economia verde - Departamento de Economia e Relações

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
THIAGO TADEU SOARES PITHON
ECONOMIA VERDE:
Uma nova proposta para manter o atual modelo desigual de desenvolvimento
Florianópolis, 2013
THIAGO TADEU SOARES PITHON
ECONOMIA VERDE:
Uma nova proposta para manter o atual modelo desigual de desenvolvimento
Monografia apresentada ao Departamento de
Economia
e
Relações
Internacionais
da
Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito obrigatório para a obtenção do título de
Bacharel em Ciências Econômicas.
Orientador: Prof. Dr. Lauro Francisco Mattei
Florianópolis, 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,5 ao aluno Thiago Tadeu Soares
Pithon na disciplina CNM 7107 – Monografia, pela apresentação deste trabalho.
Banca Examinadora:
------------------------------------------------Prof. Dr. Lauro Francisco Mattei (Orientador)
-------------------------------------------------Prof. Dr. Clecio Azevedo Da Silva
-------------------------------------------------Prof. Dr. Valdir Alvim Da Silva
AGRADECIMENTOS
É com imensa satisfação que chego a conclusão de mais um objetivo e por isso não
poderia deixar de agradecer aqueles que tiveram um papel importante nessa conquista.
Em primeiro lugar agradeço a Deus e aos bons espíritos por me guiarem e por
colocarem obstáculos necessários em minha caminhada, se não fosse por tais obstáculos não
seria possível dar valor ao que tenho e ao que conquistei, além de não ser possível evoluir e
me tornar quem eu sou hoje.
Em segundo lugar quero agradecer aos meus pais Roberto Giannini Pithon e Rose
Mary Soares Pithon, além de minha amada Kiara Maria Urnau, sem eles realmente não
conseguiria buscar minha evolução. Meu pai, um exemplo de honestidade, sempre solícito
com aqueles que recorrem a ele e um exemplo de caráter. Minha mãe com sua delicadeza rara,
alegria irradiante e com uma presença que ilumina os lugares por onde passa. Minha amada
Kiara, companheira, mulher, amiga para todas as horas, não tenho palavras para descrever o
quanto agradeço por sua presença em minha vida, se todas as dores, todos os sofrimentos,
todas as decepções que tive me levaram até você então todas valeram a pena e agradeço por
todas elas, se não fosse por você tenho certeza que este trabalho não estaria pronto.
Obrigado a minha tia “dinda” Laura, ser humano maravilhoso, fico realmente
comovido com a amizade e o carinho que tem por minha mãe e por nossa família.
Agradeço a toda minha família e a família da Kiara, especialmente meus tios Pierre e
Angela, meu primo-irmão Diogo, minha tia Eliana, meus falecidos avôs e avós, minha sogra
Iraci, meu falecido sogro Elói, Valmir, minha cunhada Lilian e seu marido Carlos
Obrigado a todos meus amigos. Meus amigos de infância Leandro Murad, ser humano
raríssimo que merece sempre ser exaltado, e Paulo Brant, outra figura acima da média. Meu
amigo Gustavo Maia, parceiro de viagem e grande incentivador para todas as horas, amigo de
rara lealdade. Meu amigo André Paganella, parceiro para todas as horas e grande exemplo de
pessoa. O grande casal Rafael e Carolina. O grande “bugreiro” Marcelo leite. Meus amigos de
faculdade Vicente Paganella, outro ser humano destacável que terá certamente um caminho
iluminado pela frente, Luiz Guilherme, o “LG”, grande figura que conheci nesses anos de
UFSC, além de outros como Gunther, Lincon, Henrique, Douglas e Guilherme. Meu amigo
Eduardo Guimarães, grande figura, grande amigo. Therezinha e Reinaldo, grande casal,
obrigado a toda força que deram e que ainda dão a minha família. Meus amigos da banda,
sempre juntos nos “perrengues” e fazendo o possível para levar nossa música para as pessoas.
Meu muito obrigado a todos os professores com quem tive aula, especialmente meu
orientador Lauro Francisco Mattei, exemplo de conhecimento e didática, além de sua conduta
reta para com a Universidade e a sociedade em geral. Meus agradecimentos especiais também
ao professor Hoyêdo, excelente professor e sempre cordial com todos os alunos, ao professor
Gueibi que sempre foi solicito as minhas demandas acadêmicas, ao professor Valdir Alvim
por seu esforço em trazer diferentes elementos para a sala de aula que muito colaboram para o
aprendizado dos alunos e por estabelecer uma relação muito sadia e cordial com todos, ao
professor Marcos Valente e ao professor Pablo por serem sempre solícitos em conversar e dar
opiniões sobre temas acadêmicos e diversos e aos professores Carmem, Daniel e João Artur
por serem sempre solícitos, cordiais e dispostos a ajudarem os alunos a qualquer momento.
RESUMO
O presente trabalho tem como tema problema de pesquisa levantar como a Economia Verde se
enquadra na discussão relativa à economia e o meio-ambiente, como se relaciona com os
fundamentos teóricos e outros conceitos anteriores, e quais as possíveis virtudes e possíveis
falhas de sua proposta dentro dos objetivos inclusos na mesma. Neste estudo é apresentado
um apanhado histórico da evolução do debate que concerne à relação entre meio ambiente e
economia, tanto em âmbito acadêmico como na agenda política internacional. Dentro dessa
perspectiva histórica do debate, são discutidos os dois fundamentos teóricos da Economia
Ambiental Neoclássica e da Economia Ecológica e a evolução das conferências mundiais
desde a conferência de Estocolmo até à Rio +20, passando pelos conceitos de
Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável até se chegar a noção de Economia
Verde, objeto central deste trabalho. A Economia Verde foi analisada através do relatório
Economia Verde, produzido pelo PNUMA, e de diversos artigos e livros direcionados a este
tema. A partir dessa análise bibliográfica foi possível elencar os principais objetivos e
instrumentos da proposta Economia Verde e de apontar suas possíveis virtudes e lacunas, o
que possibilitou fazer uma análise crítica da noção relativa à Economia Verde, além de
apontar as posições dos diferentes países em relação a ela e seu papel na conferência Rio+20.
A principal conclusão a partir deste trabalho reside no fato da Economia Verde ser uma noção
ainda em desenvolvimento, mas que não se coloca como uma novo modelo econômico por
não romper com o objetivo da economia dominante de perpetuar um contínuo crescimento
econômico.
Palavras-chave: Economia Verde, Economia Ambiental Neoclássica, Economia Ecológica,
crescimento econômico, Desenvolvimento Sustentável.
ABSTRACT
The present work has as its theme of research an evaluation on how the Green Economy falls
into the discussion regarding the economy and the environment, how it relates to the
theoretical foundations and other previous concepts, and what are the possible virtues and
gaps of this proposal within the objectives included in it. This study presented an overview of
the historical evolution on the debate regarding the relationship between environment and
economy, taking in account both academic and international policy agenda. Within this
historical perspective of the debate both theoretical foundations of Environmental Economics
and Ecological Economics are discussed as well as the evolution of world conferences since
the Stockholm Conference to the Rio+20, passing by the concepts of eco-development and
Sustainable Development until the rise of the Green Economy notion which is the main object
of this work. The Green Economy notion was analyzed through the Green Economy report
produced by UNEP along with several articles and books regarding the theme. From this
literature analysis it was possible to list the main objectives and instruments of the Green
Economy as well as pointing their possible virtues and gaps thus allowing to make a critical
analysis of the Green Economy proposal and also pointing the positions of different countries
in relation to it and its role in the Rio + 20 conference. The main conclusion obtained through
this work lies in the fact that the Green Economy is still a notion under development, but it
certainly does not arise as a new economic model due to the fact that it does not change the
main goal of the dominant economy which is perpetuating a continuous economic growth.
Key words: Green Economy, Enviornmental Economics, Ecological Economics, Economic
growth, Sustainable Development.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Dados dos índices de desenvolvimento humano ..................................................... 51
LISTA DE ABREVIAÇÕES
BAU - Business as Usual
CDB - Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica
CDS - Comissão de Desenvolvimento Sustentável
CMMAD - Comissão Mundial sobre o Meio-Ambiente e Desenvolvimento
CNUDS - Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento
CNUMAH - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente Humano
CO2 - Gás Carbônico
CQNUMC - Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima
DS - Desenvolvimento Sustentável
EUA - Estados Unidos das Américas
FAO - Food and Agriculture Organization
FMI - Fundo Monetário Internacional
GEE - Gases efeito estufa
GGND - Global Green New Deal
JUSCANZ - Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODM - Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio
ODS - Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável
OGM - Organismos Geneticamente Modificados
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONG´s - Organizações não governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento
PIB - Produto Interno Bruto
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente
REDD - Redução e emissões por desmatamento e degradação florestal
REV - Relatório de Economia Verde
UNEP - United Nations Enviornmental Program
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - TEMA E OBJETIVOS DO ESTUDO ......................................................... 10
1.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1.2 OBJETIVOS............................................................................................................................ 14
1.2.1 Objetivo geral ................................................................................................................. 14
1.2.2 Objetivos específicos ...................................................................................................... 14
1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................... 14
1.4 ESTRUTURA DA MONOGRAFIA ..................................................................................... 16
CAPÍTULO 2 - ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLÁSSICA E ECONOMIA
ECOLÓGICA E ECONOMIA VERDE .................................................................................. 17
2.1 ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLÁSSICA ..................................................................... 17
2.2 ECONOMIA ECOLÓGICA .................................................................................................. 20
2.3 A ECONOMIA VERDE E SUA RELAÇÃO COM OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS . 23
CAPÍTULO 3 - DAS CONFERÊNCIAS MUNDIAIS ATÉ A EMERGÊNCIA DA
ECONOMIA VERDE ................................................................................................................. 27
3.1 CLUBE DE ROMA ................................................................................................................ 27
3.2 A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE HUMANO 28
3.2.1 Ecodesenvolvimento ...................................................................................................... 31
3.2.2 Relatório de Brundtland ............................................................................................... 32
3.3 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................... 34
3.4 CUPÚLA MUNDIAL SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...................... 37
3.5 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL ........................................................................................................................... 40
CAPÍTULO 4 - A ECONOMIA VERDE ................................................................................. 46
4.1 A CONCEPÇÃO DE ECONOMIA VERDE ........................................................................ 46
4.2 PROPOSTAS DE TRANSIÇÃO PARA A ECONOMIA VERDE EM CADA SETOR .... 52
4.2.1 Agricultura ...................................................................................................................... 52
4.2.2 Construção Civil ............................................................................................................ 54
4.2.3 Setor energético .............................................................................................................. 54
4.2.4 Pesca................................................................................................................................. 55
4.2.5 Silvicultura ...................................................................................................................... 56
4.2.6 Indústria .......................................................................................................................... 57
4.2.7 Turismo ............................................................................................................................ 58
4.2.8 Transportes ..................................................................................................................... 58
4.2.9 Gestão de resíduos ......................................................................................................... 58
4.2.10 Água ............................................................................................................................... 59
4.3 POSSÍVEIS VIRTUDES E LACUNAS DA ECONOMIA VERDE ................................... 60
CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 68
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 71
10
CAPÍTULO 1 - TEMA E OBJETIVOS DO ESTUDO
1.1 INTRODUÇÃO
É notório que a questão ambiental e seu papel no processo de crescimento econômico
são pontos fundamentais discutidos desde meados do século passado, quando a população
mundial cresceu exponencialmente, o que consequentemente levou a um número cada vez
maior de consumidores de produtos industrializados. A relação da sociedade com a natureza
começou a se deteriorar a partir da ascensão do sistema capitalista e sofreu uma piora drástica
com o início da revolução industrial, pois a capacidade de intervenção humana na natureza
aumentou consideravelmente desde então, impulsionada principalmente pelo uso intensivo de
grandes reservas de combustíveis fósseis. “Isso abriu caminho para uma expansão inédita da
escala das atividades humanas, que pressiona fortemente a base de recursos naturais do
planeta” (ROMEIRO, 2003, p. 5). Essa perspectiva histórica é corroborada no relatório Rumo
a uma Economia Verde do PNUMA no seguinte trecho:
O custo do uso dos recursos naturais de modo ineficiente geralmente nunca foi, sob
o ponto de vista histórico, um fator limitante para a civilização humana, por causa de
uma mentalidade “fronteiriça” exploradora em um mundo amplamente não
populado permitindo assim a descoberta de novos recursos. (PNUMA, 2011, p. 23)
É pertinente apontar que antes da ascensão capitalista vigorava o sistema feudal e essa
mudança organizacional de um sistema econômico para outro significou um rompimento
radical com as estruturas vigentes no sistema feudal, que se baseava em um arcabouço social
que objetivava sujeitar a racionalidade econômica a uma série de restrições de caráter
altruísta. Em oposição à realidade feudal surge uma nova forma de organização social e
econômica, baseada na liberação de restrições que cerceavam atividades econômicas que
visavam a acumulação de capital e a exploração do trabalho. Essa transposição afetou também
a relação da sociedade com os recursos naturais e só em tempos recentes que agentes
econômicos começaram a sofrer restrições em relação ao uso inconsequente dos recursos
naturais existentes, mas mesmo assim essas restrições se resumiam a questões pontuais no que
tange a piora na qualidade de vida de certas populações em determinadas regiões.
A partir dessa evolução e da percepção latente da deterioração ambiental, fundamentos
teóricos e conceitos foram idealizados com o intuito de analisar e buscar soluções para o
dilema entre crescimento econômico e esgotamento de recursos naturais, já que o aumento do
bem-estar social gerado pelo crescimento econômico está diretamente ligado as alterações no
11
ecossistema e a depleção dos recursos naturais. O próprio relatório “Rumo a uma economia
verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza”, produzido
pelo PNUMA realça essa realidade ao afirmar que “[...] uma das questões essenciais na
economia enfoca a aparente permuta entre desenvolvimento e qualidade ambiental”
(PNUMA, 2011, p. 23). Hoje não há mais possibilidade de se discutir a economia sem se
compreender a relação conturbada entre o meio ambiente e as sociedades modernas, os
economistas da atualidade devem incorporar cada vez mais esse tema em sua formação. O
ponto fundamental é que meio ambiente e sistema econômico interagem e essa interação deve
ser cada vez mais analisada extensivamente.
De acordo com Alier (2011), os conflitos ambientais serão cada vez mais recorrentes
no mundo moderno e o acesso à recursos naturais terá cada vez mais um papel central na
eclosão de tais divergências. Uma frase emblemática da obra “Muito além da Economia
verde” de Abramovay (2012) ilustra bem a crescente escassez que permeará as tensões em
torno da acessibilidade à recursos provenientes da natureza: “A destruição ou a séria ameaça a
nada menos que 16 dos 24 serviços prestados pelos ecossistemas à sociedade mostra que a
pujança tem pés de barro” (ABRAMOVAY, 2012, p. 15). A escassez ecológica crescente está
afetando diversos setores econômicos que são a base para o fornecimento alimentar humano e
dos quais uma significante população carente depende exclusivamente para se sustentar.
Os dados referentes a essa problemática são cada vez mais assustadores. Um exemplo,
baseado no Relatório de Avaliação Ecossistêmica do Milênio, mostra que no período entre
2001 e 2005, a exploração excessiva e inadequada dos recursos naturais, tais como alimentos,
água, madeira, fibras e combustíveis, representaram 60% do total de serviços ambientais
extraídos (PAVESE, 2011). Os reflexos dessas mudanças atingem não somente a economia de
países em desenvolvimento, mas em especial as comunidades dos países que dependem
preponderantemente destes serviços para sua sobrevivência.
Desta forma observa-se que ao longo dos últimos tempos esse fato tem, não somente
se prolongado, como se deteriorado cada vez mais, ressaltando a premência de um novo
modelo econômico, o que na concepção do PNUMA (2008) se traduz pela iniciativa em
Economia verde.
No modelo em que vivemos tem-se ainda como pensamento dominante que o objetivo
primordial das empresas é a geração de lucros, independente do que as externalidades
provocadas pela busca por ela possam acarretar. Nesse contexto “[...] investimentos são
motivados pela acumulação rápida do capital físico, financeiro e humano, desconsiderando o
capital natural” (PAVESE, 2011, p. 16), fazendo com que os impactos negativos irradiados
12
sobre os recursos naturais tenham como consequência efeitos prejudiciais no bem-estar
humano e o recrudescimento da pobreza. A afirmação “Nosso mundo de abundância vem com
uma etiqueta de preço oculta.” (GOLEMAN, 2009, p. 2) é uma excelente ilustração do que o
crescimento desenfreado da produção de bens e serviços pode ocultar em termos dos custos e
impactos sociais e ambientais gerados neste processo.
O centro do debate atual e objeto de pesquisa deste trabalho é a Economia Verde, que
tem como proposta geral ser uma iniciativa de mudança no modelo de negócios que temos
atualmente para um modelo onde impere as praticas sustentáveis. Uma das grandes questões é
que devido a uma definição de certa forma lacônica, a Economia Verde é uma expressão de
significados e implicações ainda controversos e a discussão em torno de sua proposta ainda
está aberta, não existindo consenso entre os economistas em relação a ela e suas bandeiras
(DINIZ; BERMANN, 2012).
É importante ressaltar que o conceito de Economia Verde é resultado de um processo
histórico gradual, relativo ao abrangente tema da relação entre meio ambiente e economia, o
qual passou a ter grande relevância a partir do final da década de 60, início de 70, como
resultado do grande crescimento econômico ocorrido em quase todo mundo a partir da década
de 50, crescimento esse que foi impulsionado pela atividade industrial e pelo aumento
populacional, o que teve como consequência a ampliação do número de consumidores de
produtos industrializados, gerando um aumento na poluição atmosférica e no uso de recursos
naturais (INPE, 2012).
A importância do debate acerca da relação complexa entre economia e meio ambiente
tem crescido de forma consistente e contínua, tanto no mundo acadêmico quanto fora dele. A
busca por um modelo sustentável, que amenize o impacto da ação do homem sobre a natureza
e ao mesmo tempo não coloque em xeque o crescimento econômico nos moldes capitalistas,
tem sido uma das discussões prioritárias nas últimas décadas. Fundamentos teóricos como a
Economia Ecológica e a Economia Ambiental foram criados para solidificar as teorias e
estudos relativos a vinculação entre economia e meio ambiente - apesar da discrepância entre
essas vertentes - e conceitos pontuais para a solução dos impactos do desenvolvimento
econômico no meio ambiente, como o Eco-Desenvolvimento e, posteriormente, o conceito de
Desenvolvimento Sustentável, também surgiram a partir de diferentes necessidades.
O dilema que permeia essa discussão consiste no que realmente significa
desenvolvimento sustentável dentro do modelo capitalista e qual a eficácia dessa
“sustentabilidade” para o meio ambiente, afinal dentro do paradigma atual o meio ambiente e
os ecossistemas vêm sendo continuamente alterados e destruídos o que significa que uma
13
proposta de desenvolvimento sustentável de qualquer espécie soa como uma medida com o
propósito de diminuir a proporção de alteração e destruição da natureza, mas que não cessa
esse processo e muito menos recupera aquilo que foi danificado.
Dentro do Âmbito deste debate, a iniciativa em Economia Verde foi lançada como um
novo conceito criado pelo PNUMA (2008) e foi assim definida por este órgão: “Uma
economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo
tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica” (PNUMA,
2008, p. 1). Além dessa definição, a iniciativa se apoia em três estratégias principais: (1) a
redução das emissões de carbono, (2) uma maior eficiência energética e no uso de recursos e
(3) a prevenção da perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos (PAVESE, 2011,
p.16).
Considerando o momento em que esta iniciativa foi lançada, em plena crise financeira
mundial, podemos notar já um pouco do caráter dicotômico de sua abordagem, a qual tentava
unir, com igual prioridade, a solução para a retomada do crescimento da economia mundial e
para a deterioração e esgotamento dos recursos naturais, essa visão é expressa por Péret
(2012) ao afirmar que: “A Economia Verde é uma grande estratégia que vem sendo
construída pelo capital como saída para a crise (financeira, energética, de alimentação e
climática na qual o mundo se encontra)” (PÉRET, 2012, p. 42). Isso pode ser visto no trecho a
seguir: “Mobilizar e reorientar a economia global para investimentos em tecnologias limpas e
infraestrutura ‘natural’ [...] é a melhor aposta para o crescimento efetivo, o combate às
mudanças climáticas e a promoção de um boom de emprego no século XXI” (UNEP, 2008,
p.1). De acordo com tal conceituação podemos sintetizar a economia verde como uma
economia de baixo carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva
(PNUMA, 2011).
Dessa forma, o tema problema dessa pesquisa levantou como a Economia Verde se
enquadra na discussão relativa a economia e o meio-ambiente, como se relaciona com os
fundamentos teóricos e outros conceitos anteriores, e quais as possíveis virtudes e possíveis
lacunas de sua proposta dentro dos objetivos inclusos na mesma. O principal intuito deste
trabalho foi descrever e analisar o que a iniciativa da Economia Verde apresenta, quais suas
virtudes e lacunas, quais podem ser as barreiras para sua aplicabilidade e qual a eficácia das
ferramentas sugeridas por ela para a superação dos problemas econômicos e ambientais
atuais. Com o intuito de propor uma possível resposta, ou tecer argumentos em direção a um
esclarecimento em relação a questão central deste trabalho que foi: o que realmente significa
Economia Verde e qual a aplicabilidade de suas propostas?
14
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
O objetivo geral deste trabalho foi discutir a “Iniciativa Economia Verde” apresentada
pelo PNUMA em 2008, realçando os principais instrumentos sugeridos por esta proposta.
1.2.2 Objetivos específicos
a) Apresentar o conceito de Economia Verde, destacando as principais correntes do
pensamento econômico neste campo.
b) Analisar a proposta “Iniciativa Economia Verde” elaborada pelo PNUMA,
apresentando seus principais componentes.
c) Analisar a coerência entre os pressupostos da Economia Verde e sua aplicabilidade,
destacando as principais virtudes e lacunas dessa proposição.
1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Ao tratar dos aspectos metodológicos da pesquisa foi levado em conta as
características essenciais do objeto de estudo e do núcleo científico que o cerca. Apesar do
objeto principal do trabalho ter um caráter fundamentalmente multidisciplinar, no que tange
ao seu valor científico, a pesquisa tomou como referência a Economia como ciência social e
empírica, no seu tratamento de fatos e processos que necessitam de uma observação extensiva
para confirmar suas conjecturas (GIL, 1991).
A escolha do instrumental metodológico está relacionado diretamente com o problema
proposto pela pesquisa. De acordo com Lakatos e Marconi (2010) é fundamental adequar os
métodos e as técnicas utilizadas ao tema a ser estudado.
O trabalho será desenvolvido por meio de uma revisão histórica acerca da discussão
sobre os impactos ambientais no desenvolvimento da atividade econômica, e como a
Economia Verde se insere neste contexto. A partir deste ponto o trabalho será focado na
análise da Economia Verde tendo como alicerces artigos e livros referentes ao tema, assim
como o documento “Rumo a uma Economia Verde” que traz toda a concepção da proposta
relativa a Economia Verde. O material bibliográfico, juntamente com este documento, forma a
15
base da concepção do tema.
Devido ao fato do objeto principal deste trabalho ter sido até o momento pouco
explorado e analisado, o tipo de pesquisa mais adequada será a exploratória, baseada em
fontes secundárias como livros, artigos publicados, dissertações, teses, relatórios, publicações
avulsas, pesquisas e sítios eletrônicos especializados que abordam o tema específico e que são
fontes características da pesquisa bibliográfica. Esta classificação está ligada a objetividade da
pesquisa e “tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e
ideias, com vistas a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para
estudos posteriores.” (GIL, 1991, p. 38). Devido a variedade de fontes neste tipo de pesquisa é
importante que seja atribuído tratamento específico a manipulação e aos procedimentos de
cada um delas.
Será necessário também algum nível de pesquisa documental, pois a proposta da
Iniciativa em Economia Verde foi formalizada pelo PNUMA (2008), que faz parte da ONU, e
discutida no evento oficial Rio+20. Com isso, pretende-se usar certas fontes primárias para
proporcionar uma maior familiaridade e conhecimento acerca do debate relativo à noção de
Economia Verde, pois trata-se de um objeto novo e ainda passível de debate.
Os dados presentes neste trabalho foram extraídos da ainda limitada literatura
referente ao tema e dos documentos que foram concebidos para serem os pilares da proposta
de Economia Verde, o que justifica a classificação quanto ao objetivo da pesquisa ser de
caráter exploratório, já que notadamente este tipo de pesquisa é tipicamente utilizado quando
o tema escolhido é pouco explorado e se desenvolve de forma a proporcionar uma visão geral
do assunto. Além disso, foram coletados dados a partir de fontes bibliográficas ligados a
conceitos e fundamentos teóricos que dão suporte ao problema proposto.
Quanto a forma de abordagem, esta será basicamente qualitativa, por ter característica
descritiva e de análise indutiva. Como suporte, algumas informações e dados se apresentarão
de forma quantitativa, mas a forma de abordagem será preponderantemente qualitativa.
De acordo com Gil (2002), as hipóteses costumam aparecer como produto final em
pesquisas exploratórias como o presente trabalho, isto porque o intuito dessa abordagem em
relação a Economia Verde é explorar o significado de seus objetivos e proporcionar hipóteses
em relação a aplicabilidade e efetividade dos mesmos, além de analisar possíveis falhas e
virtudes da proposta.
16
1.4 ESTRUTURA DA MONOGRAFIA
Este trabalho foi dividido em 5 capítulos, sendo o primeiro uma breve apresentação do
tema, dos objetivos e dos procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento da
pesquisa.
No capítulo 2 foi feita uma abordagem resumida dos dois principais fundamentos
teóricos que tratam da relação entre Economia e Meio Ambiente, sendo estes a Economia
Ambiental Neoclássica e a Economia Ecológica. Nesta parte buscou-se estabelecer um
cenário teórico para averiguar onde as teses da Economia Verde se inserem. A partir da
descrição e caracterização resumida destes fundamentos teóricos analisou-se a relação entre a
noção de Economia Verde e os posicionamentos anteriores.
No capítulo 3 analisou-se a perspectiva histórica relativa ao objeto principal, por se
entender que a Economia Verde deve ser analisada também a partir dos conceitos anteriores e
das mutações que os mesmos sofreram. Para isso, foram descritas as conferências e as
propostas resultantes destas para a solução dos problemas vigentes. Nestas conferências foram
criados conceitos que foram analisados, relacionando-se estes à nova noção de Economia
Verde, que foi o objeto principal deste trabalho.
O capítulo 4 apresenta os principais elementos da proposta Economia Verde tomandose por base o documento no qual a proposta de baseia. Além disso, foram usados como
referência diversos artigos, sites e livros que debatem o tema ou assuntos fortemente
relacionados à noção de Economia Verde.
No capítulo 5, a partir de uma análise minuciosa dos capítulos anteriores, foram
apresentadas as considerações finais do trabalho, com ênfase nos avanços e lacunas que a
noção de Economia Verde apresenta.
17
CAPÍTULO 2 - ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLÁSSICA E ECONOMIA
ECOLÓGICA E ECONOMIA VERDE
São duas as principais correntes que dividem o debate acadêmico no que tange a
relação entre Economia e Meio Ambiente: Economia Ambiental Neoclássica e a Economia
Ecológica. A economia ambiental incorpora a questão ambiental dentro do arcabouço da
economia capitalista dominante, cujo viés é preponderantemente neoclássico, enquanto a
economia ecológica se apresenta como um novo paradigma.
Ambas as correntes são fruto de uma necessidade crescente de se pesquisar e propor
soluções com base científica para a relação problemática entre economia e meio ambiente.
Está amplamente evidenciado que há uma interação entre o meio ambiente e o sistema
econômico, seja através dos impactos causados pelo sistema econômico ao meio ambiente ou
pelo impacto que os recursos naturais causam na economia (MARQUES; COMUNE, 1997).
É objetivo comum das duas correntes estabelecer uma forma de valoração dos ativos
ambientais, mas a abordagem e as formulações destes valores diferem bastante de uma escola
para a outra. Segundo Marques e Comune (1997) a maioria dos bens e serviços ambientais
não são transacionados no mercado, com isso surgiu a necessidade gradativa de se
desenvolver técnicas para a estimação de valores destes. Já para Ortiz (2003), do ponto de
vista econômico “o valor de um recurso ambiental é a contribuição do recurso para o bemestar social” (ORTIZ, 2003, p. 81). Isso implica na ideia de trade-offs entre recursos
disponíveis na economia e recursos disponíveis no sistema natural.
Também de acordo com Marques e Comune (1997), a valoração tem um papel
preventivo contra uma degradação irreversível de alguns ativos ambientais. A valoração
ambiental decorre da importância latente que os bens e recursos naturais tem para a
sobrevivência das espécies e esses valores podem ter caráter moral, ético ou econômico
(ORTIZ, 2003).
2.1 ECONOMIA AMBIENTAL NEOCLÁSSICA
A economia ambiental neoclássica se apoia, como o próprio nome indica, nos
preceitos da teoria econômica neoclássica. Assim como em relação à ciência econômica como
um todo, a teoria neoclássica também é preponderante em termos de aplicação e uso no
âmbito da relação entre economia e meio ambiente. É interessante mencionar que o
surgimento desta escola se deu apenas pelo crescimento de uma pressão extrínseca sobre o
18
mainstream econômico para que este incorporasse fatores relativos a problemática ambiental
e ao uso de recursos naturais em suas análises. Essa demanda sobre a corrente dominante se
deve ao fato do sistema econômico ser visto como a principal fonte de pressão sobre o meio
ambiente (ANDRADE, 2008).
Ao incorporar a questão ambiental pela economia capitalista dominante (neoclássica),
a Economia Ambiental neoclássica se baseia em conceitos dessa corrente econômica tais
quais a preferência do consumidor, a escassez relativa dos recursos, a ação limitada do
Estado, substitutibilidade perfeita entre capital, trabalho e recursos naturais, equilíbrio através
dos mecanismos de mercado e a internalização das externalidades.
Esta corrente não acredita que a possibilidade de finitude dos recursos naturais seja
uma restrição em relação a expansão econômica, pois de acordo com sua concepção há uma
situação de substitutibilidade perfeita entre capital, trabalho e recursos naturais, na qual o
progresso técnico faz o papel de transgressor de limites ao substituir recursos naturais por
capital ou trabalho indefinidamente. Isto denota que, na concepção desta corrente, a restrição
imposta pela disponibilidade de recursos naturais ao crescimento econômico existe, mas é
apenas relativa e pode ser sempre superada pelo progresso científico e tecnológico e uma
concomitante alocação intertemporal ótima da utilização dos recursos através do mecanismo
de preços (ROMEIRO, 2003).
Esta desconsideração dos recursos naturais como elemento limitador do crescimento
econômico pode ser observada na especificação da função de produção desta escola, onde
uma relação entre os montantes de fatores produtivos da qual apenas capital (K) e trabalho (L)
são consideradas como componentes da atividade econômica que geram o produto (Y),
desconsiderando assim os recursos do ecossistema de qualquer participação neste cálculo. A
variável recursos naturais (N) passou a ser considerada com o tempo por essa escola, porém
na forma multiplicativa, denotando uma situação de substitutibilidade perfeita entre capital,
trabalho e recursos naturais, sendo que dentro da concepção desta corrente, os limites
impostos pela disponibilidade de recursos naturais poderiam ser sempre superados pela
tecnologia, que teria a habilidade de substituí-los por capital ou trabalho. Com a ideia de
substitutibilidade entre capital natural e capital construído, a noção de irreversibilidade perde
sentido, pois não há perda irreversível em uma situação na qual qualquer perda pode ser
reposta sem prejuízos. A esse conceito se atribuiu o a designação sustentabilidade fraca.
Em relação à valoração, a Economia Ambiental Neoclássica propõe um sistema
numerário comum para a valoração tanto do capital produzido quanto do natural, ou seja, os
recursos naturais devem ter como referência os preços correntes e como afirma Andrade
19
(2008) “Baseia-se nas hipóteses do individualismo metodológico, utilitarismo e equilíbrio, e
tem a welfare economics como substrato teórico, entendendo que o bem-estar é o fim último
das relações econômicas” (ANDRADE, 2008, p.12). Isso significa que os recursos naturais
devem ser manipulados por mecanismos de mercado, o que implica que em situações de
escassez de um determinado recurso ocorreria uma elevação proporcional de seu preço, a qual
induziria a criação de inovações para poupar tal recurso e aumentar a eficiência de seu uso, ao
mesmo tempo em que outros recursos mais abundantes possam substituí-lo. O problema é que
nem todos os recursos naturais, além de outros aspectos ambientais, são transacionados no
mercado, o que gera uma falha relativa a tais recursos e traz a necessidade de intervenção para
a conservação destes. Essas falhas são chamadas de externalidades e de acordo com esta
corrente estas devem ser internalizadas (MARQUES; COMUNE, 1997).
De acordo com Ortiz (2003), as técnicas de valoração econômica ambiental tem como
parâmetro as preferências individuais das pessoas e são estas as grande balizadoras relativas a
mudanças na qualidade ou quantidade do recurso ambiental. Isso significa que não é o valor
do bem em si que importa, mas sim o valor que as pessoas atribuem a este a partir de suas
preferências individuais. Esse pensamento pode ser resumido no seguinte trecho: “[...] o valor
total do ambiente é revelado pelas preferências individuais das pessoas. Compete, pois, aos
economistas a tarefa de desvendar tais valores.” (MARQUES; COMUNE, 1997, p.32).
As soluções propostas por essa corrente são basicamente relacionadas a uma maior
autonomia dos mecanismos de mercado. Duas soluções ideais, partindo de condições onde os
mecanismos de mercado teriam liberdade de funcionamento, emergiram dessa escola. A
primeira seria direta e postula eliminar o caráter público dos serviços ambientais, ou seja, esta
solução propõe o estabelecimento de direitos de propriedade sobre estes serviços. Isso
significa a privatização de recursos básicos como a água, o que teria como obstáculos para sua
aplicação o elevado custo de transação decorrente de processos de barganha nos quais
estariam envolvidos milhares de agentes (ROMEIRO, 2003).
A segunda teria caráter indireto e é baseada na valoração econômica da degradação
desses bens aliado a imposição desses valores pelo Estado através de taxas. Essa valoração
seria estabelecida a partir de uma curva marginal de degradação ambiental. Essa curva
relaciona os custos (marginais) que o agente tem com o controle da poluição e os custos
(marginais) dos impactos ambientais provocados pela produção do agente, os quais ele teria
que arcar a partir do pagamento de taxas. O objetivo do agente seria chegar a um ponto de
equilíbrio denominado “poluição ótima” (ROMEIRO, 2003).
Essa segunda solução esbarra em princípios básicos e características intrínsecas a estes
20
tipos de bens e serviços. A evolução das consequências de impactos ambientais é de uma
imprevisibilidade incomensurável devido a fatores como efeitos sinérgicos e reações
defasadas.
2.2 ECONOMIA ECOLÓGICA
A Economia Ecológica é um fundamento teórico que foi alicerçado no fim dos anos 80
e sua estruturação como novo ramo do conhecimento ocorreu devido a insatisfação de
estudiosos e pesquisadores tanto das ciências econômicas, quanto das ciências naturais, em
relação as soluções propostas pela teoria neoclássica para problemas ambientais. A
complexidade da problemática ambiental não comportava que somente uma disciplina a
analisasse segundo essa escola, por isso seria necessária a integração de diferentes ramos da
ciência nessa abordagem, o que acarretou no caráter transdisciplinar da Economia Ecológica,
que pretende ser uma junção melhorada da Economia capitalista dominante (neoclássica) - ao
considerar outras espécies, além da humana, em seus estudos - com a Ecologia convencional
ao incluir a espécie humana na avaliação desta (ANDRADE, 2008; CAVALCANTI, 2010).
Essa nova corrente parte da constatação de que o ecossistema global é finito, gerido
por leis naturais e sem possibilidade de crescer além de suas fronteiras físicas, sendo assim o
crescimento populacional e das atividades econômicas provocam um ambiente no qual há
cada vez menos espaço para a expansão. A economia é vista como um subsistema deste
ecossistema global e finito (ALIER, 2011).
Ao contrário da Economia Ambiental Neoclássica, a Economia Ecológica não está
ligada aos preceitos da economia capitalista dominante (neoclássica) e por isso deve ser
tratada como um novo paradigma baseado na ideia de que a Economia é parte de algo maior e
está inserida nele, ou melhor, “o sistema econômico seria um subsistema de um todo maior
que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão” (ROMEIRO, 2003, p.11), ou
seja, a economia deve funcionar desde que de acordo com o limite absoluto estabelecido pelo
sistema natural.
Uma base na qual a Economia Ecológica se debruça para avaliar a relação conturbada
entre economia e meio ambiente são as duas primeiras leis da termodinâmica, sendo a
primeira a lei da conservação da matéria e energia e a segunda a lei da entropia. Essas duas
leis tem implicações diretas no principal problema da economia, qual seja, a escassez. “Como
recursos escassos, matéria e energia devem ser alvo da análise econômica” (ANDRADE,
2008, p.19). Essa análise econômica proposta pela Economia Ecológica passa pela atribuição
21
de valores monetários aos serviços e às perdas ambientais e a tentativas de correção da
contabilidade macroeconômica vigente, porém seu grande diferencial é o desenvolvimento de
indicadores e referências físicas de sustentabilidade (ALIER, 2011).
De acordo com Cavalcanti (2010), a óptica mecanicista prevalecente na economia
dominante impede que esta institua um indicador do nível de produção que englobe o meio
ambiente e que mantenha a produção em um nível que não constitua uma ameaça às gerações
futuras. Na física, a mecânica implica somente locomoção que, além de reversível, não
abrange mudanças qualitativas, o contrário do que acontece na natureza, onde imperam os
fenômenos irreversíveis. O problema é que a atividade econômica consiste em produzir e
consumir, transformando recursos brutos em produtos finais e, depois, em lixo, de maneira
irreversível, em um processo que requer energia, que não pode ser reciclada, ou seja, um
tópico que pertence à esfera da termodinâmica, e não da mecânica.
Dentro dessa conceituação podemos apontar o fator principal de rompimento com a
Economia Ambiental, e esse seria o fato dessa corrente estabelecer a existência de um limite
para a expansão econômica, sendo impossível, mesmo através do progresso científico, superar
os limites impostos pelo sistema natural. Autores modernos como Abramovay (2012) afirmam
que apenas o reconhecimento destes limites dos ecossistemas pode permitir que existam
novas possibilidades, nos dias atuais, para o processo de desenvolvimento. Alier (2011)
reforça esse ponto ao ressaltar que há uma incompatibilidade do crescimento econômico com
a conservação em longo prazo dos recursos e serviços ambientais.
Esses limites estão fora do raio de alcance do conhecimento científico e por isso não é
possível designá-los, sendo necessário agir de forma preventiva com o intuito de impedir a
ocorrência de perdas irreversíveis. Os instrumentos sugeridos por esta corrente para
solucionar esta problemática são a precaução, a adoção de uma escala de produção e consumo
e o progresso técnico. Apesar de ser primordial para aumentar a eficiência no uso dos recursos
naturais em geral, “o progresso técnico pode atenuar relativamente a pressão exercida pela
sociedade ao meio ambiente, mas não eliminá-la” (ROMEIRO, 2003, p.5). Mais do que isso,
como afirma Abramovay (2012) ao dizer que “a ideia predominante no pensamento
econômico do século XX mostra-se tragicamente equivocada e as mudanças climáticas são a
expressão mais cabal desse engano” (ABRAMOVAY, 2012, p. 18). A ideia a que este autor
refere-se é a capacidade infinita do engenho humano em substituir recursos exauridos e
corrigir os danos causados na produção e no consumo.
A Economia Ecológica rechaça a ideia de que a sustentabilidade pode ser alcançada
através de conceitos individualistas como a preferência do consumidor e o livre
22
funcionamento dos mecanismos do mercado. Sob a ótica da Economia Ecológica, apenas por
um esforço coletivo, que englobe ações do Estado ou de outras formas de organização
coletiva, pode-se atingir uma sustentabilidade do sistema econômico, sendo para isso
imprescindível a estabilização dos níveis de consumo per capita de um modo que se respeite a
capacidade de carga do planeta.
Em termos de valoração, esta corrente preconiza que bens e serviços ambientais
devem ser incorporados à contabilidade econômica dos países para que seja possível perseguir
um desenvolvimento sustentável. Deve-se atribuir valores aos bens e serviços ambientais
comparáveis aos que são atribuídos a bens e serviços econômicos produzidos pelo homem e
transacionados no mercado. O sistema de valoração proposto pela teoria neoclássica é
criticado pela Economia Ecológica, especialmente no que tange ao princípio da soberania do
consumidor e na revelação da preferência que, apesar de adequadas para bens e serviços que
produzem pouco ou nenhum impacto no longo prazo, são inadequadas para aqueles que tem
um caráter de longo prazo. Além disso, há uma discordância em relação ao método de
simulação de mercado proposto pela teoria neoclássica para valorar bens e serviços
ambientais não transacionados no mercado por ser considerado um método eivado de falhas
relativas a qualidade da informação obtida. (MARQUES; COMUNE, 1997).
Segundo Marques e Comune (1997) a alternativa apresentada pela Economia
Ecológica para a valoração de bens e serviços ambientais é um método de base biofísica que
avalie os objetos de acordo com o custo, o qual é determinado perante seu grau de
organização em relação ao ambiente. A Economia Ecológica não resume a valoração
ambiental a uma só abordagem e de acordo com Alier (2011) “[...] ela abarca a valorização
monetária, mas também avaliações físicas e sociais das contribuições da natureza e os
impactos ambientais da economia humana mensurados nos seus próprios sistemas de
contabilidade” (ALIER, 2011, p.53).
Nicolas Georgescu-Roegen foi quem elaborou uma crítica pioneira e sistemática da
desconsideração em relação a restrição imposta por forças naturais a expansão econômica
infinita propagada pela escola neoclássica. Seu pensamento se apoia nas leis da
termodinâmica (ABRAMOVAY, 2012; CAVALCANTE, 2010; ROMEIRO, 2003).
O fato é que a capacidade de carga da Terra não poderá ser ultrapassada sem que
ocorram grandes catástrofes ambientais. O grande dilema nesta questão é que não se sabe qual
seria essa capacidade de carga e deve-se agir com precaução para evitá-la. Essa precaução
passa por ações de que estimulem o progresso técnico poupador de recursos naturais e por
23
uma mudança nos padrões de consumo vigentes, especialmente no que tange ao crescimento
desenfreado do uso de recursos naturais per capita.
Esta segunda ação é complicada de ser perpetuada, pois transgride a lógica do
processo de acumulação de capital no qual se baseia o capitalismo. A criação contínua de
novas necessidades de consumo é um dos baluartes da economia capitalista dominante
(neoclássica).
A Economia Ecológica refuta os métodos de valoração sugeridos pela Economia
Ambiental Neoclássica por estes desconsiderarem princípios ecológicos fundamentais. A
Economia Ambiental Neoclássica, por colocar o equilíbrio econômico como o centro de sua
análise e submeter o meio ambiente aos mecanismos de mercado, desconsidera a capacidade
de assimilação de componentes do sistema natural, sendo que cada vez que esta capacidade
sofre uma deterioração ela enfraquece, até o ponto em que não há como reverter este
processo. Assim, uma situação de “poluição ótima” denota um forma de equilíbrio econômico
e não ecológico. Por isso, em termos de valoração dos recursos ecológicos, a Economia
Ecológica se baseia nos fluxos de energia líquida dos ecossistemas (MARQUES; COMUNE,
1997).
Há uma inversão de papéis entre as duas escolas no que diz respeito ao
estabelecimento de parâmetros. Dentro da visão da Economia Ambiental Neoclássica os
parâmetros não físicos (tecnologia e preferências) devem determinar uma posição de
equilíbrio na qual uma escala das variáveis físicas deve ser definida e se ajustar enquanto na
Economia Ecológica ocorre o contrário e os parâmetros não físicos devem se ajustar a escala
definida pelas variáveis físicas.
O grande obstáculo a ser superado pela fundamentação da Economia Ecológica é a
transformação radical necessária no bojo das sociedades existentes hoje. Essas sociedades são
incessantemente incentivadas pelo consumo e pela criação de novas necessidades, muitas
delas consideradas supérfluas. A capacidade de consumo material é um fator de diferenciação
social predominante nas sociedades atuais e para que se tenha uma mudança na relação entre
sociedade e natureza na direção dos preceitos da Economia Ecológica, essa mudança deve
ocorrer no seio da sociedade em termos de seus valores éticos e morais.
2.3 A ECONOMIA VERDE E SUA RELAÇÃO COM OS FUNDAMENTOS
TEÓRICOS
24
É fato que a Economia Verde não consiste em um fundamento teórico, mas é certo
também que suas ideias podem ser relacionadas com os dois fundamentos teóricos
apresentados.
Apesar de podermos afirmar que a Economia Verde não é um fundamento teórico, é
difícil dizer de maneira assertiva exatamente o que é este termo que, por enquanto, se trata de
uma noção. Há uma imensa incógnita acerca de seu significado, pode-se dizer que se trata de
um conceito, de um modelo de economia ou de um conjunto de instrumentos para se conceber
um desenvolvimento sustentável ou, para aqueles que preferem e acreditam em um termo
mais embaraçoso, um “crescimento” sustentável.
Em alguns trechos do relatório Rumo a uma Economia Verde do PNUMA podemos
ver tentativas de rotulação da definição essencial da Economia Verde como no que se segue:
“[...] tivemos várias evidências do caminho a ser seguido, um novo paradigma econômico, no
qual a riqueza material não é alcançada necessariamente à custa de um crescente risco ao
meio ambiente, escassez ecológica e disparidades sociais.” (PNUMA, 2011, p.1). Nesta parte
há uma grande contradição, fala-se em um novo paradigma econômico no qual a riqueza
material não é alcançada pela depleção dos recursos naturais, sendo que o problema é
justamente que o núcleo do pensamento capitalista é a acumulação de capital, ou seja, a
acumulação de riqueza, e esse modelo sempre irá provocar algum nível de escassez ecológica
e disparidades sociais. Como vimos anteriormente o fundamento teórico da Economia
Ecológica coloca-se como um novo paradigma por romper com as ideias centrais do
pensamento neoclássico e não é este o mesmo caso da Economia Verde, pois esta corrobora
com o mantra neoclássico fundamental do crescimento econômico contínuo, sendo a única
mudança um deslocamento setorial radical da produção visando o uso de tecnologias limpas e
eficientes, ou seja, parece que a intenção é apenas pintar a economia como ela é de verde.
Avaliando superficialmente podemos achar que a Economia Verde se aproxima dos
preceitos da Economia Ecológica ao aceitar a ideia de uma possível escassez absoluta de
recursos e ao se colocar como um novo paradigma, ou de forma semelhante, como um novo
modelo econômico. Em relação à segunda afirmação vimos que se trata de uma falácia e no
que tange a primeira podemos explorar alguns trechos do relatório para mostrar as
contradições existentes neles. Vejamos alguns exemplos: “[...] o crescimento econômico
mundial – sob o prisma do modelo atual – ainda será limitado pelo aumento da escassez de
energia e recursos naturais.” (PNUMA, 2011, p.23) ou “[...] a atividade econômica [...] se
baseia na desvalorização do capital natural ..., isso está causando o esgotamento dos recursos
25
naturais e acabando com a habilidade dos ecossistemas de fornecerem benefícios
econômicos” (PNUMA, 2011, p.4).
Apesar de todas essas frases de efeito podemos ver claramente que a proposta da
Economia Verde contradiz fortemente a ideia de limite biofísico característico da Economia
Ecológica ao ter como um de seus objetivos principais a retomada do crescimento econômico
após a crise de 2008. O trecho a seguir é um bom exemplo disso:
O conceito de uma “economia verde” não substitui desenvolvimento sustentável,
mas hoje em dia existe um crescente reconhecimento de que a realização da
sustentabilidade se baseia quase que inteiramente na obtenção do modelo certo de
economia. Décadas de criação de uma nova riqueza através de um modelo de
“economia marrom” não lidaram de modo substancial com a marginalização social e
o esgotamento de recursos, e ainda estamos longe de atingir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio. A sustentabilidade continua sendo um objetivo vital a
longo prazo, mas é preciso tornar a economia mais verde para chegarmos lá. (UNEP.
2011, p.1)
Nesse trecho temos grandes contradições e imensos pontos de interrogação com
relação ao posicionamento da economia verde. O conceito de desenvolvimento sustentável
foge dos limites em que se baseia a economia capitalista dominante (neoclássica) e a
economia verde tenta se desvencilhar da mesma ao afirmar que é necessário a obtenção de um
modelo certo de economia. Porém, em nenhum momento a Economia Verde advoga a favor
de uma contenção do crescimento econômico e muito menos se coloca numa posição
contrária ao capitalismo e sua necessidade intrínseca de acumulação de capital, apenas prega
uma acumulação centrada no “capital natural”, no “esverdeamento” da economia como ela é.
A frase final é ainda mais inquietante, pois ao falar “a sustentabilidade continua sendo um
objetivo final a longo prazo” fica difícil não parafrasear Keynes com um senso de “timing”
perfeito: “No longo prazo estaremos mortos” (KEYNES, 1923, p. 100).
Talvez a única exceção a esse distanciamento entre Economia Verde e Economia
Ecológica seja com relação a não concordância de ambas na confiabilidade do PIB como
principal indicador de desempenho econômico. De acordo com Alier (2011) e também do
ponto de vista da Economia Ecológica, considerar a valorização do desempenho
macroeconômico apenas pelo prisma de um indicador como o PIB (produto interno bruto)
pode encobrir um uma vasta gama de trabalho não remunerado perpetuado no âmbito das
relações familiares e sociais, assim como danos sociais e ambientais não reparados. A
Economia Verde também coloca em xeque a validade de se mensurar o desempenho
econômico através do PIB, pois segundo seus formuladores indicadores econômicos
convencionais como o PIB “não refletem a extensão com a qual as atividades de produção e o
consumo podem estar drenando o capital natural.” (PNUMA, 2011, p.4).
26
Por outro lado, podemos inferir algumas concordâncias claras entre a posição do
fundamento teórico da Economia Ambiental Neoclássica e a Economia Verde. Um ponto
fundamental de concordância é o coro pelo crescimento econômico emanado tanto pela
Economia Ambiental Neoclássica como pela Economia Verde, em termos macroeconômicos a
Economia Verde é extremamente ligada ao paradigma econômico convencional.
Relativamente a sua abordagem com os recursos naturais podemos dizer o mesmo,
sendo uma constatação disso o seguinte trecho do relatório Rumo a uma Economia Verde do
PNUMA: “O caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e, quando possível,
reconstruir capital natural como um bem econômico crítico e como uma fonte de benefícios
públicos [...]” (PNUMA, 2011, p.1). Esse trecho traduz de forma clara a intenção da
Economia Verde em elaborar ações que mantenham o domínio do modelo econômico atual e
que, apesar de mudanças relativas aos meios, continuam a explorar a natureza vendo-a como
um bem econômico com o intuito de manter o crescimento e a acumulação de capital
(PÉRET, 2012).
Também de acordo com o relatório, o mercado pode ser um ator fundamental na
transição para a Economia Verde, sendo que suas ferramentas podem ser muito eficientes para
estimular investimentos. Essa concepção relativa a importância dos mecanismos e ferramentas
do mercado aproxima bastante a Economia Verde dos fundamentos da Economia Ambiental
Neoclássica, sendo que uma das soluções propostas para a transição para a Economia Verde
inclui a internalização das externalidades que figura como uma das bases do pensamento
ambiental neoclássico.
Ao abordar os impactos das externalidades negativas de setores como o de transportes
e de resíduos o relatório afirma que estes não são refletidos nos custos e preços de produtos ou
serviços não-sustentáveis, o que pode ter como possibilidade de solução para este problema a
incorporação do “custo das externalidades no preço de um bem ou serviço através de um
imposto corretivo, encargo ou tributo ou, em alguns casos, por meio de outros instrumentos
baseados no mercado [...]” (PNUMA, 2011, p.31).
27
CAPÍTULO 3 - DAS CONFERÊNCIAS MUNDIAIS ATÉ A EMERGÊNCIA DA
ECONOMIA VERDE
Para se compreender a evolução do debate acerca da interação entre economia e meio
ambiente até o lançamento da iniciativa em Economia Verde pelo PNUMA se faz necessário
uma recapitulação histórica das principais conferências que levaram até este lançamento.
Apesar do crescimento da importância da discussão sobre a temática ambiental
remontar ao fim da década de 1960, este tema só começou a ser tratado oficialmente pela
ONU no início década de 1970.
Antes disso a temática ambiental ganhou força em âmbito global a partir do
descontentamento da classe média dos países desenvolvidos com as consequências negativas
da industrialização, cujos efeitos maléficos ao meio ambiente já se faziam sentir neste nicho
social dos países desenvolvidos. Por representar a maior parte da população nos países
desenvolvidos e devido a seu nível educacional, a classe média desses países possuía poder
social e político para expressar suas insatisfações e com isso irradiar um movimento em
direção a uma mudança de prioridades. Algumas obras como Silent Spring (1962), de Rachel
Carson, e This Endangered Planet (1971), de Richard Falk, além de ensaios e livros de
Garrett Hardin, como The Tragedy of Commons (1968) e Exploring New Ethics for Survival
(1972) influenciaram profundamente a opinião pública dos países desenvolvidos.
Este capítulo tem como objetivo mostrar um resumo cronológico dos eventos que
caracterizaram o debate sobre a relação entre economia e meio ambiente e fazer algumas
análises referentes aos principais conceitos, resoluções e princípios produzidos até se chegar a
concepção da iniciativa em Economia Verde e a conferência Rio + 20.
3.1 CLUBE DE ROMA
O Clube de Roma foi constituído em 1968 e pode ser considerado o primeiro marco no
aprofundamento da temática ambiental. O Clube de Roma era um agrupamento de cientistas,
empresários e políticos que se reunia com o intuito de discutir e analisar os limites do
crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais (MATTEI;
BESKOW, 2012).
Este grupo possuía um forte viés neomalthusiano, no qual a ideia de um crescimento
demográfico implicaria em um ritmo cada vez maior de uso e consequente depleção de
recursos naturais, o que acarretaria em um futuro desastre ambiental irremediável.
28
Em março de 1972, pouco antes da abertura da conferência de Estocolmo, o Clube de
Roma lançou a obra The limits of growth que a tornou um proeminente expoente da temática
ambiental. Essa obra, baseada nos resultados de um modelo desenvolvido pelo professor do
MIT Jay Forrester que simulava a evolução da economia global, é resultado da união de
pesquisadores coordenados por Dennis L. Meadows e tem no centro de suas análises a ideia
de que os recursos naturais do planeta são finitos e que há única forma de se superar esta
situação seria o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial. O
modelo de desenvolvimento econômico sugerido por este trabalho e, consequentemente, pelo
Clube de Roma, baseava-se na ideia de crescimento zero (MATTEI; BESKOW, 2012).
Do trabalho produzido a partir da concepção do Clube de Roma, quatro pontos foram
levantados como questões que deveriam ser solucionadas para que se alcançasse a
sustentabilidade: o controle do crescimento populacional; o controle do crescimento
industrial; a insuficiência da produção de alimentos; e o esgotamento de recursos naturais
(PASSOS, 2009).
Apesar de ter um caráter um tanto utópico quando relacionado ao modelo dominante,
esse documento suscitou recorrentes debates que intencionavam a formulação de soluções que
visassem a proteção do meio ambiente. A importância dessa obra e do Clube de Roma foi
muito significativa para a realização da primeira conferência global voltada para o meio
ambiente.
3.2 A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE
HUMANO
A primeira reunião oficial realizada pela ONU envolvendo a temática ambiental
aconteceu em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972 sob o cunho “Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente Humano”. Participaram da conferência 113 países e 250
ONG's, além de organismos da ONU. De acordo com Lago (2005), a convocação da
CNUMAH foi fruto de uma crescente demanda internacional para a preservação da natureza e
da insatisfação de variados setores da sociedade em relação as consequências da poluição
sobre a qualidade de vida das populações. Já Le Prestre (2005) cita quatro fatores como
principais para motivar a realização da CNUMAH, sendo eles: o aumento da cooperação
científica nos anos 60; aumento da publicidade dos problemas ambientais; o crescimento
econômico acelerado e outros problemas como a poluição do Mar Báltico, a acumulação de
metais pesados,pesticidas que impregnavam peixes e aves, entre outros.
29
Em termos históricos, a conferência foi marcada pela Guerra Fria, o que resultou em
um boicote da União Soviética ao evento em protesto à ausência da Alemanha Oriental, país
que não fazia parte da ONU nessa época. Nesse panorama, aflorou-se uma polêmica que foi
proeminente durante a conferência, sendo esta a discussão conflituosa entre países
desenvolvidos do Norte e países em desenvolvimento do Sul. Essa situação se caracterizava
pela defesa do direito à industrialização e ao desenvolvimento econômico pelos países do Sul
enquanto os países do Norte apoiavam políticas rigorosas de controle da poluição, sem que
isso incidisse numa revisão de seus padrões de produção e consumo. Os países do Sul
alegavam que os países desenvolvidos do Norte estavam tentando frear seu desenvolvimento
com tais políticas.
Por ter sido a primeira conferência global direcionada ao meio ambiente, a CNUMAH
é considerada um marco na política internacional relacionada ao meio ambiente e pode-se
dizer que de sua ocorrência “resultaram inúmeras questões que continuam a influenciar e a
motivar as relações entre os atores internacionais, colaborando para a notável evolução que
eclodiu após a Conferência.” (PASSOS, 2009, p.7). Um dos personagens mais importantes da
conferência e que merece ser destacado foi o canadense Maurice Strong, Secretário-Geral da
CNUMAH.
Antes da conferência de Estocolmo, Strong convocou em junho de 1971 uma reunião
em Founex, na Suiça, com o Grupo de Peritos sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente como
uma estratégia para obter o apoio da maioria dos países em desenvolvimento e para
estabelecer o escopo que teria a conferência. A partir de um relatório produzido durante a
Founex, o debate ambiental ganhou força nos países em desenvolvimento e trouxe um
embasamento maior para a ocorrência da CNUMAH. (LAGO, 2006). Sachs (1993) afirma
que o relatório Founex estabeleceu um meio termo entre a “aterrorizante” visão de
crescimento zero e o crescimento econômico desenfreado balizado pelo avanço tecnológico.
A conferência foi organizada muito em virtude da emergência de se propor soluções e
diretrizes para as relações entre o homem e o meio ambiente principalmente no que concernia
a problemas relacionados a mudanças climáticas, quantidade e qualidade das águas
disponíveis, modificação de paisagens,crescimento econômico desenfreado e extirpador de
recursos naturais, chuvas ácidas, poluição, entre outros.
Pode-se dizer que o objetivo geral da CNUMAH era disseminar a importância do meio
ambiente e das ações antrópicas em relação a ele, assim buscava-se “definir padrões de
conduta adequados à conservação da natureza, do meio ambiente e, consequentemente, da
sociedade humana global.” (PASSOS, 2009, p.12).
30
Aliado a esses pontos, a conferência objetivou trazer a tona o reconhecimento pelos
Estados dos problemas ambientais, explicitamente perceptíveis na época, além de fazer
despertar a urgência de ações providenciais para lidar com tais problemas de forma global. A
conferência também teve importância fundamental na conscientização dos países em
desenvolvimento em relação ao tema para que estes pudessem se imbuir de responsabilidade
nos seus papéis de atores no desenvolvimento de ações em prol do meio ambiente.
A dicotomia dos interesses que englobavam a conferência foi expressa de duas formas,
sendo uma a posição de corte neomalthusiano defensora de um “crescimento zero” contra os
desenvolvimentistas que clamavam por um crescimento econômico contínuo sem grandes
restrições (AMAZONAS, 2012) e a outra que separava os interesses de países desenvolvidos
e países em desenvolvimento.
O conflito de interesses entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento se
configurava mais latente, inclusive, no final da década de 1960. A visão dos países em
desenvolvimento era de que a transposição da agenda ambiental recém elaborada pelos países
desenvolvidos para o âmbito internacional seria prematura. No entanto a convocação da
CNUMAH obrigou os países em desenvolvimento a se interarem na temática e estabelecer
estratégias que defendessem suas posições na conferência. Enquanto isso nos países
desenvolvidos a internacionalização do tema só aumentou a urgência de ações internas
relativas à sua agenda ambiental doméstica. A partir dessas perspectivas, a conferência de
Estocolmo foi responsável direta tanto pela evolução da temática ambiental em nível
internacional quanto no plano interno de grande número de países, além de permitir uma
inserção pujante do tema no contexto político e econômico (LAGO, 2006).
Como resultado geral pode-se inferir que a conferência “introduziu alguns conceitos e
princípios que, ao longo dos anos, se tornariam a base sobre a qual evoluiria a diplomacia na
área do meio ambiente.” (LAGO, 2006, p.18) Já como medidas específicas deve-se destacar a
aprovação da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano,
com 26 princípios, e o Plano de Ação para o Meio Ambiente Humano, com 109
recomendações.
Além do fortalecimento das Nações Unidas como consequência da conferência de
Estocolmo, pode-se destacar outros grandes avanços nas questões ambientais tais como: a
criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA; inclusão do tema
ambiental na agenda multilateral determinando as prioridades das futuras negociações;
incentivos à criação de órgãos nacionais voltados à questão de meio ambiente; consolidação
das organizações não-governamentais e um estímulo a maior participação da sociedade nas
31
questões ambientais. A criação do PNUMA, por exemplo, foi fundamental para a manutenção
e progresso dos debates sobre meio ambiente no âmbito das Nações Unidas no decorrer dos
anos seguintes.
De acordo com Lago (2006), pode-se inferir que a CNUMAH fundamentou de forma
pioneira alguns dos conceitos e princípios que se tornariam a base sobre a qual evoluiria a
diplomacia na área do meio ambiente. Os principais pontos dessa evolução serão revisados no
decorrer desse capítulo.
3.2.1 Ecodesenvolvimento
O termo Ecodesenvolvimento nasceu da necessidade de se conciliar crescimento
econômico e preservação ambiental. Este conceito foi lançado por Maurice Strong em 1973,
após a conferência de Estocolmo, e foi definido por este como “um estilo de desenvolvimento
adaptado às áreas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilização criteriosa dos recursos
locais, sem comprometer o esgotamento da natureza” .(LAYRARGUES, 2007, p.3) Esse
conceito se sustentava na ideia de que as sociedades dessas regiões ainda se mantinham
afastadas do ideal doutrinário baseado na noção de crescimento a partir do aprendizado em
relação aos países já desenvolvidos.
Os ecodesenvolvimentistas rejeitavam a ideia de crescimento zero, assim como as
demais correntes, porém se diferenciavam do mainstream econômico no que tange a sua
apreensão com relação à perdas ambientais potencialmente relevantes, assim como a pobreza
e concentração de renda. Já perante as correntes marxistas-estruturalistas, a discordância era
expressa na suposição que a situação dos países pobres resultava de fatores eminentemente
endógenos (ROMEIRO, 2012).
Na década de 1980 o economista Ignacy Sachs desenvolve de forma abrangente esse
conceito e cria um quadro de estratégias baseado em três pilares: eficiência econômica, justiça
social e prudência ecológica (MATTEI; BESKOW, 2012). Além disso, este autor
desenvolveu as cinco dimensões de sustentabilidade do Ecodesenvolvimento, sendo elas: a
sustentabilidade social, a sustentabilidade econômica, a sustentabilidade espacial, a
sustentabilidade ecológica e a sustentabilidade cultural.
Segundo Layrargues (2007), o ecodesenvolvimento traz uma nova visão em termos de
horizonte temporal no que se refere à sua abordagem desenvolvimentista ao abranger à
satisfação das necessidades das gerações futuras, numa espécie de solidariedade
intergeracional, sem que com isso se prejudique a satisfação das necessidades da geração
32
presente. Montibeller Filho (1993) corrobora essa visão ao apontar a posição ética do
Ecodesenvolvimento, na qual o desenvolvimento seria “voltado para as necessidades sociais
mais abrangentes [...] e o cuidado com a preservação ambiental como uma responsabilidade
para com as gerações que sucederão” (MONTIBELLER FILHO, 1993, p. 133).
Dentre as condições estipuladas por Sachs para se conferir aplicabilidade ao conceito
destacam-se: a necessidade do amplo conhecimento das culturas e dos ecossistemas, o
envolvimento dos cidadãos no planejamento das estratégias por serem os maiores
conhecedores da realidade local e o pluralismo tecnológico. Esse autor também advoga a
favor da precaução em relação à atuação sem limites do mercado e urge pela necessidade de
certa regulação estatal para que o desenvolvimento ocorra sem que se sofram efeitos
colaterais graves, efeitos esses que são característicos de processos de desenvolvimento que se
apoiam na ação sem limites do mercado (LAYRARGUES, 2007).
O Ecodesenvolvimento pode ser visto como um conceito que tenta, de forma pioneira,
encontrar um meio termo entre desenvolvimento e sustentabilidade. Apesar de se afastar dos
extremos do debate centrado no meio ambiente, o Ecodesenvolvimento não refuta o
paradigma proposto pelo mainstream econômico, apenas insere e incorpora, a partir de sua
conceituação, elementos mais heterodoxos como a importância da dimensão cultural, da
precaução ambiental e do papel do Estado no desenvolvimento.
3.2.2 Relatório de Brundtland
A conferência de Estocolmo, a partir de princípios e conceitos alçados durante sua
ocorrência, instaurou as bases que sustentariam o complexo debate que tinha como tema
central o meio ambiente e os dilemas político e econômico relacionados a ele em âmbito
internacional.
O debate foi retomado no início da década de
1980 pela ONU. Em 1982 uma
avaliação dos dez anos da conferência de Estocolmo aconteceu sob a supervisão do PNUMA
na cidade de Nairóbi e, em 1983, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou a Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), chefiada pela primeiraministra da Noruega Gro Harlem Brundtland e composta por 23 comissários de 22 países,
com o intuito de manter o debate ativo através da promoção de audiências em todo o mundo e
da compilação dos resultados de maneira formal. O documento final elaborado pela comissão
foi intitulado de Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland,
resultado de cerca de quatro anos de trabalho da CMMAD. De acordo com Lago (2006) “O
33
relatório introduziu, igualmente, novos enfoques e cunhou o conceito de desenvolvimento
sustentável, objetivo que exige equilíbrio entre “três pilares”: as dimensões econômica, social
e ambiental” (LAGO, 2006, p.18). Para a produção deste documento, que teve impacto no
público não-especializado comparável a obra The Limits To Growth na conferência de
Estocolmo, foram visitados inúmeros países por membros da Comissão, nas quais foram
realizadas reuniões com comunidades locais para se debater questões ambientais e relativas ao
desenvolvimento.
O conceito de Desenvolvimento Sustentável foi formalizado e lançado em 1987 no
relatório de Brundtland como sendo o “desenvolvimento que atende às necessidades do
presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias
necessidades” e pode ser considerado um dos eixos centrais do relatório. Entretanto, este
termo não foi criado pelo relatório, tendo aparecido inicialmente em 1980 na reunião da
World Conservation Strategy e posteriormente em 1982 na reunião do PNUMA em Nairobi.
A definição de desenvolvimento, de acordo com Nascimento (2012), traz consigo uma
série de incógnitas já que não especifica quais seriam as necessidades humanas atuais e muito
menos as das gerações futuras. Entretanto, esta definição incorpora a noção de
intergeracionalidade no conceito de sustentabilidade e incrementa algumas ideias alçadas na
definição do conceito de Ecodesenvolvimento como as relativas a justiça social e valores
éticos. Romeiro (2012) destaca a característica de continuidade e sucessão que o conceito
desenvolvimento sustentável tem em relação ao de Ecodesenvolvimento ao alertar o risco
ambiental do crescimento econômico e propor políticas e medidas conciliatórias que
possibilitem o crescimento e a preservação ambiental.
Para Layrargues (2007) apesar de compartilharem um objetivo comum, sendo esse a
consecução de uma sociedade ecologicamente sustentável, o Ecodesenvolvimento e o
desenvolvimento sustentável possuem diferenças referentes às suas estratégias para o alcance
deste objetivo, como por exemplo: a visão neoliberal incorporada no Desenvolvimento
Sustentável que postula a retirada de cena por parte do Estado no que concerne ao fomento da
competitividade no mercado enquanto o Ecodesenvolvimento afirma ser necessária uma
participação ativa do Estado nesse âmbito; uma abordagem não restritiva em relação ao
consumo por parte do Desenvolvimento Sustentável centrada na erradicação da pobreza e no
estabelecimento de um piso de consumo material, ao contrário do Ecodesenvolvimento que
proclamava o encontro de um equilíbrio entre o padrão de consumo do norte e do sul, no qual
os países do norte deveriam diminuir seu nível de consumo ao mesmo tempo em que os países
do sul aumentassem seu nível de consumo, nesse caso seria estabelecido um teto de consumo
34
material; por fim há uma discrepância entre as estratégias de execução do Desenvolvimento
Sustentável e do Ecodesenvolvimento no que tange a tecnologia, onde o primeiro advoga a
favor do potencial ilimitado da tecnologia moderna, sendo favorável a ideia de transferência
tecnológica do norte para o sul, enquanto o segundo alerta para a crença ilimitada no poder
dessa tecnologia e é favorável a criação de tecnologias endógenas.
Nascimento (2012), questiona se as três dimensões (econômica, ambiental e social)
propostas pelo Desenvolvimento Sustentável são suficientes para se atingir uma almejada
sustentabilidade. Este autor pondera sobre a ausência das dimensões política e cultural nas
proposições do Desenvolvimento Sustentável, sendo a necessidade da primeira inerente a
qualquer processo de mudança, seja ela de cunho social ou econômico, e a segunda
diretamente relacionada à mudanças de valores e comportamentos, que por sua vez tem
consequência direta em mudanças relativas a padrões de consumo e estilos de vida.
Layrargues (2007) destaca alguns pontos importantes levantados no relatório e que
tem relação direta com o conceito Desenvolvimento Sustentável como a responsabilidade
compartilhada por todos os atores sociais na busca e implementação das soluções referentes
aos problemas de degradação ambiental, o papel da tecnologia e da organização social na
formulação de um crescimento econômico adequado aos preceitos da sustentabilidade e a
erradicação da pobreza. Segundo Romeiro (2012), essas premissas e condições podem ser
alcançadas a partir de um conjunto de políticas capazes de garantir, ao mesmo tempo, o
aumento da renda nacional, o acesso a direitos sociais básicos e a redução do impacto
proveniente do aumento da produção e do consumo no meio ambiente.
A principal recomendação do relatório Brundtland, segundo Nascimento (2012),
refere-se a realização de uma conferência mundial que direcionasse as questões do meio
ambiente e do desenvolvimento ali levantadas, a qual viria a ocorrer em 1992 na cidade do
Rio de janeiro sob o título de Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento e que veremos a seguir.
3.3 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO
Também conhecida como Rio-92, Cúpula da Terra ou Eco-92, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento foi convocada dois anos após a
publicação do relatório de Brundtland - fator decisivo para a convocação da conferência - e
ocorreu no ano de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, reunindo delegações de 172 países, além
35
de 108 chefes de Estado ou de governo. O Secretário-Geral da conferência foi, novamente,
Maurice Strong e os três fatores que viabilizaram a conferência foram: a Convenção de Viena,
o Protocolo de Montreal e o Relatório Brundtland.
É importante apontarmos os principais elementos históricos que circundaram o
planejamento e ocorrência da conferência. O fim dos anos 80 e início dos 90 foram marcados
pelo fim da Guerra Fria, o progresso do tratamento multilateral relativo às questões
comerciais, a ausência de ditaduras militares nos países em desenvolvimento e o crescente
interesse da academia pelo tema da sustentabilidade são pontos a serem destacados em relação
a este período. O fim da Guerra Fria, principalmente, trouxe uma grande dose de otimismo
político e econômico devido ao novo contexto que se desenlaçava, com muitas oportunidades
de investimento nos mercados do leste europeu e chinês recém abertos para as economias
desenvolvidas. Isso propiciou grande confiança em uma nova fase de crescimento econômico
mundial que se deflagrou nos 10 anos seguintes a conferência do Rio, sendo considerado o
período de maior crescimento econômico da história. Além do aspecto histórico, esse
crescimento foi possibilitado também pela ocorrência de grandes avanços tecnológicos e um
exponencial aumento no fluxo de transações comerciais e financeiras (LAGO, 2006). Essa
também é a visão de Sequinel (2002) que afirma que a conjuntura geopolítica e mundial
relativa a Rio-92 favorecia a ideia de cooperação internacional.
Esse evento foi organizado de forma conjunta pela ONU e pelo governo brasileiro.
Pode-se dizer que foi pioneiro em colocar a temática ambiental no centro dos debates, a partir
do momento em que foi estabelecida uma gama de acordos políticos com metas e objetivos a
serem seguidos nas décadas seguintes por todos os países que assinaram o documento
produzido no fim da conferência (MATTEI; BESKOW, 2012). Além disso, foi nessa
conferência que o conceito de Desenvolvimento Sustentável foi consagrado e que se verificou
um certo consenso relativo a noção de que os problemas ambientais eram, em sua maioria,
responsabilidade dos países desenvolvidos.
O propósito da convocação da conferência era a elaboração de estratégias e medidas
que revertessem as consequências da degradação ambiental de uma forma a promover o
desenvolvimento sustentável alicerçado nos crescentes esforços tanto nacionais como
internacionais para atingir adequação e sustentabilidade ambiental.
As diferenças em relação à conferência de Estocolmo são latentes no que se refere à
percepção pela opinião pública da importância da temática ambiental - o que justificava o
deslocamento de tantos Chefes de Estado e Governo para uma única reunião - e também em
relação ao fato dessa reunião ser realizada em um país em desenvolvimento, o que denotava a
36
necessidade de uma cooperação coletiva dentro da comunidade internacional. Lago (2006)
destaca que os três pilares - o econômico, o social e o ambiental - pelos quais se baseava a
noção do Desenvolvimento Sustentável, favoreceram as prioridades de ambos países
desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento. Outra particularidade relativa à Rio-92 foi
o papel importante atribuído às organizações não-governamentais, o que ocorreu desde de sua
convocação devido ao crescimento em termos de influência na área ambiental das ONG’s em
relação à diferentes nichos como governos, a organismos multilaterais, à mídia e à opinião
pública.
Os efeitos mais visíveis da CNUMAD “[...] foram a criação da Convenção da
Biodiversidade e das Mudanças Climáticas – que resultou no Protocolo de Kyoto – a
Declaração do Rio e a Agenda 21” (NASCIMENTO, 2012, p. 55). Dos citados por este autor,
a Agenda 21 se tratava de um programa de ação global com 40 capítulos enquanto a
Declaração do Rio se apresentava como um conjunto de 27 princípios pelos quais deveria ser
conduzida a interação dos seres humanos com o planeta. Além deste destaca-se a Declaração
de Princípios sobre Florestas (MATTEI; BESKOW, 2012). De acordo com Andrade (2012), a
Declaração do Rio foi responsável pela consolidação de princípios solidificados hoje como:
responsabilidades comuns, no entanto diferenciadas; conceitos de poluidor-pagador e de
direito ao desenvolvimento, ao passo que a Agenda 21 formulou objetivos de curto e de
longos prazos a serem concebidos voluntariamente. Ainda segundo este autor, apesar de não
vinculantes, a Agenda 21 e a Declaração do Rio podem ser considerados como os documentos
determinantes da abordagem do tema ambiental em nível multilateral.
Basicamente a Agenda 21 se tratava de um programa de ação que atribui novas faces a
cooperação internacional os diferentes atores a planejar e colocar em prática programas que
visassem alterar os conceitos tradicionais de desenvolvimento econômico e de proteção do
meio ambiente. Estava organizada em quatro seções: as dimensões social e econômica do
desenvolvimento sustentável; gestão dos recursos naturais para o desenvolvimento
sustentável; fortalecimento dos grupos sociais na implementação do objetivo do
desenvolvimento sustentável; meios de implementação.
Outras conquistas atingidas pela conferência foram: a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) vigora desde março de 1994, esta convenção
reconhece que o sistema climático é um recurso compartilhado cuja estabilidade pode ser
afetada por atividades humanas que liberam dióxido de carbono e outros gases que aquecem o
planeta, os chamados gases de efeito estufa; a Convenção das nações Unidas sobre
Diversidade Biológica (CDB) aberta para a assinatura na Rio-92 e validada a partir de
37
dezembro de 1993; a Convenção sobre Combate à Desertificação que foi adotada em junho de
1994, após ser solicitada na Rio-92, e entrou em vigor no fim de 1996 com o objetivo de lidar
com os desafios de superação da pobreza em regiões áridas e semiáridas, além de elaborar
medidas de controle da desertificação.
Pode-se dizer que um grande resultado geral da CNUMAD foi o de ter colocado
definitivamente o meio ambiente entre os temas prioritários da agenda mundial (LAGO,
2006). O grande problema decorrente da conferência foi ter alçado o conceito de
Desenvolvimento Sustentável a um status de novo paradigma sedimentado na cooperação
internacional. Muito dessa ideia veio do processo de globalização que o mundo passava na
época, que clamava por mais interação internacional, especialmente no que tangia ao meio
ambiente. Entretanto a globalização se mostrou uma grande barreira ao desabrochar do
Desenvolvimento Sustentável como um novo paradigma, já que a globalização implicava
numa manutenção e alargamento dos padrões de produção e consumo.
Cinco anos após a conferência do Rio, em 1997, ocorreu a Sessão Especial da
Assembleia Geral das Nações Unidas, conhecida como Rio+5, no intuito de se revisar a
implementação da Agenda 21. Segundo Sequinel (2002), muitas lacunas foram apontadas
nessa ocasião e foi reforçada a necessidade de ratificação do que ficou acordado na Rio-92,
além de se obter maior eficiência na implementação do crescente número de convenções e
acordos internacionais referentes ao meio ambiente e desenvolvimento.
A partir dessa perspectiva a Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU
sugeriu que se realizasse uma nova cúpula mundial em 2002, desta vez centrada no conceito
de Desenvolvimento Sustentável. Essa cúpula ocorreu na cidade de Joanesburgo, na África do
sul e será o próximo ponto a ser explorado nesse capítulo.
3.4 CUPÚLA MUNDIAL SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Em 2002, os países membros foram convocados pela ONU para a Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, África do Sul. Esse evento também
ficou conhecido como Rio +10 e, de acordo com Mattei e Bescow (2012), teve como objetivo
principal analisar e avaliar os possíveis avanços ocorridos nos compromissos estabelecidos
durante a Rio-92, especialmente as metas propostas pela Agenda 21, além de trazer um plano
de ação global definido e capaz de conciliar as necessidades legítimas de desenvolvimento
econômico e social da humanidade com a obrigatoriedade de se manter o planeta habitável
para as gerações futuras. Sequinel (2002), corrobora com essa visão e adiciona que além de
38
reavaliar as metas propostas pela agenda 21, era objetivo da cúpula direcionar as realizações
às áreas que necessitam de um esforço adicional para sua consecução.
Participaram desse evento representantes de governos de mais de 150 países, grandes
empresas, associações setoriais, organizações não-governamentais, além de milhares de
pessoas e diversos membros da imprensa internacional. O Secretário-Geral da cúpula foi o
indiano Nitim Desai, indicado por Koffi Annan, que na época exercia a função de Secretário
Geral da ONU.
Diferentemente do otimismo que se irradiou a partir de acontecimentos históricos,
durante e após a Rio-92, a Rio +10 foi cercada pelo recrudescimento do fenômeno da
globalização, o qual não ia de encontro aos preceitos do Desenvolvimento Sustentável, pois a
globalização era calcada na uniformização dos padrões de produção e consumo presentes no
ocidente e gerida, principalmente, por três instituições, sendo elas o FMI, o Banco Mundial e
a OMC. Isso demonstra que o contexto histórico no qual foi elaborada e concebida a cúpula
de Joanesburgo não foi das mais favoráveis, tendo que conviver com eventos como graves
crises financeiras nos países em desenvolvimento (México em 1994, Ásia em 1997, Rússia
em 1998, Brasil em 1999 e Argentina em 2001), a IV Conferência Ministerial da OMC
realizada em Doha no ano de 2001 e a Conferência Internacional sobre Financiamento para o
Desenvolvimento realizada em Monterrey no ano de 2002. Sequinel (2002) destaca que o
cenário hostil em que transcorreu a Rio +10, marcado cada vez mais pelo conflito e pela
desigualdade social crescente, tanto nos países ricos quanto nos países em desenvolvimento,
prejudicou densamente o resultado final da cúpula.
Aliado a esses fatores pode-se dizer que a pujança do crescimento econômico da
última década do século XX deu lugar a protestos antiglobalização, devido principalmente a
disparidade notável entre os países nesse processo de crescimento econômico. Como se não
bastassem os problemas e discrepâncias em torno da economia mundial vieram também os
atentados de 11 de setembro de 2001, que mudaram radicalmente as prioridades da agenda
política internacional, dividindo a atenção desta tanto com a discussão em torno do casamento
entre desenvolvimento e sustentabilidade, como com a própria cúpula de Joanesburgo.
Dentre os temas tratados na cúpula destaca-se o da energia, no qual o Brasil teve papel
proeminente ao tentar levar a cabo uma proposta ousada de substituição das matrizes
energéticas poluidoras por fontes renováveis de energia em 10% até 2010, o que possibilitaria
a mitigação dos efeitos causadores das mudanças climáticas e poluição atmosférica, por meio
da substituição gradual dos combustíveis fósseis, tal proposta teve o apoio da poderosa União
Europeia. Esse tema foi recheado de desavenças e tanto a proposta brasileira quanto a postura
39
da União Europeia enfrentaram e sucumbiram aos interesses do bloco JUSCANZ (Japão,
Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), que sob a liderança dos norteamericanos, e apoiado irrestritamente pelos países árabes produtores de petróleo, teve força
suficiente para boicotar as intenções do Brasil e da União Europeia. Vale dizer que esse
embate não se resumiu somente a negativa da JUSCANZ em cooperar, mas também no
âmbito do G77/China o Brasil encontrou forte resistência em relação à sua proposta
(SEQUINEL, 2002).
Apesar dessa associação de fatores problemáticos, houve uma evolução substancial em
termos de conhecimento científico, progresso tecnológico, envolvimento do setor privado,
fortalecimento da legislação ambiental na maior parte dos países, aumento da informação e
participação por parte da sociedade civil, o que se refletiu no cumprimento de muitos
compromissos assumidos por governos na Rio-92 através do esforço de comunidades e
governos locais juntamente com empresas e organizações não-governamentais e que
possibilitou, graças a essa evolução, a estruturação da cúpula de Joanesburgo. Por outro lado,
também houve um progresso demasiado lento na implementação dos compromissos firmados
durante a Rio-92 e um agravamento relevante dos problemas relacionados ao meio ambiente.
Via-se muita negociação e muita retórica por parte dos governos, porém existia um abismo
que separava estes de ações concretas da consecução dos compromissos, ou seja, o consenso
verbalizado em torno de questões centrais e os acordos multilaterais estabelecidos não se
manifestaram na prática, isso levou a um grande distanciamento da opinião pública em
relação ao assunto.
De acordo com Lago (2006), os resultados mais relevantes da Cúpula de Joanesburgo
foram: a fixação ou a reafirmação de metas para a erradicação da pobreza, água e saneamento,
saúde, produtos químicos perigosos, pesca e biodiversidade; a inclusão dos temas relativos à
energias renováveis e responsabilidade corporativa que foram de difícil progresso em
inúmeras negociações anteriores; a decisão política de criação de fundo mundial de
solidariedade para erradicação da pobreza; e o fortalecimento do conceito de parcerias entre
diferentes atores sociais para a dinamização e eficiência de projetos. Já Andrade (2012),
aponta que foram logrados pífios êxitos em Joanesburgo, dentre eles um acordo para restaurar
áreas marítimas ameaçadas e a definição que a Comissão de Desenvolvimento Sustentável
(CDS) da ONU teria a função de monitorar a implementação da Agenda 21 através de
parcerias públicas e privadas. Enquanto Sequinel (2002) aponta que o resultado da cúpula foi
“um plano de ação ou de implementação, não-vinculativo, de 153 longos parágrafos, sem
qualquer sistema de monitoração ou sanção e uma Declaração Política aprovada às pressas,
40
sem o peso e a legitimidade da Declaração do Rio.” (SEQUINEL, 2002, p. 3) Esse plano de
implementação foi o principal documento produzido pela conferência e seus pontos mais
positivos foram o fortalecimento do papel da CDS, a reiteração das metas para reduzir a perda
de biodiversidade até 2010 e o objetivo estabelecido de cortar pela metade a população sem
acesso à água potável até 2015.
Para Lago (2006), as críticas suplantaram vastamente as conquistas da Cúpula sobre
Desenvolvimento Sustentável, no entanto seus resultados tiveram grande significância para o
tratamento das questões ligadas ao meio ambiente, assim como para a manutenção da
continuidade do caminho traçado no Rio, a despeito dos óbices econômicos e políticos da
década que separa as duas Conferências. Segundo Sequinel (2002), não é correto comparar as
conferências Rio-92 e Rio +10 no que tange aos seus resultados, visto que os dois eventos se
propunham a alcançar objetivos distintos, sendo o objetivo da primeira obter um consenso em
relação a questão ambiental e que resultou na elaboração da Agenda 21, enquanto a segunda
objetivava apenas avaliar os avanços da Agenda 21 nesses dez anos e criar mecanismos que
facilitassem medidas efetivas para a sua consecução.
Exemplos de conquistas da Rio +10 a serem destacadas são o fortalecimento do papel
das ONG’s e a participação mais efetiva e construtiva do empresariado nas discussões
internacionais sobre desenvolvimento sustentável, sendo o maior desafio e obstáculo que
assombrou todo o planejamento e consecução do evento a nova relação problemática que se
impunha entre globalização e desenvolvimento sustentável. Para Sequinel (2002), há uma
lacuna relativa a dimensão política nesse tipo de debate e que deve ser preenchida a partir de
ações autônomas provenientes da sociedade em âmbito internacional.
3.5 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Dez anos após a cúpula de Joanesburgo ocorreu a Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), mais conhecida como Rio +20, realizada entre
os dias 13 e 22 de junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro e considerada o maior evento já
realizado pelas Nações Unidas até os dias atuais. A CNUDS foi formalizada por uma
resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas e teve como característica sua extensa
abrangência temática que englobava a reavaliação das duas últimas décadas de debate sobre
meio ambiente e desenvolvimento e a proposição das bases fundamentais de ação para as
próximas duas décadas.
41
Segundo Mattei e Bescow (2012), a razão e ponto de partida para realização da
conferência Rio +20 foi a necessidade inexorável de se buscar uma solução que agregasse as
esferas econômica, social e ambiental de forma conjunta, a partir de uma perspectiva holística
na construção do desenvolvimento sustentável, passando pela reafirmação dos compromissos
estabelecidos durante a Rio-92. Perante um cenário de crise financeira e foco no
desenvolvimento “a CNUDS foi concebida como um instrumento de aproximação entre a
preservação ambiental e o desenvolvimento social e econômico.” (ANDRADE, 2012, p.18)
Além disso, Guimarães e Fontoura (2012) destacam o caráter de continuísmo presente na
concepção da CNUDS, no qual via-se como objetivo principal da Rio +20 a renovação do
compromisso político relativo a busca do desenvolvimento sustentável estabelecido durante as
principais cúpulas anteriores voltadas para o tema pelos governos dos países participantes,
com o intuito de avaliar a evolução daquilo que foi acordado e propor ações para aquilo que
foi negligenciado. Em termos de implementação, foram avaliados dois dos cinco documentos
finais acordados em 1992 durante a CNUDS, sendo estes a Declaração do Rio e a Agenda 21.
Adicionalmente a Rio +20 deveria dar prosseguimento a outros marcos em meio ambiente
como o Consenso de Monterrey (2002), a Declaração de Johanesburgo (2002) e o Protocolo
de Nagoya (2010).
Sendo o aspecto de continuidade intrínseco aos propósitos da conferência, o conceito
de desenvolvimento sustentável foi questão central nos debates, sendo que sua definição
ganhou novas nuances e uma nova roupagem. Devido a amplitude de sua conceituação e do
fato de ter sido o epicentro do debate internacional acerca da problemática ambiental nas
décadas que antecederam a Rio +20, o Desenvolvimento Sustentável foi visto sob uma nova
ótica, adequada a um contexto de crise. Essa junção entre um conceito demasiadamente
abrangente e uma conjuntura de crise trouxe a necessidade de se iniciar as negociações
referentes a conferência com grande antecedência, sendo que essa antecipação é característica
das conferências internacionais, nas quais o documento final geralmente é produzido antes do
evento principal, e que neste caso, foi uma característica potencializada na CNUDS.
A partir dessa perspectiva de antecedência, o primeiro esboço do documento final
produzido pela Rio +20 ficou conhecido como “Rascunho Zero” (zero draft em inglês) e já
estava pronto em janeiro de 2012. Segundo Abramovay (2012), o zero draft foi capaz de
enumerar vários pontos de extrema importância dentro do contexto da conferência como a
exclusão da fome, a erradicação de todas as formas de pobreza, o empenho na ampliação da
participação dos stakeholders na governança das transformações tecnológicas necessárias ao
uso mais sustentável dos recursos naturais vitais, além de citar sem muitos pormenores temas
42
centrais como mudanças climáticas, água, energia e biodiversidade. Entretanto, esse mesmo
autor, afirma que o zero draft se abstém de qualquer pronunciamento referente à duas
questões de essenciais para o futuro da organização social contemporânea, quais sejam:
desigualdades e limites. Esse documento foi finalizado em janeiro de 2012 e a partir disso foi
iniciada a consecução do documento final, chamado “O futuro que queremos”, e que ficou
pronto em 19 de junho de 2012.
Durante o processo de elaboração desses documentos e durante o próprio processo e
preparação da Rio +20, tentou-se expandir a participação de diferentes atores, especialmente a
presença da sociedade civil foi elevada nesse contexto. Isso possibilitou a votação dos tópicos
a serem debatidos por parte de indivíduos de todo o mundo, mas que acabou não tendo a
efetividade esperada devido a complexidade dos temas tratados e o contexto relativamente
adverso em que se situavam as discussões. Isso reverberou de forma negativa na passagem do
zero draft para o documento final e culminou com a geração de um documento repleto de
objetivos pouco audaciosos e que se esquivava de proposições mais específicas e detalhadas.
Essa visão é compartilhada por Amazonas (2012), que aponta a condução de longas agendas
de discussão antes e durante a conferência, as quais careciam de articulação nas pautas de
negociação, impedindo assim a produção de acordos e resultados mais palpáveis e tangíveis, o
que ocasionou a ausência de uma agenda de compromissos e metas de médio e longo prazo,
deixando para o futuro importantes definições e decisões.
Segundo Andrade (2012), o objetivo central da conferência foi robustecer os preceitos
do desenvolvimento sustentável, de forma vinculada à economia verde e ao combate a
pobreza, na agenda internacional. Ainda de acordo com este autor, destacam-se cinco pontos
que se relacionam diretamente com o objetivo principal da conferência, sendo esses: a
reafirmação das principais decisões de cúpulas anteriores; a criação de um marco conceitual
para aplicação do desenvolvimento sustentável, incluindo os temas da economia verde e do
combate à pobreza; a consolidação da estrutura organizacional para meio ambiente e
desenvolvimento sustentável; a criação dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável
(ODS); e a definição de meios de implementação para o desenvolvimento sustentável. Para
Sachs (2012), o objetivo essencial da segunda Cúpula da Terra no Rio de Janeiro era traçar
direções no intuito de auxiliar os países membros das Nações Unidas à restabelecerem suas
estratégias de longo prazo para que possam garantir até 2050, de forma conjunta, condições
de vida dignas para uma população de nove bilhões de pessoas, além de amenizar efeitos
perversos de problemas ambientais como a nociva realidade das mudanças climáticas. Já
Mattei e Bescow (2012) pontuam que a ONU definiu os seguintes objetivos da Conferência
43
Rio+20: assegurar um comprometimento político renovado para o desenvolvimento
sustentável; avaliar o progresso obtido até o momento, analisando as lacunas existentes na
implementação das metas e objetivos definidos nos diversos encontros mundiais sobre
desenvolvimento sustentável; abordar os novos desafios e temas emergentes, merecendo
destaque as questões relativas à economia verde e à governança internacional.
Os temas centrais que dominaram os debates da Rio +20 foram: a Economia Verde no
contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; o papel da governança
global para o desenvolvimento sustentável; e a reafirmação dos princípios e decisões
definidos na Rio-92. Esses três assuntos dominaram o e permearam todo o evento, apesar da
ONU ter indicado sete áreas essenciais para os debates (emprego, energia, alimentos, água,
oceanos, cidades e desastres) antes do início da conferência, tudo sob a sombra de discussões
sobre a crise econômica mundial e suas possíveis soluções. Além dos temas centrais, outras
proposições debatidas merecem destaque como: segurança alimentar; a insuficiência do
Produto Interno Bruto (PIB); a credibilidade científica; e a importância do setor privado para
o desenvolvimento sustentável.
Um grande desafio vivido na Rio +20 foi tentar conciliar os diferentes interesses dos
países participantes, fato que impôs grande dificuldade no curso das negociações realizadas
antes e durante a conferência. A preponderância das discordâncias eram aquelas que
colocavam Norte (União Europeia, EUA, Japão, Austrália, Canadá, etc..) e Sul (basicamente o
G-77) em lados opostos da mesa, formando uma dicotomia praticamente inquebrantável. De
acordo com Mattei e Bescow (2012), grande parte dos impasses vividos na fase preparatória e
no desenrolar da conferência tinham a ver com esse conflito, especialmente com a posição dos
países desenvolvidos em não querer assumir qualquer compromisso com metas de
sustentabilidade, o que impedia qualquer espécie de regulamentação em nível internacional.
Para Andrade (2012), o intuito dos países desenvolvidos era repartir de forma equilibrada os
custos provenientes da implementação de programas ambientais e sociais decorria de dois
fatores essenciais: a crise financeira contemporânea e o crescimento econômico dos países do
Sul. A crise financeira foi inclusive um grande óbice ao estabelecimento de compromissos em
direção ao desenvolvimento sustentável devido aos custos substanciais que envolvem a
implementação de tais compromissos, o que levou a uma postura extremamente hesitante dos
países desenvolvidos nesse tocante.
Dos pontos de controvérsia entre Norte e Sul destaca-se o do financiamento, no qual a
posição dos países desenvolvidos era, na maioria das vezes, irredutível. Exemplo disso foi a
rejeição, por parte dos países desenvolvidos, em se consolidar um fundo verde como proposto
44
pelos países em desenvolvimento. O destaque de irredutibilidade pode ser dado aos EUA que,
além de rejeitar grande parte das propostas, posicionou-se contra críticas relativas a um ritmo
de produção e consumo insustentáveis, característico desse país, e contra a formulação de uma
medida alternativa para o PIB. Entretanto, existiram também pontos de convergência entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento, no qual viu-se uma mobilização conjunta como
a proposta para criar um índice de medida de riqueza que inclua as variáveis sociais e
ambientais, proposta essa que foi aprovada com o apoio das Nações Unidas e da maioria dos
países, mesmo com a oposição dos EUA.
De acordo com Mattei e Bescow (2012), grande parte das críticas que emergiram após
a conferência são centradas na superficialidade das proposições, visto que elementos
preponderantes no que tange a causalidade de processos de degradação social e ambiental são
deixados de lado nos documentos oficiais da conferência. Já Andrade (2012), tem outra visão,
e de acordo com esse autor a CNUDS atingiu de forma positiva seus objetivos perante as
adversidades vigentes, pois não era objetivo que suas proposições primassem pela
especificidade, já que seu papel seria de sedimentar o debate para os anos seguintes. Esse
mesmo autor destaca que o contexto no qual se concebeu a conferência era inoportuno para a
adoção de compromissos práticos, não sendo fixadas metas ou prazos concretos sobre temas
específicos no documento final, o qual teria como principal contribuição o incentivo aos
diversos atores à transformarem vontade política em medidas efetivas de sustentabilidade e
fomentar o caminho no qual a agenda internacional seja uma agenda do desenvolvimento
sustentável.
Para Andrade (2012), os resultados gerais da CNUDS foram satisfatórios dentro das
circunstâncias adversas que lhe foram impostas e da amplitude das demandas que diferentes
atores direcionaram a ela, por isso a ambiguidade das reações em relação a esses resultados se
deve muito mais à expectativas incongruentes com os objetivos da conferência do que com o
que ela produziu. Além disso, este autor afirma que a finalidade da Rio +20 era de moldar o
debate das próximas décadas e expandir os meios de colaboração relacionados ao tema, o que
podia ser visto nos objetivos principais delineados antes e durante a conferência. Em direção
completamente oposta a essa visão, Guimarães e Fontoura (2012) afirmam que os líderes
mundiais ignoraram o caráter de urgência que o tema central do evento defendia, o que foi
evidenciado pela ausência de resultados concretos no documento final “O Futuro que
Queremos”, repleto de decisões vagas e ênfase nos discursos pouco consistentes,
transparecendo a falta de compromisso dos governos presentes na Rio +20 com a evolução da
agenda global de meio ambiente, sendo esta preterida por interesses econômicos, estratégicos
45
e de curto prazo. Esses autores vão mais longe e afirmam que predominou como resultado da
conferência uma “ reafirmação dos valores econômicos com base no capitalismo neoliberal
(principais responsáveis pelas crises econômicas, ambientais e sociais), [...] ressaltando o
poder do setor privado e dos interesses dos países desenvolvidos na atual governança
ambiental global.” (GUIMARÃES; FONTOURA, 2012, p.522).
Guimarães e Fontoura (2012) destacam várias lacunas nos resultados e no documento
final produzido pela Rio +20 como: a falta de propostas concretas e efetivas para a segurança
alimentar, um dos pontos mais fundamentais da conferência, já que um dos temas chave da
conferência era o combate a fome e a pobreza; ausência de menção à um indicador que
pudesse substituir o PIB, sendo que há apenas um trecho no qual os governos simplesmente
reconhecem a necessidade de medidas mais amplas de progresso que possam trabalhar de
forma complementar ao PIB, sendo que em nenhum momento o índice IRI é mencionado; a
falta de posicionamento com relação à Organismos Geneticamente Modificados (OGM) no
campo, tema relativo à biossegurança.
46
CAPÍTULO 4 - A ECONOMIA VERDE
4.1 A CONCEPÇÃO DE ECONOMIA VERDE
Desde 2007, o planeta tem testemunhado uma intensa crise global dos alimentos,
volatilidade nos preços do petróleo e produtos primários, crescente instabilidade climática e a
pior crise financeira mundial desde a grande depressão que ocorreu em 1929. Após anos de
declínio, a pobreza, a fome e a desnutrição voltaram a aumentar e a esperança de realizar os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) até 2015 está ameaçada, sendo que esses
ODM são: erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover
igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância;
melhorar a saúde materna; combater o HIV, a malária e outras doenças; garantir a
sustentabilidade ambiental; e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. É
dentro desse contexto que surge, com mais vigor, a noção de Economia Verde.
Com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de um plano global de transição para
uma economia verde, dominada por investimentos e consumo de bens e serviços de promoção
ambiental, a Iniciativa Economia Verde foi lançada pelo PNUMA no fim de 2008, no contexto
de uma crise financeira e econômica que havia se colocado como uma assustadora ameaça em
um mundo altamente globalizado. A essa crise aliava-se o recrudescimento de outras como as
ligadas ao clima, à biodiversidade, ao combustível, aos alimentos e à água. De acordo com o
Relatório de Economia Verde (REV) do PNUMA (2011), essas crises partilham algo em
comum: um significativo uso inadequado do capital. Sendo grande parte desse uso
inadequado do capital direcionado à pobreza, combustíveis fósseis e bens financeiros
estruturados com derivativos incorporados, enquanto uma pequena parte foi alocada em
energias renováveis, eficiência energética, transporte público, agricultura sustentável,
proteção dos ecossistemas e da biodiversidade, e conservação da terra e das águas, o que
denota um crescimento e desenvolvimento baseados em um rápido acúmulo de capital físico,
financeiro e humano em detrimento do capital natural, que levou a uma intensa degradação
desse. Esse panorama culmina em uma situação prejudicial para o bem estar das gerações
atuais e altíssimo risco para as gerações futuras, em uma direção radicalmente oposta aos
preceitos do desenvolvimento sustentável.
A Economia Verde foi elaborada a partir de análises minuciosas sobre suas
perspectivas e os dois relatórios responsáveis por sua concepção mostraram quais seriam os
cenários de curto, médio e longo prazo de tais análises. O primeiro relatório foi o Global
47
Green New Deal (GGND), publicado em 2009, com a intenção de recomendar incentivos a
tecnologias verdes nas estratégias de recuperação econômica que os países lançaram para
abrandar as consequências deteriorantes da crise financeira global que teve início nos EUA
em setembro de 2008, após a falência do tradicional banco de investimentos Lehman
Brothers. O GGND foi um resultado inicial da Iniciativa Economia Verde das Nações Unidas,
coordenada pelo PNUMA, mostrando-se uma importante peça para aumentar a visibilidade da
noção de Economia Verde e também, através de suas recomendações, para se conceber os
instrumentos que iniciariam a transição em direção à uma Economia Verde.
O segundo documento é o REV (principal ferramenta de análise da Economia Verde
no presente trabalho), que consistiu em uma das principais contribuições do PNUMA para a
Rio +20. Ele foi publicado em fevereiro de 2011 e é resultado de um trabalho de diversos
especialistas de diferentes partes do mundo. O objetivo principal do relatório é demonstrar
que uma transição para a Economia Verde acarretaria em taxas superiores de crescimento
global do PIB e do nível de emprego nos cenários de médio e longo prazos, em comparação
ao cenário atual. Para chegar a esse objetivo, o relatório concentra-se em dez setores
estratégicos da economia, considerados os propulsores das tendências definidoras da transição
para uma Economia Verde, sendo essas o crescente bem-estar humano e igualdade social,
além da redução de riscos ambientais e da escassez ecológica.
A Economia Verde foi um dos eixos centrais de debate na CNUDS e, segundo Mattei e
Bescow (2012), o elo que liga a crise de 2008 ao papel central da Economia Verde na Rio +20
é o fato da Economia Verde ter sido concebida e apresentada como a solução que levaria à
recuperação do crescimento econômico capaz de promover o uso eficiente do meio ambiente
e, concomitantemente, erradicar a pobreza através da adoção de uma estratégia voltada para se
tentar produzir cada vez mais com métodos cada vez melhores, ou melhor, a nova dinâmica
da economia deve ser dada pela expansão de setores de baixo impacto ambiental (CECHIN;
PACINI, 2012).
Segundo Mattei e Bescow (2012), a proposta suscitou diferentes reações entre os
diferentes atores, sendo que alguns setores governamentais e da sociedade civil foram a favor
de sua proposta por ela incorporar as demandas sociais e ambientais nas atividades
econômicas, enquanto outros setores à consideraram um risco por incentivar a expansã o de
processos de mercantilização da natureza e dos bens comuns da humanidade. Estando no
centro dos debates da Rio +20, a Economia Verde foi vista como uma válvula de escape com
a qual os diferentes atores poderiam articular propostas de alcance mais específico e retomar o
crescimento econômico baseado na promoção de processos limpos de produção e consumo e
48
na redução das iniquidades.
Para Guimarães e Fontoura (2012) tamanho era o foco nos debates relacionados à
Economia Verde durante a CNUDS, que temas de extrema importância como energia,
florestas, biodiversidade e saúde humana, acabaram sendo deixados em segundo plano,
negligenciando assim, necessidades reais na agenda de desenvolvimento sustentável.
Dentro dessa conjuntura, o PNUMA (2011) definiu a Economia Verde em seu relatório
como sendo “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e
igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e
escassez ecológica.” (PNUMA, 2011, p.2), de forma que ela tem baixa emissão de carbono, é
eficiente em seu uso de recursos e é socialmente inclusiva. Com tal definição, não é objetivo
da Economia Verde se sobrepor ao consagrado conceito de Desenvolvimento Sustentável, mas
ser uma forma de se alcançar esse desenvolvimento em nível regional, nacional e global, além
de dar continuidade e ampliar a implementação da Agenda 21, tal como concebida na Rio-92.
Segundo Amazonas (2012), assim como o Desenvolvimento Sustentável, o conceito
de Economia Verde “vem ocupar um papel de desaguadouro de expectativas de
convergências, buscando firmar-se enquanto um espaço de consensos e entendimento comum,
na busca do estabelecimento de caminhos efetivos de ação” (AMAZONAS, 2012, p. 33).
Além disso, o intuito da Economia Verde é fazer com que o conjunto de processos produtivos
da sociedade e suas consequentes transações contribuam de forma progressiva para o
Desenvolvimento Sustentável, englobando suas esferas social e ambiental e colocando a
esfera econômica como fio condutor dessa mudança. Segundo o REV, a Economia Verde
seria o modelo certo de economia para se chegar ao Desenvolvimento Sustentável.
Para Sawyer (2011), tanto a Economia Verde quanto e o Desenvolvimento Sustentável
devem ser promovidos, destacando a instrumentalidade e a concretude do primeiro, enquanto
o segundo tem como características ser mais abstrato e diplomático. Esse autor comenta que o
adjetivo verde pode sensibilizar tomadores de decisão, mas alerta para que se mantenham os
avanços de 1992 e que se tomem todas as medidas para priorizar a manutenção das funções
ecossistêmicas para atendimento das gerações futuras, independente de recursos adicionais,
novas tecnologias e novas formas de governança.
Segundo o PNUMA (2011), dois mitos que assombram a ideia de uma transição para a
Economia Verde devem ser derrubados. O primeiro afirma existir um trade-off inexorável
entre crescimento econômico e sustentabilidade ambiental, enquanto o segundo mito
argumenta que a transição representa um luxo pelo o qual somente os países desenvolvidos
podem pagar e também uma forma de países ricos estancarem o crescimento de países em
49
desenvolvimento. A ferramenta usada para essa desmistificação foi o modelo de projeção T21 (Theshold 21), apresentado no REV. Nesse modelo, foram analisados os comportamentos
de algumas variáveis na simulação de cenários da Economia Verde, os resultados dessas
simulações mostraram as várias vantagens de modelo Economia Verde quando comparado ao
modelo tradicional (BAU - Business as usual). O modelo T21 foi criado para dar suporte a um
processo de planejamento global e integrado, além de ser composto por três pilares:
econômico, social e governo (D’AVIGNON;CARUSO, 2011).
D’Avignon e Caruso (2011) adicionam que para se derrubar o segundo mito devem ser
realizados investimentos para a geração e difusão de tecnologias mais limpas, no entanto a
difusão de uma gama de tecnologias mais limpas está condicionada a mudanças no marco
institucional que ofereçam sustentação às atividades econômicas, também sendo necessária
uma reorientação das políticas educacionais e de ciência e tecnologia, além uma integração
das políticas ambientais com as de outras áreas.
Na Economia Verde, o crescimento da renda e do emprego, variáveis que estão
atreladas diretamente a retomada do crescimento econômico, deve ser fomentado por
investimentos públicos e privados baseados em três estratégias fundamentais, quais sejam: a
redução das emissões de carbono; uma maior eficiência energética e no uso de recursos; e a
prevenção da perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. A mudança de um
crescimento “marrom”, baseado em políticas e incentivos de mercado que contribuem para o
uso inadequado do capital, em direção à um crescimento “verde”, representaria um salto
qualitativo que levaria a uma geração de empregos decentes e representaria uma estratégia
vital para a erradicação da pobreza.
Pelo lado do setor público, os esforços devem ser feitos em direção à eliminação
progressiva de ultrapassados subsídios, à reforma de políticas e o fornecimento de novos
incentivos, ao fortalecimento da infraestrutura de mercado e mecanismos de base de mercado,
ao redirecionamento do investimento público e a tornar mais verdes os contratos públicos. Já
o setor privado deve aproveitar a verdadeira oportunidade representada pela transição das
economias verdes em relação a um número de setores chave, e responder a reformas políticas
e aos sinais dos preço através de níveis cada vez mais altos de financiamento e investimento.
Para se aplicar as ações voltadas para a Economia Verde, é necessário que essas sejam
incentivadas por condições facilitadoras que consistem em um panorama de regulamentos
nacionais, políticas, subsídios e incentivos, mercado internacional, infraestrutura legal, assim
como protocolos comerciais e de apoio. Na atual conjuntura as condições facilitadoras
incentivam e tem um papel considerável na predominante economia marrom que, dentre
50
outras características, depende excessivamente da energia proveniente dos combustíveis
fósseis. A partir do estabelecimento de condições facilitadoras para promoção da transição
para a Economia Verde, é possível se chegar a uma situação na qual sustentabilidade
ambiental e progresso econômico são conciliáveis e com tais condições, qualquer país pode
ser beneficiado pela Economia Verde, não sendo ela restrita a países desenvolvidos apenas.
O REV mostra que o “esverdeamento” das economias é um novo mecanismo de
crescimento e não um obstáculo a ele. O relatório traz três formas para se fomentar os
investimentos na transição para uma Economia Verde, sendo eles: a apresentação de um
argumento econômico para o deslocamento de investimentos públicos e privados para
transformar setores chave considerados críticos para “esverdear” a economia global; a
Economia Verde como instrumento para reduzir a pobreza através de uma série de setores
importantes - agricultura, silvicultura, água doce, pesca e energia - e através de políticas para
atingir essa mudança, baseadas na redução e eliminação de subsídios prejudiciais e contrários
ao meio ambiente, lidando com falhas de mercado criadas por externalidades, por um quadro
adequado de regulamentos e pelo estímulo de investimentos.
De acordo com o REV, apesar de afirmar que todos os países são capazes de se
beneficiar pela Economia Verde, a transição para tal vai variar de forma significante entre as
nações por depender das especificidades de três fatores dentro de cada país, sendo eles o
capital humano, o capital natural e o seu nível relativo de desenvolvimento. Conforme
ilustrado no gráfico 01, observa-se que há diferenças situacionais de um país para outro.
Enquanto os países desenvolvidos, em sua maioria, devem reduzir suas pegadas ecológica s
per capita sem trazer prejuízos à sua qualidade de vida, a maioria países em desenvolvimento
devem aumentar o nível de bem-estar de seus cidadãos sem aumentar potencialmente suas
pegadas ecológicas.
51
Gráfico 1 - Dados dos índices de desenvolvimento humano
Fonte: PNUMA, 2011, p. 3.
O relatório aponta para a necessidade de se usar indicadores adequados na transição
para uma Economia Verde em ambos níveis macroeconômico e setorial. Nessa perspectiva o
PIB, indicador econômico mais presente nas análises de desempenho econômico da maioria
dos países, é considerado um indicador incompleto, que traz uma imagem distorcida da
situação pois tal indicador não traz em seu bojo a informação de quanto capital natural está
sendo deteriorado. Sendo o PIB apenas um exemplo de indicador convencional que não
abrange de forma correta todas as esferas a serem analisadas, a sugestão do relatório é que
mudanças em reservas de capital natural sejam mensuradas em termos monetários e
incorporadas nas contas nacionais e menciona como instrumento para tal o contínuo
desenvolvimento do Sistema Integrado Ambiental e Econômico pela Divisão de Estatística da
ONU, e pelos métodos ajustados de valores líquidos das reservas nacionais do Banco
Mundial.
O capital natural é o grande veículo apontado pelo REV para se trilhar o caminho do
desenvolvimento como proposto pelo modelo baseado na Economia Verde, sendo necessário
mantê-lo, aprimorá-lo e reconstruí-lo como um bem econômico crítico e como uma fonte de
benefícios públicos, especialmente para a parcela mais pobre da população que depende
diretamente da natureza para seu sustento. O capital natural está ligado a diversos aspectos da
52
biodiversidade que, em todos os seus níveis, contribui para o bem-estar humano,
proporcionando importantíssimos serviços ecossistêmicos que até hoje foram invisíveis em
termos econômicos.
Na concepção da Economia Verde, valores econômicos devem ser estimados para
esses serviços ecossistêmicos, sendo o valor atual deles uma parte essencial do capital natural.
Esses serviços são de extrema importância para assegurar a estabilidade do ciclo de água,
além do ciclo do carbono e seu papel na mitigação climática. No modelo de investimento
proposto pelo relatório, 0,5% do PIB mundial seria destinado a setores de capital natural,
sendo eles a silvicultura, a agricultura, água doce e indústria pesqueira.
A proposição geral do relatório é que para se realizar uma transição para a Economia
Verde deve-se investir 2% do PIB global em dez setores chave, sendo eles: agricultura,
construção, pesca, silvicultura, abastecimento de energia, indústria, turismo, transportes,
manejo de resíduos e água. O valor corresponde a US$1,3 trilhões por ano e estimularia o
crescimento da economia global a níveis provavelmente superiores em relação ao do atual
modelo econômico. Os valores anuais propostos para cada setor seriam os seguintes: US$110
bilhões para a agricultura; US$134 bilhões para a construção civil; acima de US$360 bilhões
para o setor energético; US$110 bilhões para a pesca; US$15 bilhões para a silvicultura;
US$75 bilhões para a indústria; US$135 bilhões para o turismo; US$190 bilhões para o setor
de transportes; US$110 bilhões para a gestão de resíduos; e US$110 bilhões para
investimentos relacionados à água. (PNUMA, 2011)
4.2 PROPOSTAS DE TRANSIÇÃO PARA A ECONOMIA VERDE EM CADA
SETOR
O REV traz uma série de argumentos relativos à transição de cada setor para uma
Economia Verde, destacando quais as virtudes de cada setor para realizar essa transição assim
como os desafios a serem enfrentados durante a mesma. A partir disso, o relatório aponta as
oportunidades que seriam geradas para cada setor ao realizar a transição, além de apresentar
os resultados que seriam alcançados com a transição. A seguir veremos um breve resumo das
recomendações e análises para cada setor.
4.2.1 Agricultura
O relatório PNUMA (2011) destaca que o grande desafio para a agricultura é alimentar
53
9 bilhões de pessoas até 2050 sem comprometer os ecossistemas e a saúde humana a partir
das externalidades geradas pelas práticas atuais desse setor, que atualmente usa mais de 70%
dos recursos de água doce do mundo e contribui com mais de 13% das emissões de gases
efeito estufa (GEE).
De acordo com o relatório, a redução do desmatamento e o aumento do
reflorestamento são positivos não somente no sentido econômico, mas também colaboram
para a agricultura e o modo de vida rural, e podem ser alcançadas por mecanismos e mercados
econômicos como certificação para produtos florestais, pagamentos por serviços do
ecossistema, esquemas para compartilhar benefícios até parcerias com base na comunidade.
Vale dizer que a agricultura e a pecuária tem uma boa cota de responsabilidade nas altas taxas
de desmatamento e degradação florestal.
No que tange ao “esverdeamento” da agricultura visando uma solução para a
problemática alimentar necessita-se de bens de capital físico, investimentos financeiros,
pesquisa e investimento em capacitação, treinamento e educação em cinco áreas
fundamentais: gerenciamento de fertilidade do solo, uso mais eficiente e sustentável da água,
diversificação de culturas e animais, gerenciamento da saúde animal e vegetais biológicos, e
um nível adequado de mecanização agrícola.
O papel do setor público, através de um fortalecimento institucional, também é de vital
importância para se chegar a uma transição plena e positiva na agricultura. Isso passaria por
políticas centradas na redução e eventual remoção de subsídios ecologicamente prejudiciais
que distorçam os verdadeiros custos de contribuições agrícolas insustentáveis, além da
incitação de preços e reformas regulamentares que seriam responsáveis pelos referentes custos
de degradação ambiental em alimentos e preço de mercadorias.
Os resultados que podem ser atingidos a partir de uma transição da agricultura em
direção a Economia Verde podem trazer os seguintes benefícios: a melhora na regulação
climática alcançada com a redução do desmatamento pela metade traz ganhos que equivalem
ao triplo do valor dos custos; aumento da qualidade do solo e da produção mundial para
maiores culturas a partir de investimentos em agricultura verde; redução da pobreza nos
países em desenvolvimento com foco no pequeno agricultor; aumento da disponibilidade de
alimentos e maior facilidade no acesso aos mercados internacionais emergentes para produtos
verdes através da adoção de práticas sustentáveis; e redução do desmatamento e do uso de
água em 55% e 35%, respectivamente.
54
4.2.2 Construção Civil
O setor de construção civil é, segundo o REV (PNUMA, 2011), aquele que mais
colabora para as emissões globais dos gases de efeito estufa, o que está diretamente
relacionado ao fato de um terço do total da energia mundial ser consumido em construções.
Além disso, esse setor é responsável por mais de um terço do consumo mundial de recursos,
incluindo 12% de toda a água doce, e contribuindo de maneira substantiva para a geração de
resíduos sólidos (cerca de 40%). A previsão em relação a pegada climática gerada pelo setor
também não é nada agradável, representando o dobro do que é hoje em 2030.
Através de tecnologias já existentes, o setor tem potencial para reduções significativas
de emissões de baixo-custo. A evolução do fornecimento de energia renovável também pode
trazer muitos benefícios para o setor. O relatório aponta também que a Iniciativa para a
Construção Sustentável do PNUMA (2011) e parceiros tem demonstrado que as políticas mais
eficientes e rentáveis são aquelas relacionadas à aplicação de padrões sustentáveis no setor de
construção civil, grande parte das vezes apoiadas por incentivos econômicos e fiscais, assim
como capacitação.
Os principais resultados que devem ser atingidos a partir da transição desse setor para
a Economia Verde são: investimentos na melhoria da eficiência energética na construção civil
poderia gerar um grande número de empregos a mais; investimentos de US$300 a 1000
bilhões por ano até 2050 podem resultar na economia de um terço de energia nos setores de
construção civil no mundo inteiro comparando-se com as projeções relativas às práticas
correntes; fortalecimento da economia doméstica; melhoria da saúde ambiental; aumento da
eficiência do uso de materiais, terra e água; redução do desperdício e os riscos associados a
resíduos perigosos; e redução da poluição do ar em recintos fechados.
4.2.3 Setor energético
Esse é um setor chave e que tem grande influência nos demais setores e na transição
para a Economia Verde no seu todo. Segundo o REV (PNUMA, 2011) existem 1,6 bilhão de
pessoas no mundo que não têm eletricidade e, além de não ser sustentável, o sistema de
energia atual é também altamente desigual, deixando 2,7 bilhões de pessoas dependendo da
biomassa tradicional para cozinhar, o uso de biomassa tradicional e carvão deverão causar
mais de 1.5 milhão de mortes prematuras por ano até 2030. Além disso, deve-se destacar que
o crescimento urbano é cada vez mais intenso e As cidades atualmente são responsáveis por
55
75% do consumo de energia e 75% das emissões de carbono.
Garantir acesso à eletricidade para todos deve exigir, de acordo com o relatório e
baseado em estimativas da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Industrial, US$756 bilhões – ou US$36 bilhões por ano – entre 2010 e 2030.
Atualmente o setor de energia é baseado preponderantemente em combustíveis fósseis
e representa a principal origem da mudança climática, sendo responsável por dois terços das
emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a volatilidade do preços dos combustíveis
fósseis afeta os países que dependem de sua importação, especialmente os países em
desenvolvimento são prejudicados por essa volatilidade.
De acordo com o PNUMA (2011), deve-se substituir os investimentos em fontes de
energia intensivas em carbono por investimentos em energia limpa, bem como se realizar
aprimoramentos na eficiência. Os governos podem incentivar a transição no setor a partir de
tarifas diferenciadas de alimentação da rede, subsídios diretos e créditos tributários, os quais
podem tornar o perfil risco/receita dos investimentos em energia renovável mais atraente.
O setor de energia renovável vêm crescendo profusamente e há um grande potencial
para um crescimento ainda maior do setor que empregava em 2006 mais de 2,3 milhões de
pessoas em todo o mundo direta ou indiretamente. Investir em fontes renováveis que estão
disponíveis
localmente,
muitas
vezes
de
maneira
abundante,
poderia
aumentar
substancialmente a garantia no fornecimento de energia e, consequentemente, traria
benefícios econômicos, financeiros e relacionados a segurança. Além disso, o crescimento do
setor de energia renovável pode reduzir os riscos de aumentos e servir de proteção contra a
volatilidade dos preços para os combustíveis fósseis.
A partir do modelo proposto pelo REV, estima-se que quase metade do total de
investimentos foram direcionados para eficiência de energia e energia renovável, resultando
em 20% empregos a mais do que as práticas atuais até 2050, ao mesmo tempo em que
permitiria um crescimento econômico substancial e uma queda nas emissões. Somado a isso,
“um acordo mundial sobre emissões de carbono e a garantia resultante de que haverá um
mercado de carbono futuro e a fixação de preços é um forte incentivo para mais investimentos
comerciais em energia renovável” (PNUMA, 2011, p. 15).
4.2.4 Pesca
A pesca é um dos setores que representa uma fonte vital para sustento e sobrevivência
de uma boa parcela da população carente mundial e a escassez de recursos em decorrência da
56
deterioração ambiental afeta de forma avassaladora esse setor.
A situação descrita pelo REV (PNUMA, 2011) mostra que subsídios em torno de
US$27 bilhões por ano, sendo que no mínimo 60% desse valor foi destinado a práticas
prejudiciais, ocasionaram um excesso de capacidade duas vezes maior que a habilidade de
reprodução dos peixes. Estima-se que o esgotamento da pesca tenha como resultado a perda
do benefício econômico no montante de US$50 bilhões ao ano.
De acordo com o REV, para tornar esse setor verde é preciso haver uma reorientação
dos gastos públicos com o objetivo de revigorar o gerenciamento dessa indústria e financiar
uma contenção do excesso de capacidade através da desativação de navios e equitativamente
realocar empregos no curto prazo, todas essas ações voltadas para o reestabelecimento das
reservas pesqueiras que ou foram pescadas além do cabível ou se esgotaram.
No curto e médio prazos esse setor sofreria com quedas tanto na produção quanto no
nível de emprego, pois passaria por ajustes como a necessidade de se reduzir a extração
excessiva de recursos e dos esforços de pesca. Para combater esses efeitos colaterais deve-se
adotar medidas como demissões em um número reduzido na pesca em larga escala, além dos
pescadores obterem a possibilidade de ser treinados para meios alternativos de subsistência
como a participação na reconstrução das reservas de peixes.
Como pudemos ver amenidade não é uma característica do setor da pesca na transição
para uma Economia Verde. Porém, de acordo com o REV, os esforços serão recompensados e
entre 2030 e 2050, esses investimentos verdes levariam a um aumento no número de
empregos para igualar-se às atividades regulares, onde o crescimento de empregos seria mais
limitado pela escassez de recursos e energia. A partir de 2050 esse crescimento seria ainda
maior com a recuperação constante dos estoques de pesca.
4.2.5 Silvicultura
Segundo o REV “A silvicultura sustentável e os métodos de cultivo ecologicamente
corretos ajudam a conservar a fertilidade do solo e recursos hídricos em geral [...]” (PNUMA,
2011, p.2) com destaque para a agricultura de subsistência, da qual 1,3 bilhão de pessoas
dependem para auferir seu sustento. Assim sendo, esse setor tem um papel fundamental para a
transição em direção à Economia Verde e de uma maior preservação dos serviços
ecossistêmicos. O objetivo central com relação a esse setor seria redução de 50% no
desmatamento até 2030 com o concomitante aumento das florestas plantadas para sustentar a
produção de silvicultura.
57
A principal proposta de transição para a Economia Verde no setor de Silvicultura seria
o desenvolvimento de acordos nacionais e internacionais em torno de um regime REDD+
(Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Lançado em setembro de 2008
pelas organizações FAO, PNUD e PNUMA e originalmente chamado de REDD, tratava-se de
um mecanismo que aufere valor ao carbono absorvido pelas florestas, o que implica em uma
maior preservação das florestas e consequentemente uma contenção nas emissões de gases de
efeito estufa associadas ao desmatamento e degradação florestal. A partir da ampliação do
conceito para REDD+, o mecanismo ganhou contornos políticos ao contemplar formas de
prover incentivos positivos aos países em desenvolvimento quando esses gerirem
sustentavelmente e conservarem suas florestas, reduzirem as emissões de gases e aumentarem
reservas florestais de carbono. O REDD+ chega como uma alternativa para os países em
desenvolvimento alcançarem fundos na escala necessária para uma transição eficaz para uma
economia verde.
Como resultado da transição haverá um aumento do valor adicionado na indústria
florestal para mais de 20% em comparação com o modelo das práticas atuais a partir do
pagamento aos proprietários de terras florestais para que eles as conservem aliado à
investimentos privados para reflorestamento, o que também levaria a impulsionar o trabalho
formal neste setor e elevar robustamente o carbono armazenado em floresta. Em relação ao
REDD+, o REV mostra que há evidências crescentes de suas vantagens não somente para a
regulamentação climática e os serviços de conservação da biodiversidade, mas também na
ampliação da escala de recursos para as comunidades que são as guardiãs a nível paisagístico
4.2.6 Indústria
A indústria pode ser vista como a grande barreira a ser enfrentada para uma transição
rumo a Economia Verde, pois como consta no REV (PNUMA, 2011) esse setor é responsável
por cerca de 35% do uso global de eletricidade, mais de 20% das emissões de CO2 e mais de
25% da extração de recursos primários, além de representar 10% da demanda de água atual.
Segundo as orientações do REV, para tornar esse setor verde deve-se ampliar a vida
útil dos produtos manufaturados através de maior ênfase em reprojetar, refabricar e reciclar.
A soma dessas medidas e investimentos verdes proporcionará uma redução no
consumo de energia industrial para quase metade em comparação ao modelo atual.
58
4.2.7 Turismo
O turismo convencional certamente provoca alterações significativas no meio
ambiente como, por exemplo, a geração de lixo e o dano à biodiversidade terrestre e marítima
locais, entretanto o crescimento anual de 20% do ecoturismo, em torno de seis vezes a taxa de
crescimento do restante do setor, vem para contrabalançar essa tendência (PNUMA, 2011).
Por ser uma importantíssima fonte de recursos humanos, o setor representa uma
grande oportunidade em termos de mão de obra para uma transição rumo a Economia Verde.
A expectativa é que, com a transição, esse potencial seja reforçado aumentando-se o
envolvimento da comunidade e fomentando a economia local, levando assim, a uma redução
da pobreza na região (PNUMA, 2011).
4.2.8 Transportes
No que tange ao setor de transportes o REV (PNUMA, 2011) aborda essencialmente
dois pontos: as formas preponderantes de transporte e a eficiência dos combustíveis por eles
usados. Os meios de transportes preponderantes hoje no meio urbano são responsáveis por
mais da metade do consumo mundial de combustíveis fósseis líquidos e por quase um quarto
do CO2 relacionado à energia lançada na atmosfera segundo o REV. Esses custos sociais e
ambientais chegam atualmente a 10% do PIB de um país ou região.
As estratégias de transição destacadas pelo REV para esse setor são: reduzir viagens
através da integração do planejamento do uso do solo e dos transportes, e da produção e
consumo local; transportes públicos e não motorizados para passageiros e transportes
marítimos e ferroviários para fretes; e aperfeiçoar tecnologias relacionadas à produção de
veículos e de combustível. Além disso, incentivos econômicos podem estimular tais
estratégias.
Essas medidas aumentariam o emprego no setor cerca de 10% acima do modelo atual
e contribuiria para diminuir a dependência por combustíveis baseados em petróleo.
4.2.9 Gestão de resíduos
Esse setor é realmente promissor na transição para um mundo mais sustentável e seu
“esverdeamento” implica na certeza de se transformar um passivo ambiental e econômico em
um ativo ambiental e econômico. Com o crescimento populacional e o aumento da riqueza,
59
crescerá também, de forma pujante, a produção de resíduos. A estimativa é que sejam
produzidos mais de 13,1 bilhão de toneladas de resíduos em 2050 (PNUMA, 2011).
As atividades relacionadas à gestão de resíduos estão se tornando cada vez mais
lucrativas e essa tendência deve persistir, já que os recursos desperdiçados tornam-se cada vez
mais valiosos. Atualmente, somente 25% de todo o lixo é recuperado e reciclado, o que
mostra que há um terreno fértil para transformar esse passivo em ativo. De acordo com o
PNUMA (2011), a separação e o processamento de itens recicláveis sustentam 10 vezes mais
empregos que aterros sanitários ou incineração em termos de tonelada métrica.
Com a transição rumo a Economia Verde, estima-se que o crescimento de empregos
no setor seja de 10% acima das tendências atuais, o desafio nesse caso estaria ligado aos
aspectos qualitativos desses empregos, para que esses sejam realmente empregos “verdes”.
Além disso, o REV do PNUMA mostra que com investimentos “verdes”, a taxa de reciclagem
em 2050 seria mais de três vezes o nível projetado sob o modelo atual, e a quantidade de lixo
destinado a aterros seria reduzido em mais de 85%. No que tange à benefícios para o clima,
entre 20-30% das emissões de metano dos aterros projetadas para 2030 seria reduzido com
custos negativos, e 30-50% a custos menores que US$20/tCO2-eq/ano.
4.2.10 Água
É fato amplamente difundido que a água que consumimos está se tornando escassa e
as previsões são de uma piora nesse quadro, caso mantenham-se os padrões de produção,
distribuição e consumo atuais. A falta de acesso à água por boa parte da população carente faz
com que esse extrato da população tenha que gastar boa parte de sua renda com a compra de
água de fornecedores, além do tempo gasto para seu transporte. Somado a esses fatores,
serviços sanitários inadequados trazem elevados gastos com doenças transmitidas pela água
para países em desenvolvimento.
De acordo com o REV (PNUMA, 2011), essa crescente escassez pode ser mitigada por
políticas que visem a melhoria da eficiência e fornecimento de água através de investimentos
em infraestrutura, melhores de acordos institucionais, sistemas de posse e verbas, expansão do
uso de pagamento por serviços ecossistêmicos, redução de subsídios ao custo de produção,
aperfeiçoamento da tarifação de água e um progresso nos acordos financeiros. Além disso, a
partir de investimentos verdes, uma melhoria na agricultura, nos setores industrial e
municipal, incidiriam em uma redução da demanda por água para cerca de um quinto até
2050, em comparação com tendências projetadas, o que diminuiria a pressão sobre as águas
60
subterrâneas e de superfície tanto a curto quanto a longo prazo.
Através de investimentos verdes no montante de 0,16% do PIB mundial por ano, o uso
de água a nível global pode ser mantido dentro de limites sustentáveis e os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio para água seriam alcançados até 2015. Em relação a oferta de
empregos nesse setor, haveria um período de ajuste no qual a oferta seria reduzida de 20% a
25% até 2050 devido a melhorias na eficiência e redução do consumo total. Entretanto, essas
estimativas desconsideram oportunidades de novos empregos gerados pelo desenvolvimento
da infraestrutura voltada à eficiência do uso da água.
4.3 POSSÍVEIS VIRTUDES E LACUNAS DA ECONOMIA VERDE
Para muitos autores a grande falha estrutural da proposta Economia Verde está no fato
de seu objetivo principal ser a retomada do crescimento econômico sob os moldes do
mainstream econômico, apresentando apenas mudanças mercadológicas pontuais em sua
estratégia (PÉRET, 2012;ABRAMOVAY, 2012; SAWYER, 2011; et al). Mattei e Bescow
(2012) argumentam que os problemas ambientais e sociais atuais urgem pela conformação de
projetos menos pautados pelo crescimento econômico e mais conectados a uma perspectiva
holística.
Para Abramovay (2012), economia verde é aquela voltada à diminuição radical no uso
de materiais e da energia presentes na produção de bens e serviços, a qual seria capaz de
atingir os objetivos socioambientais que se pode esperar do sistema econômico. Entretanto,
segundo este autor, essa conclusão não se sustenta, pois por mais que se aumente a eficiência
material e energética da economia contemporânea, a pressão sobre os ecossistemas continua a
aumentar, mesmo que em menor escala, o que incompatibiliza o crescimento econômico
propagado pela economia capitalista dominante (neoclássica) e referendado, apesar de uma
abordagem mais qualitativa, pela Economia Verde. O reconhecimento dos limites impostos
pelos ecossistemas é uma condição sine qua non para um processo de desenvolvimento que
possa ser visto como sustentável. O progresso técnico não é capaz de corrigir os danos
causados na produção e no consumo e nem de substituir infinitamente os recursos exauridos,
sendo as mudanças climáticas um exemplo disso. Além disso, o petróleo juntamente com um
imenso conjunto de matérias primas possui um pico de extração.
Péret (2012), é categórico ao dizer que “ a economia verde não aponta para uma nova
relação entre as culturas humanas e a natureza.” (PÉRET, 2012, p.46) Para Abramovay
(2012), uma nova economia deve ser concebida justamente a partir de uma mudança na
61
relação entre sociedade e natureza, no caso da Economia Verde a relação que sofre uma
limitada mudança é aquela entre Economia e Natureza.
Seguindo na direção de uma nova economia baseada na sustentabilidade e na ética, a
inovação deve andar junto com a perspectiva de limite, sendo que essa inovação se refere à
produzir mais com cada vez menos trabalho ou menos capital, e não com o aumento
desenfreado da produtividade. Esse conceito de inovação deve estar alinhado com a ideia de
se “reduzir a dependência em que se encontra a vida econômica no uso crescente de recursos
materiais e energéticos.” (ABRAMOVAY, 2012, p.19).
Abramovay (2012) destaca que a proposta possui um lado virtuoso, pois faz emergir
uma importância enorme a oportunidades de ganho econômico com base no emprego mais
eficiente dos materiais, da energia e da própria biodiversidade, além de poder provocar uma
reflexão convergente entre empresas, sociedade civil e governos no que concerne ao sentido e
a utilidade do que se produz para o processo de desenvolvimento. Comparado a essa visão a
proposta feita pelo PNUMA para se implantar um novo modelo baseado na Economia Verde
se resume a uma mudança qualitativa radical na produção, mas mantendo o mesmo arcabouço
político e econômico vigente, sugerindo apenas mínimas alterações que não levam a uma
mudança real no bojo do modelo vigente. Em termos quantitativos, a Economia Verde indica
ser conveniente manter a ideia de crescimento e expansão da produção.
Essa ideia é corroborada por Amazonas (2012), que afirma que a Economia Verde é
uma proposta que fica muito distante de contestar as bases e os valores fundamentais do
modelo econômico vigente, que tem como objetivo último o crescimento econômico, sendo
assim a estratégia da Economia Verde se resume em dar continuidade ao modelo de produção
e consumo como ele é, só que provendo esse modelo de sustentabilidade, ou seja, a palavra
sustentabilidade está muito mais ligada à continuidade do objetivo final econômico como ele
é, e a questão ambiental é vista como o preço a se pagar para se conquistar essa continuidade.
Péret (2012), afirma que a Economia Verde não questiona os paradigmas atuais no que
concerne à relação entre produção e consumo, desenvolvimento e crescimento, além dos três
pilares básicos: propriedade, lucro e acumulação.
No trecho a seguir, Abramovay (2012) mostra como o modelo proposto pela Economia
Verde pode ser apenas um remédio paliativo e não uma solução de caráter definitivo:
O avanço extraordinário das energias renováveis, os progressos químicos e
biológicos no manuseio das plantas e do solo e as conquistas tecnológicas na
reciclagem e na reutilização dos detritos não conduzem a espécie humana a um graal
energético e material no qual a noção de limite se tornaria supérflua.
(ABRAMOVAY, 2012, p.18)
62
Estudos mostram que, nos países mais ricos, a elevação na disponibilidade de bens e
serviços materiais e de renda nem de longe é proporcional ao sentimento de melhoria na
qualidade de vida. Isso levanta a questão de qual a vantagem de um modelo que se baseia na
expansão incessante da economia nesses locais. Reformular macroeconomicamente esse
modelo implica que se reformule ele microeconomicamente também no que tange a formular
novas metas para as firmas, que alterem o sentido da ação empresarial e as medidas de sua
eficiência. Uma constatação de que um constante aumento na disponibilidade de bens e
serviços materiais e de renda não gera um constante aumento de bem-estar global é que apesar
da produção material ter atingido uma escala impressionante, nunca houve tantas pessoas em
situação de miséria extrema, ainda que proporcionalmente representem parcela da população
menor que em qualquer momento da história moderna, ou seja, a questão das desigualdades
persiste e não é bem abordada na Economia Verde.
De acordo com Abramovay (2012), uma nova economia deve apoiar-se em um
metabolismo industrial que reduz de forma robusta o uso de carbono na base material e
energética da sociedade, além de oferecer oportunidades para que as necessidades básicas dos
seres humanos sejam preenchidas. Nesse ponto o autor vai de acordo a ideia inicial propagada
pela Economia Verde, porém ele afirma que isso deve ser feito dentro dos limites das
possibilidades dos ecossistemas, e como vimos, esse conceito de limites das possibilidades do
ecossistema é um tanto obscuro no discurso da Economia Verde. Indo mais a fundo, “um novo
metabolismo se apoia na revisão dos objetivos da própria economia” (ABRAMOVAY, 2012,
p. 21). o que passa longe dos preceitos da Economia Verde, pelo contrário, a Economia Verde
busca manter os objetivos da economia vigente, mudando apenas os meios para alcançá -lo.
Abramovay (2012) aponta também a ética como elemento central de uma nova
economia, na qual a justiça e a virtude sejam grandes balizadoras nas decisões sobre o uso dos
recursos materiais e energéticos e na organização do próprio trabalho das pessoas. A ética
deve estar no centro da vida econômica e das decisões empresariais. Não se pode, por
exemplo, uma empresa que produz refrigerantes estimular a reciclagem de água e achar que
está fazendo um belo papel, quando na verdade seu produto está diretamente vinculado a
epidemia da obesidade, ou seja, não adianta ter os melhores métodos e práticas e ao mesmo
tempo provocar resultados de caráter social negativos. Nas palavras de Abramovay (2012)
isso “é a dimensão micro do macrodesafio, que consiste em fazer do crescimento econômico
um meio e não uma finalidade irredutível a qualquer coisa que não seja ela mesma.”
(ABRAMOVAY, 2012, p. 22).
Alguns autores como Mattei e Bescow (2012), D’Avignon e Caruso (2011) e Sawyer
63
(2011) alertam para o caráter superficial da Economia Verde no que tange ao termo “verde”,
pois ao pretender “esverdear” a economia a Economia Verde pode apenas estar colocando
uma máscara, uma espécie de véu verde, sem necessariamente mudar a economia em seu
bojo. Um exemplo prático do chamado “greenwashing” foi dado por Goleman (2009) em sua
obra “Inteligência Ecológica” na qual ele narra uma ocasião em que comprou uma camiseta
na qual tinha uma etiqueta que dizia “100% algodão orgânico: faz um mundo de diferença”.
Nesse caso podemos ver um marketing sustentável de grande apelo, mas apesar de não se
utilizar pesticidas no cultivo de tal algodão, outros fatores nada sustentáveis merecem nossa
atenção como a necessidade de se dispor de dez mil litros de água para se confeccionar uma
única camiseta, o fato da camiseta ser tingida com alguma cor, os fio de algodão serem
alvejados e depois tingidos, além das substâncias químicas industriais presentes na produção
da camiseta (cromo, cloro e formaldeído). Isso representa bem um exemplo de
“greenwashing” e que mostra sua ambiguidade, podendo ser uma manobra de mercado
apenas para “inglês ver” ou um primeiro passo em direção a real sustentabilidade.
Essa alusão ao “greenwashing” pode ser transportada para a economia como um todo
como visto em Guiommarães e Fontoura (2012), Amazonas (2012), D’Avignon e Caruso
(2011), Péret (2012) e Sawyer (2011). Os autores citados conjecturam que a Economia Verde
pode simplesmente ser a Economia Neoclássica pintada de verde, ou seja, que as bases do
pensamento neoclássico podem trazer resultados positivos para a economia global através da
impulsão de novos segmentos de mercado e da priorização do crescimento da renda e do
emprego. Assim como no exemplo da camiseta feita de algodão orgânico, a perspectiva macro
do “greenwashing” também pode acarretar em um resultado ambíguo no qual pode se incitar
a aurora de uma mudança maior e consistente ou onde se alcance um resultado superficial e
pífio, que só leve a uma maior deterioração do problema.
A maioria dos autores tem uma visão crítica com relação a natureza neoclássica da
Economia Verde. Guimarães e Fontoura (2012) consideram ingênua a ideia de se utilizar
premissas econômicas para o desenvolvimento sustentável e mencionam a ineficácia dos
mecanismos de mercado para a economia e a sociedade em geral. Esses autores alertam para a
gravidade das consequências que esses mecanismos podem trazer e fazem uma pergunta
irônica: “seria “green economy” (em português, economia verde) ou “greed economy” (em
português, economia gananciosa)?” (GUIMARÃES; FONTOURA, 2012, p. 520). Amazonas
(2012) mantém esse discurso no seguinte trecho “a crença na suficiência das forças de
mercado em conduzir aos resultados mais desejáveis para a sociedade é, pela experiência
histórica ou pelo bom senso, algo ingênuo, pretensioso ou puramente dogmático.”
64
(AMAZONAS, 2012, p. 34). D’Avignon e Caruso (2011) adicionam que esses mecanismos
não são capazes de trazer uma mudança radical para a economia global, de forma que acarrete
em uma alteração positiva na relação entre as atividades humanas e o meio ambiente,
enquanto Sawyer (2011), alerta para a possibilidade da Economia Verde ser apenas um gesto
simbólico para uma estratégia de manutenção do atual status quo.
Um dos grandes questionamentos relacionados a Economia Verde é direcionado ao
fato do objetivo final de suas recomendações ser a retomada do crescimento econômico e da
ligação desse objetivo com o alcance do bem-estar pelos diferentes nichos sociais. Abramovay
(2012), afirma que o crescimento econômico não é o caminho para o bem-estar, mas adverte
que sua supressão generalizada não é uma solução. O caminho mais coerente, segundo esse
autor, seria uma modificação na forma como o crescimento se materializa e como exemplo ele
destaca a produção de automóveis individuais, que deve ser alterada com vistas a diminuir de
forma significativa a quantidade de veículos em circulação. O autor mostra que apesar de uma
mudança restritiva nesse setor, apresenta-se também uma grande oportunidade para a
realização de novos negócios e cita o exemplo da empresa zipcar.com. Nesse ponto a visão do
autor converge com a da Economia Verde, pois o setor de transporte é uma dos setores
analisados pela Economia Verde e o exemplo da zipcar se configura como um caso de
reformulação sustentável o setor. Para Amazonas (2012), essas janelas de oportunidade para o
desenvolvimento de mercados verdes e de energias renováveis ficaram visíveis a partir da
crise financeira, que impactou mais fortemente estruturas produtivas mais tradicionais, o que
pode ser visto pelos níveis de investimento mais elevados nos mercados verdes do que nos
setores ligado ao petróleo.
Apesar da atratividade que tem se irradiado dos potenciais mercados verdes, deve-se
fazer algumas ressalvas em relação à mudança radical proposta pela Economia Verde no que
tange a uma realocação vigorosa de investimentos em direção ao “esverdeamento” de setores
chaves. Segundo D’Avignon e Caruso (2012), foi feita uma opção de desenvolvimento
baseada em combustíveis fósseis em detrimento de se investir em inovações relacionadas à
fontes alternativas como energia solar térmica e fotovoltaica, eólica, hidrogênio,
acumuladores mais eficientes, entre outros. Estes mesmos autores dão como exemplo os
veículos com motores elétricos originados na França, no início do século XX, e que foram
preteridos por veículos de combustão interna. Caso não tivesse ocorrido uma imposição
destes setores econômicos específicos, inovações tecnológicas nos outros setores citados
poderiam ter convivido e possibilitado um compartilhamento de todos os investimentos de
sistemas nacionais, mas invés disso essa imposição deixa como legado as mudanças
65
climáticas e a destruição da camada de ozônio vigentes.
Abramovay (2012) reforça essa posição e a coloca em uma posição ainda mais
delicada ao argumentar que um dos grandes óbices ao avanço da ecoeficiência está ligado as
oportunidades de ganho econômico oferecidas pelas práticas que incorrem em métodos
predatórios. Exemplo disso é o fato de três das quatro maiores empresas do mundo, no início
da segunda década do século XXI, serem petrolíferas: Shell, Exxon e BP. Estão conectadas a
essas grandes corporações da energia cerca de 500 empresas que, no mundo todo e em
diferentes setores, faturam todos os anos cerca de um terço do PIB global.
Mais do que isso, no que concerne aos setores elencados pelo PNUMA para serem os
principais impulsionadores da transição rumo a uma Economia Verde, nota-se a significativa
ausência da pecuária, essa palavra, inclusive, aparece apenas uma vez em todo o relatório.
Como se pode fazer uma transição rumo a uma economia que tem como características a
baixa emissão de carbono e a eficiência no uso de recurso sem se fazer menção alguma a
mudanças (drásticas) no setor pecuarista? Em primeiro lugar o crescimento agropecuário é
baseado em um modelo intensivo em energia, sendo que para se produzir 1 quilo de carne de
gado estabulado deve-se utilizar 9 quilos de produtos vegetais. Em segundo lugar 30% da
superfície terrestre tomados hoje pela atividade pecuária eram ocupados, originalmente, por
rica biodiversidade, sendo que dos trinta e cinco ambientes mais importantes do mundo em
riqueza biológica, vinte e três estão ameaçados pela pecuária. E em terceiro lugar é
importantíssimo apontar que a pecuária representa 18% de todas as emissões mundiais de
gases de efeito estufa. Soma-se a esses pontos o fato do consumo de carne ser responsável
pelo alto risco de diversas enfermidades como doenças cardiovasculares, diabetes e
obesidade. (ABRAMOVAY, 2012). Como explicar o fato do Relatório Economia Verde não
incorporar e dar atenção especial a esse setor na transição em direção a Economia Verde?
Cechin e Pacini (2012) questionam a substitutibilidade dos setores na economia que,
segundo os autores, seria uma ilusão criada pela métrica monetária. Os instrumentos
monetários podem ser facilmente transacionados, mas o mesmo não ocorre com bens e
serviços reais produzidos nem com recursos naturais e serviços ecossistêmicos, por isso a
comparação apenas em termos de preços é muito limitada.
Outro ponto abordado entre diferentes autores é a relação entre os termos
Desenvolvimento Sustentável e Economia Verde. Para Sawyer (2011), apesar de vago e
limitado o conceito de Desenvolvimento Sustentável foi consagrado na Rio-92 por todos os
países do mundo, o que não representaria um problema grave, pois se trata de um conceito de
cunho diplomático e político, enquanto a Economia Verde não possui respaldo político e
66
devido a forma como foi concebida pode reduzir tudo a valoração monetária e trazer soluções
baseadas somente em instrumentos econômicos, o que poderia acarretar na predominação dos
interesses dessa esfera.
Amazonas (2012), traz argumentos parecidos e adiciona que a Economia Verde é, na
verdade, um recorte que reduz o Desenvolvimento Sustentável, redução essa que pode tanto
trazer mais foco aos seus propósitos através da concretude de interesses econômicos e
ocasionar mudanças reais ou pode provocar resultados isolados que não ensejem em
mudanças alguma nos objetivos maiores ligados ao meio ambiente, a inclusão social e a
redução das desigualdades.
d’Avingnon e Caruso (2011) apontam a equidade temporal como elemento explícito
no Desenvolvimento Sustentável e implícito na Economia Verde, onde aparece quando se
aborda a prevenção da perda ou esgotamento de serviços ambientais e de biodiversidade. Já
Almeida (2012), menciona a ausência da definição de uma escala sustentável compatível com
os limites biofísicos dados, questão formulada e apontada pela Economia Ecológica, tanto por
parte do Desenvolvimento Sustentável como pela Economia Verde.
Muito relevante também é a discussão da forma como diferentes países podem realizar
uma transição rumo a Economia Verde, principalmente o debate que divide países
desenvolvidos de países em desenvolvimento. Para Andrade (2012), as controvérsias relativas
à noção de Economia Verde que envolviam países desenvolvidos e países em
desenvolvimento se intensificaram durante a Rio +20 e estavam ligadas principalmente com
um certo receio, por parte dos países menos desenvolvidos, à possibilidade de restrições às
suas opções de crescimento econômico por meio da Economia Verde através de padrões
tecnológicos obrigatórios e de barreiras comerciais a produtos poluentes. D’Avignon e Caruso
(2011), apontam a grande diferença na capacidade de se gerar inovações entre países
desenvolvidos e países em desenvolvimento, o que traz a necessidade de políticas nacionais
claras nos países em desenvolvimento e a adoção regulações internacionais que favoreçam a
transferência de tecnologias dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento,
além do desenvolvimento de tecnologias compatíveis com as características das vocações
regionais e a não imposição de uma rota tecnológica proveniente de ganho de escala e lucro
no curto prazo.
Amazonas (2012), corrobora dessa visão e complementa afirmando que países
desenvolvidos detentores de maior capacidade de investimento tecnológico em P&D serão
favorecidos dentro de um regime de comércio internacional que opere critérios de barreiras
67
comerciais “verdes” caso não seja contemplada uma ampla política de transferência
tecnológica.
O comércio internacional, como alertam Cechin e Pacini (2012), pode também ser
usado como um véu com o qual países desenvolvidos podem esconder sua parcela de poluição
na atmosfera. Isso ocorre porque as emissões são atribuídas ao país produtor, ou seja, se um
país desenvolvido decide importar certos bens no lugar de produzi-los internamente, os
impactos ambientais na produção desse bem serão atribuídos ao país produtor, assim os países
desenvolvidos que adotarem essa estratégia podem passar a impressão de um crescimento
ecologicamente limpo, o que configura em uma desconsideração dos efeitos fronteiriços.
Segundo Abramovay (2012), o bom desempenho em ecoeficiência dos países da OCDE
durante o século XX, não se resumem aos ganhos tecnológicos perpetuados por esses, pois
grande parte de suas atividades tipicamente industriais foram transferidas para países
emergentes, o que pode obscurecer os reais indicadores de desempenho em termos de
ecoeficiência dos países desenvolvidos.
Simionatto (2003) argumenta através da teoria de Gramsci, que para se alterar os
atuais padrões e formas de domínio no campo econômico é necessário também reestruturar a
socialização de valores e regras de comportamento vigentes, de modo a transformar tanto a
esfera da produção quanto a da reprodução social. Como vimos, a Economia Verde sugere
uma mudança limitada ao campo econômico.
No que tange ao discurso da Economia Verde como instrumento para erradicar a
pobreza e minorar as desigualdades temos um grande paradoxo. Como mencionado em alguns
trechos desse trabalho a Economia Verde não surge como um novo modelo econômico, apesar
de se declarar como tal, na verdade a Economia Verde pode ser vista como uma nova
estratégia do modelo econômico atual (capitalismo) para retomar seu crescimento. O
paradoxo mencionado é o fato de uma das bases de sustentação do capitalismo ser a
desigualdade entre classes e entre nações, sendo que só assim o padrão de produção e
consumo atribuído à poucos pode ser sustentado, ou melhor, procrastinado dentro dos limites
da biosfera (AMAZONAS, 2012).
68
CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os debates em torno da problemática ambiental tem se tornado cada vez mais vitais na
agenda internacional. Entretanto a repetição de cenários, documentos com resoluções
superficiais e compromissos não cumpridos conforme acordados, segue sendo a rotina.
Neste trabalho vimos que o debate internacional emergiu no fim da década de 1960,
quando a relação entre sociedade, economia e meio ambiente já estava se deteriorando. O
grande propulsor do debate internacional foi o Clube de Roma e a obra The limits to growth
lançada por ele e que acabou sendo o pavio a acender a primeira conferência mundial sobre
meio ambiente, a conferência de Estocolmo na Suécia. Essa conferência seria o embrião da
agenda internacional e teve como destaque a criação do PNUMA, além da criação do termo
ecodesenvolvimento logo após sua ocorrência.
No âmbito acadêmico a discussão se dividiu entre a proposta de um novo paradigma
alicerçado nas duas primeiras leis da termodinâmica que ficou conhecido como o paradigma
da Economia Ecológica e a proposta da economia capitalista dominante (neoclássica)
denominada Economia Ambiental Neoclássica que nada mais era que um instrumental criado
pelo mainstream econômico para se adequar a problemática ambiental. A Economia Ecológica
acabou sendo considerada uma utopia e ficou escondida nas sombras enquanto a Economia
Ambiental Neoclássica foi adotada por ser mais aplicável e manter o status quo.
Com o relatório de Brundtland criou-se o conceito de desenvolvimento sustentável que
substituiu totalmente o conceito de ecodesenvolvimento, sendo que o último se mostrava
muito mais completo e elaborado enquanto o primeiro teve uma definição abrangente e
superficial e foi abraçado pela maioria dos países do mundo. O conceito de desenvolvimento
sustentável foi o centro da Rio-92, considerada a continuação da conferência de Estocolmo e
maior evento na agenda internacional até então. Ao fim da Rio-92 teve-se a impressão de que
muito progresso foi feito em relação a problemática ambiental com a criação de diversos
compromissos e acordos e a elaboração de documentos considerados robustos na época.
Destaca-se a Agenda 21 e a Declaração do Rio entre esses documentos e nos quais foram
estabelecidos uma gama de compromissos entre países.
Dez anos depois da Rio-92 aconteceu a cúpula de Joanesburgo, considerada quase um
total fracasso e uma decepção em relação a Rio-92, entretanto vale mencionar que os
compromissos e acordos da Rio-92 não vinham sendo cumpridos, principalmente pelos países
desenvolvidos. A Cúpula de Joanesburgo tinha como missão a reafirmação de tais acordos e
compromissos sob o peso dos recentes ataques de 11 de setembro de 2011 nos EUA.
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Mais 10 anos se passaram e com uma panorama de recrudescimento global dos
problemas ambientais, foi convocada a Rio +20, que se tornou o maior evento global desde o
início das conferências em Estocolmo. Considerada um fracasso para alguns e um sucesso
dentro de suas proposições por outros, a Rio + 20 teve a Economia Verde e a erradicação da
pobreza como eixos centrais de debate, além de outros importantes temas como governança
global.
Principal tema de estudo desse trabalho, a Economia Verde vêm como uma nova
noção após o consagrado conceito de Desenvolvimento Sustentável, porém não vêm para
suplantar este e sim para complementá-lo, trazer um conjunto de instrumentos e ações que
levem concretude deste que é ainda o objetivo final propagado nas conferências relativas ao
tema.
A Economia Verde, além de se proclamar um conjunto de instrumentos para atingir o
Desenvolvimento Sustentável, também se autodenomina um novo modelo econômico, pelo
qual se tornaria possível uma passagem para o Desenvolvimento Sustentável. Essa afirmaçã o
foi refutada nesse trabalho através dos argumentos de diversos autores. A Economia Verde foi
concebida sob uma perspectiva de crise financeira e coloca como seu objetivo principal a
retomada do crescimento econômico sob os preceitos do mainstream econômico e alguns
poucos aditivos estratégicos como investimentos públicos para impulsionar setores chaves e
uma realocação setorial baseada em inovações e tecnologias limpas.
A Economia Verde se abstém de ser uma mudança radical e se mostra mais uma
solução paliativa, não enfrentando os reais desafios que são os limites impostos pela biosfera
e o mar de desigualdade propagado pelo capitalismo. O que a Economia Verde deveria propor
seria uma nova guinada baseada em um modelo realmente novo, que ensejasse um novo
processo evolutivo, uma nova economia com uma perspectiva qualitativa em detrimento da
perspectiva quantitativa atual. Nesse processo evolutivo, que substitui a perspectiva
quantitativa aliada ao crescimento pela perspectiva qualitativa aliada ao desenvolvimento, a
transição se exprime não pela confecção de objetivos por uma autoridade central, mas no
surgimento de modos de organização empresarial e em aspirações individuais que começam a
ter peso decisivo na gestão privada e na maneira como os indivíduos se relacionam com o
mundo do consumo.
Deve haver uma revolução de dentro pra fora e não de fora pra dentro como advoga o
PNUMA em seu REV, uma revolução de cunho cultural e concebida no seio da sociedade
civil, no melhor estilo Gramsciano, uma transformação endógena que obrigue o Estado e o
empresariado, de forma implícita, a se adequarem e nutrirem uma nova ordem social e
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econômica balizada pela mudança de duas relações: a primeira refere-se à relação entre
sociedade e natureza e a segunda à relação entre Economia e ética.
A Economia Verde surge como uma proposta conciliatória para a relação conflituosa
entre economia e meio ambiente, entretanto a nova noção propagada pela Economia Verde
foca na esfera econômica como ela é, sem buscar alterações em outras esferas que urgem por
mudanças, como a social e a cultural.
O que se percebe da Economia Verde é que ela não apresenta instrumentos capazes de
alterar o modelo vigente e nem tem essa intenção. Esse modelo lesiona cada vez mais a
espinha dorsal da humanidade, qual seja o meio ambiente. A Economia Verde não provoca a
fratura necessária no modelo atual para o estabelecimento de um novo paradigma, ela se
configura mais como a égide protetora que irá permitir a sobrevivência de tal modelo.
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