Caso Clínico Corticotomias seletivas no osso alveolar para auxiliar a movimentação ortodôntica Dauro Douglas Oliveira*, Ana Maria Bolognese**, Margareth Maria Gomes de Souza*** Resumo O movimento ortodôntico só é possível devido à grande capacidade de remodelação do tecido ósseo. Diversos procedimentos laboratoriais conseguiram potencializar a movimentação ortodôntica, em animais, aumentando o ciclo de remodelação óssea, seja por alterações hormonais, seja pela introdução de substâncias químicas. Entretanto, devido aos seus possíveis efeitos colaterais, essas abordagens não alcançaram aplicação clínica rotineira em humanos. Por outro lado, a realização de corticotomias seletivas no osso alveolar, antes do início da movimentação dentária, apresentou-se como alternativa para tornar mais eficiente a resposta biológica óssea ao estímulo mecânico causado pelos aparelhos ortodônticos, sem a ocorrência de efeitos sistêmicos indesejáveis. Com o intuito de contribuir para o melhor entendimento do tema, os autores revisaram a literatura atual, esclarecendo as possíveis aplicações clínicas da associação movimento ortodôntico-corticotomia. Por fim, os processos biológicos que justificariam o emprego dessa combinação terapêutica, em determinados casos, foram abordados. Palavras-chave: Corticotomia alveolar. Movimentação ortodôntica. Eficiência do movimento dentário. *Doutor em Ortodontia pela UFRJ. Professor Assistente do Mestrado em Ortodontia da PUC Minas, Belo Horizonte / MG. **Professor Titular da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFRJ. ***Professor Adjunto da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da UFRJ, Rio de Janeiro / RJ. 66 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 3 - jun./jul. 2007 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 Dauro Douglas Oliveira, Ana Maria Bolognese, Margareth Maria Gomes de Souza Introdução O movimento ortodôntico só é possível devido à grande capacidade de remodelação do tecido ósseo. A busca pelo melhor entendimento sobre os diversos fatores que regulam a movimentação dentária sempre despertou interesse, tanto no meio científico, quanto entre os ortodontistas clínicos. Apesar dos grandes avanços obtidos até então, vários estudos continuam sendo desenvolvidos, a fim de se detalhar ainda mais os processos biológicos envolvidos durante a movimentação ortodôntica. De uma maneira geral, tal movimentação é afetada pela intensidade, constância e duração das forças aplicadas aos dentes, pelas características de remodelação do osso alveolar ou pela combinação desses fatores. O conhecimento sobre os efeitos que a aplicação dos diversos tipos de forças ortodônticas têm na movimentação dentária se encontra num estágio mais avançado do que a compreensão de como as diferentes condições de metabolismo ósseo modulam o movimento ortodôntico. Um dos exemplos clínicos mais claros dos efeitos que as condições metabólicas do osso alveolar exercem sobre a movimentação dentária é a diferença de velocidade entre o movimento dentário em pacientes jovens e adultos. A resposta biológica mais lenta, a presença de espaços trabeculares menores2 e a maior densidade do osso alveolar4 são alguns fatores que explicariam porque a movimentação ortodôntica é mais difícil e lenta em indivíduos mais maduros. O tratamento ortodôntico mais longo é uma das resistências que alguns pacientes, freqüentemente, relatam como empecilho para se submeterem à terapia ortodôntica. Outro desafio comumente enfrentado pelos ortodontistas diz respeito às dificuldades técnicas em se realizar certos movimentos dentários, tais como a intrusão de dentes posteriores sem causar a extrusão dos elementos adjacentes. Diante do exposto, a possibilidade de diminuir a duração do tratamento ortodôntico, ou de facilitar movimentações dentárias consideradas mais complexas, sem comprometer a qualidade dos resultados alcançados, certamente seriam avanços muito bem vindos ao meio odontológico. Alguns estudos laboratoriais alcançaram tais resultados mudando o metabolismo ósseo, após alterar as concentrações ideais dos hormônios que ajudam a controlar os níveis de cálcio no sangue14, ou depois da aplicação de substâncias químicas, tanto local3 quanto sistemicamente25. Essas alterações no metabolismo ósseo resultaram na diminuição da densidade do osso alveolar e, conseqüentemente, possibilitaram a obtenção do movimento ortodôntico acelerado e/ou facilitado. Infelizmente, nenhuma dessas abordagens foi capaz de transpor os limites que separam estudos laboratoriais, em animais, da aplicação clínica rotineira em humanos. Apesar dessa dificuldade de conexão entre pesquisas básicas sobre alterações no metabolismo ósseo e a potencialização da movimentação dentária em humanos, resultados bastante promisso- res foram apresentados, recentemente, abordando tais fenômenos. Chung et al.5 relataram sucesso na correção de mordida aberta esqueletal em adultos com tração ortopédica vertical de segmentos posteriores da maxila, após a realização de corticotomias segmentadas do osso alveolar. Além desse relato, Wilcko et al.28 apresentaram casos de tratamentos ortodônticos nos quais a duração da terapia ativa foi significativamente diminuída ao se combinar a Ortodontia convencional com corticotomias interdentários no osso alveolar. Mesmo apresentando resultados significativos, esses trabalhos não elucidam uma série de importantes questões. Qual é a resposta biológica à corticotomia seletiva do osso alveolar? Essa resposta representaria fenômenos biológicos que justificariam a obtenção dos resultados relatados? Existiriam outras aplicações clínicas para essa abordagem terapêutica? Haveria realmente espaço para a associação entre o movimento ortodôntico e a corticotomia alveolar na Odontologia atual? Diante dessas considerações, o presente artigo apresenta revisão da literatura sobre esse assunto, fornecendo dados atuais a respeito das possíveis aplicações que a combinação Ortodontia-corticotomia teria na clínica e detalhando quais fenômenos biológicos justificariam o emprego dessa abordagem em situações clínicas adequadamente selecionadas. HISTÓRICO E POSSÍVEIS INDICAÇÕES CLÍNICAS As primeiras descrições sobre o uso da corticotomia alveolar associada à movimentação dentária são atribuídas a L. C. Brian, em 1892, e G. Cunningham, em 1893, (apud MERRIL; PEDERSEN22, 1976). Brian relatou casos tratados com tal associação durante o encontro da American Dental Society of Europe e Cunningham descreveu “o método imediato no tratamento de dentes irregulares” no Congresso Odontológico de Chicago, sendo limitado à correção de incisivos laterais superiores lingualmente inclinados. Cortes verticais do osso alveolar interdental foram realizados para permitir o reposicionamento dos dentes em questão, que logo após a movimentação eram estabilizados nessa nova posição22. Em 1959, o cirurgião austríaco Heinrich Köle18 reintroduziu o uso de intervenções cirúrgicas no osso alveolar, a fim de auxiliar na movimentação dentária. O autor sugeriu a combinação Ortodontiacorticotomia para a correção de más oclusões que não poderiam ser tratadas com cirurgias isoladamente, ou onde só a Ortodontia demandaria um tempo de tratamento muito longo para alcançar resultados satisfatórios e, mesmo assim, com estabilidade questionável. Ainda segundo Köle18, a corticotomia do osso alveolar é um procedimento limitado à porção cortical do osso alveolar, realizada após o deslocamento total de retalhos gengivais. Uma vez afastados os tecidos moles, corticotomias interdentários verticais deveriam ser realizadas tanto na superfície vestibular quanto na lingual, estendendo-se além dos ápices radiculares. Finalmente, os- Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 3 - jun./jul. 2007 67 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 Corticotomias seletivas no osso alveolar para auxiliar a movimentação ortodôntica cientes sem crescimento e com más oclusões severas. Além disso, essa associação terapêutica poderia facilitar a intrusão de molares permanentes supra-irrompidos16,24 e a retração de dentes anteriores, em casos de extrações de pré-molares e com necessidade de ancoragem máxima5,17. Recentemente, Wilcko et al.28 relataram tratamentos ortodônticos em adultos, onde a duração da terapia ativa foi reduzida sobremaneira com o emprego de outra variação da técnica proposta por Köle18. Esses autores preconizaram que, além dos cortes horizontais serem limitados à porção cortical do osso alveolar, como sugerido por Generson et al.13, pequenas perfurações esféricas deveriam ser realizadas na área retangular contida entre os cortes verticais e horizontais (Fig. 2), a fim de se aumentar a resposta biológica do osso alveolar. Por último, sugeriram a colocação de enxertos de osso liofilizado ao longo de toda a área operada (Fig. 3), seguido do reposicionamento do retalho e sutura. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 Figura 1 - A) Combinação de osteotomia supra-apical com corticotomias interdentários para “movimentação de blocos ósseos” (Modificada a partir de Köle, 195918). 35 B) Vista lateral da técnica descrita por Köle18 mostrando osteotomia supra-apical extendo-se por todo alvéolo. 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 Figura 2 - Modificação da técnica original pelo acréscimo de perfurações esféFigura 3 - Colocação de enxerto de osso liofilizado sobre toda área operada. 49 ricas a fim de aumentar o ciclo de remodelação do osso alveolar. teotomias horizontais supra-apicais, atravessando toda a extensão vestíbulo-lingual do alvéolo, conectariam os cortes interproximais previamente realizados (Fig. 1). Segundo o autor, as vantagens desse método envolveriam a diminuição significativa do tempo de tratamento ativo e a prevenção de necroses ósseas, uma vez que o osso esponjoso intacto garantiria a nutrição do bloco ósseo. Além disso, sugeriu-se que o processo cicatricial da cortical óssea contribuiria para o aumento da estabilidade dos resultados alcançados. Após a introdução formal da movimentação ortodôntica póscorticotomia, no final dos anos cinqüenta, outros autores relataram sucesso em sua aplicação clínica. Generson et al.13 apresentaram casos tratados com êxito em período menor de tempo, mesmo com a substituição da osteotomia supra-apical pela corticotomia simples, circunscrevendo os ápices radiculares dos dentes a serem movimentados. De acordo com Anholm et al.2 e Gantes et al.12, tal combinação seria útil na redução do tempo de tratamento em pa- 68 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 3 - jun./jul. 2007 Dauro Douglas Oliveira, Ana Maria Bolognese, Margareth Maria Gomes de Souza Os relatos expostos na literatura mostram duas indicações para a combinação movimento dentário e corticotomia alveolar: (1) aumentar a eficiência da movimentação ortodôntica em situações clínicas complexas e (2) diminuir o tempo total de tratamento. Como a maioria das publicações sobre a movimentação ortodôntica pós-corticotomia alveolar se fez em forma de relatos de caso, não está totalmente claro quais mecanismos biológicos regem esse método de tratamento. Para que tal abordagem clínica seja adotada de forma segura e rotineira pelos ortodontistas, é necessário compreender melhor como a realização de corticotomias alveolares influencia o movimento ortodôntico. Existem duas teorias para explicar tal condição, que serão discutidas em seguida. QUAIS FENÔMENOS BIOLÓGICOS JUSTIFICARIAM O AUMENTO DA EFICIÊNCIA DA MOVIMENTAÇÃO ORTODÔNTICA PÓS-CORTICOTOMIA ALVEOLAR? Movimentação de blocos ósseos x aumento do metabolismo ósseo Ao apresentar a corticotomia alveolar como uma intervenção que facilitaria o movimento dentário, Köle18 acreditava que a maior resistência a essa movimentação viria da continuidade da cortical do osso alveolar, uma vez que os processos de remodelação são mais lentos nessa área. Especulou-se que tal resistência à movimentação ortodôntica poderia ser superada criando-se blocos ósseos conectados uns aos outros apenas por osso medular. Por isso, a técnica cirúrgica descrita na época, era na verdade uma combinação de corticotomias interdentários vestibulares e linguais com osteotomias supra-apicais que penetravam toda a extensão do alvéolo. A teoria de que esses blocos ósseos, delineados pelos cortes cirúrgicos, poderiam ser movimentados independentemente uns dos outros, em resposta às forças ortodônticas, foi mantida pelos outros autores que relataram sucesso na utilização dessa combinação terapêutica5,12,16. Os poucos estudos em animais, realizados sobre o assunto, não investigaram os efeitos que justificariam tais resultados7,17,31. No final da década de 70, Generson et al.13 relataram resultados tão animadores quanto os descritos por Köle18. Entretanto, havia uma diferença sutil, porém muito relevante, entre as técnicas cirúrgicas empregadas até então. O procedimento descrito pelo primeiro autor substituía as osteotomias supra-apicais por corticotomias, ou seja, cortes limitados à cortical óssea, o que não separava os blocos ósseos totalmente. Apesar de ter passado despercebido, esse detalhe pode ter sido o primeiro sinal de que a teoria de movimentação de blocos ósseos seria de difícil comprovação. Em 2001, Wilcko et al.28 sugeriram que o aumento do metabolismo ósseo causado pelo estímulo traumático da corticotomia 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 Figura 4 - Eliminação dos cortes verticais e horizontais dificultaria a comprova49 ção da teoria de movimentação de blocos ósseos. justificaria a resposta biológica aumentada às forças mecânicas geradas pelos aparelhos ortodônticos e a conseqüente diminuição do tempo de tratamento ativo. Segundo esses autores, análises radiográficas e de tomografias computadorizadas, realizadas antes, durante e após o tratamento, não comprovaram o conceito da movimentação de blocos ósseos pós-corticotomia alveolar. Na verdade, essas avaliações foram mais sugestivas de um aumento do fenômeno de desmineralização e remineralização óssea29. Para testar essa hipótese, os autores trataram casos com a combinação movimento dentário-corticotomia, sem realizar cortes interdentários, verticais ou supra-apicais horizontais, que foram substituídos por pequenas perfurações esféricas ao longo de toda área operada (Fig. 4). Essa abordagem, teoricamente, eliminaria a possibilidade de se movimentar blocos ósseos, pois não existiam mais os cortes que delimitavam e separavam tais blocos do restante do processo alveolar. Os resultados alcançados mostraram movimentação dentária tão acelerada quanto aquela observada quando cortes verticais e horizontais foram realizados29. Esses achados levaram os autores citados a reafirmarem que a diminuição do tempo de tratamento ortodôntico estaria relacionada ao aumento do metabolismo ósseo em níveis locais e não à movimentação de blocos ósseos. Sugeriu-se que a porção trabecular do osso alveolar era induzida, temporariamente, a um estado mais “maleável”, caracterizado pela diminuição da densidade e não do volume ósseo. Apesar de não se encontrar estudos comprovando diretamente nenhuma das hipóteses descritas acima, parece haver mais indícios na literatura médico-odontológica para comprovar a segunda teoria do que a primeira. Quais seriam esses indícios? Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 3 - jun./jul. 2007 69 Corticotomias seletivas no osso alveolar para auxiliar a movimentação ortodôntica Alterações no metabolismo ósseo e sua influência na velocidade do movimento dentário A maioria dos estudos sobre movimentação dentária se concentrou, inicialmente, na avaliação dos efeitos de diferentes forças ortodônticas nesses movimentos. Midgett et al.23 foram alguns dos primeiros autores a provar a importância do metabolismo ósseo na movimentação ortodôntica. Os resultados de seus estudos mostraram que a deficiência significativa de cálcio, na dieta de cães, resultou no aumento das concentrações de paratormônio (PTH) no sangue, ou seja, em um estado definido como hiperparatireoidismo induzido. Nessas condições, observou-se diminuição considerável na densidade do osso trabecular e a movimentação ortodôntica nos animais experimentais ocorreu mais rapidamente do que no grupo controle. Goldie e King14, num estudo com metodologia semelhante, observaram condições características de osteoporose em ratas submetidas à dieta deficiente em cálcio. Esse quadro de osteoporose provocada se mostrou associado ao aumento significativo na remodelação do osso alveolar, que por sua vez, teria contribuído para a potencialização do movimento dentário. Yamashiro e Takano30 também avaliaram os efeitos de desequilíbrios hormonais na movimentação ortodôntica. Os pesquisadores causaram deficiências nas taxas de estrógeno em ratas, ao submetêlas a ovarectomia. A diminuição na concentração ideal desse hormônio resultou em alterações significativas na remodelação óssea, o que ocasionou o decréscimo da densidade do osso alveolar em sua porção trabecular. O movimento ortodôntico nos animais experimentais submetidos às condições denominadas de osteopenia ou osteoporose induzida aconteceu numa velocidade significativamente maior do que em animais do grupo controle. A queda na densidade do osso alveolar e o conseqüente aumento na eficiência da movimentação dentária, ambas compatíveis com essas condições metabólicas, foram comprovadas histologicamente pelo aumento significativo nos espaços intertrabeculares do osso alveolar27. Enquanto alguns pesquisadores focaram-se nos efeitos de desequilíbrios hormonais no metabolismo ósseo e sua influência na movimentação ortodôntica, outros vêm direcionando seus esforços na compreensão das conseqüências que a administração de determinadas substâncias químicas gerariam nesses fenômenos biológicos. Ashcraft et al.3 relataram movimento dentário 3 ou 4 vezes mais rápido em coelhos submetidos à condição de osteoporose induzida pela aplicação de corticóides. Os autores demonstraram diminuição significativa na densidade óssea desses animais, o que foi considerado como o fator decisivo para a aceleração do movimento ortodôntico, uma vez que a força aplicada foi mantida constante durante todo o experimento. O uso de prostaglandinas (PG) também tem se mostrado um método eficiente para estimular o aumento da neoformação óssea em modelos animais. Shih e Norrdin25,26 comprovaram que a 70 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 3 - jun./jul. 2007 administração de PGE2 por via oral e de PGE1 localmente, induziu o aumento significativo da formação de novos osteóides em áreas de fratura, em beagles. Hashimoto et al.15 demonstraram que a administração local de osteocalcina elevou significativamente a atividade osteoclástica nas áreas de pressão, resultando em maior absorção óssea, diminuição da densidade trabecular e, conseqüentemente, em movimentação ortodôntica maior e mais rápida no grupo experimental. Parece claro na literatura que quando ocorre diminuição da densidade do osso alveolar trabecular, a resistência ao movimento ortodôntico também é reduzida, o que permitiria maior eficiência dessa movimentação. Infelizmente, ainda não é possível obter tais resultados em humanos de forma localizada e reversível, seja por alterações hormonais, seja pela via medicamentosa. Estando essas possibilidades descartadas até então, existiriam outras formas de se tornar a movimentação dentária mais eficiente? Movimento ortodôntico em áreas de neoformação óssea O conhecimento sobre a fisiologia do tecido ósseo e de suas características de neoformação e remodelação é imprescindível para a compreensão adequada dos mecanismos biológicos envolvidos na movimentação dentária. Sabe-se que o início da neoformação óssea ocorre com a deposição de osso imaturo, desorganizado e pouco denso, que é progressivamente substituído por um tipo de tecido ósseo mais organizado e mineralizado (lamelar)10. A neoformação óssea resultante da distração osteogênica (DO) exemplifica bem esse processo. A distração osteogênica possibilita a criação de áreas de formação de osso novo a partir do seccionamento e do contínuo afastamento de duas extremidades de tecido ósseo vascularizado pré-existente8. O que aconteceria se um dente fosse movimentado através do osso recém criado pela DO? Segundo Liou et al.21, o movimento ortodôntico através do osso jovem e imaturo, criado pela DO, acontece de forma mais rápida e sem efeitos adversos. Os resultados apresentados mostraram movimentação dentária quatro vezes maior do que aquela observada em tecidos ósseos maduros. Resultados semelhantes foram apresentados em outros trabalhos6,19,20, que justificaram tais achados pela menor resistência ao movimento dentário, proporcionada pela concentração mineral reduzida, presente no osso imaturo. Outra situação clínica, a princípio não diretamente relacionada à Ortodontia, onde também se observam áreas de neoformação óssea, associadas à diminuição temporária da densidade do osso trabecular, é o processo de cicatrização óssea. Ao explicar o reparo de fraturas ósseas, o médico ortopedista Harold Frost9 relatou que, ao longo desse processo, ocorre atividade biológica indispensável para a restauração da condição tecidual normal: o fenômeno acelera- 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 Dauro Douglas Oliveira, Ana Maria Bolognese, Margareth Maria Gomes de Souza tório regional (Regional Acceleratory Phenomenon - RAP). O RAP não resulta em novas etapas do processo cicatricial, mas sim no incremento da rapidez com que as fases da cicatrização acontecem. Durante a cicatrização, a remodelação normalmente encontrada nos tecidos ósseos precisa ser acelerada para que o osso lesionado seja reparado no mais curto espaço de tempo possível10,11. O fenômeno aceleratório regional se inicia poucos dias após o trauma, resultando em grande aumento da atividade das células envolvidas com a remodelação óssea. Inicialmente, essa condição catabólica se manifesta como desmineralização, levando à diminuição temporária e localizada da densidade óssea. Posteriormente, esse fenômeno é caracterizado pelo momento de intensa remineralização, produzindo tecido ósseo jovem (Woven bone), que em seqüência é substituído por osso maduro e mais compacto10. A diminuição da densidade do osso trabecular após fraturas é observada em exames radiográficos, não ocorrendo apenas na área lesada, mas também no osso adjacente. A neoformação óssea requer grandes quantidades de minerais disponíveis na circulação sanguínea para deposição da nova matriz óssea. Mesmo que a absorção de cálcio pelo intestino aumente, a demanda para o reparo adequado é tão grande que o organismo precisaria mobilizar esse mineral a partir de outras fontes1. Por isso, inicialmente, aumentase a atividade osteoclástica em outras partes ósseas a fim de redistribuir o cálcio para as regiões em maior necessidade, como as áreas a serem reparadas. Ao final desse processo, a fratura, ou mesmo a agressão, como a osteotomia, por exemplo, é completamente reparada. As propriedades físicas, bem como as características histológicas e radiográficas do osso alveolar são então recuperadas9. A pergunta que ainda não foi respondida é: os cortes realizados durante as corticotomias, ou seja, limitados à cortical óssea, causariam esses efeitos biológicos no osso trabecular adjacente? Caso a resposta seja positiva, aí estaria a evidência científica que explicaria a razão pela qual a movimentação ortodôntica é mais eficiente quando iniciada após a realização de corticotomias alveolares. CONCLUSÃO A análise crítica da literatura atual sobre a movimentação ortodôntica após a realização de corticotomias seletivas do osso alveolar mostrou que essa abordagem terapêutica teria basicamente duas indicações: (1) aumentar a eficiência da movimentação ortodôntica em situações clínicas complexas e (2) diminuir a duração do tratamento ortodôntico. Os resultados apresentados nos relatos de caso sobre esse tema mostram que a realização de corticotomias em determinadas áreas do osso alveolar pode auxiliar a movimentação ortodôntica em más oclusões bem selecionadas e de complexidade moderada. Entretanto, o ortodontista cuidadoso não pode deixar de analisar tal informação de forma crítica, pois o número de publicações sobre a movimentação ortodôntica pós corticotomias alveolares é relativamente baixo e as pesquisas em animais, escassas, sendo ambos insuficientes para conclusões definitivas. Há a necessidade de se colher melhores dados em estudos laboratoriais e de aumentar a casuística em humanos. O estudo minucioso dessas informações, avaliando o custo-benefício biológico real dessa abordagem terapêutica, antes de se considerar a aplicação rotineira dos conceitos aqui apresentados, é indispensável. Selective alveolar corticotomy to assist orthodontic tooth movement Abstract Orthodontic tooth movement is possible due to the great remodeling potential of the bone tissues. Different animal studies have shown that orthodontic tooth movement can be potentiated under conditions of increased alveolar bone turnover caused by either pharmacological modulation or hormonal alterations. However, the results of these experiments have never reached a routine application in the orthodontic prac- tice. Performing selective alveolar bone corticotomies may be a viable alternative to increase the biological response to the mechanical stimuli caused by conventional orthodontic appliances. Therefore, the authors of this article reviewed the possible clinical applications of corticotomy assisted orthodontics and reported on the biological concepts which could justify such approach in selected cases. Keywords: Alveolar corticotomy. Orthodontic movement. Accelerated tooth movement. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 6, n. 3 - jun./jul. 2007 71 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 Corticotomias seletivas no osso alveolar para auxiliar a movimentação ortodôntica REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. ANDERSON, S.; NILSSON, B. E. Changes in bone mineral content following tibial shaft fracture. Clin. Orthop., Parma, v. 144, no. 2, p. 266-269, Feb. 1979. ANHOLM, M.; CRITES, D.; HOFF, R.; RATHBURN, E. Corticotomy-facilitated orthodontics. J. Calif. Dent. Assoc., San Francisco, v. 7, no. 1, p. 8-11, Jan. 1986. ASHCRAFT, M. B.; SOUTHARD, K. A.; TOLLEY, E. A. The effect of corticosteroid-induced osteoporosis on orthodontic tooth movement. Am. J. Orthod Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 102, no. 4, p. 310-319, Oct. 1992. BRIDGES, T.; KING, G.; MOHAMED, A. The effect of age on tooth movement and mineral density in the alveolar tissues of the rat. Am. J. 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