O espaço do turismo: produção, apropriação e transformação do

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V. X, número 2 – dezembro 2013
e-ISSN 2179-9164
22222011 2012
O espaço do turismo: produção, apropriação e transformação do
espaço social
The space of tourism: production, appropriation and transformation of the social
space
El espacio del turismo: producción, apropiación y transformación del espacio social
Silvana do Rocio de Souza1
Miguel Bahl2
Elizabete Sayuri Kushano3
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões teóricas sobre turismo e a produção do
seu espaço em busca da compreensão desta relação. Isso poderá ajudar a perceber o turismo
enquanto fenômeno social de mobilidade humana em que determinadas atividades ao serem
produzidas, apropriam-se, transformam ou são incorporadas a um espaço físico e geográfico na
medida em que as relações turísticas e sociais nele existentes se entrecruzam revelando uma teia de
interações. Este estudo teve como metodologia a pesquisa bibliográfica exploratória e teórica e
apresenta como resultados preliminares a comprovação da necessidade de maior quantidade de
pesquisas interdisciplinares na busca da compreensão que o espaço do turismo também é um espaço
social, onde os movimentos contraditórios da sociedade alcançam um grau maior de complexidade,
onde este enquanto fenômeno poderá ser utilizado como possibilidade de promoção social e
cultural.
Palavras chave: Turismo; Espaço do Turismo; Produção do Espaço; Espaço Geográfico; Espaço
social.
1
Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), docente do Curso de Graduação em
Turismo e no Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Turismo (UFPR). E-mail:
[email protected]
2
Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), docente do Curso de
Graduação em Turismo e no Programa de Pós-Graduação de Mestrado e Doutorado em Geografia e no
Programa de Mestrado em Turismo (UFPR). E-mail: [email protected]
3
Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente no Curso de Tecnologia
em Gestão de Turismo da UFPR, Setor Litoral. E-mail: [email protected]
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SOUZA, Silvana do Rocio de; BAHL, Miguel;
KUSHANO, Elizabete Sayuri. O espaço do turismo:
produção, apropriação e transformação do espaço
social. Revista Hospitalidade. São Paulo, v. X, n. 2,
p. 313 - 331, dez. 2013.
Abstract
This article aims to present some theoretical reflections on the tourism and the space production
trying to understand this relation. This may help to know the tourism as a social phenomenon of
human mobility in certain tourist activities to be produced, they appropriate, transform or are
incorporate into a physical and geographic space to the extent that the tourist and social relations in
this place intercross revealing a net of interactions. Its methodology was based in exploratory and
theoretical literature research and it presents as preliminary results the need for greater amount of
interdisciplinary research which seek to understand that the tourism space is also a social space,
where the contradictory society movements reach a higher degree of complexity, and where this
social phenomenon could be used as a possibility of social e cultural promotion.
Keywords: Tourism; Tourism space; Space production; Geographic space; Social space.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar algunas reflexiones teóricas sobre el turismo y la
producción de su espacio. Entender esta relación puede ayudar a entender el turismo como un
fenómeno social de la movilidad humana. En las actividades turísticas se producen, son apropiados
o se alteran los espacios en la medida en que las relaciones sociales se entrecruzan revelando una
red de relaciones. Este estudio exploratorio y los resultados teóricos presentados como prueba
preliminar de la necesidad de la investigación interdisciplinaria en la búsqueda de entender que el
espacio del turismo es un espacio social, donde los movimientos contradictorios de la sociedad
alcanzan un mayor grado de complejidad, donde se encuentra este fenómeno incorporado como
posibilidad de promoción social y cultural.
Palabras clave: Turismo; Espacio del Turismo; Producción del Espacio; Espacio Geográfico;
Espacio social.
Introdução
Na sociedade moderna e globalizada, as viagens ganham cada vez maior importância, na
medida em que possibilitam ultrapassar limites e fronteiras transpondo os indivíduos de uma
realidade a outra indo em busca do desconhecido, do imaginado e de novas formas de agir, pensar e
sentir.
A expansão do turismo enquanto uma atividade econômica e fenômeno social é amparada
pelo desenvolvimento da tecnologia, dos meios de transporte e de comunicação e pelas facilidades
propiciadas pela redução no tempo dos deslocamentos, acesso a um maior número de informações e
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pela necessidade do homem de buscar formas de descanso ou mesmo outras maneiras de adquirir
conhecimento.
Ao mesmo tempo, sejam quais forem as motivações das pessoas para os seus deslocamentos
o turismo acontece em um determinado espaço físico e geográfico que envolve relações simbólicas
e culturais entre diversos atores sociais que se entrecruzam.
Desta maneira, justifica-se realizar pesquisas que busquem desvendar a interpretação do
turismo enquanto fenômeno social através da interdisciplinaridade de conceitos e teorias que
possibilitem a leitura da realidade criada num determinado espaço a partir da ocorrência do
fenômeno turístico.
Este artigo que tem como objetivo apresentar algumas reflexões teóricas sobre este
fenômeno e a sua produção no espaço onde ele ocorre, buscando enfatizar a compreensão de que o
espaço produzido para o turismo é também um espaço onde os movimentos contraditórios que
acontecem na sociedade também nele se refletem e alcançam um maior grau de complexidade e
revelam uma teia de relações sociais que necessitam serem compreendidas e avaliadas.
Na primeira parte deste artigo se apresenta o turismo como fenômeno social demonstrando
suas interações com o lazer, com o planejamento e com as políticas públicas, trazendo ainda os
tipos e motivações do turismo, seus impactos e sua relação com a preservação do patrimônio
cultural.
Na sua segunda parte constam reflexões sobre como o espaço é produzido para o turismo
com base em Milton Santos (1982 e 1996), David Harvey (1992), Henri Lefebvre (1991, 2006 e
2008) e Rob Shields (1998) principalmente.
Na sua terceira parte consta uma discussão sobre espaço urbano, cidades e o fenômeno
turístico.
Por sua vez, nas considerações finais se apresentam os resultados de pesquisa voltados para
a compreensão do espaço físico e geográfico enquanto construção social em movimento que
incorpora o espaço para o turismo como possibilidade de promoção social e cultural.
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Turismo como fenômeno social
Esclarece-se preliminarmente que o turismo que aqui é interpretado e analisado como
fenômeno social da mobilidade humana, que tem como consequência econômica a atividade
turística, necessita ser também avaliado sob vários outros aspectos, incluindo além do econômico o
cultural e o social. No entanto, a abordagem neste caso é essencialmente do mesmo enquanto
fenômeno social, pois é sobretudo um fenômeno de repercussão espacial, necessitando de um
espaço físico para se desenvolver e se efetivar.
Tem-se que o turismo enquanto fenômeno social e espacial é influenciado pelas recentes
descobertas da ciência e da tecnologia que impulsionam as melhorias na comunicação e nos
transportes impactando o volume de atividades que estão envolvidas na sua efetivação. Não só o
turismo como atividade, mas os personagens principais que nele interagem, ou seja, os turistas
também são influenciados pelas inovações tecnológicas que alteram e dinamizam as relações de
compra e consumo na atividade turística. Estas tecnologias que envolvem as comunicações e os
transportes que diretamente atingem a atividade turística apresentam-se de forma interativa, fazendo
surgir novas expectativas quanto ao resultado que a atividade enquanto vinculada ao lazer irá
proporcionar, especialmente quando o lazer ocorrer através da prática do turismo. A partir disso,
demandando também novas exigências na organização do espaço físico e geográfico no qual
ocorrem relações do homem com a sociedade em geral ao envolver o fenômeno turístico.
A gestão do fenômeno turístico enquanto atividade econômica deve ser observada frente às
profundas transformações ocorridas na sociedade, nas organizações públicas e privadas, na situação
dos trabalhadores e na visão dos gestores, frente às demandas internacionais que se incorporam ao
mundo do trabalho. A partir disso, faz-se necessário pensar nas possibilidades de desenvolver
produtos e serviços que consigam atender às exigências de consumo dos turistas do mundo
moderno, frente aos avanços tecnológicos que alteram as relações sociais, culturais e econômicas.
Portanto, o turismo, deve ser planejado e administrado através das modernas ferramentas de
gestão que priorizem levar em conta os processos produtivos frente às especificidades dos novos
tempos do mundo globalizado. Em decorrência, as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento
do turismo, deverão conceber no contexto brasileiro, por exemplo, dentro do seu plano nacional:
políticas, planos, programas e projetos que orientem os municípios a trabalharem de forma
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integrada com as demais políticas públicas, como por exemplo, da área da educação e da cultura.
Desta forma, o planejamento dos municípios enquanto destinações turísticas deverá estar embasado
em técnicas capazes de modificar diferentes realidades, o que implica na aceitação de que um
fenômeno socioeconômico, assim como um conjunto de ações, pode não transcorrer de acordo com
o esperado, portanto é necessária, através do planejamento, a precisa orientação considerando as
características do mundo moderno, tecnológico e globalizado.
A gestão de destinos turísticos que priorize o desenvolvimento econômico com consequente
desenvolvimento social deve ser feita através deste processo de integração de políticas públicas,
onde a tomada de consciência dos fatores, dos entraves, dos impactos e das possibilidades que o
fenômeno turístico propicia, possibilite a compreensão das relações entre os espaços físicos e
geográficos, os turistas e as comunidades locais.
Para Wahab (1991, p. 6), o turismo “engloba formas diversas de viagens e se mantém em
sintonia com as motivações que estão na base do deslocamento” e assim considera que o turismo
enquanto fenômeno se apresenta de diferentes formas de acordo com o número de pessoas, com o
objetivo da viagem, com o meio de transporte utilizado, com a localização geográfica, com a idade,
com o sexo, com os preços e ainda de acordo com a classe social. Esclarece que estas formas de
definir e apresentar as influências que interferem na ocorrência do mesmo enquanto fenômeno
acontecem a partir dos fatores de influência e motivos de decisão dos turistas em se deslocar para
visitar determinados atrativos turísticos de cunho natural ou cultural.
Por sua vez, aliando-se à temática deste texto, pode-se afirmar que os recursos ou atrativos
turísticos de cunho cultural enquanto produtos dos hábitos, costumes e formas de agir e de pensar
de uma população são aqueles criados pelos homens transformando o espaço natural em espaço
social e cultural.
Referindo-se a essa temática em Bahl (2004, p. 44) se assinala que os recursos e atrativos
compõem a oferta turística de uma localidade e são “[...] todos os elementos que possam despertar a
curiosidade dos turistas”.
Além da influência dos recursos e atrativos nas motivações também se estipulam os diversos
tipos de turismo baseados em segmentos específicos ressaltando-se dentre eles o turismo cultural
que “inclui visitas a exposições e feiras, a acontecimentos culturais, lugares de beleza natural,
escavações arqueológicas etc.” (WAHAB, 1991, p. 6).
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Ignarra (1999, p. 120), ao discorrer sobre este assunto, considera que o turismo cultural
“compreende uma infinidade de aspectos, todos eles passíveis de serem explorados para a atração
de visitantes”. Dentre estes aspectos ressalta-se a gastronomia, o folclore, a agricultura, as
manifestações religiosas ou profanas, o desenvolvimento técnico-científico e a história das
comunidades. Envolve, portanto os aspectos humanos e culturais das localidades e por isso são
passíveis de gerar impactos que necessitam ser minimizados através das ações de planejamento.
Quanto aos impactos eles podem variar desde a alteração do processo produtivo do
artesanato para suprir a demanda, modificação na apresentação das manifestações folclóricas ou
religiosas para despertar o interesse de turistas, até a descaracterização de bens patrimoniais
imóveis, como por exemplo: em função de adequações necessárias para atender aos requisitos de
conforto, segurança e acessibilidade para o turismo. Outros impactos menos visíveis do que estes
também podem acontecer como, por exemplo, a modificação de hábitos de vida pela influência dos
visitantes ocasionando problemas sociais e psicológicos na população que recebe turistas e assim
por diante.
Por outro ângulo de análise o turismo também é capaz de favorecer a cultura de um local no
sentido de propiciar determinadas ações que resgatem, valorizem e preservem os seus bens
culturais.
Também pode influenciar no desenvolvimento de profissões e na qualificação de
profissionais ligados à área da cultura. Ainda pode propiciar comercialização de produtos, cobrança
de ingressos em museus e casas de cultura, beneficiando a conservação de espaços e possibilitando
oferta de espetáculos nas mais variadas formas de arte. Todos esses exemplos que podem ajudar a
compor o produto turismo cultural, também servem para usufruto da comunidade autóctone,
favorecendo o desenvolvimento social de tal população.
Na maior parte das localidades que desenvolvem o turismo cultural, este está apoiado na
expressividade de seus monumentos históricos que enquanto bens patrimoniais atraem visitantes,
sendo em muitos casos, os únicos ou principais atrativos de que dispõem. O ato de propiciar
visitações impulsiona as ações de preservação e de conservação sejam pelas empresas privadas ou
pelo poder público através de políticas específicas nessa área como os tombamentos em âmbito
nacional, estadual ou municipal. Assim ocorrendo, através da revitalização e do restauro, dão outras
possibilidades de uso a construções por vezes deterioradas, que de outra forma poderiam estar
contribuindo para degradar o ambiente urbano no qual se encontram.
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Pellegrini Filho (1993, p. 111), considera que o interesse turístico pela preservação do
patrimônio se constitui na “preservação ativa do bem patrimonial” oportunizando a exposição de
peças e acervos, coleção de objetos em museus ou em outros espaços possíveis de serem
aproveitados para exposição e visitação.
Vale lembrar ainda que a valorização destes bens patrimoniais pode acontecer de duas
maneiras: a primeira onde a população autóctone por diversos fatores entre eles, o nível
educacional, eleva o seu grau de consciência quanto aos valores históricos e culturais dos bens
patrimoniais que se encontram na localidade onde reside. E, em sentido inverso, quando os fluxos
turísticos são os responsáveis, ou seja, quando a população autóctone vislumbra a possibilidade de
desenvolvimento social e econômico através da atividade turística, neste caso, apoiada pelo
patrimônio histórico existente, e desperta para a necessidade de valorizar, preservar e conservar seu
patrimônio, ao entender as possibilidades de geração de emprego e renda que poderá vir a
proporcionar.
A esse respeito, Pellegrini Filho (1993, p. 92-93) considera que “a noção de patrimônio” não
deve se limitar apenas às construções históricas ou culturais que são referenciais de culturas em
tempos históricos distintos, mas abrange uma infinidade de significados sendo considerado por ele
como “muito amplo, incluindo outros produtos do sentir, do pensar e do agir humanos”. Cita como
exemplos os sítios arqueológicos, as esculturas e pinturas, textos escritos, arquivos e coleções.
Acrescenta-se ainda a estes exemplos a intenção de compreender em quais elementos o
turismo cultural se apoia e quais compõem e balizam as reflexões sobre o espaço produzido para o
turismo, entre eles: as crenças e valores, a gastronomia, as vestimentas e os saberes populares, a
dança e a música, ou seja, no patrimônio material e imaterial e em outros diversos aspectos da
cultura que estão dispersos principalmente nos espaços urbanos.
É importante que uma política de turismo vislumbre a necessidade de não dispensar atenção
para as ações de preservação e conservação, pois ao contrário da poluição e contaminação que
outros setores da economia como indústria e agricultura podem acarretar o turismo enquanto fator
de desenvolvimento necessita estar essencialmente direcionado para: a elevação da qualidade de
vida das populações autóctones, redução da degradação ambiental e valorização da cultura.
Desta forma, as políticas, deverão se responsabilizar e incentivar não apenas a melhoria das
condições de vida das populações, mas também criar mecanismos para a elevação da qualidade dos
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serviços turísticos e de infraestrutura urbana, beneficiando não apenas os turistas, também
incorporando importantes adequações ao espaço onde o turismo ocorre.
Em especial as políticas públicas do setor do turismo, na visão de Pellegrini Filho (1993, p.
149), deverão: alcançar a distribuição do turismo no maior espaço físico possível, evitando as
concentrações e buscar a ocupação dos equipamentos turísticos na baixa estação, evitando a
acentuada sazonalidade inerente ao turismo.
Para Beni (1998, p. 247-248), as políticas de turismo, em especial as relacionadas ao turismo
cultural, deverão: valorizar o significado do patrimônio cultural assim como seu conteúdo; prever o
patrocínio público e privado na abertura e na manutenção de museus; propiciar a articulação de
políticas oficiais de preservação nas três esferas do poder e considerar que a manutenção das
expressões culturais serve de motivação para atração de fluxos turísticos.
Diversos outros teóricos estendem seus estudos sobre as temáticas que envolvem o
fenômeno turístico assim como sobre as políticas públicas que se relacionam a esse fenômeno. Mas
o que se considera mais relevante neste artigo é a possibilidade de se tratar sobre o turismo
enquanto fenômeno social que se utiliza de um espaço físico e geográfico para acontecer e se
realizar necessitando para isso ser planejado e organizado. O planejamento, portanto, deve ocorrer
através de políticas públicas articuladas com estratégias definidas e afinadas com a vontade de
elevar a qualidade de vida, de valorização da memória e do fortalecimento da cidadania pelo
respeito à identidade daqueles que residem num determinado espaço, que além de ser um espaço de
vivência, de trabalho e de lazer da população local, também é um espaço do turismo.
O espaço produzido para o turismo
A compreensão das diferentes conceituações e das variáveis que envolvem o significado de
espaço enquanto foco de investigação depende de como ele seja compreendido e analisado
desvendando as contradições dos movimentos que dão formas e sentidos envolvendo as relações
sociais e espaciais que nele ocorrem.
A partir do estudo das relações entre o homem e a natureza - o qual processa as
transformações espaciais ao tempo que inscreve sua história - evidencia-se seu modo de produção,
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de circulação, de trabalho e de lazer, especialmente quando também se pretende analisar um espaço
a partir de um fenômeno social, o turismo.
Isso, não deixando de levar em conta o que Santos (1996, p. 120), apresentou como
preocupação quando se busca uma definição para espaço, porque “o espaço que nos interessa é o
espaço humano ou o espaço social” e nesse sentido “enormes dificuldade se levantam porque ele é a
morada do homem, é o seu lugar de vida e de trabalho”.
Considerando o espaço como de moradia, de vida, de trabalho, acrescentando-se ainda, de
possibilidade para o lazer, faz-se necessário observar que “o espaço deve ser considerado como um
conjunto de relações realizadas através de funções e de formas que se apresentam como testemunho
de uma história escrita por processos do passado e do presente” (SANTOS, 1996, p. 122), os quais
incorporam ao espaço novas funcionalidades para usos diversos em tempos históricos distintos.
No caso de um espaço com uso turístico deve-se ressaltar que para que essas novas
funcionalidades aconteçam do ponto de vista físico, faz-se necessário prover um espaço geográfico
com alguns elementos dentre os quais: equipamentos e serviços turísticos que são aqueles
destinados a satisfação de necessidades, preferências e motivações dos turistas como os serviços de
alimentação, hospedagem, entretenimento, agenciamento e transporte. E em essência, também
contemplar os atrativos turísticos como elementos que integram o espaço e são capazes de atrair
turistas, ou seja, provocar deslocamentos.
Boullón (1991, p. 65, tradução nossa)4, ao discorrer sobre espaço turístico aponta para os
aspectos físicos lembrando que esse tipo de espaço é “consequência da presença e distribuição
territorial de atrativos turísticos que, não podemos esquecer, são a matéria-prima do turismo”. Beni
(1998, p. 56) acrescenta que:
Quando os técnicos trabalham na determinação do espaço turístico, o que fazem é
delimitar, sobre um mapa ou em projeções computadorizadas, um espaço de
dimensões planas ou tridimensionais, o que constitui a melhor forma de representar
o espaço físico de que se pode valer o planejador.
Além dos elementos físicos destinados basicamente para atender aos turistas e dos atrativos
o espaço turístico necessita ser provido de um sistema de serviços urbanos de apoio ao turismo que
Ignarra (1999, p. 31), define como “serviços disponíveis para a população residente da destinação
4
“[...] consecuencia de la presencia y distribución territorial de los atractivos turísticos que, no debemos olvidar, son la
materia prima del turismo”. (BOULLÓN, 1991, p. 65).
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turística”, ou melhor, o espaço turístico que é o que incorpora os espaços de vivência e de produção
“mas que podem, também, serem utilizados pelos turistas”. Como exemplo cita os variados serviços
urbanos, entre eles: serviços bancários, de saúde, de segurança, de transporte e os de infraestrutura
básica destinada ao atendimento da população, mas que também beneficiam os turistas como rede
de energia, comunicação, sinalização e iluminação. Nesse sentido, Bahl e Souza (2013) observam
que “o espaço turístico ainda necessita ser dotado de um sistema organizacional através de políticas
públicas e de recursos humanos para operar este sistema que se estabelece no espaço” social.
No entanto, Harvey (1992, p. 188) considera que o espaço é um fato da natureza, ou como
ele diz “naturalizado” com atribuição de sentidos “tem direção, área, forma, padrão e volume”, e,
portanto, pode ser apreendido através dos sentidos. Porém Harvey (1992, p. 188), chama atenção
para o fato de que “a nossa experiência subjetiva pode nos levar a domínios de percepção, de
imaginação, de ficção e de fantasia que produzem espaços e mapas mentais como miragens da coisa
supostamente real”, ou seja, o espaço também pode assumir esse componente perceptivo e
imaginativo além dos atributos concretos como forma e padrão, por exemplo.
Assim Lefebvre (2008, p. 57) quando apresenta as preocupações quanto às contradições que
ocorrem no espaço geográfico, considera que:
As contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela
nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático e social e, especificamente, do
conteúdo capitalista [...] nesse plano, percebe-se que a burguesia, classe dominante,
dispõe de um duplo poder sobre o espaço; primeiro pela propriedade privada do
solo [...], segundo lugar, pela globalidade.
Para Lefebvre, a propriedade privada do solo está relacionada com as possibilidades de uso e
destinações que se darão a um espaço físico e geográfico e a globalidade está associada ao
conhecimento que possibilita estratégias de ação até mesmo do próprio Estado. Nesse sentido, além
destas contradições, ainda comenta sobre outros inevitáveis conflitos que se colocam ao se
conceituar espaço, “o espaço abstrato (concebido ou conceitual, global e estratégico) e o espaço
imediato, percebido, vivido, despedaçado e vendido” (LEFEBVRE, 2008, p. 57).
Isso porque o mundo percebido está envolto em representações, pois corresponde ao modo
como se entende o mundo, as relações e como os valores se expressam. O mundo vivido é onde se
opera o cotidiano, onde as relações são espontâneas, sendo neste nível que a sociedade necessita ser
pensada, em especial a sociedade urbana.
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Na complexidade deste tipo de espaço é que acontecem os relacionamentos reais e efetivos
que se configuram em sentimentos, afetos, ações e formas utilizando-se do arranjo entre objetos e
pessoas. A compreensão desse espaço esbarra no entendimento da heterogeneidade das identidades
que se entrelaçam nas práticas sociais. Isso em decorrência de que o homem para produzir necessita
transformar o espaço natural em um espaço apropriado à sua produção. Isso significa transformar.
Produção e transformação caminham lado a lado. O ato de produzir “é ao mesmo tempo, o ato de
produzir espaço” (SANTOS, 1996, p. 163).
O homem que produz em sociedade, produz o seu espaço de acordo com suas necessidades,
e ao produzir, produz sua própria história, inserindo neste espaço elementos que o identificam, e
que são por ele e por seu grupo reconhecidos. Essa produção também é a produção de sua
existência. Sendo que para Shields (1998, p. 160), um espaço enquanto objeto de consumo, como
instrumento político ou como elemento de luta social é produzido como se fosse uma mercadoria,
servindo à necessidade de acúmulo de capital. Suas readaptações assim como as novas
funcionalidades são pensadas em função disso. Fazendo com que a produção do espaço seja
realizada em função de um sistema de troca em nível econômico. É no espaço físico e geográfico
que “o modo de produção que, por intermédio de suas determinações cria formas espaciais fixas,
pode desaparecer, e isto é frequente, sem que tais formas fixas desapareçam” (SANTOS, 1996, p.
138).
Para o autor, o espaço físico e geográfico é um testemunho, “e testemunha um momento de
um modo de produção pela memória do espaço construído, das coisas fixadas na paisagem criada”.
(SANTOS, 1996, p. 138).
Porém, esses elementos fixos podem transcender o tempo histórico dos momentos de sua
criação, como as construções milenares que assumem em outros tempos novas funcionalidades. No
Brasil, isso também é comum e incentivado pelas políticas públicas de preservação do patrimônio
histórico, onde se incentiva a reutilização de espaços construídos, dando novas funções a antigas
construções, assim “o espaço é uma forma, uma forma durável, que não se desfaz paralelamente à
mudança de processos, ao contrário, alguns processos se adaptam às formas preexistentes enquanto
que outros criam novas formas para se inserir dentro delas”. (SANTOS, 1996, p. 138).
Assim como o homem produz o seu espaço a partir da necessidade de reprodução de
capital, este mesmo homem, que é um ser social, produz esse espaço a partir de suas necessidades
sociais. Assim aparece uma contradição: o homem produz pelo viés econômico ou pelo cultural e
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social? No pensamento de Lefebvre (1991, p. 110), essa contradição se faz em movimento dialético,
um produz e é produzido pelo outro. Da mesma maneira em que um espaço físico e geográfico seja
estrategicamente planejado e idealizado, o espaço assim concebido, entra em conflito com o espaço
vivido e percebido pelo homem na realidade.
Desta maneira, considera-se ainda que “espaço social é o local de reprodução das relações
de produção da sociedade em toda a sua complexidade” (SHIELDS, 1998, p. 153, tradução nossa) 5,
mas também o “espaço social é simultaneamente um meio de produção” (SHIELDS, 1998, p. 160,
tradução nossa)6.
Ao se considerar o espaço físico e geográfico como passíveis de uma construção do homem
sobre a Terra, a representação do espaço envolve a lógica, as técnicas, os saberes e os
conhecimentos acerca das ciências matemáticas, físicas dentre outros. O ato de construir nos
espaços é também uma forma de reproduzir modelos e de criar novas possibilidades de relação
social. Para Shields, as representações do espaço “como a lógica, as formas de conhecimento, os
conteúdos ideológicos e as teorias do espaço estão ligadas às relações de produção”. (SHIELDS,
1998, p. 163, tradução nossa)7.
Lefebvre, por sua vez, considera que as formas de representar o espaço incluem uma
perspectiva visual que obedece a uma ordem lógica onde o conhecimento se origina da prática
“mostrada na obra dos pintores que ganham forma primeira na arquitetura e posteriormente na
geografia” (LEFEBVRE, 1991, p. 79, tradução nossa)8, fazendo surgir diferentes representações.
Encontra-se em outra obra do mesmo autor a reafirmação deste conceito apontando que
necessária se faz compreender a distinção entre a representação do espaço e o espaço de
representação ao considerar que “a distinção entre o espaço de representação e as representações do
espaço são muitas e mais antigas que a época moderna” (LEFEBVRE, 2006, p. 62, tradução
5
“[…] social space is the location of the reproduction of relations of production and of society in all its complexity”
(SHIELDS, 1998, p. 153).
6
“[…] social space is simultaneously a means of production” (SHIELDS, 1998, p. 160).
7
“[…] are the logic and forms of knowledge, and the ideological content of codes, theories, and the conceptual
depictions of space linked to production relations” (SHIELDS, 1998, p. 163).
8
“[…] shown in the works of painters and given form first by architects and later by geometers” (LEFEBVRE, 1991, p.
79).
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nossa)9. O espaço de representação possui a capacidade de incorporar os sentimentos, os ideais ou
as frustrações de um indivíduo, assim como seguem conveniente direção, são construídos a partir
dos desejos e das vontades. Assim, o espaço de representação é criado a partir do indivíduo. Como
exemplo tem-se, o espaço de representação das crianças, dos idosos, dos profissionais, dos turistas,
entre outros.
Porém, para Lefebvre (2006, p. 63), é possível que ”no conceito recente se estabeleça um
acordo entre o espaço de representação e a representação do espaço” (tradução nossa)10.
Este “acordo” proposto por Lefebvre traz as possibilidades dos espaços de catástrofes e de
guerra que recentemente estudiosos do turismo incorporaram como objetos de pesquisa e que
possuem marcas de um tempo e expressam alguns mitos, como exemplo os mitos de poder que
passam a ser vistos por suas representações. O turismo vem se incorporando a estes espaços a partir
dos significados e dos mitos representados, ou seja, do que eles representam ou representaram a
uma determinada sociedade.
A materialidade que se encontra no espaço de representação não pode ser confundida com a
imaterialidade e subjetividade da representação do espaço. Fazer esta distinção ajuda a compreender
o que Milton Santos considera como sendo um espaço:
Soma dos resultados da intervenção humana sobre a terra, é formado pelo espaço
construído que é também espaço produtivo, pelo espaço construído que é apenas
uma expectativa, primeira ou segunda, de uma atividade produtiva, e ainda pelo
espaço não-construído, mas suscetível (SANTOS, 1982, p. 19).
Estes conhecimentos envolvem o homem como modo de integrá-lo ao ambiente no qual ele
participa valorizando os aspectos culturais e suas representações que acontecem nos mais variados
espaços e são em parte compreendidas pelas suas concepções de espaço e dos usos ideológicos que
podem ser dados a essas concepções.
9
“La distinción entre el espacio de las representaciones y las representaciones del espacio es mucho más antigua que
La época moderna” (LEFEBVRE, 2006, p. 62).
10
“[…] se establezca un acuerdo entre el espacio de representación y las representaciones del espacio, en el concepto
reciente” (LEFEBVRE, 2006, p. 63).
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O espaço urbano e o turismo
As contradições e os conflitos sociais e materiais que integram os espaços, especialmente os
espaços urbanos, envolvem os efeitos da globalização de forma expressiva e mais presente. Para
Lefebvre (2008, p. 57) o espaço urbano globalizado da sociedade moderna “engloba o que se deixa
integrar, como os processos integradores que são tanto os processos compreendidos e percebidos
como aqueles que são apenas imaginados”, porque “essa sociedade não obedece a uma lógica [...]
ela se esforça para isso, reunindo a coação e o emprego das representações”.
Esse espaço inclui em sua dinâmica um combinado de relações que interferem em sua
constituição e que também envolvem o fenômeno turístico.
Isso faz com que se necessite considerar dois aspectos importantes na compreensão de um
espaço urbano, primeiro “o arranjo de objetos, equipes de trabalho, paisagens e arquitetura”,
segundo “o conhecimento sobre as regiões, a imagem das cidades e a percepção dos arredores”.
(SHIELDS, 1998, p. 147, tradução nossa)11.
Esses aspectos estão presentes no que Lefebvre menciona como sendo o espaço urbano, ou
seja, “sociedade urbana” e a constituição das cidades, apontando como recorte histórico para análise
desse espaço, três tempos distintos. Assim, Lefebvre considera que há distinção entre as cidades da
era agrária, as cidades da era industrial e as cidades da era urbana que estão relacionadas com a
expressão “sociedade urbana”. Lembrando que essa expressão “não pode ser empregada a propósito
de qualquer cidade ou cite, na perspectiva assim definida ela designa uma realidade em formação,
em parte real e em parte virtual, ou seja, a sociedade urbana não se encontra acabada, ela se faz”.
(LEFEBVRE, 2008, p. 81). O autor ainda complementa que seja qual for o tempo histórico, uma
cidade apresenta três características marcantes (LEFEBVRE, 2008, p. 82):
- A cidade é um objeto espacial que ocupa um espaço bem distinto, onde as relações entre dois
espaços, o urbano e o rural dependem das relações de produção, ou seja, do modo com que se
organizam os processos de produção material do homem;
“Arrangements of objects, work teams, landscapes and architecture […] ideas about regions, media images
of cities and perceptions of good neighborhoods” (SHIELDS, 1998, p. 147).
11
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- A cidade é uma mediação entre uma ordem próxima e uma ordem distante, onde o próximo é o
campo circundante que ela domina e organiza, e a ordem distante é o conjunto da sociedade, neste
caso, capitalista;
- A cidade é uma obra no sentido de uma obra de arte, onde o seu espaço é organizado e instituído
segundo exigências éticas, estéticas e ideológicas do momento histórico em que são implantadas.
Compreender estes aspectos se faz primordial para a tomada de consciência de que modelos
e esquemas aplicáveis somente à era agrária ou industrial não são aplicáveis aos espaços urbanos da
sociedade capitalista e globalizada. Insistir neste erro é se perpetuar em equívocos teóricos e
práticos porque o “urbano é o lugar onde de fato o homem vive em sociedade, tecendo tramas e
fazendo fluir experiências”. (BAHL; SOUZA, 2013).
Acatar outras maneiras de pensar estas questões envolve algo que é dinâmico e inclui toda a
vida socioeconômica, concebendo os processos humanos como frutos de suas experiências no
espaço, no tempo e nas relações de uns com os outros.
Necessário se faz compreender a dinamicidade das práticas sociais e que as forças
produtivas de uma determinada sociedade, algumas efêmeras outras concretas, alteram-se ao longo
da história. Como exemplo pode-se citar os meios de comunicação e de transporte que sofreram
rápidas e volumosas alterações na tecnologia que utilizam e no número de pessoas que usufruem
desses sistemas. E essas alterações se refletiram na organização do espaço das cidades, pequenas,
médias ou cosmopolitas. Todas se renderam aos avanços nessas áreas.
Assim, a dinâmica presente no espaço urbano faz com que as redes expressem “antes de
tudo, as relações de circulação do capital e é nessa expressão que evidenciam uma das dimensões
do espaço: o espaço como meio, ou seja, o espaço como mediação necessária à reprodução do
capital em escala globalizada”. (LENCIONE, 2006, p. 66).
Há que se observar que o que se considera globalizado não está dissociado do local, regional
ou nacional, e também, que não há escalas crescentes, do menor para o maior como previa a
hierarquia piramidal12 que conforme Lencione (2006) alcançou seu apogeu na década de 1960 e
1970 e teve como influência a Teoria dos Pólos de Crescimento de François Perroux.
12
Escala piramidal do maior para o menor: internacional, nacional, regional e local.
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Este novo modo de organizar o espaço de produção que Lencione chama de “redes de
fluxos” produz novos arranjos com dinâmicas próprias, onde não há separação entre cidade e
região, entre local e global. Espaço esse onde as análises continuam e podem ser feitas
separadamente. O que se faz necessário é compreender as novas relações e novas dinâmicas que
ocorrem nestes espaços que não permitem manter a separação em escalas ou em pirâmides. A
análise necessita ser mais complexa, mais abrangente e considerar não apenas uma cidade e sua
região, mas conforme expressa Lencione (2006) deverá considerar a cidade-região e toda a
dinâmica territorial e a rede de fluxos decorrentes destes arranjos.
Pequenas cidades ou núcleos urbanos podem estabelecer relações globalizadas através de
suas firmas13 e instituições, e mesmo relações individualizadas em escala global e não apresentar
nenhuma relação com a região de seu entorno. Essa dinâmica possível nas sociedades modernas faz
surgir novas formas de organizar o espaço geográfico e novas dinâmicas territoriais decorrentes
desta organização, que são de interesse para o turismo, pois expressam singularidades que se
traduzem em atrativos na medida em que cada lugar adquire características próprias diferenciandose de outros, às vezes por pequenos detalhes no mobiliário urbano, sistema de transporte ou mesmo
na forma com que conserva seus bens patrimoniais.
Porém, o modo de organizar o espaço físico das cidades tem se alterado, dando novos
arranjos a antigas formas tradicionais de agrupamentos regionais. Para Moreira (2006, p. 82) as
cidades “vão se descolando de suas relações regionais para formar um espaço planetizado,
estruturado numa nodosidade em que as cidades articulam-se entre si e com vínculos territoriais
cada vez mais imprecisos”.
Nesta maneira de buscar o significado das cidades que em diferentes tempos induziu
diferentes maneiras de conceituá-las, faz lembrar de que as diferentes maneiras de pensar uma
cidade “extrapolaram o momento histórico específico que as gerou e passaram a povoar um
imaginário que viria a constituir os signos urbanos”. (GASTAL, 2006, p. 62).
Assim, Gastal lembra que uma cidade além de ser vivenciada foi também sonhada e
idealizada de diferentes maneiras a cada tempo histórico distinto, onde os homens sonharam e
13
Firmas e instituições são elementos do espaço, as primeiras produzem bens e serviços e as segundas
instituem as normas.
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idealizaram a cidade a qual seria vivenciada de acordo com as possibilidades imaginárias desses
homens em cada momento.
Sendo assim, cada grupo constrói a partir de suas possibilidades um espaço próprio que se
caracteriza por representar sua forma de viver e de se relacionar.
Estas transformações espaciais ocorrem desde o momento em que o homem habita o espaço
físico e o modifica conforme suas necessidades. E desta maneira, os espaços, em especial o espaço
urbano vai adquirindo características físicas e simbólicas que o tornam único e singular.
Quanto ao espaço onde ocorre o fenômeno turístico, é um espaço complexo, com inúmeras
possibilidades de interpretação e que do ponto de vista físico e estrutural, reflete de alguma forma o
modo com que as cidades se preparam para o fenômeno social denominado turismo, espaço em que
acontecem as variadas relações entre os atores sociais que se envolvem neste fenômeno.
Considerações finais
A busca de compreensão da produção do espaço físico e geográfico e de sua relação com o
fenômeno turístico traz à reflexão o fato de que o homem se apropria dos espaços e outras vezes os
cria para atender as necessidades de lazer e de deslocamento inerentes ao turismo. Também existem
situações em que o turismo acaba sendo incorporado como opção para melhor aproveitamento de
recursos físicos ou de manifestações culturais contribuindo para as suas divulgações e destinações
de uso.
Neste contexto, a relação entre o turismo e um espaço físico e geográfico ocorre na medida
em que as relações sociais determinadas a partir do turismo como fenômeno da mobilidade humana,
por quaisquer que sejam suas motivações, devem ser propulsoras de desenvolvimento onde a
cultura de um local como produção humana que reflete valores e princípios necessita ser respeitada.
E desta maneira, o turismo poderá ser incorporado como possibilidade de promoção social e
cultural.
Entende-se, portanto, que o espaço para o turismo é um espaço onde os movimentos
contraditórios da sociedade alcançam um grau maior de complexidade, compatível com a trama de
relações que nele se desenvolve. É, portanto, um espaço social, pois, as relações são dialéticas, de
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um lado o turismo, em determinadas atividades e por forças econômicas, produz ou transforma um
espaço que seja apropriado ao jogo de interesse de classes, ou seja, pelos empresários, pelo Estado e
pelos turistas e por outro se apropria ou transforma um espaço no qual as relações sociais
acontecem independentes da existência do fenômeno turístico. Essa apropriação e/ou transformação
não é apenas dos aspectos materiais e estruturais, como os oriundos das edificações e do sistema
urbano de um modo geral, mas também dos aspectos imaginários e perceptivos que cada localidade
é capaz de produzir e usar como atrativo turístico. Ainda, o turismo por vezes pode ser incorporado
a um espaço social onde determinadas atividades humanas necessitam ser implantadas ou
promovidas, atendo-se a ele como elemento de difusão. Portanto o turismo enquanto fenômeno
social possui a capacidade de produzir, transformar e ser incorporado a um espaço físico e
geográfico na medida em que as relações sociais se entrecruzam revelando uma teia de relações.
Na esteira destas contradições estão também as contradições sociais e históricas que não se
reduzem a confrontos de interesses econômicos, são também contradições que acompanham os
desencontros de possibilidades e de necessidades diferentes para cada ator social e determinadas em
cada tempo histórico.
O desenvolvimento do turismo assume diversas formas e envolve uma variada quantidade
de atividades. Possui diversidade de contextos que possibilita criar tipos e subtipos de turismo
baseados em diferentes temáticas. Mas para todos eles o espaço do turismo pode ser descontínuo,
pois entre um atrativo e outro existem vazios onde se estabelecem redes de caminhos e rotas de
acesso para a mobilidade dos fluxos turísticos. Cabe esclarecer, que os vazios citados anteriormente,
referem-se a não continuidade dos aspectos físicos e materiais dos atrativos, na perspectiva turística,
pois do ponto de vista social, não se poderia falar em “vazios”, por existir toda uma produção
cultural e econômica entre os atrativos, mas não diretamente associada ao turismo.
Apesar de se ter buscado na interdisciplinaridade de conceitos a compreensão do espaço
produzido para o turismo, ainda restam alguns questionamentos: as políticas públicas direcionadas
ao turismo, assim como o planejamento e a organização do espaço levam em conta as contradições
que existem na relação turismo, espaço e sociedade? Ou seja, estão ancoradas nas possibilidades de
desvelar as relações contraditórias que os atores sociais realizam no espaço turístico?
Isso, pois, a relação entre as atividades que ocorrem em função do turismo e os espaços se
dá pela necessidade de compreender que ela assume valores e metáforas que neste modo de
organizar geograficamente a sociedade moderna e globalizada, através da organização dos espaços
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se mantém o jogo de interesses que está na base das relações entre sociedade e Estado, envolvendo
diferentes e diversos atores sociais.
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Recebido em dezembro 2013.
Aprovado em dezembro 2013.
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