UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A ARTETERAPIA E A ENFERMAGEM NO NASCIMENTO DE UMA FLOR DE MANDACARU Jakelline A. Dias Guedes Orientadora: Profª. Ms. Fátima Alves Rio de Janeiro 2011 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A ARTETERAPIA E A ENFERMAGEM NO NASCIMENTO DE UMA FLOR DE MANDACARU Trabalho de Conclusão de Especialização em Arteterapia em Educação e Saúde apresentado à pósgraduação LATO SENSU do Instituto AVM da Universidade Cândido Mendes, como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Especialista. Rio de Janeiro 2011 AGRADECIMENTOS Ao Primeiro encaminhou até Grande aqui; Autor aos que autores me e professores que me indicaram a trilha; e principalmente, à Flor de Mandacaru que muito contribuiu nessa caminhada. DEDICATÓRIA A meus pais e irmãos que cultivaram em mim a semente da busca pelo conhecimento. A meu marido Sergio, eterno namorado e amigo, sem cujo apoio seria muito mais difícil seguir adiante; A Thabata e Sersan, pela compreensão e carinho por sua mãe-estudante. RESUMO A presente pesquisa visa a demonstrar como a Arteterapia pode ajudar no tratamento de casos em que alcoolismo e depressão encontram-se associados. Este estudo foi feito em uma instituição municipal do estado do Rio de Janeiro - um Centro de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPSad) -, local onde se tratam dependentes químicos. Nessa instituição, há uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar que, no período de preparação desta monografia, está constituída de psicólogos, enfermeira, assistente social, clínica médica, psiquiatra, artesã e técnicos administrativos. O paciente é atendido de uma forma holística, isto é, avaliado de maneira ampla, como um todo; o objetivo da equipe é a redução de danos. O objeto de estudo desta pesquisa é o caso de uma paciente que, tendo ingressado na instituição, afastou-se do tratamento; regressou após mais de um ano e retomou seu atendimento com o acompanhamento da enfermeira local. Este trabalho traçará um paralelo entre o tratamento, com a mesma profissional, no qual, a princípio utilizava-se apenas a escuta terapêutica, e, posteriormente, acrescentaram-se técnicas de Arteterapia. METODOLOGIA Esta pesquisa é um estudo de caso sobre uma paciente, usuária de álcool, com depressão, que se trata em uma instituição municipal do estado do Rio de Janeiro, um Centro de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPSad), que atende em média 45 pacientes por dia. É uma pesquisa qualitativa, que utilizará como material o acompanhamento da paciente (observação), o material produzido pela mesma (desenhos, colagens, pinturas etc.), uma entrevista aberta com a própria, e seu prontuário. Apesar da paciente também ser atendida esporadicamente pelas médicas, o foco será o atendimento com a enfermeira, profissional com quem tem maior referência. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I CONHECENDO O TERRENO 10 CAPÍTULO II ENFERMAGEM e ARTETERAPIA 18 CAPÍTULO III A HISTÓRIA DA FLOR DE MANDACARU 24 CONCLUSÃO 31 BIBLIOGRAFIA 33 WEBGRAFIA 34 ANEXOS 35 ÍNDICE 39 ÍNDICE DE FIGURAS 40 INTRODUÇÃO Indo de encontro à política hospitalocêntrica dos antigos manicômios, desde o final da década de 70, o Brasil iniciou sua trilha em direção a um cuidado mais humanizado para os portadores de transtornos psiquiátricos. O abandono e os maus tratos sofridos por esses pacientes dentro dos hospitais os desumanizava, ocasionando muitas vezes a perda de sua individualidade. Em 1986, foi inaugurada na cidade de São Paulo a primeira instituição no modelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para atender a esses pacientes egressos dos hospitais, bem como a outros que nunca haviam sido internados. Sua função é estimular a integração social e familiar, apoiar sua busca pela autonomia, oferecendo-lhes atendimento médico e psicológico, sem, contudo, retirá-los do convívio familiar e da participação na vida cotidiana. A partir desse primeiro centro, vários outros CAPS vão surgindo pelo país, oficialmente a partir da Portaria GM 224/92. A portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade dos CAPS, ampliando seu horário de trabalho e criando as novas modalidades: os CAPS I e os CAPS II e III (com horário ampliado), o CAPSi (para crianças e adolescentes) e o CAPSad (para usuários de álcool e drogas). Os CAPS I, II e III atendem pacientes com transtornos mentais usuários de álcool e drogas, apenas quando o uso é secundário ao transtorno. Fez-se necessária a criação do CAPSad para pacientes que fazem um uso prejudicial dessas substâncias, independentemente de transtorno mental, o que permitiu o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua; possibilita ainda intervenções precoces, limitando o estigma associado ao tratamento. (Ministério da Saúde, 2004, p.12). Nesta pesquisa qualitativa feita ao longo do ano de 2011, com dados coletados de prontuário entre novembro de 2008 a setembro de 2011, há um estudo de caso sobre uma paciente de 47 anos, frequentadora de um CAPSad, de um município do estado do Rio de Janeiro, usuária de álcool desde a juventude, portadora de quadro de depressão, em uso de antidepressivos. Após um período de afastamento, a referida paciente retornou ao CAPS e passou a ser atendida, através de escuta terapêutica, pela enfermeira da unidade. Mais recentemente, foram integradas ao atendimento, técnicas de arteterapia. Após observação do comportamento da paciente, de seus trabalhos artísticos, análise de seu prontuário e de uma entrevista aberta, cabe, então, relatar a melhora de seu estado com o uso da Arteterapia, sua aceitação da técnica e seu surpreendente comportamento frente ao atendimento de um profissional diferente do que lhe era convencional (psiquiatra e psicólogo). O estudo é composto de três capítulos, nos quais, o primeiro apresenta o terreno onde se faz a pesquisa, o segundo explana as definições abordadas, e, finalmente, no terceiro, surge a inesperada Flor de Mandacaru, seção em que se explica seu nascimento dentro da arteterapia. CAPÍTULO I Conhecendo o terreno Para conhecer este caso é importante entender um pouco sobre saúde mental. Afinal, este é um terreno complexo, pois é o terreno da mente humana. Um sofrimento nesta área não é tão facilmente identificável quanto em outros locais do corpo, o que, muitas vezes, é objeto de preconceito, retardando ou impedindo um tratamento adequado. Alterações neste campo já são classificadas pelo CID-10 como transtorno, e não doença. Neste capítulo falaremos sobre os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), cenário do presente estudo de caso, o alcoolismo e a depressão, transtornos apresentados pela paciente. 1.1- Breve introdução ao modelo CAPS Segundo o Manual de Saúde Mental do SUS, os primeiros CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) surgiram na década de 80 em resposta à Reforma Psiquiátrica que determina melhores condições de tratamento para portadores de transtornos psiquiátricos. Sua função mais importante é dar um atendimento em período integral às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias. (Ministério da Saúde, 2004, p.12) A partir do primeiro centro, vários outros CAPS vão surgindo pelo país, oficialmente a partir da Portaria GM 224/92. A Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade dos CAPS, ampliando seu horário de trabalho e criando as novas modalidades, ficando os CAPS I para municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes e horário de funcionamento das 8 às 18 horas, de segunda a sextafeira; os CAPS II para municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes, funcionando das 8 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, podendo ter um terceiro período, funcionando até 21 horas; os CAPS III para municípios com população acima de 200.000 habitantes, que funciona 24 horas, diariamente, incluindo feriados e fins de semana; os CAPSi para municípios com população acima de 200.000 habitantes, funcionando das 8 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, podendo ter um terceiro período, funcionando até 21 horas; e finalmente, os CAPSad, para usuários de álcool e outras drogas, para municípios com população acima de 100.000 habitantes, funcionando das 8 às 18 horas, de segunda a sexta-feira podendo ter um terceiro período, funcionando até 21 horas. Todos os CAPS têm uma equipe multidisciplinar com profissionais de acordo com a necessidade do serviço, englobando funcionários de nível técnico e superior. Entre os de nível superior temos enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, pedagogos, professores de educação física ou outros necessários para as atividades oferecidas nos CAPS. Os de nível médio podem ser: técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, técnicos administrativos, educadores e artesãos. Também contam com equipes de limpeza e de cozinha. A organização, o desenvolvimento e a manutenção do ambiente terapêutico ficam por conta da equipe técnica, formada pelos profissionais de nível superior. A duração da permanência dos usuários no atendimento dos CAPS depende de muitas variáveis, desde o comprometimento psíquico do usuário até o projeto terapêutico traçado, e a rede de apoio familiar e social que se pode estabelecer. O CAPS não tem a intenção de ser um lugar em que o usuário seja tratado por toda a vida. O processo de reconstrução dos laços sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autonomia, deve ser cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa. O tratamento é feito por várias atividades diferentes, de acordo com a necessidade do paciente, onde se inclui oficinas diversas como pedagógicas, geradoras de rendas ou alfabetização, além de tratamento medicamentoso, atendimento a grupo de familiares, atendimento individualizado a famílias, orientação ao paciente, atendimento psicoterápico, atividades comunitárias, atividades de suporte social, oficinas culturais, visitas domiciliares e desintoxicação ambulatorial. A internação em hospitais psiquiátricos não está descartada, mas é estudada com muito rigor pelos técnicos, e utilizada quando há risco de vida ou da integridade física do paciente ou de terceiros. Os CAPS I, II e III só atendem pacientes com transtornos mentais usuários de álcool e drogas, quando o uso é secundário ao transtorno. Por isso foi necessária a criação do CAPSad para pacientes que fazem um uso prejudicial dessas substâncias, independentemente de transtorno mental, o que permitiu o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua; possibilita ainda intervenções precoces, limitando o estigma associado ao tratamento. (Ministério da Saúde, 2004, p.19). 1.2 - O ALCOOLISMO: da pré-história à atualidade O álcool é, com certeza, a droga mais antiga conhecida pela humanidade. Seu uso nos remete até a pré-história, mais precisamente ao período neolítico, quando o homem desenvolve a agricultura e a cerâmica, descobrindo a fermentação. Na Bíblia temos o mais antigo relato de uso abusivo do álcool, com a figura de Noé após o dilúvio. (CISA, 2011). Numa passagem a Bíblia diz: sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se, e se pôs nu dentro de sua tenda. ( BÍBLIA SAGRADA, 1969) Em vários episódios da história, encontra-se o uso do álcool, seja para desinfecção, medicamento, objeto ritualístico, higiene ou uso social. O homem foi aperfeiçoando sua confecção, ao descobrir outros alimentos passíveis de fermentação, e, depois, a destilação. A industrialização facilitou o armazenamento e o transporte para locais onde a produção era inviável ou insuficiente para a demanda. Nos dias de hoje, devido à facilidade da oferta, à fartura de marcas e sabores no mercado e à grande divulgação feita pela mídia, é cada vez mais comum encontrar usuários em uso abusivo de álcool, muitas vezes já com dependência instalada, inclusive em idades mais precoces. Na antiguidade, nas regiões de Roma e da Grécia, cultivava-se a uva e produzia-se vinho, devido à boa qualidade do solo e do clima para este fim. Ambos os povos conheciam também a fermentação do mel e da cevada, mas o vinho era a bebida mais difundida nos dois impérios, tendo grande importância social, religiosa e medicamentosa. Segundo o dramaturgo grego Eurípedes (484 a.C.-406 a.C.), duas divindades ocupavam a posição de primeira grandeza para os gregos: Deméter, a deusa da agricultura que fornece os alimentos sólidos para nutrir os humanos, e Dionísio, o Deus do vinho e da festa (Baco para os Romanos). Mesmo nessa época, com toda a importância da bebida, seu uso abusivo e a embriaguez já eram severamente censurados, tanto na Grécia como em Roma. (CISA, 2011) Em papiros egípcios já foram documentados as etapas de fabricação, produção e comercialização da cerveja e do vinho. Os egípcios acreditavam no poder germicida e parasiticida das bebidas fermentadas, e deveriam ser usadas como medicamentos, especialmente na luta contra os parasitas provenientes das águas do Nilo. Na Idade Média a comercialização do vinho e da cerveja aumenta e passa a ser regulamentada. A Igreja passa a considerar como pecado a intoxicação alcoólica. Na Renascença os cabarés e tabernas passam a ser fiscalizados, passando a ter horários de funcionamento. Tornam-se locais onde podia-se expressar livremente, com uso do álcool liberado. Os debates ocorridos nestes ambientes vão, mais tarde, desencadear na Revolução Francesa. Finalmente, na idade contemporânea, no fim do século XVIII e início da Revolução Industrial, que ao uso excessivo de bebida alcoólica passa a ser visto como doença ou desordem. Na metade do século XIX inicia-se estudos sobre as diferenças entre as bebidas destiladas e fermentadas, em especial o vinho. Pasteur, em 1865, declara esta última como a mais higiênica das bebidas, por não ter encontrado nela nenhum germe maléfico. No século XX, alguns países estabelecem a maioridade de 18 anos para o consumo do álcool. Em 1952, com a primeira edição do DSM-I (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) que o alcoolismo passou a ser tratado como doença. E no ano de 1967, o conceito de doença do alcoolismo foi incorporado pela Organização Mundial de Saúde à Classificação Internacional das Doenças (CID-8), a partir da 8ª Conferência Mundial de Saúde. No CID-8, os problemas relacionados ao uso de álcool foram inseridos dentro de uma categoria mais ampla de transtornos de personalidade e de neuroses. Esses problemas foram divididos em três categorias: dependência, episódios de beber excessivo (abuso) e beber excessivo habitual. De acordo com o CID-10, classificado como F10 (transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso do álcool) a dependência de álcool está caracterizada quando três ou mais dos seguintes requisitos tenham sido experenciados ou exibidos em algum momento durante o ano anterior: a) Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; b) Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo; c) Um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: a síndrome de abstinência característica para a substância ou o uso da mesma substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; d) Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros disto são encontrados em indivíduos dependentes de álcool e opiáceos, que podem tomar doses diárias suficientes para incapacitar ou matar usuários não tolerantes); e) Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos; f) Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo da substância ou comprometimento do funcionamento cognitivo relacionado à droga; deve-se fazer esforços para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano. (CID-10, 1993, p.74 e75) 1.3 - DEPRESSÃO: o mal do século XXI Cada vez mais, aliada ou não ao uso de drogas, encontra-se também a depressão, classificada no CID-10 em F33 (transtorno depressivo recorrente). Seus principais sintomas são humor deprimido, perda de interesse e prazer e energia reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída. Cansaço marcante após esforços apenas leves também é comum. Além desses, pode estar presente: concentração e atenção reduzidas; autoestima e autoconfiança reduzidas; idéias de culpa e inutilidade; visões desoladas e pessimistas do futuro; idéias ou atos autolesivos ou suicídio; sono perturbado; apetite diminuído. (CID-10, 1993, p.119 e123) Apesar de existir há séculos, vem despontando como a principal doença do século atual, a ponto de ser considerada pela ciência a quarta doença mais frequente, sendo nomeada de “o grande mal do século” (VELASCO, 2011, p.19). Velasco a cita como uma patologia que interage no metabolismo orgânico, causando diversos distúrbios, podendo, de acordo com o grau de comprometimento e da intensidade, incapacitar temporariamente o indivíduo para várias atividades de sua vida, tanto na área profissional, social, acadêmica, quanto no dia a dia, influindo até em suas atividades mais básicas como alimentação e higiene. Cury chega a dizer que as pessoas deprimidas têm uma rara sensibilidade, tão sensíveis que não possuem proteção emocional. Quando alguém as ofende, estraga-lhes o dia, a semana, o mês e, às vezes, a vida. Por isso perturbam-se com o futuro e sofrem por problemas que ainda nem aconteceram. (Cury, 2005, p.136) Com essas três definições pode-se observar o quão frágil é um ser humano deprimido, sendo ou não visto como doente. Sua vida pode sofrer uma paralisação, pode ser levado a utilizar como “válvula de escape” a dependência química, que por sua vez pode deprimi-lo ainda mais, tornando-se um círculo vicioso. Tanto no tratamento da depressão quanto da dependência química, podem-se citar vários tipos de terapias medicamentosas, psicoterapêuticas etc., entre elas, inclui-se a Arteterapia, que ajuda o indivíduo a se conhecer melhor, e busca entender o transtorno dentro de seu contexto psicossocial; cria estratégias para driblar as crises e encontrar argumentos internos para objetivar sua melhora. CAPÍTULO II Enfermagem e Arteterapia “Somos aqueles que criam condições para que o cliente se restaure, sendo a enfermagem, portanto, uma arte... enquanto o escultor trabalha o mármore frio desenhando e dando forma; a enfermagem trabalha o corpo quente e vivo para que a natureza exerça sua cura”. (Florence Nightingale, apud Nébia M. A. de Figueiredo, 2002, p.30). Não seria possível iniciar este capítulo sem citar “a dama da lâmpada”, que tão apropriadamente associou, numa frase, a enfermagem e a arte. E não poderia continuar sem citar a “senhora das imagens” que em sua vida, tão maravilhosamente, associou a arte com o cuidado: “Há beleza na vida, há beleza em tudo. Vocês veem?... Há beleza na alegria, e mesmo na saudade, na tristeza, no sofrimento e até na partida, há beleza. A vida é uma beleza.” (Nise da Silveira, apud Casa das Palmeiras) 2.1- A arte do cuidar Apesar de ter Forence Nightingale (1820-1910) como a mais conhecida personagem dessa profissão, a enfermagem tem sua semente nos cuidados prestados ao ser humano desde o primeiro momento de sua vida, quando um outro ser humano, provavelmente a mãe, dedicou-lhe cuidados. É claro que desde esse momento, muita evolução já tivemos. Segundo Figueiredo, a enfermagem é uma profissão de amplas atividades e abordagens, não podendo ser entendida apenas pela virtude da técnica, mas sim de uma prática científica, social, política, econômica, ética e estética, que se culmina numa arte de cuidar. (Figueiredo, 2002, p.30). A história nos conta que no período romano os cuidados com a saúde não eram atividades nobres nem combinavam com o contexto belicoso e de conquistas militares da época, portanto ficavam relegadas aos escravos e às mulheres, que começaram a dominar a arte empírica da cura. Durante a era medieval a Igreja Católica Romana passou a caçar as pessoas que se dedicavam a essas artes, particularmente as mulheres, taxando-as de bruxas. Assim, os religiosos, em especial os beneditinos, tomaram para si o domínio das técnicas de socorro aos doentes, controlando os hospitais da época. Com o fim do período feudal (século XV), marcado por pestes e revoluções, as ordens religiosas foram expulsas do campo dos cuidados. Foi necessário recrutar, em caráter emergencial, pessoal remunerado para assistência aos doentes. As pessoas que apareceram eram da mais baixa classe social, de moral duvidosa. Foi um período crítico para a enfermagem. Ao final da idade média a Igreja cria obras de caridade para ajudar aos pobres e miseráveis que batiam a suas portas, devido ás guerras e epidemias. Para o trabalho nessas obras eram colocadas mulheres laicas, donzelas que queriam se dedicar à caridade, mas que não pretendiam se casar nem tinham recursos para abraçar a vida religiosa. Assim surgia a Companhia das Irmãs de Caridade, que tinha normas de seleção muito rígidas, assim como avaliação dos propósitos e habilidades para o serviço. No final do século XIII surgem os primeiros hospitais como instrumento terapêutico. Um destes é o Hôtel-Dieu em Paris, onde as Irmãs de Caridade chegam em 1634, e daí vão assumindo a organização dos hospitais, nos quais vão se inserindo. O ambiente hospitalar deixa de ser um local de assistência ao pobre moribundo, de salvação da alma de quem cuida e de afastamento da doença do espaço público, para se tornar um local terapêutico. Assim os médicos, que até então só compareciam a essas instituições quando eram solicitados, começam a se interessar por esse espaço como local de produção de saber. Inicia-se a medicalização dos hospitais. As rígidas normas de conduta impostas na época foram imprescindíveis para a institucionalização da enfermagem moderna que se segmentou hierarquicamente de acordo com a classe social dos agentes que a compunham. Pela escola de Florence surgiram as nurses, que eram jovens de classe social menos favorecida, que se dedicavam ao trabalho manual, cuidando dos doentes e do ambiente hospitalar. Uma década mais tarde surge outra categoria, a das ladies nurses, composta de jovens provindas de classes mais abastadas, a quem cabia a supervisão, o ensino e a difusão do sistema. Finalmente vimos surgir a enfermagem como categoria profissional com uma visão científica, um ramo da ciência médica dedicada à prevenção da doença e cura dos doentes, das mentes doentes e do ambiente físico, mental e social destes. No Brasil foram criadas, e ainda se encontram em vigor, as categorias de auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e enfermeiros, de acordo com o grau de escolaridade. A primeira escola de nível superior surgiu no final do século XIX (1890), no Rio de Janeiro, atual Alfredo Pinto, para atender a clientes com problemas mentais. De 1921 a 1931 é implantado no Rio de Janeiro o modelo nightingaleano na Escola de Enfermeiros do DNSP (Departamento Nacional de Saúde Pública), atual Escola Ana Néri. A duração de quatro anos acadêmicos para o curso de enfermagem foi instituída pela Lei nº775 de 1949. O Decreto nº 16.300/23 regulamentou o funcionamento do curso: sua duração em trinta e seis meses; instituiu seu programa de instrução; estabeleceu requisitos mínimos para admissão e a obrigatoriedade da prática no Hospital São Francisco de Assis, anexo ao DNSP. (Figueiredo, 2002, p. 81). A partir do hospital a enfermagem foi ganhando espaço e se inserindo em muitos outros campos. No Brasil, atualmente, conta com mais de 42 especialidades. Entre essas, a psiquiatria e saúde mental. A primeira escola de enfermagem no Brasil foi criada justamente para atender a pacientes de psiquiatria, na época chamados de alienados, no Hospital dos Alienados, que já teve o nome de Hospital Pedro II e hoje Instituto Municipal Nise da Silveira. Nome esse dado em homenagem à psiquiatra que ajudou a reformular a atenção ao paciente psiquiátrico. Dentro da saúde mental, a enfermagem tem acompanhado as novas possibilidades de cuidado, atendendo tanto aos pacientes que ainda se encontram em regime de internato, quanto aos indivíduos dentro da comunidade, criando estratégias para minimizar o adoecimento. Entre essas estratégias está o modelo CAPS, que atende ao paciente já adoecido, porém, possibilitando evitar o agravamento do problema e o estigma da internação, promovendo para ele uma vida familiar e social digna. 2.2- O cuidado prestado pela arte Arteterapia: literalmente, terapia em que se utiliza a arte, ou terapia através da arte. Mas a arteterapia vai muito além dessa simples definição. Segundo Coutinho, sua grande função é o autoconhecimento, o mais profundo, que pode ser doído nos primeiros passos, mas que oferece o pote de ouro no final. A oportunidade de materializar nossas imagens e personagens internas favorece a alquimia primordial, que é aquela em que nos transformamos em nós mesmos. (Coutinho, 2008, p. 11) Phillippini nos diz: que o universo dominante em arteterapia é o da sensorialidade e da materialidade: texturas, cores, formas, volumes, linhas. E integrarse e movimentar-se nesse universo requer atenção e preparo. Um caminho produtivo para facilitar o inicio do processo arteterapêutico pode ser a vida da consciência corporal, dos exercícios de relaxamento das tensões e da colocação da respiração em estágios mais lentos e profundos para facilitar desbloqueios, permitindo mais fluência do processo criativo, pois esta providência rebaixa as funções da vigília, permitindo o acesso mais livre à camadas inconscientes. Estes estados poderão ser ativados também pela criação de ambientes sonoros específicos, com produção e/ou escuta de determinados sons. Estas são algumas das inúmeras trilhas de entrada neste universo. (Phillippini, Pomar, 1998) Païn e Jarreau sugerem que a noção de arte-terapia (grafia utilizada pelas autoras) inclua qualquer tratamento psicoterapêutico que utilize como mediação a expressão artística (dança, teatro, música, desenho, gravura, modelagem, etc.). Dizem que, sendo uma área recente, datada do pós-guerra, deve-se tomar a palavra arte no sentido adquirido na segunda metade do século XX, onde não se exige mais a recriação da beleza ideal, nem está a serviço da religião ou da exaltação da natureza. Explicam também que o sentido contemporâneo da palavra terapia evita o prefixo psico, como se a arte tivesse, por ela mesma, propriedades curativas. Mas as autoras preferem subentender o prefixo, sem o qual não consideram nenhuma modificação do comportamento duradoura, mas que, estando apenas implícito, permite expandir o campo da prática, até então ocupado, quase exclusivamente, pela psiquiatria (PAIN,1996, p.9). A arteterapia trata utilizando todas as formas de arte como a música, a dança, os filmes, a literatura, a fotografia, etc., mas principalmente as artes plásticas, pois as imagens são muito importantes no processo. Apesar disso, evita-se o rigor da técnica, deixa em segundo plano a estética, os conceitos de bonito e feio, para que o indivíduo possa se expressar de forma integral, sem censura. A cura é favorecida pelo enfrentamento dos próprios “monstros”, à medida que se permite que eles venham à tona. Segundo Jung, “só a própria pessoa tem o poder da cura”. (Jung, apud Coutinho, 2008, p.11) Uma das precursoras da técnica no Brasil foi a psiquiatra Nise da Silveira que, apesar de não utilizar o nome arteterapia, contribuiu imensamente ao criar a Seção de Terapêutica Ocupacional, no Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro. A mesma veio substituir a seção de terapia ocupacional onde os internos faziam apenas serviços de manutenção e limpeza. Nise incentivava seus pacientes a se expressarem através da pintura e analisava o conjunto de suas obras, levando-os a conhecerem suas imagens do inconsciente. Com esse trabalho ela não só introduziu uma nova forma de se tratar os transtornos psiquiátricos, mas também ajudou a repensar quanto à utilidade das antigas formas de tratamento, muitas vezes violentas e desumanas. Era totalmente contra o eletrochoque, o choque insulínico, a solitária, etc. Isso a torna importante também para o início da Reforma Psiquiátrica. A admiração de Nise por Jung a levou a conhecê-lo pessoalmente e receber sua orientação, criando o Museu de Imagens do Inconsciente, com as obras produzidas nas oficinas. Seu legado para a saúde mental também inclui a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de pacientes egressos de instituições psiquiátricas. É um local onde essas pessoas podem expressar sua criatividade, em atendimentos diários, como pacientes externos, para se reintegrarem gradativamente à sociedade. Modelo muito semelhante à proposta dos atuais CAPS. CAPÍTULO III A HISTÓRIA DA FLOR DE MANDACARU Era uma vez uma flor muito bonita, forte, resistente e guerreira, mas escondia essas qualidades numa aparência rude, como se implorasse para não ser notada. Este seria o início para um bom conto de fadas, se fosse essa a intenção, ao contar a história deste caso. É uma boa descrição da paciente recebida pela primeira vez no CAPSad em 11/11/2008, aos 45 anos, com forte depressão e fazendo uso excessivo de álcool, com padrão de uso semanal, em quantidade indeterminada. Em seus relatos, refere ter começado a beber aos 20 anos, depressão desde a adolescência, com uso de medicamentos, tentativas de suicídio e dificuldade de se relacionar com as pessoas. Utilizando o CID-10, podemos incluí-la como dependente de álcool por apresentar mais de três requisitos preconizados, durante o ano anterior: ü Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; ü Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo; ü Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros disto são encontrados em indivíduos dependentes de álcool e opiáceos, que podem tomar doses diárias suficientes para incapacitar ou matar usuários não tolerantes); ü Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos; ü Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas,... estados de humor depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo da substância ... (CID-10, 1993, p.74 e75) Por sua fala observou-se que a usuária estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano. Os sintomas que nos levam a perceber sua depressão, ainda de acordo com o CID X, são perda de interesse e prazer, energia reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída, cansaço marcante após esforços apenas leves, auto-estima e autoconfiança reduzidas; idéias de culpa e inutilidade; visões desoladas e pessimistas do futuro; idéias ou atos de suicídio; sono perturbado; apetite diminuído. 3.1 Atendimentos Entre 11/11/2008 e 25/03/2009, a paciente compareceu 8 vezes à instituição, sendo atendida por enfermeira, psicóloga, psiquiatra e técnica de enfermagem, sempre de forma individual, pois não conseguiu permanecer em grupos. É importante ressaltar que a enfermeira nesse momento não é a mesma da presente pesquisa. Em 08/07/2010, após quase 16 meses do último atendimento, a paciente retorna à instituição, acompanhada de uma vizinha, relatando estar há mais ou menos um ano sem sair de casa. Ela diz ter pensamentos ruins quase o tempo todo; pensa em se matar, acredita não servir para nada. Não sente vontade de tomar banho, só o faz quando a vizinha a força. Apresenta aparência desleixada, muito negativa, não acredita em mais nada. Após sua ida a um serviço de Emergência (por insistência da vizinha), iniciou o uso de remédios, o que a fez retornar ao CAPS. Em 08/09/2010, inicia seus atendimentos com a enfermeira da presente pesquisa. Os atendimentos até 22/09/2011 estão demonstrados no gráfico abaixo: Obs.: Os números em preto representam o atendimento dos outros profissionais; Os números em vermelho representam o atendimento com a enfermeira - escuta terapêutica; Os números em verde representam o atendimento com a enfermeira - escuta terapêutica com utilização de técnicas de arteterapia. Mês/Ano 2008 2009 2010 2011 Janeiro 19,26,27,28,28 04 Fevereiro 08 Março 16,25 16,22,24,24,29 Abril 07,14,19,28 Maio 05,10,14,16,19 Junho 02, 09,14,16,21,28,30 Julho 08,13 05, 12, 21, 21, 28 Agosto 02,11,16,19,25 Setembro 02,08,14,14,16,22,? 01,08,13,15,20,22 Outubro Novembro 11 09 Dezembro Tabela 1 A paciente realizou no CAPSad 57atendimentos até o momento de feitura desta pesquisa, sendo: 1 para admissão na unidade (com a primeira enfermeira), 2 grupos de recepção (nos quais não conseguiu permanecer), 7 atendimentos com a clínica médica, 4 atendimentos com psiquiatra, 1 atendimento com terapeuta ocupacional, 3 atendimentos com a psicóloga, 2 atendimentos com a técnica de enfermagem (1 foi retorno) e 36 atendimentos com a enfermeira atual. Destes 36, 17 foram com escuta terapêutica somente e 19 utilizando também técnicas de arteterapia. A baixa freqüência ao tratamento se deve, muitas vezes, a sua condição financeira. A prefeitura fornece passes de gratuidade para os ônibus municipais, mas a paciente apresenta, devido à depressão, dificuldades para requerê-los. Após o início dos atendimentos com a enfermeira, esta sugeriu à paciente que também fosse atendida por psicólogo. Apesar de concordar, em todas as oportunidades colocou algum obstáculo. 3.2 A escuta terapêutica Entre 08/09/2010 e 08/02/11, a enfermeira a atendeu utilizando-se da escuta terapêutica, ou seja, deixando que a paciente falasse sobre si, desabafasse. Com postura sempre fechada, a paciente chorava bastante durante as conversas; apresentava muita dificuldade em falar com as pessoas fora da sala de atendimento, mesmo funcionários. Não sorria e queixava-se de não conseguir ver nada bonito. Dizia ser mal-humorada desde a infância. Às vezes fazia alguma brincadeira, mas em tom um pouco amargo. Referia dificuldades para enxergar bem, mas adorava ler. Encantou-se por ter na unidade alguns livros e revistas que lhe chamaram a atenção, pegando alguns emprestados de vez em quando. Chega a dizer à enfermeira: “Gosto que você seja enfermeira, não psicóloga, pois é mais fácil de falar”. Segundo sua entrevista, apresentada nos anexos, ela já havia se tratado em outras três instituições, por psiquiatras e psicólogos. Ao ser atendida por uma enfermeira, no CAPS, achou a situação inusitada e não sabia como ela poderia auxiliá-la e/ou compreendê-la. Naquele momento, estava à deriva. Buscava qualquer apoio. 3.3 A arteterapia entra em cena Após 6 meses, em 22/03/2011, já percebendo uma boa referência por parte da paciente, a enfermeira vislumbra a oportunidade de introduzir técnicas de arteterapia no atendimento, após comunicar e obter o consentimento da paciente. Seu primeiro trabalho foi uma colagem, na qual faz referências à sua terra natal (Recife) e à própria terapeuta. Reclama um pouco, dizendo: “ Nunca gostei de ficar fazendo trabalhos de arte” ou “Onde fiquei internada, tinha profissionais que incentivavam para que os pacientes desenhassem, mas eu não fazia nada ou fazia de qualquer jeito”. Apesar das reclamações (sempre feitas de forma delicada, sem intenção de ofender), continuou produzindo os trabalhos e, às vezes dizia “Só estou fazendo por que foi você que me pediu”. Uma de suas primeiras tentativas de se expressar através do desenho aparece na figura I (página 41). Não sabia o que desenhar e começa a brincar com o lápis, desenhando dados. Aceitando sugestões colore alguns. Sua fala se tornou ainda mais rica, e começou a trazer mais histórias de seu passado, e, aos poucos, apesar de chorar até mais, mostrou-se um pouco mais leve. Alguns comentários ainda apareciam, como “desenhar e pintar são coisas de criança, e eu não sou mais criança” ou “se me virem fazendo isso (desenhando), vão me achar boba”. Em 02/06/2011, numa conversa, uma profissional que a atendeu faz esse comentário em relação à paciente: “Me pareceu melhor! Conversando bem como sempre, porém melhor!”. No atendimento seguinte, a paciente, muito cautelosamente, como sempre procedeu, toma coragem para comparar a enfermeira a um girassol, referindo que lhe traz energia, e é uma flor de que gosta muito. Aproveitando a deixa, a profissional sugere que coloque o que disse num desenho. Ela o faz sem grande dificuldade. Ao terminar, a terapeuta pergunta com que flor se compara. E neste momento, percebe-se o efeito da arteterapia atuando. Lembrando Saint-Exupéry, “Sempre houvera, no planeta do pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não ocupavam espaço nem incomodavam ninguém... mas aquela brotara de uma semente trazida não se sabe de onde, e o principezinho resolvera vigiar de perto o pequeno broto, que era tão diferente dos outros... O pequeno príncipe, que assistia ao surgimento de um enorme botão, pressentiu que dali sairia uma aparição miraculosa; mas a flor parecia nunca acabar de preparar sua beleza, no seu verde aposento. Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. Ela queria aparecer no esplendor da sua beleza. Ah, sim! Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara alguns dias. E eis que, numa manhã, justamente à hora do sol nascer, ela se mostrou.” (Saint-Exupéry, 1946) A paciente desenha a si mesma como a flor de mandacaru, presente na figura II (pág.42), no canto direito. Segundo o site wikpédia é uma planta da família das cactáceas, muito comum no nordeste brasileiro. A variedade mais comum é altamente espinhenta e também é usada na alimentação de animais, quando seus espinhos são queimados ou cortados. O mandacaru resiste a secas, mesmo das mais fortes. As flores desta espécie de cactos são brancas, muito bonitas e medem aproximadamente 30cm de comprimento. Os botões das flores geralmente aparecem no meio da primavera e cada flor dura apenas um período noturno, ou seja, desabrocham ao anoitecer e ao amanhecer já começam a murchar. (Wikpédia,2011) Quando desenha a flor, ela comenta: “Tem gente que acha que ela nem é uma flor, mas é sim, uma flor muito bonita que nasce entre espinhos”. Com sua arte, ela consegue demonstrar que tem uma outra maneira de se ver: como alguém que passou e passa por muitos tormentos, muitas dificuldades, mas que , de repente, é capaz de transformar tudo isso numa coisa linda, preparada com muito cuidado, que permite que seja vista de vez em quando, timidamente,em momentos muito especiais Este foi um dos atendimentos mais marcantes a essa paciente, pois mostrou que, afinal, ela conseguia se ver por um ângulo muito mais bonito do que demonstrava. Confiou à terapeuta o seu lado mais sensível. Após esse dia, a evolução continuou. As flores, muitas vezes o mandacaru (figuras III e IV, pág.43 e 44), se tornaram um símbolo muito presente nos desenhos, o que foi incentivado pela leitura de alguns livros recomendados pela terapeuta. Três meses depois, a paciente foi capaz de iniciar o processo de solicitação do vale social, o que representou uma grande vitória para ela, permitindo que pudesse comparecer ao tratamento com mais regularidade, além de se perceber capaz de conseguir algo a que tinha direito. CONCLUSÃO Nosso estudo tem como objetivo pesquisar o quanto a enfermagem, aliada à arteterapia, pode contribuir no tratamento de uma paciente portadora de dois transtornos, no caso: alcoolismo e depressão. O que muito ajudou nesse caso foi a empatia inicial entre profissional e paciente. Esta última, devido à depressão, apresentava extrema dificuldade em se “abrir” com estranhos. Através da escuta terapêutica e muita paciência, a enfermeira conseguiu iniciar o contato, permitido, com muitas ressalvas, pela cliente. O aprendizado profissional foi muito grande. Pain ((PAIN,1996, p.10) diz, em seu livro, sobre a importância da expansão do campo da prática da terapia, permitindo que outros profissionais também se utilizem dela. Através do uso da arte, foi possível avançar muito mais rápido neste caso. Apesar de já haver um bom relacionamento entre as duas, ao serem introduzidas técnicas de arteterapia, pudemos perceber um salto imenso na quantidade e qualidade dos atendimentos. Tivemos onze atendimentos em 23 meses, com um afastamento por 18 meses descontínuos e 15 contínuos, antes do início com a enfermeira. Com o uso da escuta terapêutica temos 10 atendimentos em 6 meses, com a média de 1,6 atendimentos ao mês. Iniciando com arteterapia, tivemos, durante o estudo, 37 atendimentos em 7 meses, ou seja, 5,28 atendimentos ao mês, com um aumento de 2,3% de aumento. Qualitativamente, tornou-se nítida a mudança, que foi notada também por outros profissionais. A paciente que, no início dizia não saber nem gostar de desenhar, passa a utilizar a técnica espontaneamente para se organizar e acalmar. Passa a sorrir de vez em quando, comunica-se um pouco mais com outros profissionais, não tem relatos de uso de álcool desde setembro de 2010. Não dá para se falar em cura, mas o uso do álcool se encontra sob controle até o momento. Quanto à depressão sabemos que ainda temos um longo caminho a trilhar. Como vimos, ao se aliar o tratamento convencional para álcool e drogas de um CAPSad com as técnicas de arteterapia houve um grande ganho na vida pessoal da cliente. Conseguiu-se maior freqüência aos atendimentos, o que permitiu que a mesma pudesse ser mais escutada, e pudesse “desabafar” melhor, interagindo mais com a terapeuta, saindo mais de casa, dando mais atenção à higiene. O nascimento da flor de mandacaru foi um marco importantíssimo para ela. Mostrou a si mesma o retrato de sua beleza, sua força e sua capacidade de resistir às intempéries. Mostrou que apesar do que os outros possam pensar, ainda se considera uma flor, e não é qualquer flor: uma flor que nasce entre espinhos, que resiste à seca e que é muito bonita, segundo suas próprias palavras. O presente estudo também mostra como tem se ampliado as funções da enfermagem, através de especializações. BIBLIOGRAFIA • • • • • • • • • MORAES, Edilaine et al. Avaliação clínica de usuários nocivos e dependentes de álcool. In: CORDEIRO, Daniel Cruz et al. Boas práticas no tratamento do uso e dependência de substâncias. São Paulo: Roca, 2007. SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1946. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004. A Bíblia Sagrada: antigo e novo testamento. São Paulo: SPige, 1988. VELASCO, Paulo Miguel. Depressão e transtornos mentais – tudo o que você deve e precisa saber. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2011. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas- Coord. Organiz. Mund. da Saúde; Porto Alegre: Artmed, 1993. CURY, Augusto Jorge. O futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida de. Práticas de enfermagem:apresentando a enfermagem e sua prática: fundamentos, conceitos, situações e exercícios. São Caetano do Sul: Difusão Paulista de Enfermagem Editora Com Ltda., 2002. COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com idosos: ensaios e relatos. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2008. • PHILLIPPINI, Angela. Mas o que é mesmo arteterapia?.Volume V da Coleção de Revistas de Arteterapia “Imagens da Transformação” Rio de Janeiro: Pomar – 1998 • PAIN, Sara. Teoria e técnica da arte-terapia: a compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. Webgrafia Rodrigues ARF. Relações interpessoais enfermeiro-paciente: análise teórica e prática com vistas à humanização da assistência em saúde mental [tese livre-docência]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São Paulo; 1993. In: SOUZA, Rozemere Cardoso et al Escuta terapêutica: instrumento essencial do cuidado em enfermagem http://www.facenf.uerj.br/v11n1/v11n1a15.pdf ( consultado em 25/09/2011) • Cisa Centro de informações sobre saúde e álcool (http://www.cisa.org.br/categoria.html?FhIdTexto=25ff28cda5f109c71bb2 387dd75df853&ret=&( consultado em 25/09/2011) • http://casadaspalmeiras.blogspot.com/2010/10/frases-de-nise-dasilveira.html (consultado em 14/11/2011) http://pt.wikipedia.org/wiki/Mandacaru (consultado em 18/12/2011) • • ANEXOS ENTREVISTA A ARTETERAPIA E A ENFERMAGEM NO NASCIMENTO DE UMA FLOR DE MANDACARU 1) Em quantas instituições já se tratou antes? 2) Por quais profissionais já passou? 3) Como se sentiu ao ser atendida por uma enfermeira? 4) Naquele momento, preferia que fosse um outro profissional? 5) Quando a enfermeira sugeriu a primeira colagem, como reagiu? 6) Sentiu alguma diferença desde que começou a fazer tarefas de arteterapia? 7) Gosta dessas tarefas? Qual a sua opinião sobre elas? 8) De qual material mais gostou? UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ARTETERAPIA EM EDUCAÇÃO E SAÚDE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO RESOLUÇÃO CNS Nº. 196/96 Prezada Srª _______________________________________________________________ Estamos desenvolvendo um estudo que visa a analisar o efeito do uso de técnicas de Arteterapia em uma paciente com depressão e histórico de uso nocivo de álcool, aplicadas por uma Enfermeira; cujo título registrado no SISNEP é ARTETERAPIA E ENFERMAGEM NO NASCIMENTO DE UMA FLOR DE MANDACARU. Por isso, você está sendo convidada a participar deste estudo. Esclarecemos que durante o trabalho não haverá riscos ou desconfortos, nem tampouco custos ou forma de pagamento pela sua participação no estudo. A fim de garantir a sua privacidade, seu nome não será revelado. Estaremos sempre à sua disposição para qualquer esclarecimento acerca dos assuntos relacionados ao estudo, no momento que desejar, através do telefone _____________ e no seguinte local: __________________________________. É importante que você saiba que a sua participação neste estudo é completamente voluntária e que pode recusar-se a participar ou interromper sua participação a qualquer momento sem penalidades ou perda de benefícios aos quais tem direito. Pedimos a sua assinatura neste consentimento, para confirmar a sua compreensão em relação a este convite, e sua disposição em contribuir na realização do trabalho, em concordância com a resolução CNS nº. 196/96 que regulamenta a realização de pesquisas envolvendo seres humanos. Desde já, agradecemos a sua atenção. ___________________________________________ Enf. Jakelline A. D. Guedes Pesquisadora responsável Após a leitura deste consentimento, declaro que compreendi o objetivo deste estudo e confirmo meu interesse em participar desta pesquisa. ___________________________________ Assinatura do participante Rio de Janeiro,____/____/____ ÍNDICE INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I CONHECENDO O TERRENO 10 1.1 BREVE INTRODUÇÃO AO MODELO CAPS 11 1.2 O ALCOOLISMO: da pré-história à atualidade 13 DEPRESSÃO: o mal do século XXI 16 CAPÍTULO II ENFERMAGEM e ARTETERAPIA 18 2.1 A arte do cuidar 19 2.2 O cuidado prestado pela arte 22 CAPÍTULO III A HISTÓRIA DA FLOR DE MANDACARU 24 3.1 Atendimentos 25 3.2 A escuta terapêutica 27 3.3 A arteterapia entra em cena 28 CONCLUSÃO 31 BIBLIOGRAFIA 33 WEBGRAFIA 34 ANEXOS 35 ÍNDICE 39 ÍNDICE DE FIGURAS 40 ÍNDICE DE FIGURAS FIGURA I 41 FIGURA II 42 FIGURA III 43 FIGURA IV 44 FIGURA I Primeiras tentativas de se expressar com desenhos FIGURA II NASCIMENTO DA FLOR DE MANDACARU FIGURA III Outros momentos da flor de mandacaru FIGURA IV Flor de mandacaru (utilizando giz de cera derretido)