Resenha: Gil Pérez, D, et al. Para Uma Imagem Não Deformada Do Trabalho Científico. Ciência & Educação, v.7, n.2, p. 125-153, 2001. Texto completo disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v7n2/01.pdf Com base numa extensa revisão, os autores afirmam que o ensino em todas estâncias transmite visões deformadas de ciência, e uma das razões é que o seu ensino é baseado na apresentação de conhecimentos previamente elaborados, no lugar de ser uma atividade investigativa. E isto, impede uma renovação efetiva da Educação em Ciências/Didática das Ciências. Dessa forma, a opção epistemológica do docente é um dos fatores que faz a estratégia pedagógica adquirir sentido e importância. Estou de acordo com os autores, pois como se pode ensinar ciência, sem ter uma idéia mais ou menos clara do que ela seja? Assim, esse campo se transformou numa importante linha de investigação. Portanto, se faz necessário discutir uma visão aceitável do trabalho científico, falando de suas características, evitando simplificações e deturpações. Para tal fim, o artigo foi dividido em duas partes, na primeira mostram-se quais são as visões deformadas de ciência mais comuns, na segunda, evidencia-se os pontos comuns entre as diversas perspectivas e teses epistemológicas de diversos autores de peso, e suas implicações educativas. Evidenciar as deformações do trabalho científico pode ajudar a questionar concepções e práticas, que não estão de acordo com uma visão mais adequada, se aproximando da mesma. 1. A primeira deformação encontrada, e uma da mais freqüentes na literatura é a concepção empírico-indutivista e ateórica, que enfatiza o caráter “neutro” da observação e da experimentação, esquecendo o papel fundamental e orientador da investigação que as hipóteses possuem, além das teorias como orientadoras do processo. É importante mencionar, que os professores mencionam essa concepção com pouca freqüência, mostrando como ela está enraizada nos seus saberes. 2. A segunda deformação encontrada foi a rígida (algorítmica, exata, infalível...), que tem o “método científico” como o orientador da pesquisa, sendo, um conjunto de etapas rígidas a serem seguidas. Também, é enfatizado um tratamento quantitativo, um controle rigoroso, etc., recusando a criatividade, as tentativas e erros, as dúvidas... Essa concepção é muito difundida entre professores, e também, muito criticada a ponto de recusa-la em favor de um relativismo extremo no âmbito metodológico (qualquer metodologia é válida), e no âmbito conceitual (não existe uma realidade objetiva que valide e assegure a validade das construções científicas: a única base que se apóia o conhecimento é o consenso da comunidade científica). 3. A terceira deformação, muito ligada a anterior, é a aproblemática e ahistórica (ou dogmática e fechada). Nela, o conhecimento é transmitido sem mostrar os problemas que lhe deram origem, sua evolução, as dificuldades encontradas etc, perdendo-se de vista, como afirma Bachelard, “todo conhecimento é resposta a uma pergunta”, e também, a compreensão da racionalidade de todo o processo e empreendimento científicos. Muitos professores de ciência não fazem referência a esse tipo de visão, o que reforça a sua forte existência no ensino de ciências. 4. Uma visão que é pouco mencionada na literatura e apenas mencionada por professores é a exclusivamente analítica, que enfatiza a divisão parcelar dos estudos, o seu caráter limitado, simplificador. Ignorando os esforços posteriores de unificação e construção dos corpos coerentes de conhecimentos cada vez mais amplos. 5. Outra concepção pouco difundida tanto na literatura quanto por professores, é a visão aculumativa de crescimento linear dos conhecimentos científicos (o nome já diz do que se trata). Ela ignora as crises e remodelações profundas, fruto de processos complexos que não se desejam e não se deixam moldar por um modelo (pré)definido de mudança científica. Vale lembrar que essa concepção é complementar a rígida. 6. Uma das mais difundidas na literatura e entre os professores é a visão individualista e elitista da ciência, que mostra o conhecimento como obras de gênios isolados, ignorando a sua construção coletiva e o trabalho de/entre equipes. Faz-se acreditar que a confirmação/refutação de uma hipótese de uma pessoa ou equipe é suficiente para verificar uma teoria. Reforça-se uma visão distorcida de uma atividade de uma minoria especialmente dotada, exclusivamente masculina, sem erros, e algo do senso comum (desconsiderando o fato que a construção científica parte do questionamento sistemático do óbvio e contra o senso comum). Assim, a ciência tornase algo inacessível aos estudantes – como foi para mim. 7. A última deformação mostrada é a que transmite uma imagem descontextualizada, socialmente neutra da ciência, desconsiderando as relações complexas entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS). Proporcionando uma visão de cientistas como seres “acima do bem e do mal”. Vale lembrar que essas sete visões deformadas sobre o trabalho científico não aparecem separadas nos alunos e professores, mas como um todo conceitual, pois elas não são autônomas, e formam uma imagem global ingênua da ciência, que passou por um processo até ser socialmente aceita. Isso é reforçado por um ensino que visa apenas a transmissão de conhecimentos. A seguir, os autores apresentam a partir da leitura de diversos autores um consenso básico numa série de elementos-chave que formam uma visão de ciência oposta às apresentadas anteriormente. 1. Recusa de um “Método Científico” em favor de um pluralismo metodológico. 2. Recusa de um empirismo que concebe os conhecimentos científicos como resultados da inferência indutiva a partir de “dados puros”. Ou seja, toda investigação é marcada pela teoria construída (sabendo que esse processo não é linear, e pode haver rupturas, reformulações e mudanças revolucionárias). Sendo que, o conhecimento científico se desenvolve a partir de “situações problemáticas”. 3. São as hipóteses (baseadas nos conhecimentos adquiridos) que orientam a procura de dados para responderem a questão que se coloca. 4. A procura de uma coerência global, ou melhor, é preciso mostrar coerência dos dados obtidos com os de outras situações, e com o corpo de conhecimentos vigente. Isso é visto pelas grandes unificações na ciência, que partem de problemas menores. Assim, existe uma validade (e não verdade absoluta) sobre a aplicabilidade dos conceitos e teorias para um funcionamento correto na descrição de fenômenos, realização de previsões, na abordagem e estabelecimento de novos problemas etc. 5. Existe um caráter social do desenvolvimento científico, evidenciado por um paradigma vigente, grupos de pesquisas (com homens e mulheres), laboratórios multidisciplinares, linhas de investigação etc. Além do mais, há também, a influência do momento histórico nessas pesquisas, sem que se caia em um relativismo ingênuo incapaz de explicar os avanços científicos-tecnológicos, havendo uma influência sobre o meio físico e social que a ação dos cientistas se inserem. Esse esforço em esclarecer essas visões, segundo os autores, traz algumas implicações para o ensino das ciências. Mostrar uma clarificação da natureza do trabalho científico dá condições aos professores para escolher o que querem potencializar no trabalho de seus alunos e alunas, além de analisar se os materiais didáticos ignoram algum aspecto básico ou transmitem uma visão distorcida da ciência.