O Eclipse da RJR: emergindo das cinzas do Premier Em busca de um cigarro melhor Em 1988, a R. J. Reynolds (RJR) concluiu um programa que durou dez anos e exigiu um investimento de 300 milhões de dólares lançando o cigarro Premier em muitos mercados de teste. A Reynolds e outras empresas de cigarro há tempos sonhavam com um cigarro melhor para satisfazer os fumantes sem comprometer sua saúde ou irritar as pessoas à sua volta. O objetivo da RJR com o Premier era atingir fumantes sofisticados, urbanos, com alto nível de instrução e mais velhos (com mais de 25 anos). Esses fumantes tinham obsessão por fumar, mas procuravam uma alternativa ou tentavam parar. O Premier era um produto muito complexo para fabricar e usar. Ele consistia em uma pequena cápsula de alumínio que continha gotas de glicerina impregnadas com essência de tabaco. A cápsula era envolta em tabaco. Na extremidade do cigarro, havia uma pontinha de carvão que o fumante tinha que acender e aquecer de maneira apropriada durante o processo de acender o cigarro. O ar que entrava pelo cigarro era aquecido à medida que passava pelo carvão. Ele então passava pela cápsula de alumínio, onde fazia as gotas de glicerina se vaporizar e carregar a essência de tabaco pelo filtro do cigarro para o fumante. Como apenas a pontinha de carvão pegava fogo durante o processo, o Premier não queimava, como faz um cigarro tradicional. Além disso, como o tabaco não pegava fogo, o cigarro não emitia nenhum ‘sinal de fumaça’. Como o Premier era uma novidade, os maços continham um pequeno ‘manual de instruções’ que descrevia o cigarro e explicava como acendê-lo de maneira apropriada. Devido à complexidade e ao custo de desenvolvimento do Premier, ele custava de 25 a 30 centavos de dólar a mais por maço (cerca de 25 por cento a mais) em relação aos outros cigarros da RJR. A empresa lançou a marca em Phoenix e Tucson, no Arizona, e em St. Louis, em Missouri, para testar sua estratégia de marketing. Ela distribuiu seu novo cigarro por meio dos canais de distribuição de cigarro normais. Para promover o Premier, a RJR lançou uma campanha cara. Ao contrário da maioria dos anúncios de cigarro, os anúncios do Premier continham números e ‘apenas a verdade’. Eles usaram o slogan “A fumaça que limpa” e encorajaram os fumantes a experimentar o Premier por uma semana. Para estimular a experiência, as promoções de venda ofereciam dois ou mais maços pelo preço de um. Entretanto, apesar de todo tempo e dinheiro que a RJR colocou no desenvolvimento e no lançamento do Premier, os fumantes não compraram o novo cigarro. Eles não aprovaram o gosto e a dificuldade que tinham para acender e fumar o Premier. Em vez de persistir no cigarro por uma semana, para se acostumar com seu gosto, os fumantes decidiram ir contra a marca. Cinco meses após o lançamento do Premier, seguindo as reclamações de consumidores que diziam que ele cheirava alface e tênis queimados, a RJR acabou com o cigarro. Se na primeira tentativa não der certo... Apesar do dispendioso fracasso do Premier, a RJR continuou a perseguir seu sonho. Nos cinco anos seguintes, ela gastou cerca de 200 milhões de dólares adicionais em pesquisa e desenvolvimento para produzir um cigarro sem fumaça melhor. Durante esses cinco anos, os fumantes passaram a se sentir cada vez mais criminosos, à medida que a fumaça indireta se tornava uma questão importante e mais lugares baniam o fumo. No final de 1994, a empresa anunciou seu plano de lançar em 1995 o Eclipse, uma nova versão do Premier. De acordo com a RJR, o Eclipse tinha como alvo fumantes com mais de 35 anos e era ligeiramente inclinado para as mulheres. Os fumantes-alvo eram “pessoas que gostavam de fumar mas não gostavam do cheiro do cigarro” e pessoas que não queriam expor seus amigos e parentes ao fumo indireto. No entanto, a Reynolds não via o Eclipse como um produto de nicho. Ela afirmava que o cigarro poderia capturar 2 por cento dos 46 milhões de fumantes dos Estados Unidos. A principal marca da RJR, a Camel, tinha apenas 5 por cento de participação de mercado. E a Virginia Slims, uma forte marca da Philip Morris, contava com 2,4 por cento. A Reynolds testou seu novo cigarro por mais de um ano, envolvendo 12 mil fumantes de 20 estados em sua pesquisa. A empresa afirmou que o Eclipse havia se saído bem com os fumantes e com seus amigos e familiares nãofumantes. Disse ainda que 80 por cento das pessoas de ambos os grupos garantiram que o novo produto era uma inovação. Embora muitos fumantes que testaram o cigarro tenham achado que seu gosto não era tão bom quanto o dos cigarros normais, eles garantiram que isso constituía uma compensação razoável, uma vez que ele soltava menos fumaça indireta — cerca de 90 por cento menos que os cigarros comuns. Como o Premier, o Eclipse também possui uma pontinha de carvão, mas essa pontinha é envolvida em um material isolante feito de fibra de vidro. Quando o consumidor acende o carvão, ele aquece a cerca de 900ºC, uma temperatura muito similar à de abrasamento dos cigarros normais. No entanto, o material isolante segura o abrasamento, de modo que somente o ar quente escapa à medida que o fumante traga o cigarro. O ar quente passa pelo tabaco processado que contém mais de 50 por cento de glicerina. Essa glicerina vaporiza em temperaturas abaixo das de abrasamento do tabaco. Ao contrário do Premier, não há cápsula de alumínio. A glicerina aquecida produz um vapor semelhante à fumaça que carrega a essência do tabaco e a nicotina. Esse processo é parecido com o da água ao coar um café em uma cafeteira: a água carrega a essência do café, mas deixa para trás o café em si. O vapor então passa por meio de um filtro-padrão para a boca do fumante. Como o Premier, o Eclipse não queima. O gosto do tabaco simplesmente flui, uma vez que o ar quente tenha feito seu trabalho. O fumante traga e solta a fumaça. No entanto, uma vez solta, a fumaça rapidamente desaparece, assim como a respiração fumegante de uma pessoa em uma manhã fria. A empresa afirmava que qualquer um que passasse por uma sala na qual as pessoas estivessem fumando Eclipse sentiria somente um leve aroma. Como o Premier, o Eclipse não queima o tabaco; por isso, ele produz pouco ‘sinal de fumaça’. A fumaça dos cigarros normais é constituída de cerca de 75 por cento de alcatrão e partículas relacionadas e 25 por cento de água, glicerina e nicotina. A fumaça do Eclipse é constituída de cerca de 85 por cento de água, glicerina e nicotina e 15 por cento de alcatrão. Alguns observadores, entretanto, apontaram para o fato de que outros cigarros ultralight disponíveis no mercado possuíam níveis de nicotina e alcatrão igualmente baixos. Em meados de 1996, a RJR anunciou que o Eclipse entraria em sua fase final de teste em Chattanooga, no Tennessee, uma cidade de porte médio onde, segundo a empresa, os fumantes estavam sendo pressionados devido à fumaça indireta. A Reynolds enviou por correio uma fita de vídeo com duração de 15 minutos para os fumantes de Chattanooga. Nessa fita, uma mulher fumante dizia que a fumaça indireta estava afetando seu casamento com um não-fumante, manchando suas paredes e cortinas e impregnando em suas roupas. A mulher em seguida enumerava as vantagens do Eclipse. A Reynolds deu um pacote de Eclipse aos fumantes que concordaram em participar de seu teste e dos grupos de descoberta, constituídos de 50 a 100 pessoas, onde os representantes da RJR explicaram e demonstraram o produto. Um representante notou que fazer os consumidores experimentarem o produto era muito importante. Como o Eclipse não era um produto tradicional, ele exigia uma abordagem não tradicional. Devido aos custos mais altos de produção, o Eclipse custava cerca de dez cents a mais por maço em relação às marcas premium. A RJR gastou cerca de 110 mil dólares com mídia mensurada em Chattanooga. Os primeiros anúncios do Eclipse mostravam uma chaleira fumegante com os dizeres: “Imagine um cigarro que emite um aroma como esse”. Depois, os anúncios continham frases como “A fumaça desaparece. Sua namorada, não”. Em 1997, a Reynolds partiu para um segundo teste de mercado em Lincoln, Nebraska. Um anúncio no jornal da cidade mostrava um fumante meio distante em uma mesa com amigos e as frases: “A fumaça desaparece. O gosto, não” e “Menos fumaça indireta. Mais prazer direto”. Anúncios encorajavam os consumidores a “Apreciar fumar sem sentir o cheiro da fumaça”, “Fumar em sua cama, não em sua varanda” e “Sentir o cheiro de sua colônia, não de seu cigarro”. Diferentemente do mercado de Chattanooga, a RJR limitou sua distribuição para cerca de metade dos fornecedores de tabaco em Lincoln. Isso porque ela percebeu que o produto requeria explicações. Em Chattanooga, a RJR notou que experiência sem apoio levava os fumantes ao desapontamento. Ela também deixou de lado as fitas de vídeo, por perceber que os fumantes não queriam assisti-las, e adicionou instruções nos maços. Para completar, a RJR alterou o preço do Eclipse, nivelando-o com o de outras marcas premium. Resultados frustrantes No final de 1998, a RJR anunciou que estava revendo sua estratégia de marketing para o Eclipse, admitindo que ele não havia atendido às expectativas e tinha se tornado um grande desafio de marketing. Embora alguns fumantes gostassem do sabor do Eclipse e do fato de ele não deixar a casa e o carro cheirando cigarro, outros criticavam seu gosto e reclamavam da dificuldade de acendê-lo. Como observou um distribuidor de cigarros: “Eles eram a novidade do momento. E muitas pessoas os experimentaram. Mas agora a novidade acabou”. De acordo com um representante da RJR: “É um cigarro diferente. Os fumantes percebem seus atributos, mas o comparam aos cigarros normais. Eles precisam pensar nele como uma experiência diferente. Na minha opinião, estabelecemos as expectativas erradas”. No entanto, o representante acrescentou que a empresa ainda estava empenhada no Eclipse: “Nós, de modo algum, estamos abandonado o Eclipse. Investimos muito nele”. No final de 1999, a Reynolds ainda não havia anunciado uma decisão quanto ao futuro do Eclipse. No entanto, ela tinha testado o cigarro no mercado internacional. A RJR testou a marca na Alemanha com o nome Hi-Q. Também licenciou a tecnologia para empresas de cigarro no Japão e na Suécia que estavam interessadas em cigarros com menos fumaça. No Japão, receberam o nome de Airs, e na Suécia, de Inside. Ao que parece, a Japan Tabacco (JT, a licenciada japonesa) tem mais confiança no produto do que muitas pessoas nos Estados Unidos. Em meados de 1999, a JT adquiriu as operações internacionais da RJR, inclusive sua instalação de produção na Alemanha e a marca Hi-Q. O site Web da JT mostra uma ilustração do cigarro. Culturalmente, o japonês se destaca por ser educado e atencioso com as pessoas. Um observador notou que talvez o novo cigarro japonês seja realmente um ‘cigarro atencioso’. Questões 1. Analise a estratégia de marketing da RJR para o Premier. Quais problemas de segmentação, identificação e posicionamento você vê? 2. Analise a estratégia de marketing da RJR para o Eclipse. Quais problemas de segmentação, identificação e posicionamento você vê? 3. Compare a estratégia de marketing da empresa para os dois cigarros. Que mudanças você faria na estratégia de marketing do Eclipse? 4. A RJR deveria lançar o Eclipse? Que recomendações de marketing você daria para a empresa se ela decidisse lançar o cigarro? 5. Na sua opinião, o Eclipse poderia dar certo nos mercados estrangeiros? Justifique sua resposta. Fontes: Melanie Wells, “Low-smoke cigarette lacks sales spark”, USA Today, 13 out. 1998, p. 5B; Melanie Wells, “RJR takes smokeless test”, USA Today, 27 out. 1997, p. 1B; Judam Pollack, “RJR expands test of low-smoke Eclipse”, Advertising Age, 25 ago. 1997, p. 1; Associated Press, “Smokeless cigarettes not catching on with consumers”, Marketing News TM, 4 ago. 1997, p. 21; John Schwartz, “New cigarette clears the smoke, but the heat is still on”, Washington Post, 27 maio 1996, p. A03; Michelle Williams, “RJR markets smokeless cigarette in Chattanooga”, Associated Press, 30 abr. 1996; Richard Tomkins, “Tobacco’s holy grail: a look at the lure of the smokeless cigarette”, Financial Times, 2 dez. 1994, p. 12; Stuart Elliot, “R.J. Reynolds Tobacco renews its hope that where there’s low smoke, there’s marketing fire”, New York Times, 29 nov. 1994; Philip J. Hilts, “Little smoke, little tar, but full dose of nicotine”, New York Times, 27 nov. 1994, p. 1; e Chris Burritt, “Don’t hold your breath… Lowsmoke cigarette still doesn’t taste right, Reynolds says”, Atlanta Journal and Constitution, 28 nov. 1994.