Texto integral - Embrapa Cerrados

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 A FAMÍLIA FABACEAE NAS FLORESTAS ESTACIONAIS SEMIDECIDUAIS DO
TRIÂNGULO MINEIRO
(1)
André Eduardo Gusson ; Sérgio de Faria Lopes(1); Ana Paula de Oliveira(1); Vagner Santiago
do Vale(1), Olavo Custódio Dias Neto(1) e Ivan Schiavini(1) (1Universidade Federal de
Uberlândia, Bloco 2D, sala 57, Campus Umuarama, 38405-312. Uberlândia, MG. e-mail:
[email protected])
Termos para indexação: Fabaceae, floresta estacional semidecidual, Triângulo Mineiro,
levantamento fitossociológico
Introdução
Atualmente, no estado de Minas Gerais, os ecossistemas florestais, com destaque para
as florestas estacionais semideciduais, apresentam-se na forma de um mosaico com poucos
fragmentos devido à sua ocorrência em solos mais férteis e úmidos, características de grande
atrativo para o setor agropecuário (Oliveira-Filho et al., 1994a).
Levantamentos fitossociológicos vêm sendo realizados em florestas estacionais com o
intuito de retratar a estrutura de determinados trechos de matas e de compará-los com outros
trechos em diferentes condições de solo, clima, altitude e estágio sucessional (Oliveira-Filho
et al., 1994b, Schiavini, 1992).
Na maioria dos estudos nestas formações florestais, Fabaceae apresenta-se como a
principal família. No entanto, as espécies que compõem esta família se diferenciam entre as
áreas, não só quanto à ocorrência, mas, sobretudo, quanto à abundância. Dada a reconhecida
importância dos componentes da ordem Fabales, com destaque para a família Fabaceae, na
função de fixação de nitrogênio da atmosfera e do solo, por meio de interação mutualística
com microorganismos do solo, buscou-se relacionar a ocorrência e abundância das diferentes
espécies da família em fragmentos com reconhecida variação nos seus estados de conservação
e responder a seguinte pergunta: É possível estabelecer uma relação entre a ocorrência,
variação e padrões de abundância de diferentes espécies da família Fabaceae em áreas de
floresta estacional semidecidual em diferentes estágios sucessionais? A hipótese principal
desse trabalho é que a ocorrência e abundância de espécies de Fabaceae predominam em
fragmentos em estágios iniciais de sucessão, agindo como facilitadoras no processo de
sucessão, dada a sua função primordial de fixação de nitrogênio no ecossistema.
Material e Métodos
Foram utilizados dados de cinco levantamentos fitossociológicos em diferentes áreas
no Triangulo Mineiro desde 2006, utilizando-se o protocolo da Rede de Parcelas Permanentes
dos Biomas Cerrado e Pantanal (Felfili et al., 2005). Todas as áreas foram classificadas como
remanescentes de floresta estacional semidecidual, no sentido descrito por Veloso et al.
(1991) localizadas nos municípios de Ipiaçu, Uberlândia (Glória e Sabiá), Araguari (Água
Fria) e Uberaba (Sucupira). As cinco áreas aqui comparadas, considerando-se as observações
de campo, os históricos de perturbação e a análise preliminar da estrutura fitossociológica,
foram classificadas em três estágios sucessionais de florestas: Ipiaçu foi classificada como
uma floresta secundária com extremos sinais de perturbação e em estágio inicial de
recuperação; Glória e Sabiá são remanescentes de floresta secundária em um estágios
intermediários de recuperação e Água Fria e Sucupira foram classificadas como florestas
primarias/maduras, por não apresentarem sinais de perturbação antrópica.
As espécies identificadas foram classificadas em famílias, de acordo com o sistema do
Angiosperm Phylogeny Group II (Souza e Lorenzi, 2005) e classificadas em grupos
sucessionais baseando-se no trabalho realizado por Gandolfi et al. (1995), acrescido de
observações no campo e de ocorrência das espécies na região. Somente as espécies
pertencentes à família Fabaceae, a qual foi dividida em suas sub-famílias (Caesalpinioideae,
Cercideae, Faboideae e Mimosoideae) foram destacadas para a análise e comparação das
áreas em estudo.
Resultados e Discussão
Dentre os 705 indivíduos da família Fabaceae amostrados e identificados nas cinco
áreas, encontrou-se 29 espécies, 22 gêneros. A sub-família Faboideae destaca-se com 12
espécies, seguida por Mimosoideae (9), Caesalpinioideae (6) e Cercideae (2). Algumas
espécies, como Copaifera langsdorffii, Sweetia fruticosa, Apuleia leocarpa, Hymenaea
courbaril, Machaerium brasiliense e Ormosia arborea apresentaram uma maior distribuição,
ocorrendo em mais de três áreas (Tabela 1).
Tabela 1. Sub-famílias e espécies de Fabaceae amostradas em cinco fragmentos de floresta
estacional semidecidual no Triângulo Mineiro. GS = grupo sucessional; A1= Ipiaçu; A2=
Fazenda Experimental do Glória (FEG); A3= Parque do Sabiá; A4= Água Fria e A5=
Fazenda Sucupira.
Família
GS
A1
A2
A3
A4
A5
SI
SI
ST
P
ST
ST
0
18
0
0
20
60
0
14
1
0
13
5
0
8
4
0
14
0
0
11
0
0
1
1
1
0
1
1
2
3
GS
A1
A2
A3
A4
A5
Bauhinia rufa (Bong.) Steud.
Bauhinia ungulata L.
SI
SI
5
5
1
1
3
0
0
0
0
0
FABACEAE - FABOIDEAE
Dipteryx alata Vogel
Lonchocarpus cultratus (Vell.) Az.-Tozzi & H.C.Lima
Machaerium brasiliense Vogel
Machaerium hirtum (Vell.) Stellfeld
Machaerium stipitatum (DC.) Vogel
Machaerium villosum Vogel
Ormosia arborea (Vell.) Harms
Peltophorum dubium (Spreng.) Taub.
Platycyamus regnellii Benth.
Platypodium elegans Vogel
Sweetia fruticosa Spreng.
Zollernia ilicifolia (Brongn.) Vogel
SI
SI
SI
P
SI
ST
SI
SI
ST
SI
SI
SI
2
0
32
0
0
0
0
0
0
1
15
0
0
0
0
1
0
19
6
1
17
3
2
0
0
0
5
0
0
0
9
0
0
0
2
0
0
7
3
0
2
1
1
0
0
0
10
9
0
3
5
0
1
1
4
0
9
0
2
5
FABACEAE - MIMOSOIDEAE
Acacia polyphylla DC.
Albizia niopoides (Spruce ex Benth.) Burkart
Albizia polycephalla (Benth.) Killip ex Record
Calliandra foliolosa Benth.
P
P
SI
ST
1
18
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
15
1
6
5
6
0
0
0
FABACEAE – CAESALPINIOIDEAE
Andira ormosioides Benth.
Apuleia leiocarpa (Vogel) J.F.Macbr.
Cassia ferruginea (Schrad.) Schrad. ex DC.
Centrolobium tomentosum Mart ex Benth.
Copaifera langsdorffii Desf.
Hymenaea courbaril L.
Continuação Tabela 1.
Família
FABACEAE - CERCIDEAE
Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong
Inga laurina (Sw.) Willd.
Inga marginata Willd.
Inga vera Willd.
Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F.Macbr.
P
SI
SI
SI
P
2
0
0
0
159
0
2
0
22
0
0
0
0
60
0
4
0
10
12
0
1
0
0
5
0
Dos resultados acima, destaca-se o maior número de espécies pioneiras pertencentes à
sub-família Mimosoideae, enquanto as espécies secundárias inicias estão concentradas na
sub-família Faboideae. Copaifera langsdorfii e Hymenaea courbaril, secundárias tardias e da
sub-família Caesalpinoideae, são de ampla distribuição nas florestas estacionais
semideciduais do Triângulo Mineiro. Quando analisamos a relação de densidade, com foco
naquelas espécies com mais de cinco indivíduos encontrados em pelo menos uma das áreas,
nota-se a concentração de espécies pioneiras apenas na sub-família Mimosoideae (Acacia
polyphylla, Albizia niopoides e Piptadenia gonoacantha). Por outro lado, ressaltou-se a
predominância, no grupo das espécies secundárias tardias, de C. langsdorffii e H. courbaril
(Caesalpinoideae), acompanhadas de Machaerium villosum e Platycyamus regnellii
(Faboideae) e Calliandra foliolosa (uma Mimosoideae de ocorrência restrita no subosque de
floresta primária).
Na Tabela 2 está apresentada a densidade total e a riqueza de espécies e famílias em
cada área utilizada para comparação, seguida das relações numéricas e percentuais de
participação da família Fabaceae na densidade e riqueza total em cada área. As espécies de
Fabaceae foram subdivididas nos grupos sucessionais em que foram classificadas.
Tabela 2. Número de indivíduos, espécies e famílias para as cinco áreas de floresta estacional
semidecidual no Triângulo Mineiro. Número de indivíduo e porcentagem das espécies da
família Fabaceae distribuídas em grupos sucessionais. NI= número de indivíduos, Esp.=
espécies, Fab.= Fabaceae, P= pioneira, SI= secundária inicial e ST= secundária tardia. Para os
grupos sucessionais estão apresentados o número de espécies e o número total de indivíduos,
entre parênteses.
Área
NI
Ipiaçu
Glória
Sabiá
Água Fria
837
964
955
835
Espécies Famílias NI Fabaceae Esp. Fab. Esp. Fab. P Esp. Fab. SI Esp. Fab. ST
42
85
68
74
25
37
35
31
338 (40%)
108 (11%)
110 (12%)
99 (12%)
13 (31%)
16 (18%)
8 (12%)
17 (23%)
4 (180)
1 (1)
0 (0)
3 (20)
7 (78)
9 (52)
6 (87)
10 (71)
2 (80)
5 (55)
2 (23)
4 (8)
Sucupira
806
94
35
50 (6,5%)
16 (17%)
3 (8)
8 (26)
5 (16)
Analisando os resultados acima, percebe-se que houve uma grande variação na riqueza
de espécies de Fabaceae que ocorrem nas diversas áreas. Somente com esses dados não é
possível estabelecer uma relação entre a riqueza de Fabaceae e o gradiente sucessional
representado pelas áreas comparadas (Ipiaçú – estágio inicial; Glória e Sabiá – estágio
intermediário e Água Fria e Sucupira – estágio maduro). Por outro lado, quando se analisa a
relação de abundância de indivíduos da família, percebe-se uma forte participação de
Fabaceae na estrutura da área de Ipiaçú, representado principalmente pela abundância das
espécies pioneiras, com destaque para Piptadenia gonoacantha. Nessa área, P. gonoacantha
parece representar o componente principal da regeneração natural, pós-perturbação antrópica.
Ocorrem ainda, com destaque, Copaiferra langsdorffii e Hymenaea courbaril, secundárias
tardias, que foram poupadas das ações de corte seletivo ocorridas no fragmento, e
permanecem como testemunhas de estágios sucessionais mais avançados já ocorridos nessa
área.
Outra informação relevante que advém da análise dos resultados deve-se à evidência
da significativa perda de densidade das espécies de Fabaceae naqueles fragmentos em
estágios intermediário e maduro, embora a família mantenha uma alta participação na riqueza
das áreas. Embora não se possam ignorar os fatores estocásticos que agem na diversidade,
sobretudo nos ecossistemas tropicais, percebeu-se aqui uma tendência de diminuição da
participação absoluta e relativa dos componentes da família nos fragmentos de floresta
estacional semidecidual no Triângulo Mineiro, quando se relaciona ao estágio sucessional
atual apresentado pelas comunidades.
Embora os resultados totais não tenham sido apresentados, nas áreas de florestas
primárias/maduras- Água Fria e Sucupira – observa-se a predominância de espécies das
famílias Myrtaceae (sobretudo no subosque e no sub-dossel) na primeira área e
Euphorbiaceae e Rutaceae (com uma grande população de Micrandra elata no dossel e
Galipea jasminiflora no subosque) na segunda área. O processo de substituição entre as
famílias é evidenciado em muitos trabalhos de dinâmica de comunidades. No entanto, quais
famílias são substituídas nesse processo e a importância de sua substituição para a
comunidade como todo, ainda é escasso na literatura. Para a família Fabaceae, o seu papel
esta atribuído à eficiência na fixação de Nitrogênio no ecossistema, a partir das interações
mutualísticas com microorganismos do solo, o que nos permite inferir sobre a relevância
dessa função no processo sucessional das comunidades florestais tropicais, sobretudo nos
estágios iniciais, atuando como facilitadoras para a entrada de novas espécies, de estágios
sucessionais mais avançados.
Devido à falta de evidências sobre o real papel das diversas famílias botânicas dentro do
ecossistema, sobretudo nos diferentes estágios sucessionais, ainda não é possível atribuir um
comportamento que explique a substituição entre as famílias mais importantes (com relação à
abundância), que permita classificar as florestas em seus diferentes estágios, por meio das
famílias dominantes.
Conclusões
A partir das análises acima, foi possível estabelecer uma relação entre a ocorrência e
os padrões de abundância de diferentes espécies da família Fabaceae nas áreas de floresta
estacional semidecidual do Triângulo Mineiro em diferentes estágios sucessionais. Espécies
pioneiras, sobretudo Piptadenia gonoacantha, ocorreu com grande densidade na área de
Ipiaçú, em estágio inicial de recuperação pós-perturbação antrópica. Acacia poplyphylla,
espécie pioneira que ocorreu em área em estágio avançado de sucessão, teve sua presença
associada à ocorrência de clareiras naturais. De uma maneira geral, houve uma redução na
abundância de indivíduos de espécies da família Fabaceae, da área em estágio mais inicial
para as áreas de floresta madura, demonstrando uma clara redução na participação dessa
família na estrutura das comunidades de floresta estacional semidecidual em áreas bem
conservadas do Triângulo Mineiro. Referências Bibliográficas
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