Atualização em diálise: Complicações agudas em hemodiálise

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J Bras Nefrol 2001;23(2):108-13
Atualização em diálise: Complicações agudas em hemodiálise
Manuel Carlos M de Castro
Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FM/USP). Unidade de Hemodiálise do
Hospital das Clínicas da FM/USP
Endereço para correspondência:
Manuel Carlos Martins de Castro
Rua Inhambu, 1069/72, Moema
04520-013 São Paulo, SP
E-mail: [email protected]
Introdução
Nos últimos 50 anos, a introdução de novos
avanços tecnológicos no tratamento hemodialítico
tornou esse procedimento seguro e capaz de manter a
vida dos pacientes por longos períodos. O controle da
ultrafiltração, o dialisato com bicarbonato, o desenvolvimento de membranas mais biocompatíveis, a
sofisticação crescente das máquinas de hemodiálise e
a aplicação dos modelos de sódio variável e cinética
da heparina contribuíram para esse sucesso. Entretanto,
em 30% das sessões de hemodiálise, pode ocorrer
algum tipo de complicação. Assim sendo, a constante
avaliação dessas complicações deve estar inserida em
qualquer programa de controle da qualidade.
Esta atualização aborda as principais complicações
agudas da hemodiálise diante dos novos conhecimentos.
Hipotensão arterial
A hipotensão arterial é, sem dúvida, a principal
complicação do tratamento hemodialítico, ocorrendo
em até 20% das sessões. A fisiopatologia envolve a
taxa de ultrafiltração, a queda da osmolaridade, a
temperatura do dialisato, a biocompatibilidade da
membrana de diálise, a introdução de endotoxinas na
circulação e o uso de acetato como tampão. Esses
eventos podem levar a redução do volume intravascular, aumento na liberação de substâncias
vasodilatadoras e redução nas vasoconstrictoras, além
da ativação do complemento e liberação de citoquinas.
Por sua vez, esses mecanismos conduzem à redução
do débito cardíaco e da resistência vascular periférica,
com conseqüente redução da pressão arterial.
A velocidade de ultrafiltração e o volume
ultrafiltrado são os principais envolvidos na hipotensão. Valores de ultrafiltração superiores a 20 ml/
kg/h podem provocar redução da pressão arterial em
muitos pacientes.1 Isto ocorre porque a taxa de ultrafiltração passa a ser maior que a capacidade de reenchimento vascular, que depende da velocidade e da
intensidade da ultrafiltação e de fatores como peso
corpóreo, grau de hidratação do espaço intersticial,
osmolaridade e concentração das proteínas no plasma
e das variações na distribuição do fluxo sangüíneo
regional durante a diálise.
Muitas vezes, a hipotensão ocorre sem que se
registre redução aguda no volume de sangue circulante
ou na taxa de reenchimento vascular. Essa observação
sugere que a hipotensão pode ser causada pelo
repentino desequilíbrio nos mecanismos de controle
da pressão arterial, que estariam compensando a
redução do volume intravascular.
A presença de disfunção autonômica, o dialisato
com acetato, a geração de interleucina 1, o acúmulo
corporal de calor e a inadequada resposta vasoativa –
secundária à redução na sensibilidade nos sistemas
renina angiotensina, adrenérgico e anginina vasopressina – são fatores que podem alterar os mecanismos
de vasoconstrição durante a diálise.
Em conjunto, essas alterações podem explicar os
dois tipos de hipotensão observados por Zucchelli &
Santoro na hemodiálise.2 No padrão clássico, ocorre
queda da pressão arterial associada à elevação da
freqüência cardíaca e à redução do volume de ejeção.
Esses pacientes freqüentemente apresentam comprometimento da função sistólica do ventrículo esquerdo. No
entanto, a hipotensão pode ser acompanhada de
redução paradoxal da freqüência cardíaca com
elevação do volume da ejeção. Esses pacientes
apresentam redução da atividade vasoconstrictora
simpática, associada ao volume ventricular esquerdo
pequeno e ao enchimento ventricular lento. Essas
alterações, acompanhadas da redução do retorno
venoso, reduzem a atividade simpática e aumentam a
atividade vagal parassimpática com conseqüente aumento do volume de ejeção.
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Independentemente do mecanismo fisiopatológico
envolvido, o tratamento agudo, na hipotensão arterial
durante a hemodiálise, implica a infusão de solução
salina e agentes hipertônicos como cloreto de sódio a
20% ou 30%, manitol, glicose a 50% e albumina. Se
necessário, o paciente deverá ser colocado na posição
de trendelenburg.
Corrigido o episódio hipotensivo agudo, devemse avaliar sua freqüência e intensidade. De acordo com
essas observações, deverão ser tomadas medidas para
reduzir essa complicação. Uma vez que a taxa de
ultrafiltração e a velocidade de ultrafiltração são a
principal causa da hipotensão, e a capacidade de
reenchimento vascular é o principal mecanismo de
defesa contra a hipotensão, qualquer medida que
favoreça a translocação de volume do interstício para
o intravascular apresenta efeito positivo. Portanto, a
redução da velocidade de ultrafiltração por meio do
aumento do tempo de diálise, a reavaliação do peso
seco do paciente e a reorientação do paciente para
reduzir o ganho de peso interdialítico podem reduzir
a incidência da hipotensão arterial durante a diálise.
Além disso, modificações na técnica dialítica, como
elevação na concentração de sódio do dialisato, 3
dialisato com bicarbonato, redução na temperatura do
dialisato, correção da hipoalbumina e anemia, também
são eficientes. Outras medidas são o tratamento da
insuficiência cardíaca, a suspensão da ingestão de
alimentos e hipotensores no período pré-diálise e o
uso de meia elástica durante a diálise.
O uso crônico da sertralina foi recentemente
proposto para reduzir a freqüência de episódios de
hipotensão durante a hemodiálise.4
Hipertensão arterial
Crise hipertensiva é uma complicação pouco
freqüente durante a hemodiálise, e sua fisiopatologia,
obscura. Em alguns pacientes, observam-se elevação
nas catecolaminas e, em outros pacientes, ativação do
sistema renina – angiotensina secundária à depleção
de volume. A orientação para suspender a medicação
anti-hipertensiva no período pré-dialítico também
contribui para elevação da pressão arterial durante a
diálise. A importância de outros sistemas pressores na
hipertensão da hemodiálise não tem sido estudada.
De qualquer forma, tanto a administração aguda de
nifedipina quanto a de captopril são úteis no controle
da crise hipertensiva induzida pela diálise.
Síndrome do desequilíbrio da diálise
Essa síndrome é freqüentemente observada em
pacientes que iniciam o tratamento dialítico quando
crianças e naqueles submetidos à diálise de alto fluxo
e alta eficiência (diálise curta). Entretanto, pode ocorrer
com intensidade variável em qualquer paciente. Ela se
caracteriza por cefaléia, náuseas, vômitos, tremores,
confusão mental, delírio, convulsões e coma, que
podem ser observados durante ou após a diálise.
A patogênese envolve um edema cerebral
secundário gradiente da uréia entre o sangue e o
líquido cefalorraquidiano.5 Esse gradiente favorece a
translocação de água para o interior das células do
sistema nervoso central.
A utilização de diálises de curta duração e baixa
eficiência com redução do intervalo interdialítico está
indicada nos pacientes que, iniciando tratamento
dialítico, apresentam concentração sérica de uréia
muito elevada. O uso de soluções hipertônicas como
manitol, intermitente ou contínuo, e a elevação nas
concentrações de sódio do dialisato são medidas que,
promovendo a elevação da osmolaridade plasmática,
reduzem o edema cerebral. O uso profilático de
anticonvulsivantes não está indicado, mas alguns
grupos utilizam o clonazepan em crianças.
Cãibras
Cãibras são uma complicação freqüente da
hemodiálise; predominam nos membros inferiores e
ocorrem, preferencialmente, na segunda metade da
hemodiálise. Freqüentemente são precedidas de
hipotensão arterial. As cãibras estão associadas à
elevada taxa de ultrafiltração durante a diálise e não
indicam, necessariamente, que o paciente atingiu o peso
seco. Entretanto, em situações em que o paciente é
ultrafiltrado abaixo do peso seco, as cãibras são
freqüentes e podem ocorrer horas após o término da
hemodiálise.
A fisiopatologia não está totalmente esclarecida e
aparece associada ao desequilíbrio entre ultrafiltração
e reenchimento vascular. Nesse sentido, é importante
orientar o paciente a reduzir o ganho de peso no
intervalo interdialítico e, se necessário, prolongar o
tempo de diálise, a fim de tornar a ultrafiltração menos
intensa.
A reposição aguda de volume com solução salina isotônica ou soluções hipertônicas é efetiva em
reduzir as cãibras. O uso da nifedipina pode aliviar
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os sintomas, entretanto, essa droga está associada à
hipotensão após uso agudo. Prazosin, sulfato de quinino e suplementação em L-carnitina parecem apresentar algum efeito profilático. A introdução do
modelo de cinética de sódio associado à ultrafiltração controlada do volume de sangue tem reduzido a
incidência de hipotensão e, paralelamente, de cãibras em hemodiálise.6
Arritmias cardíacas
Arritmia cardíaca ventricular ou supraventricular é
uma complicação freqüente durante a hemodiálise, sendo
observada principalmente em pacientes com acentuada
hipertrofia ventricular esquerda, doença cardíaca
isquêmica e doença pericárdica.7 A hipocalemia e
hipomagnesemia induzidas pela diálise também
representam fatores de risco,8 principalmente quando
associadas ao uso de digitálicos.9 Desse modo, o uso
de soluções de diálise com concentração zero de
potássio não são aconselháveis. Em pacientes propensos
a essa complicação e que estejam em uso de digitálicos,
o nível sérico da droga deve ser monitorado. O uso de
dialisato com bicarbonato também parece reduzir a freqüência de arritmias durante a diálise.
Hipoxemia
Hipoxemia de duração e intensidade variável
ocorre durante a hemodiálise, entretanto, sua
expressão clínica é pequena e ocorre, principalmente,
nos pacientes com importante doença pulmonar ou
naqueles com doença cardíaca isquêmica não
compensada.
Ela é observada de modo mais intenso nas diálises
com tampão acetato. Nessa condição, existe a passagem
de CO2 e bicarbonato para o dialisato. Isto leva a
hipocapnia à hipoventilação e à hipoxemia. Nos
pacientes em diálise com tampão bicarbonato, a
hipoxemia é menos intensa e parece estar associada à
rápida alcalinização secundária e às altas concentrações
de bicarbonato no dialisato. A importância do
seqüestro de leucócitos no pulmão e a ativação do
complemento não parecem influenciar significativamente a hipoxemia da hemodiálise.
Essa complicação raramente necessita de intervenção médica se limita a oferecer oxigênio. Entretanto, para pacientes em UTI com instabilidade hemodinâmica e que recebem drogas vasoativas e suporte
ventilatório é aconselhável elevar a oferta de oxigênio
durante a diálise.
Reações alérgicas
Reações do tipo anafilático são raras e ocorrem
principalmente com dialisadores novos, por isso são
chamadas de síndrome do primeiro uso. Os pacientes
geralmente apresentam, em diferente intensidade,
grande variedade de sinais e sintomas: queimação
retroesternal ou ao longo da fístula arteriovenosa, sudorese, calor, urticária e prurido, edema facial ou
palpebral, aumento da secreção brônquica, broncoespasmo, dispnéia, bradicardia e hipotensão arterial
são complicações que, se não atendidas prontamente,
podem evoluir para óbito.
Essas reações são comumente atribuídas ao óxido
de etileno utilizado na esterilização dos dialisadores.10
Reação anafilática com formol é descrita com
dialisadores reprocessados.11 Se atribuídas ao óxido
de etileno, é aconselhável utilizar dialisadores esterilizados por raios gama ou calor. Se atribuídas ao formol, pode-se utilizar ácido peracético no processo de
desinfecção.
Com o desenvolvimento das membranas de
poliacrilonitrila (AN 69), casos de reação anafilática
em pacientes que estejam utilizando bloqueadores da
enzima de conversão têm sido relatados.12 Essas drogas
bloqueiam a ação da enzima cininase II, provocando o
acúmulo de bradicininas responsáveis pela anafilaxia.
O tratamento das reações anafiláticas inclui a
imediata suspensão da diálise sem retorno do sangue
para o paciente. De acordo com a intensidade dos
sintomas, podem-se utilizar anti-histamínicos, adrenalina, corticóide e suporte ventilatório.
Prurido
Embora aceito como uma das complicações da
insuficiência renal crônica, do tratamento dialítico de
longa duração, da presença de hiperparatieroidismo
secundário e de alterações do metabolismo do cálcio e
do fósforo, o prurido pode, em alguns pacientes, iniciarse ou agravar-se durante a sessão de hemodiálise. Nessas
condições, a fisiopatologia é incerta, e o tratamento
inclui o uso de anti-histamínicos e benzodiazepínicos.
Os pacientes devem ser aconselhados a tomar banhos
rápidos e com água em temperatura ambiente, além de
utilizarem cremes hidratantes.
Acidentes associados à diálise
Hemorragias
Na diálise, as hemorragias são causadas pela
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passagem ou tentativas de passagem de cateteres para
hemodiálise ou são complicações decorrentes da
desconexão das linhas de diálise.
Atualmente, as máquinas de diálise apresentam
sensores de pressão que devem ser utilizados e
monitorizados, a fim de diminuir esses riscos. Após a
passagem de cateter para hemodiálise, é conveniente
a realização de raio-X para verificar a posição do
cateter. Nas situações de múltiplas punções, sempre
que possível é prudente retardar o início da diálise ou
iniciar o procedimento sem anticoagulação.
Embolia aérea
A presença de detectores de ar nas máquinas de
hemodiálise tornou essa complicação rara. Entretanto, é importante ressaltar que o aparecimento e a
intensidade dos sintomas dependem não só do volume e da velocidade com que o ar tem acesso à
circulação, mas também da posição do paciente no
momento do acidente. Nos pacientes sentados, o ar
tende a se distribuir pelo sistema venoso central,
provocando perda da consciência e gerando convulsões. Quando o paciente está deitado ou semideitado, o ar caminha em direção ao leito venoso pulmonar, causando dor torácica, dispnéia e choque. O ar
pode também dirigir-se às extremidades inferiores,
provocando manifestações de isquemia com cianose, adormecimento e dor.
As principais vias para a entrada de ar no circuito
de hemodiálise são os segmentos de linha pré-bomba,
o uso de soluções intravenosas armazenadas em frascos
de vidro e o dialisato com ar. Também durante a
colocação e a manipulação dos cateteres temporários,
o ar pode ter acesso à circulação sangüínea.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, as linhas de
sangue devem ser fechadas, e o paciente colocado
em posição de tremdelenburg com o lado esquerdo
voltado para baixo. Essa posição visa manter o ar no
interior do ventrículo direito e distribuí-lo na direção
dos membros inferiores. Intubação orotraqueal e ventilação mecânica com oxigênio a 100% podem ser
necessárias. Nos casos de embolia maciça, o ar contido no ventrículo direito pode ser aspirado por um
cateter multiperfurado colocado em posição central.
Hemólise
Durante a diálise, as principais causas de hemólise
são as dobras dos cateteres ou das linhas de sangue,13
a presença de formol14 ou de ácido peracético15 no
interior do dialisador e a infusão acidental de hipoclorito. Clinicamente, os pacientes apresentam mal estar,
cefaléia, náuseas e intensa dor abdominal. O sangue
nas linhas de diálise torna-se vermelho rutilante. A
morte pode ocorrer devido à hiperpotassemia. O tratamento implica a correção da causa básica, seguida
de reinício da diálise para evitar hipercalemia.
Erros na temperatura do dialisato
A temperatura do dialisato, normalmente a 37ºC, é
regulada por um termostato. Falhas nesse sistema
podem reduzir ou elevar a temperatura a níveis anormais. Temperaturas na faixa de 35º C têm sido utilizadas para aumentar a estabilidade hemodinâmica durante a diálise e não conduzem a complicações.
Temperaturas muito altas, acima de 50ºC, podem induzir hemólise com hiperpotassemia grave. Nessas
condições, é necessário corrigir o problema e reiniciar
a diálise.
Complicações da anticoagulação
Para pacientes com risco de sangramento, a
anticoagulação com heparina aumenta a possibilidade
de hemorragias. A utilização do modelo de cinética da
heparina, individualizando a dose da droga, diminui
esses riscos.
Para pacientes em pós-operatório ou com sangramento ativo, técnicas como a heparinização regional,
o uso de citrato de sódio e a diálise sem heparina
têm sido desenvolvidas. Na heparinização regional,
pode ocorrer um rebote na anticoagulação, 4 a 6 horas após, em função da dissociação do complexo heparina-protamina. A anticoagulação regional com citrato e concomitante infusão de cálcio pode provocar
hipocalcemia e alcalose pós-diálise. A hemodiálise
sem heparina parece segura e eficiente, desde que o
dialisador seja lavado com salina a cada 20 ou 30
minutos. Nessa situação, é necessário avaliar a necessidade de reajustar a ultrafiltração. A utilização de
heparina de baixo peso molecular permite efetiva
anticoagulação com menos risco de sangramento.
Reações pirogênicas
Reações pirogênicas durante a diálise, caracterizadas por febre, calafrios, hipotensão e choque, são
raras com os modernos sistemas de tratamento de
água por osmose reversa. Quando elas ocorrem, sugerem a possibilidade de contaminação da água de
diálise. O uso de concentrado de bicarbonato e a
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presença de glicose no dialisato também permitem
o crescimento bacteriano, favorecendo a produção
de endotoxinas.
A importância da contaminação do dialisato com
endotoxinas assume maior relevância nas diálises
de alto fluxo, em que ocorre a filtração retrógrada
do dialisato.16 Nos centros que praticam o reuso, a
incidência de reações pirogênicas é maior, principalmente com dialisadores de alto fluxo. 17 Nessa
condição, essa complicação está associada ao uso
de água contaminada.
Pelas recomendações do AAMI (Association for the
Advancement of Medical Instrumentation), a água para
o dialisato ou para o reuso deve apresentar contagem
bacteriana inferior a 200 unidades formadoras de
colônia (UFC)/ml, e o nível de endotoxina não deve
ultrapassar cinco unidades de endotoxina (EU)/ml. No
Brasil, a legislação admite valores semelhantes.
Punção de fístula nativa ou de enxerto infectado
também favorece o aparecimento de infecção sistêmica
com endotoxemia. Finalmente nos centros que praticam
o reuso utilizando formol, um mínimo de 24 horas é
necessário à desinfecção; para o ácido peracético, esse
tempo é de 12 horas.
Contaminantes da água de diálise
Além da contaminação com microorganismos, a
água de diálise pode estar contaminada por cloraminas,
cálcio, magnésio, cobre, ferro, flúor, sulfato, zinco,
alumínio e nitratos. Com os modernos sistemas de
tratamento de água, quando as regras de manutenção
do material são obedecidas, essas complicações
tornaram-se pouco freqüentes.
Distúrbios eletrolíticos
Anormalidades do sódio
Distúrbios na concentração sérica do sódio
decorrentes da hemodiálise são pouco freqüentes, visto
que as modernas máquinas de diálise apresentam uma
série de dispositivos que detectam problemas na
composição do dialisato.
A hipernatremia provoca a translocação de fluido
do intracelular para o interstício e intravascular. O
paciente pode apresentar cefaléia, náuseas, vômitos,
sede intensa, convulsões, coma e, eventualmente, óbito.
O tratamento implica o reinício da diálise com
concentrações de sódio no dialisato, progressivamente
mais baixas, ou a infusão de salina isotônica associa-
da à ultrafiltração isolada. O sódio sérico não deve ser
reduzido rapidamente abaixo de 145 mEq/l, pois pode
ocorrer edema cerebral com convulsões, coma e morte,
secundários à reidratação do intracelular.
A hiponatremia conduz o edema intracelular e a
hemólise com hipercalemia. Os pacientes se apresentam com ansiedade, cefaléia, cãibras, dor torácica, náuseas e vômitos, podendo ocorrer convulsões.
O tratamento consiste em reiniciar a diálise após correção do sódio do dialisato. É necessário monitorizar o potássio sérico.
Anormalidades do potássio
Hipercalemia é rara durante a diálise e geralmente está associada à hemólise. Pacientes dialisados com
concentração de potássio abaixo de 1,5 mEq/l podem
desenvolver hipocalemia. Isto pode predispor a arritmias cardíacas nos pacientes com doença cardíaca ou
em uso de digitálicos. Pacientes com acidose severa
também estão predispostos à hipocalemia durante a
diálise. A correção da acidose provoca translocação
do potássio para o intracelular. Clinicamente, a hipocalemia se caracteriza por arritmia cardíaca, hipotensão, cansaço, fraqueza muscular e, eventualmente, paralisia muscular.
Diante dessas considerações, é prudente
individualizar a concentração de potássio no dialisato,
de acordo com as necessidades do paciente.
Anormalidades do cálcio
Atualmente, a concentração de cálcio no dialisato
varia entre 5 mg/dl e 7mg/dl. Com isto, o paciente
apresenta balanço zero ou discretamente positivo de
cálcio durante a diálise. Conseqüentemente, complicações como hipo e hipercalemia são pouco freqüentes. Com os modernos sistemas de tratamento de água
– osmose reversa e deionização –, a síndrome da água
dura não tem sido mais observada.
Anormalidades do fósforo
Pacientes submetidos à diálise diária, principalmente de baixa eficiência e duração prolongada, podem
desenvolver hipofosfatemia.18 Essa complicação também pode ocorrer em pacientes com função renal normal submetidos à hemodiálise por intoxicação exógena.19 Manifestações clínicas de hipofosfatemia são raras,
a menos que a concentração sérica de fósforo esteja
abaixo de 1 mg/dl. Eventualmente pode ser necessário acrescentar fósforo ao banho de diálise.
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Castro MCM de – Hemodiálise
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Anormalidades do equilíbrio ácido-base
Alcalose metabólica é pouco freqüente em
hemodiálise e, geralmente, está associada à
anticoagulação com citrato de sódio. Acidose
metabólica ocorre quando a concentração de acetato
ou bicarbonato no dialisato é baixa. O tratamento
consiste em prolongar a diálise após a substituição por
dialisato de composição adequada.
Anormalidades no metabolismo da glicose
Dialisato sem glicose pode induzir perdas de até
30 gramas de glicose por sessão diálise. Nessas
condições, pacientes alcoólatras, com doença hepática
ou com desnutrição grave podem apresentar
hipoglicemia durante a diálise. Freqüentemente, esses
pacientes estão em uso concomitante de betabloqueadores.20 No entanto, em pacientes diabéticos, o
uso de dialisato com glicose pode precipitar graves
hiperglicemias.
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Recebido em 21/3/2001.
Fonte de financiamento e conflito de interesses inexistentes.
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