Artigo Original DOI: 10.15253/2175-6783.2014000300002 www.revistarene.ufc.br Conhecimento e uso de plantas medicinais por usuários de duas unidades básicas de saúde Knowledge and use of medicinal plants for users of two basic health units Conocimiento y uso de plantas medicinales para usuarios de dos unidades básicas de salud Diego Florêncio Lima1, Débora Linsbinski Pereira1, Fábio Francoly Franciscon1, Claudia dos Reis1, Valfran da Silva Lima1, Pacífica Pinheiro Cavalcanti1 Objetivou-se verificar o conhecimento e o uso de plantas medicinais entre os usuários de duas Unidades de Saúde da Família. Trata-se de uma pesquisa quantitativa desenvolvida entre junho e agosto de 2010, no município de Sinop, Mato Grosso, Brasil. Foi utilizado um roteiro de entrevista estruturado, no qual participaram 302 pessoas de ambos os sexos, que apontaram 77 plantas utilizadas para o tratamento das mais diversas afecções; somente 7,67% não utilizavam plantas medicinais. Entretanto, foram descritas as 10 plantas mais citadas, a parte usada de cada uma e sua forma de preparo. Somente 0,9% da população entrevistada adquiriram informações sobre tais plantas com os profissionais da saúde. Faz-se necessário investir em ações que promovam uma maior integração do uso de plantas medicinais dentro dos programas desenvolvidos nas Unidades de Saúde da Família, bem como uma maior capacitação desses profissionais, por meio da incorporação de conteúdos que contemplem a fitoterapia nos cursos de graduação. Descritores: Plantas Medicinais; Fitoterapia; Terapias Complementares. We aimed at verifying the knowledge and use of medicinal plants among users of two Family Health Units. This was a quantitative survey carried out between June and August 2010 at Sinop, Mato Grosso, Brazil. We used a structured interview guide, attended by 302 people of both sexes, which indicated that 77 plants are used for the treatment of several diseases, only 7.67% did not use medicinal plants. However, we described the 10 most reported plants, the part used for each form and its preparation. Only 0.9% of the population interviewed acquired information about such plants with health professionals. It is necessary to invest in initiatives that promote greater integration of the use of medicinal plants within the programs developed at Family Health Units, as well as a greater training of these professionals, by incorporating content that include herbal medicine in undergraduate courses. Descriptors: Plants, Medicinal; Phytotherapy; Complementary Therapies. El objetivo fue verificar conocimiento y uso de plantas medicinales entre usuarios de dos Unidades de Salud Familiar. Estudio cuantitativo, llevado a cabo entre junio y agosto de 2010, en Sinop, Mato Grosso, Brasil. Se utilizó guía de entrevista estructurada, a la que participaron 302 personas de ambos los sexos, que señalaron 77 plantas utilizadas para el tratamiento de varias enfermedades; sólo 7,67% no utilizaban plantas medicinales. Sin embargo, fueron descritas 10 plantas más citadas, la parte utilizada de cada una y su preparación. Sólo 0,9% de la población entrevistada adquirieron informaciones acerca de tales plantas con profesionales de la salud. Es necesario invertir en iniciativas que promuevan mayor integración de la utilización de plantas medicinales en los programas desarrollados en las Unidades de Salud de la Familia, así como mayor formación de estos profesionales, mediante la incorporación de contenidos que incluyen las hierbas medicinales en los cursos de graduación. Descriptores: Plantas Medicinales; Fitoterapia; Terapias Complementarias. Universidade Federal de Mato Grosso. Sinop, MT, Brasil. 1 Autor correspondente: Pacífica Pinheiro Cavalcanti Avenida André Maggi, 1616 – Jardim Paraíso. CEP: 78556-198. Sinop, MT, Brasil. E-mail: [email protected] Submetido: 28/08/2013; Aceito: 23/07/2014. Rev Rene. 2014 maio-jun; 15(3):383-90. 383 Lima DF, Pereira DL, Franciscon FF, Reis C, Lima VS, Cavalcanti PP Introdução As plantas medicinais são definidas como aquelas capazes de produzir princípios ativos que possam alterar o funcionamento de órgãos e sistemas, restaurando o equilíbrio orgânico ou a homeostasia nos casos de enfermidades(1). Assim como outras terapias, fazem parte da chamada Medicina Tradicional, a qual se refere a conhecimentos, habilidades e práticas baseadas na teoria, crenças, experiências indígenas e de outras culturas, usadas na manutenção da saúde e na prevenção, na melhoria ou no tratamento de doenças físicas e mentais, podendo ainda ser chamada de Medicina Alternativa ou Complementar(2). A primeira Lei relacionada à utilização de plantas no Brasil data de 17 de abril de 1996, em que foram elaboradas as diretrizes sobre as plantas medicinais, tanto sobre sua utilização, quanto sobre a pesquisa na área. A partir desta, várias outras Leis e Portarias foram criadas, mas a principal é a Portaria nº 971, de 3 de maio de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Essa portaria permite que usuários destes serviços tenham acesso a informações referentes aos fitoterápicos e as plantas medicinais diretamente na Unidade de Saúde da Família(3). Essas possibilidades alternativas de tratamento levam a uma melhora no atendimento da população pelo Sistema Único de Saúde, em razão de proporcionar outra forma de tratamento e de prevenção de doenças(4). O uso de plantas medicinais pela população tem contribuído não só para a terapia complementar, como também para o direcionamento de estudos fitoquímicos e de atividade biológica, como toxicidade, propriedade antiinflamatória e atividade antioxidante. Assim as plantas medicinais podem ter as ações terapêuticas conhecidas para serem posteriormente comprovadas cientificamente(5). Deste modo, a inclusão da terapêutica com plantas medicinais na comunidade não só traria benefícios à saúde das pessoas, mas também benefícios 384 Rev Rene. 2014 maio-jun; 15(3):383-90. de ordem econômica, já que a população, em alguns casos, não necessitaria comprar medicamentos alopáticos(6). A busca pela utilização de plantas a partir de conhecimento empírico já existente, muitas vezes consagrado pelo uso contínuo, tem direcionado muitas pesquisas, no entanto, grande parcela da população faz uso de plantas medicinais sem o conhecimento de sua toxicidade, forma de preparo ou indicação clínica(6). O enfermeiro que trabalha na Estratégia de Saúde da Família poderia atuar de maneira eficaz na orientação da adequada utilização dessa terapêutica complementar, tendo em vista a ampla utilização de plantas medicinais pela população que é atendida em uma Unidade de Saúde da Família. Sendo assim, para a apropriada atuação, o enfermeiro deve primeiramente investigar o uso de plantas medicinais pela comunidade, tendo em vista a obtenção de informações sobre como essa população utiliza a planta, para então elaborar uma estratégia de educação em saúde e assistência de melhor qualidade. O objetivo desta pesquisa foi verificar o conhecimento e o uso de plantas medicinais entre os usuários da área de abrangência de duas Unidades de Saúde da Família. Método Trata-se de pesquisa com abordagem quantitativa, desenvolvida no Município de Sinop, norte do Estado de Mato Grosso, localizado às margens da BR-163. Sinop possui cerca de 114 mil habitantes(7), imigrantes de diversas regiões do pais, onde se pode observar uma enorme diversidade cultural. A cidade é dotada de atenção primária, mediante ações da Estratégia Saúde da Família, e possui 17 Unidades de Saúde da Família. Duas unidades que se destacam por maior demanda no atendimento são as Unidades de Saúde da Família do Boa Esperança e do Jardim das Nações que juntas atendem aproximadamente 3000 famílias Conhecimento e uso de plantas medicinais por usuários de duas unidades básicas de saúde cadastradas. Deste modo, as duas unidades foram intencionalmente escolhidas para o desenvolvimento da presente investigação. A coleta de dados foi realizada por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado, nos meses de junho a outubro de 2010. Participaram 302 usuários dos serviços (100 na Unidade de Saúde da Família Jardim das Nações e 202 na Unidade de Saúde da Família Boa Esperança), nos meses de junho a outubro de 2010, escolhidos aleatoriamente. Como critério de inclusão para participação ao estudo, adotou-se: indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, não havendo distinção de sexo e que residiam nos respectivos bairros definidos no estudo e que esperavam atendimento nas Unidades de Saúde. O instrumento de coleta de dados foi dividido em duas partes. A primeira parte continha variáveis relativas de identificação do usuário e motivo de comparecimento à Unidades de Saúde da Família. Na segunda parte, o usuário foi questionado pelo entrevistador se usava ou não plantas medicinais como remédio e, em caso afirmativo, quais eram essas plantas. Os dados foram analisados por meio da estatística. Os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos foram respeitados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller (Cuiabá-MT), sob nº 802/CEP-HUJM/10. Os participantes fizeram anuência formal no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual eram explicados os objetivos da pesquisa e as informações solicitadas, sendo garantida a confidencialidade das informações e o anonimato dos participantes. Resultados Mediante aos dados coletados, observou-se que a maioria dos entrevistados apresentaram entre 34 e 41 anos (25%) e 76,8% eram do sexo feminino, demonstrando que as mulheres buscam mais frequentemente os serviços de saúde (Tabela 1). No que se refere à renda per capita de ambas as amostras, 90,07% dos entrevistados faziam parte das Classes Econômicas D e E, com renda mensal bruta familiar inferior a R$776,00. Em relação à escolaridade, grande parte dos entrevistados (46,7%) tinha o ensino fundamental incompleto e apenas 2% havia terminado o ensino superior (Tabela 1). Tabela 1 - Variáveis sociodemográficas da população amostrada Unidade Saúde da Família Boa Esperança (N=202) Jardim das Nações (N=100) Total n (%) 18 – 25 19 17 18 42 – 49 15 27 19 Variáveis Idade (anos) 26 – 33 25 34 – 41 27 50 – 57 8 ≥ 58 6 Sexo Feminino 74 Masculino Escolaridade Analfabeto 26 Ensino fundamental Ensino médio Ensino superior Renda per capita ≤ R$ 776,00 > R$ 776, 00 3 17 21 6 12 82 18 3 22 25 8 8 76,8 23,2 3 62 53 61,5 90,6 89 90,4 29 6 9,4 33 11 11 29,5 6 9,6 Os principais motivos de comparecimento no serviço foram decorrentes do acompanhamento de familiares em consultas ou exames (65%), coleta de sangue e outras secreções (25%) e outros procedimentos (10%). No que diz respeito ao uso de plantas medicinais, 92,3% afirmaram que as utilizam como terapia alternativa, e citaram 77 plantas de uso habitual para o tratamento das mais diversas afecções. Optou-se por descrever as dez plantas mais citadas, a parte usada de cada uma e sua forma de preparo (Tabelas 2 e 3). Rev Rene. 2014 maio-jun; 15(3):383-90. 385 Lima DF, Pereira DL, Franciscon FF, Reis C, Lima VS, Cavalcanti PP Tabela 2 - Lista das dez plantas medicinais mais citadas, os principais usos e os responsáveis pelo preparo Planta Responsável pelo preparo Nome popular Nome científico Uso principal Hortelã grande Mentha piperita L. Gripe, calmante e vermífugo Boldo Plectrathus barbatus Andrews Mentha pulegiumL Dor estomacal e ressaca Mentruz Lepidium Sativum L. Feridas, luxações e vermífugo Terramicina Alternanthera brasiliana (L.) O. Kunt Babosa Aloe vera (L.) Burm. Capim cidreira Poejo Erva cidreira de arbusto Algodão Camomila Cymbopogon citratus Staf Libia Alba (Mill) N. E. Brown Gossypium hirsutum L. Chamomilla recutita (L.) Rauschert Entrevistado (%) Outro (%) 86,7 13,3 94 6 Calmante, gripe e anti-hipertensivo 92,9 7,1 Gripe, cólica e calmante 91,7 8,3 Calmante e gripe 78,6 21,4 Infecções e infecções urinárias 92,3 7,7 85 Infecções, feridas e dor estomacal Feridas, queimaduras e diabetes Calmante, cólica e dor estomacal 15 85,7 14,3 91,7 100,0 8,3 - Tabela 3 - Principais plantas utilizadas para fins terapêuticos, de acordo com forma de preparo e partes usadas Planta (Nome popular) Citações (%)* Hortelã grande Algodão Babosa Camomila 36 Folhas 2,0 4 3 3 3 3 2 Completa Parte aérea Completa 41 54 - - - 59 - - - - 42 - 92 47 - 26 27 - - - 41 - Completa 36 57 Folhas e raiz 46 23 Completa Folhas Flores * Um indivíduo pode ter citado uma ou mais planta medicinal Quando foram questionados sobre o local de aquisição de cada planta citada para uso, a maioria (56%) respondeu que cultivava as plantas no próprio domicilio; em relação à indicação da planta, 68,7% comentou que o uso foi indicado por familiares. No relacionado à indicação do uso das plantas para fins terapêuticos, a principal fonte de informação foram os familiares (68,7%), seguido pelos amigos 386 Suco (%) 11 5 Terramicina Compressa (%) 53 Poejo Erva cidreira de arbusto Decocção (%) Parte aérea 12 Mentruz Formas de preparo Infusão (%) 16 Capim cidreira Boldo Partes da planta utilizada Rev Rene. 2014 maio-jun; 15(3):383-90. 43 - 64 36 - - 23 42 - e vizinhos (24,3%), profissionais de saúde (0,9%) e outros modos de informação (6,1%). Para o consumo, a maioria (56%) possui a planta no próprio domicílio ou tem outras fontes de fornecimento, como os vizinhos (15,9%), parentes (10,3%), aquisição em mercados (8,8%) e outros modos de obtenção (9,3%). Conhecimento e uso de plantas medicinais por usuários de duas unidades básicas de saúde Discussão Estudos indicam que pessoas com idade superior a 35 anos são os detentores do conhecimento sobre a utilização de plantas medicinais, apontando que a informação sobre este assunto é mantida por pessoas mais velhas, o que retrata, provavelmente, que indivíduos mais jovens não se interessam tanto por esse tipo de conhecimento(6,8). Outro dado que deve ser ressaltado é que o conhecimento sobre as plantas medicinais é detido, principalmente, pelas mulheres; fato corroborado por outras pesquisas e que pode estar relacionado ao papel das mulheres no passado, uma vez que elas que cuidavam da casa, da horta, dos maridos e filhos, além dos idosos e doentes(5,8-12). Essas diferenças sobre o conhecimento tradicional e a utilização de plantas medicinais entre grupos de homens e mulheres é esperada, provavelmente pelos motivos citados acima e pelo fato das mulheres estarem acompanhando algum familiar, uma vez que o “papel feminino” na sociedade é “cuidar”(13). Entretanto, em um estudo realizado em Itaqui/RS, não houve diferença significativa entre usuários homens e mulheres(14). Em relação à renda per capita, apesar de muitos estudos não levarem em consideração a renda dos entrevistados, pode-se considerar que pessoas com renda mais baixa e que não tem condições de comprar medicamentos, buscam formas alternativas de tratamento para a cura de seus males(9,14). Dados verificados em outros estudos(9,14) indicam que a população que faz uso das plantas medicinais pertence a classes mais pobres. Analisando os resultados obtidos neste estudo e os dados de outras pesquisas em relação à escolaridade da população pesquisada, fica evidenciado que a maior parte das pessoas que procuram os serviços de atenção básica à saúde, assim como usuários de plantas medicinais, são indivíduos com baixa escolaridade e renda e que, provavelmente, não possuem condições financeiras para procurar serviços particulares de saúde(5-6,8). Além disso, o baixo poder aquisitivo dessas pessoas não permite a compra de medicamentos caros(5-6,8). Ressalta-se também que, na maioria das pesquisas que envolve o uso de plantas medicinais pela comunidade, grande parte dos indivíduos utilizam as plantas como terapias alternativas de tratamento da saúde(6,14). De acordo com o perfil da população amostrada, das dez plantas mais citadas, apenas sete estão descritas no Formulário Nacional Fitoterápico como plantas com fins terapêuticos (Hortelã, Capim Cidreira, Poejo, Erva Cidreira, Babosa e Camomila). Segundo esse documento, cada uma delas deve ser preparada de uma maneira(15). Verificou-se, entretanto, que algumas plantas são usadas erroneamente pela população. As plantas mencionadas, e que fazem parte do Formulário, são indicadas para cólicas em geral (hortelã), flatulências (hortelã e erva cidreira), distúrbios hepáticos (hortelã), cólicas intestinais e uterinas (capim cidreira), calmante (capim cidreira, erva cidreira e camomila), quadros leves de ansiedade e insônia (capim cidreira e erva cidreira), dispepsia e hipotensão (boldo); expectorante (poejo e erva cidreira), estimulador de apetite, perturbações digestivas, espasmos gastrointestinais, cálculos biliares e colecistite (poejo); cólicas abdominais, distúrbios estomacais e como digestivo (erva cidreira); cicatrizante e para o tratamento de queimaduras (babosa); cólicas intestinais, contusões e processos inflamatórios da boca e da gengiva (camomila)(16). É interessante notar que a maioria dos usos terapêuticos das plantas não corroboram com a citação dos entrevistados, exceto o capim cidreira, a erva cidreira e a camomila, que são utilizadas como calmante; a camomila para cólica e a babosa, usada para queimaduras. Além disso, a hortelã, citada neste estudo como tratamento para distúrbios hepáticos, não é indicada em caso de danos hepáticos severos; e a erva cidreira pode causar irritação gástrica(16). As formas de preparo indicadas pelo Formulário e as citadas pelos entrevistados, em sua Rev Rene. 2014 maio-jun; 15(3):383-90. 387 Lima DF, Pereira DL, Franciscon FF, Reis C, Lima VS, Cavalcanti PP maioria, também foram diferentes. Em grande parte das plantas, usa-se o método de infusão de caules, folhas e/ou flores (hortelã, capim cidreira, boldo, poejo, erva cidreira e camomila). No Brasil, a regulamentação do uso de plantas medicinais dentro dos serviços de saúde, está vinculada ao Formulário Nacional Fitoterápico que faz parte da Farmacopéia Brasileira, e traz as diretrizes para a utilização de várias plantas medicinais. Todas as recomendações feitas por este formulário são baseadas em estudos científicos realizados nos mais diversos países(15). Nota-se que o uso de plantas com fins terapêuticos é corriqueiro e que grande parte da comunidade faz uso de espécies que estão listadas na Farmacopéia Brasileira(5,9,10,17). Esses dados demonstram que os estudos realizados com as plantas utilizadas popularmente para tratamentos alternativos são muito importantes para validar o seu potencial medicinal. Pode-se perceber também que grande parte dos usuários cultiva a planta em casa; o que corrobora com a maioria dos estudos realizados com usuários de plantas medicinais(6,9,14). Isso ocorre, provavelmente, porque o cultivo das plantas facilita a obtenção das mesmas pelos próprios usuários; além disso, existe a facilidade do consumo fresco e imediato(6). Outro dado importante é que a indicação de uso das plantas foi feito principalmente por familiares, o que representa que o conhecimento e uso das espécies vegetais é proveniente da tradição familiar e que vai sendo repassado de geração a geração(5,9). É importante destacar que o uso de plantas medicinais, na maioria das vezes, não foi indicado por um profissional habilitado, tal como um enfermeiro, farmacêutico ou médico. Constata-se, portanto, que a população está fazendo uso de tais terapias sem o devido acompanhamento, o que pode trazer riscos para a saúde, uma vez que muitas dessas espécies apresentam registro de toxicidade e contraindicações(18). Entretanto, muitos desses profissionais de saúde, geralmente não consideram 388 Rev Rene. 2014 maio-jun; 15(3):383-90. as plantas medicinais como uma fonte terapêutica justamente pelo fato de desconhecerem os benefícios e os riscos das mesmas(19). Nota-se, entretanto, a maioria dos usuários de plantas medicinais acredita que “planta não faz mal a saúde”, o que pode levar a quadros de intoxicação severas. Assim, é necessário que a comunidade seja orientada quanto à forma de uso e preparo das mesmas, contribuindo para uma terapêutica alternativa na saúde da população, melhorando a qualidade de vida e minimizando os custos para o Sistema Único de Saúde. Nesse sentido, é importante que os profissionais da saúde, principalmente os enfermeiros, sejam capacitados para que possam contribuir com a correta utilização de terapias alternativas na Atenção Primária à Saúde e que essa prática deve ser incorporada nas Unidades de Saúde da Família(18). A promoção da saúde na Estratégia Saúde da Família é uma metodologia que pode propiciar qualidade de vida e saúde a população, isso se deve a resolução dos problemas de saúde e seus determinantes(12). Desta forma o uso da fitoterapia, como uma terapêutica complementar, pode funcionar como uma ferramenta de baixo custo econômico, eficaz e no atendimento das necessidades da população. Considerações Finais A analise do conhecimento e uso de plantas medicinais entre os usuários de duas Unidades de Saúde da Família no município de Sinop-MT demonstrou que 92,3% citaram 77 plantas de uso habitual para o tratamento das mais diversas afecções e somente 7,6% não utilizavam essa terapia complementar. Os principais usos clínicos dessas plantas foram: gripe, cólica, calmante, dor estomacal, ressaca, feridas, luxações, vermífugo, queimaduras, controle do Diabetes Mellitus, infecções, infecções urinárias e anti-hipertensivo. As formas de preparo mais utilizadas foram: Conhecimento e uso de plantas medicinais por usuários de duas unidades básicas de saúde infusão, decocção, suco, compressa, sendo que as partes das plantas mais empregadas foram: partes aéreas (folhas e flores), raiz e também a planta toda. É notório também que ainda falta maior integração do uso de plantas medicinais dentro dos programas desenvolvidos nas Unidades de Saúde da Família, visto que apenas 0,9% da população entrevistada adquiriram informações sobre tais plantas com os profissionais da saúde. Logo, podese afirmar que a população pesquisada não recebe nenhum subsídio referente ao uso correto das plantas medicinais por parte do serviço de saúde local, uma vez que, ainda, não há a implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares nas Unidades onde foi realizada a pesquisa. O enfermeiro, como um profissional inserido na Estratégia Saúde da Família, exerce um papel fundamental na minimização ou mesmo, no impedimento da ocorrência de casos de intoxicação ou de outros agravos à saúde decorrentes do uso indevido das plantas medicinais, por meio de atividades de educação em saúde. A maior parte da população que faz uso de plantas medicinais em ambas as comunidades estão nas classes econômicas D e E, isso é comum, pois por não disponibilizarem de renda suficiente para adquirir fármacos utilizam plantas como terapia. No entanto, para que uma planta medicinal seja efetiva como forma terapêutica complementar é necessário o acompanhamento de um profissional competente, que seja capaz de elaborar programas de educação em saúde que contemplem esta temática e as necessidades dos usuários. Para tanto, faz-se necessário maior capacitação desses profissionais, com a incorporação de conteúdos que contemplem a fitoterapia nos cursos de graduação, os quais deverão contribuir para a correta utilização destes recursos terapêuticos, proporcionando melhores condições de saúde com uma terapêutica de baixo custo e resgatando valores da cultura popular. O estudo apresenta como limitação o fato de abranger apenas duas comunidades do município de Sinop. Logo, propõe-se que outras pesquisas sejam desenvolvidas, com vistas a conhecer a realidade de outras comunidades. Verificar a consonância das indicações de uso, forma de preparo e dosagem junto a esses indivíduos em relação àquelas referidas na bibliografia com comprovação científica também não foi possível. Pesquisas com este fim poderiam servir de referencial para estudos adicionais no sentido de ampliar as possibilidades de uso das espécies indicadas, ou mesmo comprovar a ineficácia ou impropriedade de sua utilização. Colaborações Lima DF, Cavalcanti PP participaram da concepção e elaboração do projeto, coleta e análise de dados, redação e análise crítica do artigo. Pereira DL, Franciscon FF e Lima VS contribuíram com a confecção do artigo científico. Reis C foi responsável por toda a revisão crítica do projeto e do artigo. Referências 1. Ferro D. Fitoterapia: conceitos clínicos. São Paulo: Atheneu; 2008. 2. Ministério da Saúde (BR). A Fitoterapia no SUS e o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais da Central de Medicamentos. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. 3. Conselho Nacional de Saúde. Portaria n° 971, de 03 de maio de 2006. Aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 04 maio 2006. Seção1. 4. Bruning MCR, Mosegui GBG, Vianna CMM. A utilização da fitoterapia e de plantas medicinais em unidades básicas de saúde nos municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu - Paraná: a visão dos profissionais de saúde. 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