a arteterapia e a enfermagem no nascimento de uma flor de

Propaganda
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A ARTETERAPIA E A ENFERMAGEM NO NASCIMENTO
DE UMA FLOR DE MANDACARU
Jakelline A. Dias Guedes
Orientadora: Profª. Ms. Fátima Alves
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A ARTETERAPIA E A ENFERMAGEM NO NASCIMENTO
DE UMA FLOR DE MANDACARU
Trabalho
de
Conclusão
de
Especialização em Arteterapia em
Educação e Saúde apresentado à pósgraduação LATO SENSU do Instituto
AVM
da
Universidade
Cândido
Mendes, como parte dos requisitos
necessários para obtenção do grau de
Especialista.
Rio de Janeiro
2011
AGRADECIMENTOS
Ao
Primeiro
encaminhou
até
Grande
aqui;
Autor
aos
que
autores
me
e
professores que me indicaram a trilha; e
principalmente, à Flor de Mandacaru que muito
contribuiu nessa caminhada.
DEDICATÓRIA
A meus pais e irmãos que
cultivaram em mim a semente da busca pelo
conhecimento.
A meu marido Sergio, eterno
namorado e amigo, sem cujo apoio seria muito
mais difícil seguir adiante;
A Thabata e Sersan, pela compreensão e
carinho por sua mãe-estudante.
RESUMO
A presente pesquisa visa a demonstrar como a Arteterapia pode
ajudar no tratamento de casos em que alcoolismo e depressão encontram-se
associados. Este estudo foi feito em uma instituição municipal do estado do Rio
de Janeiro - um Centro de Atenção Psicossocial para álcool e drogas
(CAPSad) -, local onde se tratam dependentes químicos. Nessa instituição, há
uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar que, no período de preparação
desta monografia, está constituída de psicólogos, enfermeira, assistente social,
clínica médica, psiquiatra, artesã e técnicos administrativos. O paciente é
atendido de uma forma holística, isto é, avaliado de maneira ampla, como um
todo; o objetivo da equipe é a redução de danos. O objeto de estudo desta
pesquisa é o caso de uma paciente que, tendo ingressado na instituição,
afastou-se do tratamento; regressou após mais de um ano e retomou seu
atendimento com o acompanhamento da enfermeira local. Este trabalho traçará
um paralelo entre o tratamento, com a mesma profissional, no qual, a princípio
utilizava-se apenas a escuta terapêutica, e, posteriormente, acrescentaram-se
técnicas de Arteterapia.
METODOLOGIA
Esta pesquisa é um estudo de caso sobre uma paciente, usuária de
álcool, com depressão, que se trata em uma instituição municipal do estado do
Rio de Janeiro, um Centro de Atenção Psicossocial para álcool e drogas
(CAPSad), que atende em média 45 pacientes por dia. É uma pesquisa
qualitativa, que utilizará como material o acompanhamento da paciente
(observação), o material produzido pela mesma (desenhos, colagens, pinturas
etc.), uma entrevista aberta com a própria, e seu prontuário. Apesar da
paciente também ser atendida esporadicamente pelas médicas, o foco será o
atendimento com a enfermeira, profissional com quem tem maior referência.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
CONHECENDO O TERRENO
10
CAPÍTULO II
ENFERMAGEM e ARTETERAPIA
18
CAPÍTULO III
A HISTÓRIA DA FLOR DE MANDACARU
24
CONCLUSÃO
31
BIBLIOGRAFIA
33
WEBGRAFIA
34
ANEXOS
35
ÍNDICE
39
ÍNDICE DE FIGURAS
40
INTRODUÇÃO
Indo
de
encontro
à
política
hospitalocêntrica
dos
antigos
manicômios, desde o final da década de 70, o Brasil iniciou sua trilha em
direção a um cuidado mais humanizado para os portadores de transtornos
psiquiátricos. O abandono e os maus tratos sofridos por esses pacientes dentro
dos hospitais os desumanizava, ocasionando muitas vezes a perda de sua
individualidade.
Em 1986, foi inaugurada na cidade de São Paulo a primeira
instituição no modelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) para atender a
esses pacientes egressos dos hospitais, bem como a outros que nunca haviam
sido internados. Sua função é estimular a integração social e familiar, apoiar
sua busca pela autonomia, oferecendo-lhes atendimento médico e psicológico,
sem, contudo, retirá-los do convívio familiar e da participação na vida cotidiana.
A partir desse primeiro centro, vários outros CAPS vão surgindo pelo
país, oficialmente a partir da Portaria GM 224/92. A portaria nº 336/GM, de 19
de fevereiro de 2002, reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade
dos CAPS, ampliando seu horário de trabalho e criando as novas modalidades:
os CAPS I e os CAPS II e III (com horário ampliado), o CAPSi (para crianças e
adolescentes) e o CAPSad (para usuários de álcool e drogas).
Os CAPS I, II e III atendem pacientes com transtornos mentais
usuários de álcool e drogas, apenas quando o uso é secundário ao transtorno.
Fez-se necessária a criação do CAPSad para pacientes que fazem um uso
prejudicial dessas substâncias, independentemente de transtorno mental, o que
permitiu o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada
de evolução contínua; possibilita ainda intervenções precoces, limitando o
estigma associado ao tratamento. (Ministério da Saúde, 2004, p.12).
Nesta pesquisa qualitativa feita ao longo do ano de 2011, com dados
coletados de prontuário entre novembro de 2008 a setembro de 2011, há um
estudo de caso sobre uma paciente de 47 anos, frequentadora de um CAPSad,
de um município do estado do Rio de Janeiro, usuária de álcool desde a
juventude, portadora de quadro de depressão, em uso de antidepressivos.
Após um período de afastamento, a referida paciente retornou ao CAPS e
passou a ser atendida, através de escuta terapêutica, pela enfermeira da
unidade. Mais recentemente, foram integradas ao atendimento, técnicas de
arteterapia.
Após observação do comportamento da paciente, de seus trabalhos
artísticos, análise de seu prontuário e de uma entrevista aberta, cabe, então,
relatar a melhora de seu estado com o uso da Arteterapia, sua aceitação da
técnica e seu surpreendente comportamento frente ao atendimento de um
profissional diferente do que lhe era convencional (psiquiatra e psicólogo).
O estudo é composto de três capítulos, nos quais, o primeiro
apresenta o terreno onde se faz a pesquisa, o segundo explana as definições
abordadas, e, finalmente, no terceiro, surge a inesperada Flor de Mandacaru,
seção em que se explica seu nascimento dentro da arteterapia.
CAPÍTULO I
Conhecendo o terreno
Para conhecer este caso é importante entender um pouco sobre saúde
mental. Afinal, este é um terreno complexo, pois é o terreno da mente humana.
Um sofrimento nesta área não é tão facilmente identificável quanto em outros
locais do corpo, o que, muitas vezes, é objeto de preconceito, retardando ou
impedindo um tratamento adequado. Alterações neste campo já são
classificadas pelo CID-10 como transtorno, e não doença.
Neste capítulo falaremos sobre os CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial), cenário do presente estudo de caso, o alcoolismo e a depressão,
transtornos apresentados pela paciente.
1.1- Breve introdução ao modelo CAPS
Segundo o Manual de Saúde Mental do SUS, os primeiros CAPS
(Centro de Atenção Psicossocial) surgiram na década de 80 em resposta à
Reforma Psiquiátrica que determina melhores condições de tratamento para
portadores de transtornos psiquiátricos. Sua função mais importante é dar um
atendimento em período integral às pessoas que sofrem com transtornos
mentais severos e persistentes, num dado território, oferecendo cuidados
clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo
hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da
cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias. (Ministério da
Saúde, 2004, p.12)
A partir do primeiro centro, vários outros CAPS vão surgindo pelo país,
oficialmente a partir da Portaria GM 224/92. A Portaria nº 336/GM, de 19 de
fevereiro de 2002, reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade
dos CAPS, ampliando seu horário de trabalho e criando as novas modalidades,
ficando os CAPS I para municípios com população entre 20.000 e 70.000
habitantes e horário de funcionamento das 8 às 18 horas, de segunda a sextafeira; os CAPS II para municípios com população entre 70.000 e 200.000
habitantes, funcionando das 8 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, podendo
ter um terceiro período, funcionando até 21 horas; os CAPS III para municípios
com população acima de 200.000 habitantes, que funciona 24 horas,
diariamente, incluindo feriados e fins de semana; os CAPSi para municípios
com população acima de 200.000 habitantes, funcionando das 8 às 18 horas,
de segunda a sexta-feira, podendo ter um terceiro período, funcionando até 21
horas; e finalmente, os CAPSad, para usuários de álcool e outras drogas, para
municípios com população acima de 100.000 habitantes, funcionando das 8 às
18 horas, de segunda a sexta-feira podendo ter um terceiro período,
funcionando até 21 horas.
Todos os CAPS têm uma equipe multidisciplinar com profissionais de
acordo com a necessidade do serviço, englobando funcionários de nível
técnico e superior. Entre os de nível superior temos enfermeiros, médicos,
psicólogos,
assistentes
sociais,
terapeutas
ocupacionais,
pedagogos,
professores de educação física ou outros necessários para as atividades
oferecidas nos CAPS. Os de nível médio podem ser: técnicos e/ou auxiliares
de enfermagem, técnicos administrativos, educadores e artesãos. Também
contam com equipes de limpeza e de cozinha.
A organização, o desenvolvimento e a manutenção do ambiente
terapêutico ficam por conta da equipe técnica, formada pelos profissionais de
nível superior. A duração da permanência dos usuários no atendimento dos
CAPS depende de muitas variáveis, desde o comprometimento psíquico do
usuário até o projeto terapêutico traçado, e a rede de apoio familiar e social que
se pode estabelecer. O CAPS não tem a intenção de ser um lugar em que o
usuário seja tratado por toda a vida. O processo de reconstrução dos laços
sociais, familiares e comunitários, que vão possibilitar a autonomia, deve ser
cuidadosamente preparado e ocorrer de forma gradativa.
O tratamento é feito por várias atividades diferentes, de acordo com a
necessidade do paciente, onde se inclui oficinas diversas como pedagógicas,
geradoras de rendas ou alfabetização, além de tratamento medicamentoso,
atendimento a grupo de familiares, atendimento individualizado a famílias,
orientação ao paciente, atendimento psicoterápico, atividades comunitárias,
atividades de suporte social, oficinas culturais, visitas domiciliares e
desintoxicação ambulatorial. A internação em hospitais psiquiátricos não está
descartada, mas é estudada com muito rigor pelos técnicos, e utilizada quando
há risco de vida ou da integridade física do paciente ou de terceiros.
Os CAPS I, II e III só atendem pacientes com transtornos mentais
usuários de álcool e drogas, quando o uso é secundário ao transtorno. Por isso
foi necessária a criação do CAPSad para pacientes que fazem um uso
prejudicial dessas substâncias, independentemente de transtorno mental, o que
permitiu o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada
de evolução contínua; possibilita ainda intervenções precoces, limitando o
estigma associado ao tratamento. (Ministério da Saúde, 2004, p.19).
1.2 - O ALCOOLISMO: da pré-história à atualidade
O álcool é, com certeza, a droga mais antiga conhecida pela
humanidade. Seu uso nos remete até a pré-história, mais precisamente ao
período neolítico, quando o homem desenvolve a agricultura e a cerâmica,
descobrindo a fermentação. Na Bíblia temos o mais antigo relato de uso
abusivo do álcool, com a figura de Noé após o dilúvio. (CISA, 2011). Numa
passagem a Bíblia diz: sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha.
Bebendo do vinho, embriagou-se, e se pôs nu dentro de sua tenda. ( BÍBLIA
SAGRADA, 1969)
Em vários episódios da história, encontra-se o uso do álcool, seja para
desinfecção, medicamento, objeto ritualístico, higiene ou uso social. O homem
foi aperfeiçoando sua confecção, ao descobrir outros alimentos passíveis de
fermentação,
e,
depois,
a
destilação.
A
industrialização
facilitou
o
armazenamento e o transporte para locais onde a produção era inviável ou
insuficiente para a demanda.
Nos dias de hoje, devido à facilidade da oferta, à fartura de marcas e
sabores no mercado e à grande divulgação feita pela mídia, é cada vez mais
comum encontrar usuários em uso abusivo de álcool, muitas vezes já com
dependência instalada, inclusive em idades mais precoces.
Na antiguidade, nas regiões de Roma e da Grécia, cultivava-se a uva e
produzia-se vinho, devido à boa qualidade do solo e do clima para este fim.
Ambos os povos conheciam também a fermentação do mel e da cevada, mas o
vinho era a bebida mais difundida nos dois impérios, tendo grande importância
social, religiosa e medicamentosa.
Segundo o dramaturgo grego Eurípedes (484 a.C.-406 a.C.), duas
divindades ocupavam a posição de primeira grandeza para os gregos:
Deméter, a deusa da agricultura que fornece os alimentos sólidos para nutrir os
humanos, e Dionísio, o Deus do vinho e da festa (Baco para os Romanos).
Mesmo nessa época, com toda a importância da bebida, seu uso abusivo e a
embriaguez já eram severamente censurados, tanto na Grécia como em Roma.
(CISA, 2011)
Em papiros egípcios já foram documentados as etapas de fabricação,
produção e comercialização da cerveja e do vinho. Os egípcios acreditavam no
poder germicida e parasiticida das bebidas fermentadas, e deveriam ser
usadas como medicamentos, especialmente na luta contra os parasitas
provenientes das águas do Nilo.
Na Idade Média a comercialização do vinho e da cerveja aumenta e
passa a ser regulamentada. A Igreja passa a considerar como pecado a
intoxicação alcoólica.
Na Renascença os cabarés e tabernas passam a ser fiscalizados,
passando a ter horários de funcionamento. Tornam-se locais onde podia-se
expressar livremente, com uso do álcool liberado. Os debates ocorridos nestes
ambientes vão, mais tarde, desencadear na Revolução Francesa.
Finalmente, na idade contemporânea, no fim do século XVIII e início da
Revolução Industrial, que ao uso excessivo de bebida alcoólica passa a ser
visto como doença ou desordem. Na metade do século XIX inicia-se estudos
sobre as diferenças entre as bebidas destiladas e fermentadas, em especial o
vinho. Pasteur, em 1865, declara esta última como a mais higiênica das
bebidas,
por
não
ter
encontrado
nela
nenhum
germe
maléfico.
No século XX, alguns países estabelecem a maioridade de 18 anos para o
consumo do álcool. Em 1952, com a primeira edição do DSM-I (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders) que o alcoolismo passou a ser tratado
como doença. E no ano de 1967, o conceito de doença do alcoolismo foi
incorporado pela Organização Mundial de Saúde à Classificação Internacional
das Doenças (CID-8), a partir da 8ª Conferência Mundial de Saúde. No CID-8,
os problemas relacionados ao uso de álcool foram inseridos dentro de uma
categoria mais ampla de transtornos de personalidade e de neuroses. Esses
problemas foram divididos em três categorias: dependência, episódios de
beber excessivo (abuso) e beber excessivo habitual. De acordo com o CID-10,
classificado como F10 (transtornos mentais e de comportamento decorrentes
do uso do álcool) a dependência de álcool está caracterizada quando três ou
mais dos seguintes requisitos tenham sido experenciados ou exibidos em
algum momento durante o ano anterior:
a) Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;
b) Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância
em termos de seu início, término ou níveis de consumo;
c) Um estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância
cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: a síndrome de
abstinência característica para a substância ou o uso da mesma
substância (ou de uma intimamente relacionada) com a intenção de
aliviar ou evitar sintomas de abstinência;
d) Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da
substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos
originalmente produzidos por doses mais baixas (exemplos claros disto
são encontrados em indivíduos dependentes de álcool e opiáceos, que
podem tomar doses diárias suficientes para incapacitar ou matar
usuários não tolerantes);
e) Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor
do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo
necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de
seus efeitos;
f) Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de
conseqüências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado por
consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor
depressivos conseqüentes a períodos de consumo excessivo da
substância ou comprometimento do funcionamento cognitivo
relacionado à droga; deve-se fazer esforços para determinar se o
usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse)
consciente da natureza e extensão do dano. (CID-10, 1993, p.74 e75)
1.3 - DEPRESSÃO: o mal do século XXI
Cada vez mais, aliada ou não ao uso de drogas, encontra-se também a
depressão, classificada no CID-10 em F33 (transtorno depressivo recorrente).
Seus principais sintomas são humor deprimido, perda de interesse e prazer e
energia reduzida, levando a uma fatigabilidade aumentada e atividade
diminuída. Cansaço marcante após esforços apenas leves também é comum.
Além desses, pode estar presente: concentração e atenção reduzidas; autoestima e autoconfiança reduzidas; idéias de culpa e inutilidade; visões
desoladas e pessimistas do futuro; idéias ou atos autolesivos ou suicídio; sono
perturbado; apetite diminuído. (CID-10, 1993, p.119 e123)
Apesar de existir há séculos, vem despontando como a principal doença
do século atual, a ponto de ser considerada pela ciência a quarta doença mais
frequente, sendo nomeada de “o grande mal do século” (VELASCO, 2011,
p.19).
Velasco a cita como uma patologia que interage no metabolismo
orgânico, causando diversos distúrbios, podendo, de acordo com o grau de
comprometimento e da intensidade, incapacitar temporariamente o indivíduo
para várias atividades de sua vida, tanto na área profissional, social,
acadêmica, quanto no dia a dia, influindo até em suas atividades mais básicas
como alimentação e higiene.
Cury chega a dizer que as pessoas deprimidas têm uma rara
sensibilidade, tão sensíveis que não possuem proteção emocional. Quando
alguém as ofende, estraga-lhes o dia, a semana, o mês e, às vezes, a vida. Por
isso perturbam-se com o futuro e sofrem por problemas que ainda nem
aconteceram. (Cury, 2005, p.136)
Com essas três definições pode-se observar o quão frágil é um ser
humano deprimido, sendo ou não visto como doente. Sua vida pode sofrer uma
paralisação, pode ser levado a utilizar como “válvula de escape” a dependência
química, que por sua vez pode deprimi-lo ainda mais, tornando-se um círculo
vicioso.
Tanto no tratamento da depressão quanto da dependência química,
podem-se citar vários tipos de terapias medicamentosas, psicoterapêuticas
etc., entre elas, inclui-se a Arteterapia, que ajuda o indivíduo a se conhecer
melhor, e busca entender o transtorno dentro de seu contexto psicossocial; cria
estratégias para driblar as crises e encontrar argumentos internos para
objetivar sua melhora.
CAPÍTULO II
Enfermagem e Arteterapia
“Somos aqueles que criam condições para que o cliente se restaure,
sendo a enfermagem, portanto, uma arte... enquanto o escultor trabalha o mármore
frio desenhando e dando forma; a enfermagem trabalha o corpo quente e vivo para
que a natureza exerça sua cura”. (Florence Nightingale, apud Nébia M. A. de
Figueiredo, 2002, p.30).
Não seria possível iniciar este capítulo sem citar “a dama da lâmpada”,
que tão apropriadamente associou, numa frase, a enfermagem e a arte.
E não poderia continuar sem citar a “senhora das imagens” que em sua
vida, tão maravilhosamente, associou a arte com o cuidado:
“Há beleza na vida, há beleza em tudo. Vocês veem?... Há beleza na
alegria, e mesmo na saudade, na tristeza, no sofrimento e até na partida, há beleza. A
vida é uma beleza.” (Nise da Silveira, apud Casa das Palmeiras)
2.1- A arte do cuidar
Apesar de ter Forence Nightingale (1820-1910) como a mais
conhecida personagem dessa profissão, a enfermagem tem sua semente nos
cuidados prestados ao ser humano desde o primeiro momento de sua vida,
quando um outro ser humano, provavelmente a mãe, dedicou-lhe cuidados. É
claro que desde esse momento, muita evolução já tivemos.
Segundo Figueiredo, a enfermagem é uma profissão de amplas
atividades e abordagens, não podendo ser entendida apenas pela virtude da
técnica, mas sim de uma prática científica, social, política, econômica, ética e
estética, que se culmina numa arte de cuidar. (Figueiredo, 2002, p.30).
A história nos conta que no período romano os cuidados com a
saúde não eram atividades nobres nem combinavam com o contexto belicoso e
de conquistas militares da época, portanto ficavam relegadas aos escravos e
às mulheres, que começaram a dominar a arte empírica da cura.
Durante a era medieval a Igreja Católica Romana passou a caçar as
pessoas que se dedicavam a essas artes, particularmente as mulheres,
taxando-as de bruxas. Assim, os religiosos, em especial os beneditinos,
tomaram para si o domínio das técnicas de socorro aos doentes, controlando
os hospitais da época.
Com o fim do período feudal (século XV), marcado por pestes e
revoluções, as ordens religiosas foram expulsas do campo dos cuidados. Foi
necessário recrutar, em caráter emergencial, pessoal remunerado para
assistência aos doentes. As pessoas que apareceram eram da mais baixa
classe social, de moral duvidosa. Foi um período crítico para a enfermagem.
Ao final da idade média a Igreja cria obras de caridade para ajudar
aos pobres e miseráveis que batiam a suas portas, devido ás guerras e
epidemias. Para o trabalho nessas obras eram colocadas mulheres laicas,
donzelas que queriam se dedicar à caridade, mas que não pretendiam se casar
nem tinham recursos para abraçar a vida religiosa. Assim surgia a Companhia
das Irmãs de Caridade, que tinha normas de seleção muito rígidas, assim como
avaliação dos propósitos e habilidades para o serviço.
No final do século XIII surgem os primeiros hospitais como
instrumento terapêutico. Um destes é o Hôtel-Dieu em Paris, onde as Irmãs de
Caridade chegam em 1634, e daí vão assumindo a organização dos hospitais,
nos quais vão se inserindo.
O ambiente hospitalar deixa de ser um local de assistência ao pobre
moribundo, de salvação da alma de quem cuida e de afastamento da doença
do espaço público, para se tornar um local terapêutico. Assim os médicos, que
até então só compareciam a essas instituições quando eram solicitados,
começam a se interessar por esse espaço como local de produção de saber.
Inicia-se a medicalização dos hospitais.
As
rígidas
normas
de
conduta
impostas
na
época
foram
imprescindíveis para a institucionalização da enfermagem moderna que se
segmentou hierarquicamente de acordo com a classe social dos agentes que a
compunham. Pela escola de Florence surgiram as nurses, que eram jovens de
classe social menos favorecida, que se dedicavam ao trabalho manual,
cuidando dos doentes e do ambiente hospitalar. Uma década mais tarde surge
outra categoria, a das ladies nurses, composta de jovens provindas de classes
mais abastadas, a quem cabia a supervisão, o ensino e a difusão do sistema.
Finalmente vimos surgir a enfermagem como categoria profissional
com uma visão científica, um ramo da ciência médica dedicada à prevenção da
doença e cura dos doentes, das mentes doentes e do ambiente físico, mental e
social destes.
No Brasil foram criadas, e ainda se encontram em vigor, as
categorias de auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e
enfermeiros, de acordo com o grau de escolaridade. A primeira escola de nível
superior surgiu no final do século XIX (1890), no Rio de Janeiro, atual Alfredo
Pinto, para atender a clientes com problemas mentais. De 1921 a 1931 é
implantado no Rio de Janeiro o modelo nightingaleano na Escola de
Enfermeiros do DNSP (Departamento Nacional de Saúde Pública), atual Escola
Ana Néri.
A duração de quatro anos acadêmicos para o curso de enfermagem foi
instituída pela Lei nº775 de 1949. O Decreto nº 16.300/23 regulamentou o
funcionamento do curso: sua duração em trinta e seis meses; instituiu seu
programa de instrução; estabeleceu requisitos mínimos para admissão e a
obrigatoriedade da prática no Hospital São Francisco de Assis, anexo ao
DNSP. (Figueiredo, 2002, p. 81).
A partir do hospital a enfermagem foi ganhando espaço e se
inserindo em muitos outros campos. No Brasil, atualmente, conta com mais de
42 especialidades. Entre essas, a psiquiatria e saúde mental.
A primeira escola de enfermagem no Brasil foi criada justamente
para atender a pacientes de psiquiatria, na época chamados de alienados, no
Hospital dos Alienados, que já teve o nome de Hospital Pedro II e hoje Instituto
Municipal Nise da Silveira. Nome esse dado em homenagem à psiquiatra que
ajudou a reformular a atenção ao paciente psiquiátrico.
Dentro da saúde mental, a enfermagem tem acompanhado as novas
possibilidades de cuidado, atendendo tanto aos pacientes que ainda se
encontram em regime de internato, quanto aos indivíduos dentro da
comunidade, criando estratégias para minimizar o adoecimento. Entre essas
estratégias está o modelo CAPS, que atende ao paciente já adoecido, porém,
possibilitando evitar o agravamento do problema e o estigma da internação,
promovendo para ele uma vida familiar e social digna.
2.2- O cuidado prestado pela arte
Arteterapia: literalmente, terapia em que se utiliza a arte, ou terapia
através da arte. Mas a arteterapia vai muito além dessa simples definição.
Segundo Coutinho, sua grande função é o autoconhecimento, o
mais profundo, que pode ser doído nos primeiros passos, mas que oferece o
pote de ouro no final. A oportunidade de materializar nossas imagens e
personagens internas favorece a alquimia primordial, que é aquela em que nos
transformamos em nós mesmos. (Coutinho, 2008, p. 11)
Phillippini nos diz: que o universo dominante em arteterapia é o da
sensorialidade e da materialidade: texturas, cores, formas, volumes, linhas. E integrarse e movimentar-se nesse universo requer atenção e preparo. Um caminho produtivo
para facilitar o inicio do processo arteterapêutico pode ser a vida da consciência
corporal, dos exercícios de relaxamento das tensões e da colocação da respiração em
estágios mais lentos e profundos para facilitar desbloqueios, permitindo mais fluência
do processo criativo, pois esta providência rebaixa as funções da vigília, permitindo o
acesso mais livre à camadas inconscientes. Estes estados poderão ser ativados
também pela criação de ambientes sonoros específicos, com produção e/ou escuta de
determinados sons. Estas são algumas das inúmeras trilhas de entrada neste
universo. (Phillippini, Pomar, 1998)
Païn e Jarreau sugerem que a noção de arte-terapia (grafia utilizada pelas
autoras) inclua qualquer tratamento psicoterapêutico que utilize como mediação a
expressão artística (dança, teatro, música, desenho, gravura, modelagem, etc.). Dizem
que, sendo uma área recente, datada do pós-guerra, deve-se tomar a palavra arte no
sentido adquirido na segunda metade do século XX, onde não se exige mais a
recriação da beleza ideal, nem está a serviço da religião ou da exaltação da natureza.
Explicam também que o sentido contemporâneo da palavra terapia evita o prefixo
psico, como se a arte tivesse, por ela mesma, propriedades curativas. Mas as autoras
preferem subentender o prefixo, sem o qual não consideram nenhuma modificação do
comportamento duradoura, mas que, estando apenas implícito, permite expandir o
campo da prática, até então ocupado, quase exclusivamente, pela psiquiatria
(PAIN,1996, p.9).
A arteterapia trata utilizando todas as formas de arte como a música, a
dança, os filmes, a literatura, a fotografia, etc., mas principalmente as artes
plásticas, pois as imagens são muito importantes no processo. Apesar disso,
evita-se o rigor da técnica, deixa em segundo plano a estética, os conceitos de
bonito e feio, para que o indivíduo possa se expressar de forma integral, sem
censura. A cura é favorecida pelo enfrentamento dos próprios “monstros”, à
medida que se permite que eles venham à tona. Segundo Jung, “só a própria
pessoa tem o poder da cura”. (Jung, apud Coutinho, 2008, p.11)
Uma das precursoras da técnica no Brasil foi a psiquiatra Nise da
Silveira que, apesar de não utilizar o nome arteterapia, contribuiu imensamente
ao criar a Seção de Terapêutica Ocupacional, no Hospital Pedro II, no Rio de
Janeiro. A mesma veio substituir a seção de terapia ocupacional onde os
internos faziam apenas serviços de manutenção e limpeza. Nise incentivava
seus pacientes a se expressarem através da pintura e analisava o conjunto de
suas obras, levando-os a conhecerem suas imagens do inconsciente. Com
esse trabalho ela não só introduziu uma nova forma de se tratar os transtornos
psiquiátricos, mas também ajudou a repensar quanto à utilidade das antigas
formas de tratamento, muitas vezes violentas e desumanas. Era totalmente
contra o eletrochoque, o choque insulínico, a solitária, etc. Isso a torna
importante também para o início da Reforma Psiquiátrica.
A admiração de Nise por Jung a levou a conhecê-lo pessoalmente e
receber sua orientação, criando o Museu de Imagens do Inconsciente, com as
obras produzidas nas oficinas.
Seu legado para a saúde mental também inclui a Casa das Palmeiras,
uma clínica voltada à reabilitação de pacientes egressos de instituições
psiquiátricas. É um local onde essas pessoas podem expressar sua
criatividade, em atendimentos diários, como pacientes externos, para se
reintegrarem gradativamente à sociedade. Modelo muito semelhante à
proposta dos atuais CAPS.
CAPÍTULO III
A HISTÓRIA DA FLOR DE MANDACARU
Era uma vez uma flor muito bonita, forte, resistente e guerreira, mas
escondia essas qualidades numa aparência rude, como se implorasse para não
ser notada.
Este seria o início para um bom conto de fadas, se fosse essa a
intenção, ao contar a história deste caso. É uma boa descrição da paciente
recebida pela primeira vez no CAPSad em 11/11/2008, aos 45 anos, com forte
depressão e fazendo uso excessivo de álcool, com padrão de uso semanal, em
quantidade indeterminada. Em seus relatos, refere ter começado a beber aos
20 anos, depressão desde a adolescência, com uso de medicamentos,
tentativas de suicídio e dificuldade de se relacionar com as pessoas.
Utilizando o CID-10, podemos incluí-la como dependente de álcool por
apresentar mais de três requisitos preconizados, durante o ano anterior:
ü Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância;
ü Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em
termos de seu início, término ou níveis de consumo;
ü Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância
psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por
doses mais baixas (exemplos claros disto são encontrados em indivíduos
dependentes de álcool e opiáceos, que podem tomar doses diárias suficientes
para incapacitar ou matar usuários não tolerantes);
ü Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso
da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessário para
obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos;
ü Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de
conseqüências manifestamente nocivas,... estados de humor depressivos
conseqüentes a períodos de consumo excessivo da substância ... (CID-10,
1993, p.74 e75)
Por sua fala observou-se que a usuária estava realmente (ou se poderia
esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano.
Os sintomas que nos levam a perceber sua depressão, ainda de acordo
com o CID X, são perda de interesse e prazer, energia reduzida, levando a
uma fatigabilidade aumentada e atividade diminuída, cansaço marcante após
esforços apenas leves, auto-estima e autoconfiança reduzidas; idéias de culpa
e inutilidade; visões desoladas e pessimistas do futuro; idéias ou atos de
suicídio; sono perturbado; apetite diminuído.
3.1
Atendimentos
Entre 11/11/2008 e 25/03/2009, a paciente compareceu 8 vezes à
instituição, sendo atendida por enfermeira, psicóloga, psiquiatra e técnica de
enfermagem, sempre de forma individual, pois não conseguiu permanecer em
grupos. É importante ressaltar que a enfermeira nesse momento não é a
mesma da presente pesquisa.
Em 08/07/2010, após quase 16 meses do último atendimento, a paciente
retorna à instituição, acompanhada de uma vizinha, relatando estar há mais ou
menos um ano sem sair de casa. Ela diz ter pensamentos ruins quase o tempo
todo; pensa em se matar, acredita não servir para nada. Não sente vontade de
tomar banho, só o faz quando a vizinha a força. Apresenta aparência
desleixada, muito negativa, não acredita em mais nada. Após sua ida a um
serviço de Emergência (por insistência da vizinha), iniciou o uso de remédios, o
que a fez retornar ao CAPS.
Em 08/09/2010, inicia seus atendimentos com a enfermeira da presente
pesquisa. Os atendimentos até 22/09/2011 estão demonstrados no gráfico
abaixo:
Obs.: Os números em preto representam o atendimento dos outros profissionais;
Os números em vermelho representam o atendimento com a enfermeira - escuta terapêutica;
Os números em verde representam o atendimento com a enfermeira - escuta terapêutica com
utilização de técnicas de arteterapia.
Mês/Ano
2008
2009
2010
2011
Janeiro
19,26,27,28,28
04
Fevereiro
08
Março
16,25
16,22,24,24,29
Abril
07,14,19,28
Maio
05,10,14,16,19
Junho
02, 09,14,16,21,28,30
Julho
08,13
05, 12, 21, 21, 28
Agosto
02,11,16,19,25
Setembro
02,08,14,14,16,22,?
01,08,13,15,20,22
Outubro
Novembro 11
09
Dezembro
Tabela 1
A paciente realizou no CAPSad 57atendimentos até o momento de
feitura desta pesquisa, sendo: 1 para admissão na unidade (com a primeira
enfermeira), 2 grupos de recepção (nos quais não conseguiu permanecer), 7
atendimentos com a clínica médica, 4 atendimentos com psiquiatra,
1
atendimento com terapeuta ocupacional, 3 atendimentos com a psicóloga, 2
atendimentos com a técnica de enfermagem (1 foi retorno) e 36 atendimentos
com a enfermeira atual. Destes 36, 17 foram com escuta terapêutica somente e
19 utilizando também técnicas de arteterapia.
A baixa freqüência ao tratamento se deve, muitas vezes, a sua
condição financeira. A prefeitura fornece passes de gratuidade para os ônibus
municipais, mas a paciente apresenta, devido à depressão, dificuldades para
requerê-los.
Após o início dos atendimentos com a enfermeira, esta sugeriu à
paciente que também fosse atendida por psicólogo. Apesar de concordar, em
todas as oportunidades colocou algum obstáculo.
3.2
A escuta terapêutica
Entre 08/09/2010 e 08/02/11, a enfermeira a atendeu utilizando-se
da escuta terapêutica, ou seja, deixando que a paciente falasse sobre si,
desabafasse.
Com postura sempre fechada, a paciente chorava bastante durante
as conversas; apresentava muita dificuldade em falar com as pessoas fora da
sala de atendimento, mesmo funcionários. Não sorria e queixava-se de não
conseguir ver nada bonito. Dizia ser mal-humorada desde a infância.
Às vezes fazia alguma brincadeira, mas em tom um pouco amargo.
Referia dificuldades para enxergar bem, mas adorava ler. Encantou-se por ter
na unidade alguns livros e revistas que lhe chamaram a atenção, pegando
alguns emprestados de vez em quando.
Chega a dizer à enfermeira: “Gosto que você seja enfermeira, não
psicóloga, pois é mais fácil de falar”.
Segundo sua entrevista, apresentada nos anexos, ela já havia se
tratado em outras três instituições, por psiquiatras e psicólogos. Ao ser
atendida por uma enfermeira, no CAPS, achou a situação inusitada e não sabia
como ela poderia auxiliá-la e/ou compreendê-la. Naquele momento, estava à
deriva. Buscava qualquer apoio.
3.3
A arteterapia entra em cena
Após 6 meses, em 22/03/2011, já percebendo uma boa referência
por parte da paciente, a enfermeira vislumbra a oportunidade de introduzir
técnicas de arteterapia no atendimento, após comunicar e obter o
consentimento da paciente.
Seu primeiro trabalho foi uma colagem, na qual faz referências à sua
terra natal (Recife) e à própria terapeuta. Reclama um pouco, dizendo: “ Nunca
gostei de ficar fazendo trabalhos de arte” ou “Onde fiquei internada, tinha
profissionais que incentivavam para que os pacientes desenhassem, mas eu
não fazia nada ou fazia de qualquer jeito”.
Apesar das reclamações (sempre feitas de forma delicada, sem
intenção de ofender), continuou produzindo os trabalhos e, às vezes dizia “Só
estou fazendo por que foi você que me pediu”. Uma de suas primeiras
tentativas de se expressar através do desenho aparece na figura I (página 41).
Não sabia o que desenhar e começa a brincar com o lápis, desenhando dados.
Aceitando sugestões colore alguns.
Sua fala se tornou ainda mais rica, e começou a trazer mais histórias
de seu passado, e, aos poucos, apesar de chorar até mais, mostrou-se um
pouco mais leve.
Alguns comentários ainda apareciam, como “desenhar e pintar são
coisas de criança, e eu não sou mais criança” ou “se me virem fazendo isso
(desenhando), vão me achar boba”.
Em 02/06/2011, numa conversa, uma profissional que a atendeu faz
esse comentário em relação à paciente: “Me pareceu melhor! Conversando
bem como sempre, porém melhor!”.
No atendimento seguinte, a paciente, muito cautelosamente, como
sempre procedeu, toma coragem para comparar a enfermeira a um girassol,
referindo que lhe traz energia, e é uma flor de que gosta muito. Aproveitando a
deixa, a profissional sugere que coloque o que disse num desenho. Ela o faz
sem grande dificuldade.
Ao terminar, a terapeuta pergunta com que flor se compara. E neste
momento, percebe-se o efeito da arteterapia atuando.
Lembrando Saint-Exupéry, “Sempre houvera, no planeta do pequeno
príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não
ocupavam espaço nem incomodavam ninguém... mas aquela brotara de uma semente
trazida não se sabe de onde, e o principezinho resolvera vigiar de perto o pequeno
broto, que era tão diferente dos outros... O pequeno príncipe, que assistia ao
surgimento de um enorme botão, pressentiu que dali sairia uma aparição miraculosa;
mas a flor parecia nunca acabar de preparar sua beleza, no seu verde aposento.
Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas
pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. Ela queria aparecer no
esplendor da sua beleza. Ah, sim! Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto,
durara alguns dias. E eis que, numa manhã, justamente à hora do sol nascer, ela se
mostrou.” (Saint-Exupéry, 1946)
A paciente desenha a si mesma como a flor de mandacaru, presente
na figura II (pág.42), no canto direito.
Segundo o site wikpédia é uma planta da família das cactáceas,
muito comum no nordeste brasileiro. A variedade mais comum é altamente
espinhenta e também é usada na alimentação de animais, quando seus
espinhos são queimados ou cortados. O mandacaru resiste a secas, mesmo
das mais fortes. As flores desta espécie de cactos são brancas, muito bonitas e
medem aproximadamente 30cm de comprimento. Os botões das flores
geralmente aparecem no meio da primavera e cada flor dura apenas um
período noturno, ou seja, desabrocham ao anoitecer e ao amanhecer já
começam a murchar. (Wikpédia,2011)
Quando desenha a flor, ela comenta: “Tem gente que acha que ela
nem é uma flor, mas é sim, uma flor muito bonita que nasce entre espinhos”.
Com sua arte, ela consegue demonstrar que tem uma outra maneira
de se ver: como alguém que passou e passa por muitos tormentos, muitas
dificuldades, mas que , de repente, é capaz de transformar tudo isso numa
coisa linda, preparada com muito cuidado, que permite que seja vista de vez
em quando, timidamente,em momentos muito especiais
Este foi um dos atendimentos mais marcantes a essa paciente, pois
mostrou que, afinal, ela conseguia se ver por um ângulo muito mais bonito do
que demonstrava. Confiou à terapeuta o seu lado mais sensível.
Após esse dia, a evolução continuou. As flores, muitas vezes o
mandacaru (figuras III e IV, pág.43 e 44), se tornaram um símbolo muito
presente nos desenhos, o que foi incentivado pela leitura de alguns livros
recomendados pela terapeuta.
Três meses depois, a paciente foi capaz de iniciar o processo de
solicitação do vale social, o que representou uma grande vitória para ela,
permitindo que pudesse comparecer ao tratamento com mais regularidade,
além de se perceber capaz de conseguir algo a que tinha direito.
CONCLUSÃO
Nosso estudo tem como objetivo pesquisar o quanto a enfermagem,
aliada à arteterapia, pode contribuir no tratamento de uma paciente portadora
de dois transtornos, no caso: alcoolismo e depressão.
O que muito ajudou nesse caso foi a empatia inicial entre profissional e
paciente. Esta última, devido à depressão, apresentava extrema dificuldade em
se “abrir” com estranhos. Através da escuta terapêutica e muita paciência, a
enfermeira conseguiu iniciar o contato, permitido, com muitas ressalvas, pela
cliente. O aprendizado profissional foi muito grande.
Pain ((PAIN,1996, p.10) diz, em seu livro, sobre a importância da
expansão do campo da prática da terapia, permitindo que outros profissionais
também se utilizem dela. Através do uso da arte, foi possível avançar muito
mais rápido neste caso.
Apesar de já haver um bom relacionamento entre as duas, ao serem
introduzidas técnicas de arteterapia, pudemos perceber um salto imenso na
quantidade e qualidade dos atendimentos. Tivemos onze atendimentos em 23
meses, com um afastamento por 18 meses descontínuos e 15 contínuos, antes
do início com a enfermeira. Com o uso da escuta terapêutica temos 10
atendimentos em 6 meses, com a média de 1,6 atendimentos ao mês.
Iniciando com arteterapia, tivemos, durante o estudo, 37 atendimentos em 7
meses, ou seja, 5,28 atendimentos ao mês, com um aumento de 2,3% de
aumento. Qualitativamente, tornou-se nítida a mudança, que foi notada
também por outros profissionais. A paciente que, no início dizia não saber nem
gostar de desenhar, passa a utilizar a técnica espontaneamente para se
organizar e acalmar. Passa a sorrir de vez em quando, comunica-se um pouco
mais com outros profissionais, não tem relatos de uso de álcool desde
setembro de 2010.
Não dá para se falar em cura, mas o uso do álcool se encontra sob
controle até o momento. Quanto à depressão sabemos que ainda temos um
longo caminho a trilhar.
Como vimos, ao se aliar o tratamento convencional para álcool e drogas
de um CAPSad com as técnicas de arteterapia houve um grande ganho na vida
pessoal da cliente. Conseguiu-se maior freqüência aos atendimentos, o que
permitiu que a mesma pudesse ser mais escutada, e pudesse “desabafar”
melhor, interagindo mais com a terapeuta, saindo mais de casa, dando mais
atenção à higiene.
O nascimento da flor de mandacaru foi um marco importantíssimo para
ela. Mostrou a si mesma o retrato de sua beleza, sua força e sua capacidade
de resistir às intempéries. Mostrou que apesar do que os outros possam
pensar, ainda se considera uma flor, e não é qualquer flor: uma flor que nasce
entre espinhos, que resiste à seca e que é muito bonita, segundo suas próprias
palavras.
O presente estudo também mostra como tem se ampliado as funções da
enfermagem, através de especializações.
BIBLIOGRAFIA
•
•
•
•
•
•
•
•
•
MORAES, Edilaine et al. Avaliação clínica de usuários nocivos e
dependentes de álcool. In: CORDEIRO, Daniel Cruz et al. Boas práticas
no tratamento do uso e dependência de substâncias. São Paulo: Roca,
2007.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro: Agir
Editora, 1946.
Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial / Ministério
da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
A Bíblia Sagrada: antigo e novo testamento. São Paulo: SPige, 1988.
VELASCO, Paulo Miguel. Depressão e transtornos mentais – tudo o que
você deve e precisa saber. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2011.
Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10:
descrições clínicas e diretrizes diagnósticas- Coord. Organiz. Mund. da
Saúde; Porto Alegre: Artmed, 1993.
CURY, Augusto Jorge. O futuro da humanidade. Rio de Janeiro:
Sextante, 2005.
FIGUEIREDO,
Nébia
Maria
Almeida
de.
Práticas
de
enfermagem:apresentando a enfermagem e sua prática: fundamentos,
conceitos, situações e exercícios. São Caetano do Sul: Difusão Paulista
de Enfermagem Editora Com Ltda., 2002.
COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com idosos: ensaios e relatos. Rio de
Janeiro: WAK Editora, 2008.
•
PHILLIPPINI, Angela. Mas o que é mesmo arteterapia?.Volume V da
Coleção de Revistas de Arteterapia “Imagens da Transformação” Rio de
Janeiro: Pomar – 1998
•
PAIN, Sara. Teoria e técnica da arte-terapia: a compreensão do sujeito.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Webgrafia
Rodrigues ARF. Relações interpessoais enfermeiro-paciente: análise
teórica e prática com vistas à humanização da assistência em saúde
mental [tese livre-docência]. Ribeirão Preto (SP): Universidade de São
Paulo; 1993. In: SOUZA, Rozemere Cardoso et al Escuta terapêutica:
instrumento
essencial
do
cuidado
em
enfermagem
http://www.facenf.uerj.br/v11n1/v11n1a15.pdf
(
consultado
em
25/09/2011)
• Cisa
Centro
de
informações
sobre
saúde
e
álcool
(http://www.cisa.org.br/categoria.html?FhIdTexto=25ff28cda5f109c71bb2
387dd75df853&ret=&( consultado em 25/09/2011)
• http://casadaspalmeiras.blogspot.com/2010/10/frases-de-nise-dasilveira.html (consultado em 14/11/2011)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mandacaru (consultado em 18/12/2011)
•
•
ANEXOS
ENTREVISTA
A ARTETERAPIA E A ENFERMAGEM NO NASCIMENTO DE UMA
FLOR DE MANDACARU
1) Em quantas instituições já se tratou antes?
2) Por quais profissionais já passou?
3) Como se sentiu ao ser atendida por uma enfermeira?
4) Naquele momento, preferia que fosse um outro profissional?
5) Quando a enfermeira sugeriu a primeira colagem, como reagiu?
6) Sentiu alguma diferença desde que começou a fazer tarefas de arteterapia?
7) Gosta dessas tarefas? Qual a sua opinião sobre elas?
8) De qual material mais gostou?
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ARTETERAPIA EM
EDUCAÇÃO E SAÚDE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
RESOLUÇÃO CNS Nº. 196/96
Prezada Srª
_______________________________________________________________
Estamos desenvolvendo um estudo que visa a analisar o efeito do uso
de técnicas de Arteterapia em uma paciente com depressão e histórico de uso
nocivo de álcool, aplicadas por uma Enfermeira; cujo título registrado no
SISNEP é ARTETERAPIA E ENFERMAGEM NO NASCIMENTO DE UMA
FLOR DE MANDACARU. Por isso, você está sendo convidada a participar
deste estudo.
Esclarecemos que durante o trabalho não haverá riscos ou desconfortos,
nem tampouco custos ou forma de pagamento pela sua participação no estudo.
A fim de garantir a sua privacidade, seu nome não será revelado.
Estaremos sempre à sua disposição para qualquer esclarecimento
acerca dos assuntos relacionados ao estudo, no momento que desejar, através
do
telefone
_____________
e
no
seguinte
local:
__________________________________.
É importante que você saiba que a sua participação neste estudo é
completamente voluntária e que pode recusar-se a participar ou interromper
sua participação a qualquer momento sem penalidades ou perda de benefícios
aos quais tem direito.
Pedimos a sua assinatura neste consentimento, para confirmar a sua
compreensão em relação a este convite, e sua disposição em contribuir na
realização do trabalho, em concordância com a resolução CNS nº. 196/96 que
regulamenta a realização de pesquisas envolvendo seres humanos.
Desde já, agradecemos a sua atenção.
___________________________________________
Enf. Jakelline A. D. Guedes
Pesquisadora responsável
Após a leitura deste consentimento, declaro que compreendi o objetivo
deste estudo e confirmo meu interesse em participar desta pesquisa.
___________________________________
Assinatura do participante
Rio de Janeiro,____/____/____
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO I
CONHECENDO O TERRENO
10
1.1 BREVE INTRODUÇÃO AO MODELO CAPS
11
1.2 O ALCOOLISMO: da pré-história à atualidade
13
DEPRESSÃO: o mal do século XXI
16
CAPÍTULO II
ENFERMAGEM e ARTETERAPIA
18
2.1 A arte do cuidar
19
2.2 O cuidado prestado pela arte
22
CAPÍTULO III
A HISTÓRIA DA FLOR DE MANDACARU
24
3.1 Atendimentos
25
3.2 A escuta terapêutica
27
3.3 A arteterapia entra em cena
28
CONCLUSÃO
31
BIBLIOGRAFIA
33
WEBGRAFIA
34
ANEXOS
35
ÍNDICE
39
ÍNDICE DE FIGURAS
40
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA I
41
FIGURA II
42
FIGURA III
43
FIGURA IV
44
FIGURA I Primeiras tentativas de se expressar com desenhos
FIGURA II NASCIMENTO DA FLOR DE MANDACARU
FIGURA III Outros momentos da flor de mandacaru
FIGURA IV Flor de mandacaru (utilizando giz de cera derretido)
Download