DISTRIBUIÇÃO ESTACIONAL, ABUNDÂNCIA E DIVERSIDADE DE INSETOS EM ÁREAS DE CERRADO E AGRÍCOLA NO BRASIL CENTRAL Marina Regina Frizzas2, Charles Martins de Oliveira1, Dulce Ester Campos de Oliveira2, Georgia Carolina Martins Duarte2, Juliane Evangelista Neto2 (1Embrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, 73010-970 Planaltina, DF. e-mail: [email protected]; 2 Centro Universitário de Brasília, UniCEUB, Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, FACES, SEPN 707/909, Asa Norte, 70790-075, Brasília, DF, e-mail: [email protected]) Termos para indexação: Biodiversidade, Insecta, bioma Cerrado, dinâmica populacional. Introdução Apesar do reconhecimento da falta de informações sobre a biodiversidade em nosso país, tem se observado a constante expansão do uso da terra para a habitação humana e exploração agrossilvipastoril, o que vem exercendo pressão cada vez maior sobre os recursos naturais, resultando na fragmentação de habitats, ao ponto de o Cerrado figurar na lista dos 25 biomas mais ameaçados do mundo (Lewinsohn & Prado, 2002; Mittermeier et al., 2005). A incorporação do Cerrado dentro do cenário da agropecuária brasileira traz enormes benefícios, como o aumento na produção de alimentos e de divisas para o país, entretanto, este tipo de intervenção antrópica pode proporcionar também enormes prejuízos no que tange à destruição do habitat de muitas espécies, que muitas vezes ficam restritas a fragmentos de áreas nativas, o que pode resultar no isolamento de populações e extinção de espécies, reduzindo a biodiversidade desse bioma (Bierregaard et al., 1992; Wilcox & Murphy, 1985). O Cerrado é um dos grandes biomas brasileiros onde a diversidade biológica é menos conhecida (Lewinsohn & Prado, 2002). Embora cerca de 61% do território do bioma Cerrado apresenta-se coberto por vegetação nativa (Sano et al., 2008), grande parte dessa área encontra-se fragmentada formando um mosaico com áreas utilizadas para exploração agrossilvipastoril. Nesse bioma o conhecimento a respeito da biodiversidade de insetos é relativamente escasso e o padrão de distribuição estacional e de abundância das populações da maioria das ordens de insetos é desconhecida (Pinheiro et al., 2002). Assim, para conseguirmos o equilíbrio entre as atividades de exploração agrícola e a conservação da biodiversidade no Cerrado é imperativo que tenhamos o conhecimento e a documentação das espécies existentes e informações sobre a sua bioecologia, sem o quais os passos seguintes para a proposição de medidas de conservação tornar-se-ão impraticáveis. Este estudo objetivou obter informações a respeito da distribuição estacional, abundância e diversidade de insetos em áreas de Cerrado e em área agrícola no Distrito Federal. Material e Métodos O estudo foi conduzido dentro dos limites da Embrapa Cerrados, instituição que compreende uma área total de 3.500 ha, situada em Planaltina/DF, em três áreas com características distintas: área agrícola (200 ha), Cerrado sensu stricto (400 ha) e Cerradão (40 ha). As avaliações da entomofauna foram realizadas quinzenalmente entre agosto de 2005 e julho de 2006. Utilizou-se para a coleta dos insetos armadilhas luminosas e armadilhas tipo alçapão (pitfall). As armadilhas luminosas eram semelhantes ao modelo INTRAL com lâmpada F15T8BLB, alimentadas por baterias automotivas de 12V e 60Ah, acoplada a um recipiente de coleta contendo álcool 70% e detergente. Foram fixadas em hastes de metal a uma altura de 2 m e permaneceram ligadas por 14 h (18:00 às 08:00 h). Os alçapões eram constituidos por recipiente de acrílico de formato cilíndrico com cerca de 10 cm de diâmetro e foram enterrados ao nível do solo, contendo em seu interior uma solução de sulfato de cobre (1%), permanecendo no campo por cinco dias. Os insetos coletados pelos dois tipos de armadilhas foram transportados ao laboratório de Entomologia da Embrapa Cerrados onde foram transferidos para frascos contendo álcool 70% e posteriormente separados em nível de ordem sob microscópio estereoscópio. Resultados e Discussão Foram efetuadas 24 coletas totalizando 72 amostras provenientes de armadilhas luminosas e 864 amostras provenientes de alçapões. Coletaram-se 412.134 espécimes distribuídos em 27 táxons de artrópodes sendo 20 ordens de Insecta (Figura 1). As ordens de Insecta com os maiores números de espécimes foram Hymenoptera (216.583), Diptera (59.840), Coleoptera (49.642), Lepidoptera (23.953) e Hemiptera (21.869), que juntas representaram 90,2% do total coletado. Nas armadilhas luminosas foram coletados 382.094 insetos e outros artrópodes que representou 92,7% do total coletado, sendo as ordens Hymenoptera, Diptera, Coleoptera, Lepidoptera e Hemiptera as mais abundantes respectivamente. Os alçapões coletaram 30.040 espécimes (7,3%) sendo que Hymenoptera, Collembola, Coleoptera, Isoptera e Hemiptera foram respectivamente os mais coletados. 250000 216583 Número de espécimes 200000 150000 100000 59840 49642 50000 23953 21869 15744 7798 5750 3964 2123 1312 1266 759 468 397 180 172 108 75 70 57 4 1 H D ym en o pt er a i p Co te leo ra L e pt pi era do H pter em a ip t Is era op Co te lle ra m bo la Ep he A c m a er ri Tr opte ic ra h D opt e r er m ap a t O era d Ps ona oc ta o O pt e rth ra op Bl tera a Th tto ys de an a N opt e eu ro ra pt e O ra u St t r r e os ps Pl ipte ec ra o M pter an a Si t o ph de a o M n ap eg te a l ra op te ra 0 Ordens Figura 1 – Número de espécimes por ordens de artrópodes coletados em áreas de Cerrado e agrícola, por meio de armadilhas luminosas e alçapões, entre agosto de 2005 e julho de 2006 em Planaltina/DF. Observou-se uma estreita relação da abundância total de insetos e a precipitação na região do Cerrado. Nos meses mais secos, dentro do período de avaliação (agosto e setembro de 2005, e abril, maio, junho e julho de 2006), a precipitação acumulada representou 14,7% do total observado e a porcentagem de insetos coletados foi de 30,0%. No período mais chuvoso (outubro de 2005 a março de 2006) a precipitação acumulada representou 85,3% e a porcentagem de insetos coletados foi de 70,0% (Figura 2). Resultados semelhantes foram obtidos com artrópodes de solo no Cerrado (Oliveira et al., 2006). Embora Pinheiro et al. (2002), utilizando outros tipos de armadilhas, não tenham observado nenhuma correlação para os picos de abundância de insetos do Cerrado e as variáveis climáticas, exceto para ordem Coleoptera. Insetos 120000 Precipitação (mm) 300 107616 Número de espécimes 100000 250 80000 200 72156 66796 60728 60000 150 40000 100 28456 19580 20000 9274 10656 17206 50 13382 5876 8020 Ju l/2 00 6 0 Se t/2 00 5 O ut /2 00 5 N ov /2 00 5 D ez /2 00 5 Ja n/ 20 06 Fe v/ 20 06 M ar /2 00 6 A br /2 00 6 M ai /2 00 6 Ju n/ 20 06 A go /2 00 5 0 Data da amostragem Figura 2 - Distribuição populacional mensal de insetos e outros artrópodes (totais) coletados por meio de armadilhas luminosas e alçapões em áreas de Cerrado e agrícola, e precipitação mensal (mm), entre agosto de 2005 e julho de 2006 em Planaltina/DF. Observou-se que tanto nas coletas por meio de armadilha luminosa como por meio de alçapão a maior abundância de insetos e outros artrópodes foi observada no ambiente agrícola, seguido pelo Cerradão e por fim pelo Cerrado sensu stricto (Figura 3). Ambientes agrícolas possuem características de baixa diversidade de espécies vegetais em áreas muito extensas, e o uso de monocultivos tende a favorecer determinadas espécies de insetos proporcionando abundância de alimento, mesmo durante a estação seca quando se faz o uso de irrigação. Nesta situação as espécies de insetos adaptadas a esse ambiente modificado pelo homem tendem a mostrar populações extremamente altas tornado-se pragas. A instalação de armadilhas para coleta de insetos em áreas agrícolas tende a capturar mais indivíduos do que aquelas instaladas em ecossistemas naturais. Outro fato que pode ter contribuído para maior captura de artrópodes em ambientes agrícolas é que o dossel vegetativo das culturas é geralmente baixo (plantas rasteiras ou arbustivas). Isso permite que a luz das armadilhas, fonte principal de atração dos insetos noturnos, alcance um raio muito superior ao alcançado pela mesma armadilha colocada em um ambiente onde há uma densidade de plantas de grande porte. Verificou-se que a diversidade de espécies foi maior no Cerrado stricto sensu, seguido pelo Cerradão e por fim na área agrícola. Ambientes mais estáveis e com uma maior diversidade de espécies vegetais como são as áreas de Cerrado oferecem um maior número de hospedeiros que por sua vez atraem uma maior diversidade de insetos herbívoros e seus inimigos naturais. 300000 250853 Número de espécimes 250000 200000 150000 100000 80966 81027 Cerrado stricto sensu Cerradão 50000 0 Área Agrícola Áreas Figura 3 - Totais de insetos e outros artrópodes coletados dentro de cada área experimental (Cerrado stricto sensu, Cerradão e área agrícola), por meio de armadilhas luminosas e alçapões, de agosto de 2005 a julho de 2006, em Planaltina/DF. Conclusões As populações de artrópodes no Cerrado são positivamente influenciadas pela precipitação. No Cerrado, maior abundância de artrópodes é verificada em ambientes agrícolas enquanto que a maior diversidade é encontrada em ambientes com vegetação natural. Agradecimentos Os autores agradecem à Fundação de Amparo à pesquisa no Distrito Federal (FAPDF) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro. Referências bibliográficas BIERREGAARD, R.O.; LOVEJOY, T.E.; KAPOS, V.; SANTOS, A.A.; HUTCHINGS, W. The biological dynamics of tropical rainforest fragments. BioSciences, v.42, p.859-866, 1992. LEWINSOHN, T. M.; PRADO, P. I. Biodiversidade brasileira: síntese do estado atual do conhecimento. São Paulo: Contexto. 2002. 176 p. MITTERMEIER, R.A.; GIL, P.R.; HOFFMAN, M.; PILGRIM, J.; BROOKS, T.; MITTERMEIER, C.G.; LAMOREUX, J.; FONSECA, G.A.B. Hotspots revisited: Earth's biologically richestand most threatened terrestrial ecoregions. 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