante o ano letivo. Dessa forma, o aluno terminava o curso ginasial sem ter estudado a História do Brasil, o que provocou manifestação dos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, quando a Revista do IHGB publicou o Plano Nacional de Educação, (1936, 13): “Deve haver uma cadeira especial de História do Brasil para que esta não continue como um capítulo de sumária ou de somenos importância dos compêndios de História da Civilização, pois toda aquela relevante disciplina foi posta na rabadelha do programa oficial desta.” Manifestações de professores, como Jônatas Serrano, deixaram mais evidentes ainda as dificuldades para se estudar a História do Brasil, apontando as incongruências do programa, ao estabelecer as aproximações entre a História da Civilização e a História do Brasil e da América. O conhecido autor de manuais didáticos considerava impossível que o aluno compreendesse as questões da Pré-História, os círculos culturais, as civilizações mais antigas, pois ao doze anos o estudante mal conhecia a própria língua... (Serrano, 1934, XVII). A Reforma Capanema mudou em parte o quadro de História do Brasil, que passou a ter autonomia como disciplina independente da História da Civilização. Mas não houve mudanças significativas em relação aos conteúdos, que continuaram a ser dispostos de modo cronológico, apenas deslocados para séries diferentes das que estavam alocadas nos programas anteriores, já que o curso ginasial passava a ter quatro anos de duração. Para o ensino de História Geral, reservavam-se as primeiras e segundas séries e para a História do Brasil, a terceira e a quarta. Em 1951, a História do Brasil foi introduzida na primeira série e ao lado da História Geral, nas duas séries finais, perdendo contudo a carga horária da segunda série, que passou a ser destinada à História da América. Até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, de 1961, cabia ao Ministério da Educação a publicação dos programas de ensino das disciplinas nas escolas secundárias. A partir daquela data, os programas passaram a ser responsabilidade dos sistemas públicos de ensino, o que significava que os estados, que respondiam pela maioria das escolas públicas secundárias, passariam a publicar seus próprios programas do ensino. A reforma manteve não somente a dualidade da História Geral e da História do Brasil, com diferenças de estado para estado, da distribuição por série e do número de aulas, como também a concepção cronológica continuava responsável pela organização temporal. Continuou-se contemplando a narrativa cronológica da História distribuindo por meio do eixo temporal, os episódios e seus personagens. Nem mesmo a Lei 5692/71, que introduziu Estudos Sociais, trouxe novos formatos para os conteúdos de História. Entremeados aos conteúdos de Geografia e algumas pinceladas de outras Ciências Sociais, os conteúdos históricos se apresentavam linearmente organizados e divididos igualmente pelas quatro séries finais do primeiro grau, em História do Brasil, na 5ª e 6ª séries e História Geral, na 7ª e na 8ª série, na maioria dos estados. Mantinham o caráter de conhecimentos que deveriam ser memorizados e a prática do civismo e adequação ao meio social eram seus principais objetivos. É importante destacar que, apesar de a História do Brasil ser ministrada na 5ª e na 6ª séries, o marco inicial era sua inserção na História da Europa, já que se introduzia o estudo da nossa história pelas “Grandes Navegações”. No início dos anos 80, o processo de redemocratização e a vitória da oposição em alguns estados levaram ao atendimento de uma reivindicação de professores e associações científicas e secretarias estaduais de educação puseram fim a Estudos Sociais, propiciando o retorno de História e Geografia como disciplinas autônomas. A necessidade de novas orientações para o ensino levou à formulação de propostas curriculares ancoradas nos novos paradigmas do conhecimento histórico e nas inovações das ciências da educação. A História Nova introduzira novas categorias como o cotidiano e os educadores chamavam a atenção para a necessidade de se considerar como ponto de partida para o desenvolvimento da aprendizagem os conhecimentos prévios e a vivência e experiência dos alunos. Ao mesmo tempo, pensava-se na construção de uma nova identidade para os brasileiros, voltada para os vizinhos americanos. Conclamava-se que nossos olhares deixassem de mirar o Atlântico ao norte e se voltassem para os Andes e para a África. Que buscássemos nossa história junto aos vizinhos de colonização hispânica, recuperando nossas raízes não européias, nossos elos com os indígenas e com os africanos. As propostas que surgiram no período procuraram se libertar dos esquemas cronológicos consagrados, ao fugir da divisão quadripartite da História. A periodização clássica, que consagrou a divisão da História em Antigüidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea era objeto de critica de historiadores e professores da disciplina que a consideravam a serviço da dominação dos colonizadores. Os conceitos que a fundamentavam, especialmente o de progresso e a dicotomia entre a civilização ocidental e os povos com outras culturas foram rejeitados. Os documentos curriculares se pautaram por centralizar os conteúdos na História do Brasil e da América, que permitiriam com maior facilidade a problematização a partir da vivência e das experiências do cotidiano. Dessa problematização, na maioria das propostas, surgiriam os eixos temáticos, que dariam um fio lógico aos conteúdos e que permitiriam a integração entre os conteúdos de História do Brasil e da América e a História Geral. A mesma concepção foi adotada, os na segunda metade da década de 90, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais da disciplina, tanto na escola fundamental como no ensino médio. Contudo, temos que considerar que reformas educacionais nem sempre se traduzem por mudanças no cotidiano escolar. A expressão Reforma faz referência à mobilização dos públicos e às relações de poder na definição do espaço público e pode ser melhor entendida se for considerada como parte de um processo de regulação social. Mudança possui um significado que, à primeira vista, tem uma perspectiva menos normativa e mais “científica”, no sentido de entendê-la como um conjunto de “práticas que estabelecem prioridades e posições para os indivíduos nas suas relações sociais”. (Popkewitz, 1997, 11/12). A implementação de políticas públicas que procuravam quebrar a linha evolutiva e cronológica não foi suficiente para quebrar a sólida tradição escolar, que se escorava na utilização de cronologia. As transformações ocorridas na sociedade brasileira e no mundo levaram a modificações dos objetivos do ensino de História e o processo de globalização levou a um fortalecimento da História eurocêntrica na sala de aula. Os indícios de tal fortalecimento podem ser encontrados, entre outras fontes, nos livros didáticos aprovados nas análises do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), na observação da sala de aula e nos conteúdos de avaliações internas e externas à escola básica. O livro didático, a partir dos anos 70 vem assumindo uma posição de suma importância na vida escolar. Considerado naqueles tempos, a “muleta do professor”, hoje se tornou o mais importante elemento da aprendizagem. Distribuído pelo Ministério da Educação para uso dos alunos de todas as escolas de ensino fundamental, o livro didático é, provavelmente, a única leitura dos alunos e o único tipo de livro que entra nas casas da maior parte da população brasileira. Não é raro se encontrar referências à leitura de capítulos de livros didáticos pelas famílias dos alunos. Dessa forma, o livro informa, cria e reforça concepções de História e visões de mundo, mesmo fora do ambiente escolar.2 Das dezessete coleções aprovadas, cujas resenhas foram publicadas no Guia de Livros Didáticos de 5ª a 8ª séries de 2002, apenas quatro não iniciam os estudos de História pelos primórdios da História do Homem. Quatorze coleções dedicam todo o volume destinado à primeira série à Antigüidade e mais da metade do exemplar da 6ª série ao estudo da Idade Média e início da Idade Moderna. A História do Brasil se inicia, na grande maioria das coleções, no momento em que a Europa toma conhecimento da possibilidade de existência de terras e povos, que até então desconhecia. A partir de então, se realiza uma falsa articulação entre a História Geral e do Brasil, que é uma mera sobreposição cronológica dos conteúdos. Intercalam-se os capítulos de cada um dos ramos da História: a um capítulo de História Geral sucede um 2 Em 1987, em pesquisa não publicada, realizada com alunos de escolas públicas, Dulce Camargo, Ernesta Zamboni e Maria Carolina Galzerani Boverio, professoras da Faculdade de Educação da UNICAMP, constataram que famílias evangélicas liam, para acompanhar a leitura da Bíblia, capítulos de livros didáticos de História Antiga.(cf. depoimento Ernesta Zamboni, 24/07/2004). outro sobre o Brasil, que se articula com o anterior somente por que os respectivos temas aconteceram num tempo próximo. A periodização quadripartite reassume hoje, seu papel de eixo na organização dos conteúdos. Tome-se um exemplo de como se listam os conteúdos “integrados”, do Guia de Livros Didáticos de 5ª a 8ª série, de 2002, na p. 346, “8ª série: O cenário europeu nos quarenta primeiros anos do século XX. A Primeira República brasileira. Chegando ao terceiro milênio. Brasil: no caminho de 3º milênio.” A alternância dos conteúdos é apresentada pelos manuais didáticos como atendimento aos Parâmetros Curriculares de História e organização dos conteúdos por meio de eixos temáticos. Entre as outras quatro coleções, somente uma procura trabalhar de forma inovadora, articulando-se em torno de eixos temáticos e fugindo da periodização tradicional. As três coleções restantes, somente mudam a ordem do conteúdo por série: nos volumes da 5ª e 6ª séries apresentam a História do Brasil e nas de 7ª e 8ª, a Geral, sem intervir na periodização tal qual vem sendo trabalhada no ensino desde o século XIX. Os livros de História “integrada” secundarizam os conteúdos de História do Brasil, que fica restrito à quarta parte do total de números de páginas de cada coleção. Com problemas de espaço na publicação, em grande parte do material didático, fatos da História do Brasil, são simplificados, para que sua explicação caiba em poucas linhas. Não deixa de ser interessante o fato de os maiores problemas nesse sentido, se localizarem em fatos no inicio da República e inicio do século XX, período para qual a produção historiográfica, especialmente, a produção paradidática não tem sido tão fértil. Em alguns livros, dá-se mais espaço às revoltas de servos e vilões na Idade Média ou às técnicas de embalsamamento no Egito do que aos movimentos sociais do Brasil no inicio do século XX. A permanência da concepção de História do Brasil como caudatária da História européia nos manuais didáticos, interfere diretamente nos planejamentos e aulas de História na escola básica. A importância que os livros didáticos adquiriram faz deles os mais poderosos instrumentos na produção do currículo no cotidiano escolar. Análise de relatórios de estagiários dos cursos de licenciatura em História, na Universidade de São Paulo, nos mostra que entre os professores do ensino médio da rede estadual paulista, predomina a opção pela organização dos conteúdos da maneira tradicional, mesmo entre os professores formados em universidades com tradição de pesquisa e/ou que cursam ou cursaram Pós-Graduação. Em geral, são escolas que priorizam a pesquisa e igualam as necessidades de formação do professor e de pesquisador e reforçam a concepção de que o conhecimento escolar é somente a simplificação dos conteúdos, proporcionada pela sua didatização. Outros elementos constituintes do saber escolar são desconsiderados e por isso o livro didático é quase que o único material de apoio que o professor encontra à sua disposição e por isso, apóia nele a parte central do seu trabalho – planeja as aulas seguindo a disposição dos conteúdos, utiliza os textos em sala de aula, monta com eles um material próprio e deles retira as questões da avaliação (Abud, 2003, 185-204). A ausência de projetos de formação continuada, de reuniões de professores, de discussões sobre seu trabalho, acentua a dependência do manual. A desconsideração da existência da cultura escolar provoca também a inexistência de propostas e de novas experiências de atuação em sala de aula, entre os professores que receberam os estagiários. Há, entre os métodos de ensino, a predominância das aulas expositivas, pouca utilização de material didático que não seja o manual escolar. Raros professores utilizavam vídeos e outros materiais áudio-visuais, inexistem relatos de saídas das escolas: estudos do meio, visitas a museus e institutos culturais, coleta de depoimentos, roteiro de observação de objetos fora da escola. E, embora o discurso dos professores negue, as práticas escolares reafirmam a permanência do conhecimento histórico pronto e acabado, que agora não é mais decorado pelo aluno, mas deve ser compreendido tal como lhe é apresentado. Não se pode reduzir o saber escolar ao conhecimento acadêmico transposto, aos manuais, nem aos programas, nem aos projetos de ensino, ao conhecimento prévio do aluno, às relações dos professores com a disciplina, mas são esses elementos que contribuem para a sua definição e que serão necessários para que se faça a necessária reformulação curricular, no cotidiano da sala de aula. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABUD, K. M. (out. 2003). A construção curricular na sala de aula. Historia e Ensino. Londrina, v. 9. FORQUIN, J. C. 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