Reflexões Éticas sobre Economia e Vida

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“Reflexões Éticas sobre Economia e Vida”
Guilherme C. Delgado
1.
Introdução
Este texto-palestra – “Reflexões Éticas sobre Economia e Vida”, desenvolve o seguinte
esquema expositivo. Apresenta sinteticamente os fundamentos da ética econômica (tópico
2), segundo o ideário dos fundadores da chamada economia científica, desde Mandeville,
Adam Smith e David Ricardo. O pensamento econômico, estilizado em teorias econômicas
das diversas escolas hegemônicas nos séculos XIX e XX, persegue uma ética hermética do
agir econômico, fundada no utililarismo-individualista.
A inclusão da ética de defesa da vida é estranha ao utilitarismo da economia de mercado da
era capitalista. Ingressa na História Economia, pela via da política, ou do estado,
principalmente do chamado Estado do Bem-Estar. Mas esse legado ético, como corpo
externo, estará sempre em disputa e não encontrará aí solo fértil para se propagar.
Numa outra abordagem(tópico 3) - a reflexão ética sobre a vida humana, a construção e a
defesa da vida em sociedade são orientados a partir da Bíblia (Gen. – cap. 1), quando se
pode interpretar o significado das necessidades humanas básicas dos seres conscientes,
livres, dotados de capacidade de agir e vocacionados a agir a imagem e semelhança do Ser
que os criou . (Gen. 1,27)
Confrontando essa categoria bíblica com o legado ético da economia contemporânea,
colocam-se-nos desafios éticos estruturais (tópico 4). A transformação do mundo da
economia e da sociedade onde prevalecem os princípios do individualismo utilitarista
contém uma dinâmica própria, não convergente à construção de um novo mundo de
solidariedade humana e da destinação universal dos bens essenciais à vida.
A solução desse dilema moveu a política e de certa forma a cultura do séc. XX em torno de
debates e enfrentamentos sobre os vários significados do socialismo utópico do sec XIX.
Aparentemente triunfante no Sec XXI, o capitalismo global repõe-nos, de maneira
ampliada, o desafio ao convívio humano com sentido de plenitude da vida
2.
Fundamentos Éticos da Economia.
Os fundamentos éticos da economia contemporânea em quaisquer dos vertentes ou escolas
de pensamento que disputam o bastão da chamada “ciência normal”, repousam na conduta
de um “hommo economicus”, movido pelo auto-interesse ou pelo egoísmo utilitário
comportamental, como mola propulsora ao progresso material.
É fundamento das várias escolas do pensamento econômico, desde os clássico, passando
pelos marxistas, neoclássicos (ou neoliberais), schumpterianos, keynesianos e toda uma
geração de “neo” dos anos mais recentes – considerar o agente econômico a imagem e
semelhança de um animal acumulador, movido fundamentalmente pela pulsão utilitária.
Os pensadores da ética econômica clássica que influenciaram ou fundaram a economia
moderna – Mandeville, David Hume, Adam Smith Ricardo, dentre outros, destacaram, a
busca da realização dos interesses próprios, paixões, preferências e/ou desejos individuais
de renda e riqueza, associada ao progresso técnico, como casamento perfeito de um novo
mundo de prosperidade e riqueza.
Outro fundamento relevante da economia clássica, autônoma á ética do auto-interesse, mas
que imprimirá historicamente um sentido novo à economia capitalista, é a busca do
progresso técnico. O marxismo denomina-o de desenvolvimento das forças produtivas do
capital. Adam Smith começa tratar dessa questão a partir dos princípios da divisão de
trabalho e da coordenação do processo produtivo, como contribuições substantivas à
elevação da produtividade do trabalho. Joseph Schumpeter, já no século XX, tratou da
inovação técnica como principal força promotora da concorrência e do progresso na
economia capitalista.
Uma síntese histórico-teórica do crescimento material da riqueza e do poder econômico do
capitalismo nestes dois séculos de sua plena hegemonia revela-nos uma situação peculiar.
O avanço sem precedentes da ciência experimental, propiciado pelas várias Revoluções
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Industriais, precedidas pelo Iluminismo no séc. XVIII, criou condições técnico-científicos
para que uma classe de empreendedores (a burguesia industrial), forja-se uma nova onda de
civilização, centrada na produção, circulação e consumo de mercadorias.Essas ondas se
propagaram por fortes ciclos expansivos e de contração, durante mais de duzentos anos,
gerando a sociedade e a economia capitalista globalizada com que hoje convivemos. Nunca
na história da humanidade formaram-se impérios com tal grau de domínio e expansão
materiais como nos séculos XIX e XX. O capitalismo da era industrial inaugurou este ciclo
histórico.
Uma terceira idéia-força, que é comum às economias clássica e neoclássica (mas não ao
keynesianismo, nem ao marxismo) é a tese de que os empreendedores, consumidores e
trabalhadores deixados livres para negociar contratos privados nos mercados respectivos,
cada qual buscando o auto-interesse e maximizando seus ganhos respectivos, gerariam a
prosperidade geral. Haveria um mecanismo endógeno (uma mão invisível) no
funcionamento dos mercados, sem intervenção estatal, bastando que o estado garantisse a
adimplência dos contratos e a defesa da propriedade privada, para que se produzisse o
pleno emprego e a máxima eficiência econômica.
A ética do utilitarismo, subjacente à teoria econômica dos campos clássico e
neoclássico,contem princípios do valor – utilidade que impelem consumidores a satisfazer
desejos de consumo e empreendedores a maximizar lucros na produção, como único
modelo de agir admissível no sistema econômico, porque conducente a eficiência privada,
no sentido utilitário (maior prazer e menos dor ou maior ganho com menor custo).Nesse
cálculo utilitário-hedonístico, ficam de fora os critérios de eficiência social, tratados na
teoria econômica convencional como “externalidades”.
Desse comportamento econômico não escampam outros sistemas teóricos, fundados em
regularidades ou “leis da acumulação do capital”, como a economia marxista, a economia
keynesiana, a teoria schumpeteriana, etc. e quase todos os economistas que pensaram o
desenvolvimento econômico nos últimos 100 anos.
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Mas os princípios econômicos estritos do individualismo-utilitário, da auto-regulação e
progresso técnico não são suficientes para garantir que o sistema da economia de mercado
resolva dois problemas centrais, colocados por Keynes e adotado por várias gerações de
economistas keynesianos, que, diga-se de passagem, não estão questionando os
fundamentos éticos do sistema, senão sua funcionalidade econômico-social:
1 – A garantia do pleno emprego e da superação das crises cíclicas de realização da
produção;
2 – A geração de uma distribuição “justa” da renda e da riqueza.
As respostas das políticas econômicas e das políticas sociais a esses dois macro-problemas,
colocados pelo keynesianismo, ainda não tocam na questão de fundo que ora nos preocupa
– a garantia da vida humana, ou a satisfação de suas necessidades básicas como paradigma
ético da economia política, ao qual ficariam subordinados como meios e não como fins,
todos os fatores que impelem o sistema a funcionar.
3.
Como Incluir a Ética da vida na Agenda Econômica.
Os problemas cruciais da vida humana em sociedade o são também questões econômicosociais relevantes. Como ganhar e garantir os meios de sustento para si e para a família, sob
o formato de remuneração pelo trabalho, é certamente um deles. Mas, o que fazer nas
situações de desemprego generalizado ou de incapacidade física para o trabalho. Como
cuidar da saúde individual e coletiva. E como enfrentar a educação básica dos filhos; a
proteção pública aos pobres, a habitação adequada, a alimentação, a segurança social. Tudo
isto constitui um conjunto de meios essenciais, mediante os quais o ser humano exercita
suas liberdades. Todas essas questões poderiam ficar inscritas numa agenda de
necessidades humanas básicas cujo atendimento dependeria fundamentalmente da ética
social e da economia política. Mas esta é uma problematização que não é feitos pela
economia de mercado, cujos vetores de demanda social refletem preferências de
consumidores, dotados de renda e riqueza para comprar mercadorias.
Atender necessidades, acudir a direitos sociais, proteger a sociedade contra os riscos
incapacitantes ao trabalho, preservar a vida humana, proteger o ecossistema, realizar o
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desenvolvimento humano etc, são todos princípios de uma economia em favor da vida, que,
contudo são externos à ética utilitária da economia de mercado. Haverá certamente campos
de interseção entre a ética utilitária e a ética protetora da vida em sociedade, como de resto
nos revelam a historia do capitalismo e a emergência da democracia de massas em
determinadas experiências nacionais do Ocidente.
O chamado Estado do Bem Estar Social tenta fazer esta ponte, juntamente com as
mudanças econômicas capitalistas do Pós-Guerra . Mas mesmo aí, este tipo de pacto ou
acordo político estará sempre em disputa. Os arautos da economia do livre mercado,
recuperados no final do Séc XX pelo doutrina neoliberal, lêem a ética utilitária e
individualista como auto-suficiente. Julgam ainda prescindível a própria idéia do direito
social e da sociedade igualitária, que se imiscui na Economia do Bem Estar. É como se um
declarado “espírito animal” movesse os agentes econômicos da economia capitalista, que
ficariam entorpecidos, sempre que se interpusessem outros determinantes éticos, que não
os do utilitarismo individualista.
O campo das políticas públicas com forte incidência sobre a economia é o espaço onde a
ética social comparece, contrapondo-se aos princípios fechados do utilitarismo
individualista. Mas aqui é preciso conhecer os limites do próprio espaço público nestas
economias e sociedades, dominadas como estão pela cultura do utilitarismo, para fazer
valer princípios da igualdade social na política..
É preciso voltar às fontes originárias de significação da vida humana em sociedade, a partir
do que podemos colocar perguntas e critérios para a economia e sociedade do século XXI.
3.1. Voltando à bíblia; se pusermos em termos bíblicos a questão da proteção da vida, da
maneira com que esta é proposta no Gênesis (cap.1), veremos uma outra abordagem.
O nascimento com vida, dá origem na espécie humana em sociedade, etapa posterior da
vida intra-uterina, a criaturas de Deus, dotadas como as sementes, de abundantes
capacidades potenciais para se constituírem em seres adultos, conscientes, livres e agentes
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da construção do mundo. Essas criaturas assim dotadas, geradas simbolicamente no 6º dia
da criação (Gen.1,26), tem na sua origem, a destinação de filhos( as), criados a imagem e
semelhança do Pai (gen.1,27). Os seres humanos são conscientes, livres, dotados de
capacidade de agir e destinados à dignidade. Concede-se- aos seres humanos, ainda
segundo o Gênesis, uma delegação de domínio, mediante transformação do mundo e
fruição sobre todo o restante da criação. Mas esta delegação está precedida pelo sentido do
Ser que os criou à própria imagem e semelhança. E será pela liberdade de adesão ao sentido
essencial desse Projeto, que a sociedade humana, em diferentes culturas, religiões e épocas
históricas dará respostas aos primados da vida ou negativamente à cultura da morte, para
construção da suas civilizações e identidades pessoais
As criaturas humanas são dotadas de direitos naturais inerentes à sua condição de seres
humanos – o direito de crescer, de viver com dignidade e de vir a ser um agente de
transformação do mundo, conforme o Projeto daquele que as criou. É, portanto nesta etapa
da vida em sociedade para o recém-nascido, que se iniciará um processo novo de
construção de si próprio e do seu mundo envolvente. A proteção da vida, passo a passo, é
missão primitiva conferida a família humana, assim como no reino animal em geral, aos
pais biológicos.
Todos os seres do mundo animal, com exceção do ser humano, são dotados de capacidades
biológicos intrínsecas, para criar, cuidar, abrigar, alimentar, adestrar, etc. suas criaturas,
seguindo uma ordem natural protetora de vida recém-nascida. As aves constroem seus
ninhos e as raposas constroem suas tocas antes dos filhos virem ao mundo. Também são os
animais biologicamente pré-dotados de proteção natural contra as intempéries. Os pais
possuem capacidade de locomoção e faro apropriado para buscar comida e alimentar os
filhos, até o momento em que estes já possam “comer pelo próprio bico”, ou caçar com as
próprias pernas.
Mas ao criar no sexto dia o ser humano, fez parte do Projeto de Deus, compartilhar com a
humanidade a complementação essencial da criação do homem. Cada família em cada
sociedade e esta em cada período histórico recebe essa delegação do Deus Criador –
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resgatar um recém-nascido inteiramente desprotegido à condição da vida humana
consciente, livre e capaz de transformar o mundo à imagem e semelhança do Projeto
daquele que o criou.
4- Desafios e Respostas
Em pleno século XXI, decorridos praticamente dois séculos e meio do pleno domínio da
economia capitalista sobre o mundo, e agora sobre sua totalidade planetária, colocam-se a
partir do funcionamento desta economia perguntas e desafios que não podem ser
respondidos pelo próprio sistema que os gerou.
Como bem coloca o Papa Bento XVI, na sua última Encíclica “Caritas in Veritate”, citando
Paulo VI na “Populorum Progressio”:
“O homem não é capaz de gerir sozinho o próprio progresso, porque não
pode por si mesmo fundar um verdadeiro humanismo”.
Ao desafio secular da pobreza e da desigualdade social que sempre acompanhou a história
do capitalismo nos dois últimos séculos, soma-se agora o desafio planetário ao meio
ambiente, ameaçado pelo aquecimento global. Mais uma vez recorro a Encíclica “Caritas
in Veritate” que a esse respeito é muito clara e direta:
“A natureza está a nossa disposição, não como ‘um monte de lixo espalhado
ao acaso, mas como um dom do Criador que traçou os seus ordenamentos intrínsecos,
dos quais o homem há de tirar as devidas orientações para a ‘guardar e cultivar’(Gn
2,15)
Essas advertências e desafios que estão hoje revelando os riscos da vida em sociedade, de
maneira crescente e em escala global, podem ser sintetizados,como o fez Karl Polany em
sua magistral obra “A Grande Transformação”( trata de transformação econômica da
Inglaterra no século XIX), na operação daquilo que autor chamou um verdadeiro “moinho
satânico”, ávido por transformar em mercadorias o trabalho, a terra e o dinheiro.
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Essa transformação é impelida pela ética do interesse próprio ilimitado, mercado autoregulado e progresso material potencializado pela revolução científica, pondo em
movimento a engrenagem avassaladora do dinheiro – deus da vida.
Hoje como antes impõe-se-nos responder a desafios, que particularmente aqui para nós
brasileiros estão muito próximos daquela tríplice problemática colocada por Karl Polany –
terra, trabalho e dinheiros transformados em coisas, propriedade privada da avareza
humana.
Finalmente, passando a outro nível de abstração, para que não nos faltem pistas concretas
sobre o agir imediato, vou sinteticamente enunciar cinco pontos de uma agenda de
resistência e de transformação em favor da vida, todos na ordem do dia da política e da
economia brasileira:
1) – cuidar da terra e dos recursos naturais na perspectiva do bem social e, não apenas
do bem mercantil a que se tenta restringir o direito agrário e ambiental, com todas as
suas nefastas conseqüências sobre a degradação ambiental e a desigualdade social;
2) - proteger o mundo do trabalho contra os riscos incapacitados do trabalho – com
manutenção e ampliação do sistema da seguridade social;
3) - promover uma justa distribuição da renda e da riqueza, que implica necessária
reforma tributária de sentido progressivo e redistributivo;
4) – ampliar a esfera pública não apenas pelo avanço dos direitos políticos, como
também mediante universalização dos direitos sociais básicos;
5) – abrir espaços às experiências da economia familiar, dos assentamentos agrários,
da economia solidária, da pequena e média empresa, da proteção ecológica e de
tantas outras formas de cooperação e solidariedade no âmbito da produção
econômica; de sorte a que se criem espaços significativos para experimentação de
uma ética não utilitarista nas esferas da produção econômica.
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