PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Rodrigo Siqueira Batista Mito, Filosofia e Medicina na Grécia Antiga Relações entre a poesia épica, a filosofia pré-socrática e a medicina de Hipócrátes DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Orientador: Profª. Drª. Maura Iglésias Rio de Janeiro Fevereiro de 2003 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Rodrigo Siqueira Batista Mito, Filosofia e Medicina na Grécia Antiga Relações entre a poesia épica, a filosofia pré-socrática e a medicina de Hipócrates Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Profª. Drª. Maura Iglésias Orientador Departamento de Filosofia – PUC-Rio Profª. Drª. Irley F. Franco Departamento de Filosofia – PUC-Rio Prof. Dr. Ivan M. Frias Faculdade de Medicina de Teresópolis – FESO Prof. Dr. James B. Areas Departamento de Filosofia – UERJ Rio de Janeiro, 14 de Fevereiro de 2003 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador. Rodrigo Siqueira Batista PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Graduou-se em Medicina (1995) e em Filosofia (2002) pela UERJ. Especialista e Mestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela UFRJ, atualmente é professor adjunto de Clínica Médica da Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO) e coordenador do Núcleo de Estudos em Filosofia e Saúde (NEFISA) desta mesma instituição. Ficha Catalográfica Siqueira Batista, Rodrigo Mito, filosofia e medicina na Grécia antiga. Relações entre a poesia épica, a filosofia pré-socrática e a medicina de Hipócrates / Rodrigo Siqueira Batista ; orientador : Maura Iglésias. – Rio de Janeiro : PUC, Departamento de Filosofia, 2003. [13], 175 f; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Filosofia. Inclui referências bibliográficas. 1. Filosofia – Teses. 2. Mito. 3. Medicina. 4. Grécia. I. Iglésias, Maura. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Filosofia. III. Título. CDD: 100 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Ao meus amados filhos Gabriel e Beatriz, grandes esteios para o meu ideal de ser mestre. Agradecimentos À minha orientadora Professora Maura Iglésias, pela confiança em aceitar-me como orientando, estimulando-me em cada passo da realização do trabalho. Ao meu amigo e irmão Romulo, pelo companheirismo, estudo e fraternidade nestes dois anos de caminhada. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA À Andréia Patrícia Gomes, companheira de dias e noites, pela paciência em ler cada parte deste trabalho. Aos meus pais, Argemiro e Evanir, sentido e direção para a vereda até aqui percorrida. Aos caros professores Ivan Frias, Irley Franco e James Arêas, muito mais do que integrantes da comissão examinadora, docentes que muito participaram em toda minha vereda pela filosofia. Aos diletos amigos Sávio Silva Santos e Diana Watts Santos pela leitura do texto e auxílio nas traduções. Aos caríssimos Anderson Corrêa, André Botelho, André Rendano, Edgar Lyra, Elcio Braga, Frederico Guerra, José Helayel, Leandro Chevitarese, Luís E. M. Quintas, Sérgio Fernandes, Sérgio Neves e Yara Cecilia, estudo e companheirismo cruciais para minha formação intelectual. Aos colegas de pós-graduação, pelo aprendizado que pudemos buscar e trocar em cada momento. Aos docentes do programa de Pós-graduação em Filosofia da PUC-Rio, um ensinamento em cada palavra. Aos meus alunos, com os quais muito mais aprendo do que ensino. Aos caros Luis Fernando e Edna, pelas demonstrações de apreço e pela esmerada competência em nos auxiliar. A todos aqueles que, com sua diversidade de propósitos, corroboraram para que eu pudesse vir a ser mestre em filosofia. Resumo Siqueira Batista, Rodrigo; Iglésias, Maura. Mito, Filosofia e Medicina na Grécia Antiga. Relações entre a poesia épica, a filosofia pré-socrática e a medicina de Hipócrates. Rio de Janeiro, 2003. 175 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. As origens da filosofia na Grécia têm provocado esforços para sua compreensão desde a Antigüidade. Mais recentemente, no período compreendido entre o final século XIX e a primeira metade do século XX, o debate sobre o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA nascimento do pensamento filosófico se intensificou sobremaneira, em especial pelo confrontamento de duas teses para a explicação do processo: (1) o milagre grego, cujo grande expoente foi J. Burnet, na qual a filosofia representaria uma ruptura com a tradição poética anterior — Homero e Hesíodo —, pressupondo um conhecimento de origem empírica; e (2) a continuidade mito-filosofia, segundo a qual ambos constituem manifestações de um mesmo Espírito. Este último posicionamento recebeu importantes contribuições de F. M. Cornford que, em seu livro Principium Sapientiae, descerra um consistente ataque à tese do milagre grego, apresentando a filosofia como legado do mito — e, por conseguinte, como saber dogmático e revelado —, além de contrapô-la à medicina hipocrática, esta sim descontínua em relação à narrativa mítica, por ser forjada com base na experiência e no uso dos sentidos. Neste trabalho, procurou-se compreender a amplitude da narrativa mítica — com base nos ensaios de M. Eliade e J. Campbell, principal — e, em um segundo momento, se buscar subsídios nos textos gregos — poemas de Homero e Hesíodo, fragmentos dos pré-socráticos e textos hipocráticos — para se corroborar a idéia geral defendida em Principium Sapientiae. Pôde-se identificar uma série de elementos simultaneamente presentes nos poemas e no pensamento dos pré-socráticos. Ademais, a avaliação dos escritos médicos demonstrou que o método da medicina hipocrática é marcadamente empírico, mas suas doutrinas são importante legado da filosofia nascente — sobressaindo, igualmente, um estofo dogmático —, o qual não foi devidamente considerado no ensaio de F. M. Cornford. Neste sentido, mito, filosofia e medicina gregas possuem incontestável coalizão —, o que não é supresa, uma vez que todos são genuínos fenômenos da mesma cultura. Palavras-Chave PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Filosofia; Mito; Medicina; Grécia. Abstract Siqueira Batista, Rodrigo; Iglésias, Maura (Advisor). Myth, Philosophy and Medicine in Ancient Greece. Relations between the epic poetry, the pre-socratic philosophy and the Hippocratic Medicine. Rio de Janeiro, 2003. 175 p. Msc. Dissertation – Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Since ancient times men have striven to understand the origins of PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Philosophy. More recently, between the late nineteenth century and the first half of the twentieth century, the debate over the origin of philosophy has markedly increased, especially by the confrontation of two theses: (1) the Greek miracle, whose major supporter was J. Burnet to whom Philosophy represents a break with the former poetic tradition — Homer and Hesiod — as it implies empirical knowledge; and (2) the myth-philosophy continuity, according to which both are manifestations of a single one and same spirit. This latter thesis has received important contributions from F. M. Cornford, who in his book Principium Sapientiae, makes a consistent attack against the thesis of the Greek miracle, showing Phylosophy as a legacy of the myth and consequently as a dogmatic and revealed knowledge as opposed to Hippocratic medicine, which was forged based on experience and on the use of the senses, and therefore, without any relation to the mythical narrative. The aim of this work was firstly to understand the range of the mythical narrative based on M. Eliade and J. Campbell’s essays firstly, and secondly to find support on the Greek texts — Homer and Hesiod’s poems, pre-socratic fragments and Hippocratic texts — to corroborate the general idea defended in Principium Sapientiae. It is possible to identify a series of elements present simultaneously both in the poems and in the pre-socratic ideas. Furthermore, the evaluation of the medical writings has shown that the Hippocratic medicine method is strikingly empiric, but its doctrines are an important legacy of the rising philosophy, setting off likewise, a dogmatic fabric that has not been duly considered in F. M. Cornford’s essay. In this way myth, Philosophy and Greek medicine are indisputably bound together, which is not a surprise as they are phenomena of the same culture. Keywords PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Philosophy; Myth; Medicine; Greece. Résumé Siqueira Batista, Rodrigo; Iglésias, Maura. Mythe, Philosophie et Médecine dans l’Ancienne Grèce. Relations entre la poésie épique, la philosophie pré-socratique et la médecine d’Hippocrate. Rio de Janeiro, 2003. 175 p. Mémorie de Maîtrise – Section de Philosophie, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Depuis l’Antiquité, les origines de la philosophie, en Grèce, ont entraîne des efforts pour as compréhension. Plus récemment, dans la période comprise entre la fin du XIXème siècle et la première moitié du XXème siècle, le débat sur PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA la naissance de la pensée philosophique s’est intensifié, tout spécialement avecla confrontation de deux thèses pour expliquer le processus: (1) le miracle grec, que J. Burnet a longuement exposé. Pour celui-ci, la philosophie représenterait une rupture avec la tradition poétique antérieure – Homère et hésiode -, ce Qui présuppose une connaissance d’origine empirique; et (2) la continuité mythephilophie, selon laquelle tous deux constituent des manifestations d’une même esprit. Cette derniére opinion a reçu d’importantes contributions de F.M Cornford Qui, dans son livre Principium Sapientiae, livre une bataille consistante à la thèse du miracle grec, présentant la philosophie comme le légat du mythe — et par conséquent, comme le savoir dogmatique est révélé — la comparant, de plus, avec la médecine hipocratique, celle-ci ayant été discontinue par rapport au récit mytique car elle a áté forgée à partir de l’experience et de l’usage de sens. Dans ce travail, nous avons cherché ã comprendre l’amplitude du récit mytique — en prenant pour base les essais de M. Eliade et de J. campbell, principalement — puis, dans un second temps, nous avons essayé de rechercher des points d’appui dans les textes grecs — poémes d’Homère et d’Hésiode, extraits des pré-socratiques et textes hipocratiques — pour renforcer l’idée générale défendue dans le Principium Sapientiae. Nous avons pu identifier une série d’éléments simultanément présents dans les poèmes et dans la pensée des pré-socratique. En outre, l’analyse des textes médicaux a démontré que la méthode de la médecine hipocratique est surtout empirique, mais que ses doctrines constituent un important légat de la philosophie naissante — faisant également ressortir son aspect dogmatique —, légat Qui n’a pas été dûment considéré dans l’essay de F. M.Cornford. Dans ce sens, mythe, philosophie et médecine grecs possèdent un incontestable lien — ce qui n’est plus surprenant, étant donné que tous sont des phénomènes propes à une même culture. Mots-Clés PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Philosophie; Mythe; Médecine; Grèce. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Sumário 1. Introdução 12 2. A Tessitura do Mito 16 2.1. Prolegômeno à Questão 16 2.2. As Funções do Mito 22 2.3. A Estrutura do Mito 30 2.4. Os Mitos Cosmogônicos 46 2.5. A Cosmogonia Grega 50 2.6. Desfecho 54 3. A Aurora da Filosofia 55 3.1. A Filosofia Pré-socrática e o Milagre Grego 55 3.2. Mito, Poesia e Religião na Grécia 66 3.3. Homero: A Ilíada e a Odisséia 70 3.4. Hesíodo: A Teogonia e o Trabalho e os Dias 92 3.5. Do Mito à Filosofia 105 3.6. É a Filosofia Pré-socrática Simplesmente um Mito Modificado? 115 3.6. À Guisa de Conclusão 120 4. A Medicina na Grécia Clássica 122 4.1. A Questão do “Empirismo” de Empédocles de Agrigento 123 4.2. Hipócrates e a Medicina na Grécia 131 4.3. O Método de Observação Clínica 133 4.4. As Doutrinas Médicas na Grécia Clássica 146 4.5. A Medicina Hipocrática: Empírica e Dogmática 159 4. Conclusão 166 7. Bibliografia 168 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA Os Poetas antigos animaram todos os objetos sensíveis com Deuses e Gênios, nomeando-os e adornando-os com os atributos de bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações e tudo quanto seus amplos e numerosos sentidos permitiam perceber. E estudaram, em particular, o caráter de cada cidade e país, identificando-os segundo sua deidade mental; Até que se estabeleceu um sistema, do qual alguns se favoreceram, & escravizaram o vulgo com o intento de concretizar ou abstrair as deidades mentais a partir de seus objetos: assim começou o Sacerdócio; Pela escolha de formas de culto das narrativas poéticas. E proclamaram, por fim, que os Deuses haviam ordenado tais coisas. Desse modo, os homens esqueceram que todas as deidades residem no coração humano. William Blake