os giros epistemológicos na filosofia e a virada lingüística na

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OS GIROS EPISTEMOLÓGICOS NA FILOSOFIA E A VIRADA
LINGÜÍSTICA NA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
DENTZ, Volmir von – FURB – [email protected]
Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), SC, Brasil
LAMAR, Adolfo Ramos – FURB
Professor do Programa de pós-graduação em Educação da FURB
Doutor em Educação pela UNICAMP, SP, Brasil
EIXO: Filosofia e Educação / n. 13
RESUMO:
Os giros epistemológicos têm não só levantado novas questões na história da Filosofia e
da Filosofia da Educação, como também deflagrado novas formas de conceber e
relacionar categorias como as de sujeito-objeto, pensamento-linguagem, realidadelinguagem, corpo-alma, indivíduo-sociedade, entre outras. O giro lingüístico, na medida
em que desencadeia um paradigma epistemológico, se apresenta como forma
diferenciada de compreender tais categorias. Neste trabalho, investiga-se acerca dos
reflexos que o paradigma lingüístico apresenta na Filosofia e na Filosofia da Educação.
Questiona-se os tradicionais fundamentos que tem dado sustentação aos conhecimentos
e a Educação, tendo como parâmetro, principalmente, alguns apontamentos da filosofia
de Wittgenstein e da “epistemologia social” de Popkewitz.
Palavras-chave: Giros epistemológicos, giro lingüístico, conhecimento, Filosofia e
Educação.
INTRODUÇÃO:
Os giros epistemológicos têm não só levantado novas questões e problemas na
história da Filosofia e da Filosofia da Educação, como também deflagrado novas formas
de conceber e relacionar certas categorias, tais como as de sujeito-objeto, pensamentolinguagem, realidade-linguagem, corpo-alma, indivíduo-sociedade, entre outras. Neste
trabalho, persegue-se alguns desdobramentos dessas questões na Filosofia Antiga,
Moderna e Contemporânea.
Platão buscava conhecer a essência imutável das coisas, as verdades eternas, que
para ele, seriam encontradas na ordem do mundo, na proporção em que o pensamento,
deixando-se guiar pela natureza das coisas, pudesse corresponder à realidade, à natureza
intrínseca dos objetos.
Com Descartes e Kant, entre outros, no âmbito da filosofia moderna, o problema
do conhecimento passa a ser formulado a partir da idéia de sujeito universal e
2
autoconsciente. Tido como condição necessária para a objetivação da realidade, o
sujeito, de posse do objeto, quando manifesta adequadamente a representação deste,
expressa a verdade. Tanto no antropocentrismo moderno, quanto na cosmologia grega,
porém, compreende-se o ato de conhecer como estando restrito à relação sujeito-objeto.
Apesar das diferenças, em ambos os contextos e modelos filosóficos, admite-se que o
real é conhecido diretamente pelo pensamento, sem a mediação da linguagem. Esta é
vista como secundária no conhecimento. O que, aliás, é uma compreensão constante na
história da filosofia ocidental.
Forma diferenciada de compreender a relação entre linguagem e realidade,
contudo, pode ser encontrada nas formulações que resultam, entre outras, do movimento
que ficou conhecido na filosofia por “giro lingüístico”, no contexto do qual, procurarse-á apresentar, neste trabalho, a filosofia do segundo Wittgenstein, entre outras.
Filosofia que, em última análise, representa uma crítica radical a toda forma de
fundacionalismo e essencialismo nas questões do conhecimento, entre outras. Cabe,
pois, investigar quais os reflexos do giro lingüístico na Filosofia e na Filosofia da
Educação. Entre os autores que consideram o conjunto de questões levantadas pelo
paradigma lingüístico e que têm pensado a Educação nessa perspectiva está Popkewitz.
Esse autor, desenvolve uma crítica contundente as formas de análise centradas em
filosofias fundacionalistas, destacando que em Educação o importante é pensar os
fatores sociais, culturais, políticos e os poderes que atuam na produção das verdades.
GIROS ANTROPOCÊNTRICO E LINGÜÍSTICO NA FILOSOFIA
No contexto da filosofia grega, o conhecimento se sustenta a partir de uma
ordem cosmológica, na qual o próprio homem deveria encontrar seu lugar. A ordem do
mundo, dos objetos, das coisas pré-existe à inteligibilidade humana e é circunscrita, no
pensamento grego, como a condição necessária que guia o homem na busca do
conhecimento, pois a objetividade deste é dada pelos objetos. Como destaca Oliveira
(2001, p.19), “para Platão [...] as coisas possuem qualidades objetivas, relações e
diferenças em si mesmas. Quando lidamos com as coisas, temos de nos orientar de
acordo com essa natureza das coisas”. O sujeito é, ao contrário do que ocorre no
pensamento cartesiano, dominado pelas coisas, que guiam o curso do seu pensamento.
Assim, os gregos desenvolvem um sofisticado conceito de razão, sem que esta esteja
fundada no sujeito, mas, na ordem cosmológica.
3
Contudo, a partir das formulações da metafísica cartesiana, a filosofia, até então
marcadamente grega em seus fundamentos, sofre drásticas modificações. O sujeito em
vez de dominado pelo objeto, passa a dominá-lo. É condição necessária para a
objetividade no conhecimento, no contexto da reviravolta cartesiana, que o sujeito tenha
domínio e posse sobre os objetos. Inaugura-se, assim, o moderno antropocentrismo na
filosofia. Na mesma direção de Descartes está Kant, que, proclamando uma “revolução
copernicana” na filosofia, sustenta ser a consciência humana a condição de
possibilidade do processo de objetivação da realidade, necessária no processo do
conhecimento. Assim, defende que, em vez de nos voltarmos aos objetos, devemos nos
dirigir ao espírito humano, que é a condição fundamental.
Tais mudanças, porém, – que vão do objeto ao sujeito – continuam a perpetuar
uma filosofia fundacionalista. Seja na ordem cosmológica (logos), seja no sujeito
racional, continuam as buscas por um fundamento último.
O fundacionalismo, presente na metafísica ocidental se reflete, também, na
concepção de verdade. Na filosofia grega, de acordo com Grün e Costa (1996, p. 90), “a
verdade podia ser entendida dinâmicamente como um processo de desocultação”. De
outra forma, “a partir de Descartes o que importa é a certeza racional [...] e a verdade
passa a ser entendida enquanto “adequação” e “correção””. Mesmo divergindo, em
torno do sujeito ou do objeto como o fator determinante da verdade, segundo os autores,
tanto na filosofia grega, como na cartesiana encontramos a interpretação da verdade
como simples “correspondência” entre o que conhece e o que é conhecido.
A linguagem, para Platão, deve ser de tal forma acurada, que possa dar conta de
descrever adequadamente a correspondência entre conhecedor e conhecido. Contudo, no
ato de conhecer, a linguagem é dispensável, pois o real só é conhecido em si mesmo,
diretamente, pelo puro pensar, sem a mediação das palavras. Conforme Oliveira (2001,
p. 22), em Platão
a linguagem é reduzida a puro instrumento, e o conhecimento do
real se faz independentemente dela. O puro pensar, a
contemplação das Idéias, é para Platão um diálogo sem palavras,
da alma consigo mesma [...]. A linguagem não é, pois,
constitutiva da experiência humana do real, mas é um
instrumento posterior, tendo uma função designativa: designar
com sons o intelectualmente percebido sem ela. Sua tese
fundamental é a distinção radical entre pensamento e linguagem,
sendo esta reduzida a expressão secundária ou a um instrumento
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(organon) do pensamento. A palavra é reduzida a puro sinal, cujo
ser se esgota em sua função designativa.
A compreensão da linguagem como secundária no conhecimento, se encontra
não só em Platão, mas, é uma constante na história do ocidente. Mesmo em Descartes,
que pretende uma reflexão radical rompendo com a tradição, essa idéia sobre a
linguagem continua presente. Para Descartes, a questão fundamental da teoria do
conhecimento está em admitir que a consciência pode atingir a certeza plena por pura
auto-intuição, e isso, sem a mediação da linguagem. Essa concepção marcou
profundamente a história da filosofia ocidental. Como destaca Oliveira (2001, p. 34),
“pode-se dizer que só o segundo Wittgenstein questionou radicalmente os fundamentos
dessa concepção”.
Também, entre os filósofos do Circulo de Viena, essa concepção de linguagem é
retomada e considerada juntamente com a tradicional visão correspondencial da
verdade. Porém, desde as considerações desses filósofos, ao empreenderem um
movimento filosófico que ficou conhecido como empirismo lógico ou neopositivismo,
se aceita que a função da filosofia deve ser tematizar os problemas da linguagem. A
filosofia é reduzida à condição de filosofia da linguagem. Contudo, isso não significa
que a linguagem seja tida como prioritária no conhecimento. A questão é que a própria
filosofia entra em descrédito e passa a ter importância secundária. Enquanto, o
conhecimento científico assume posição de destaque.
A ciência, na modernidade, encontra seu apogeu. Entretanto, cabe destacar que
em suas bases está à racionalidade iluminista – leia-se cartesiana e kantiana – que,
conforme apresentamos, se apóia na idéia da verdade como correspondência e, com o
giro antropocêntrico na filosofia, no sujeito como a condição de objetividade.
O Wittgenstein da primeira fase, ou seja, do Tractatus, se encontra na esteira do
empirismo lógico. Oliveira (2001, p. 114), destaca a importância que teve esse filósofo
no horizonte do pensamento ocidental, pois “ele tematiza e desenvolve explicitamente
os pressupostos ontológicos da semântica tradicional, bem como a tese da
correspondência ou da coordenação entre linguagem e realidade que é [...] uma das teses
tradicionais e centrais da semântica do Ocidente”. Wittgenstein, é tido como um dos
filósofos que mais desenvolve a visão tradicional da verdade e da linguagem
instrumental-designativa. E, para muitos, o que melhor desenvolve a crítica dessas
5
mesmas visões, ou seja, das que reduzem a linguagem à função designativa e definem a
verdade como correspondência.
Essa dupla interpretação do filósofo se deve à diferença como ele aborda
praticamente as mesmas questões, nas duas obras que o consagraram na filosofia, uma
publicada quando ainda muito jovem e a outra como obra póstuma, respectivamente o
“Tractatus Lógico-philosophicus” e as “Investigações Filosóficas”. As questões
fundamentais e recorrentes em seu pensamento, segundo Oliveira (2001), são as que
tratam de querer saber: o que é a linguagem e o pensar? Como se dá a relação entre o
falar e o pensar? O que faz com que um sinal tenha significado e em que sentido ele é
expressão de um pensamento? Como ocorre a relação da linguagem e do pensamento
com o real?
A linguagem, da maneira como é vista pelo Wittgenstein do Tractatus, pode-se
dizer, corrobora a visão tradicional, na qual, o conhecimento verdadeiro é o que capta a
essência das coisas, que é, a posteriori, comunicado pela linguagem. O decisivo para o
conhecimento é a estrutura ontológica do mundo, que reside na coisa em si. Os atos do
espírito humano, fundamentalmente, captam essa estrutura. A função da linguagem se
resume, pois, em exprimir a essência das coisas ou a estrutura ontológica do mundo. A
linguagem, porém, nada mais é do que uma ação humana que ocorre ao lado de uma
atividade espiritual que lhe confere significação. Assim, falar é uma atividade corporal –
como andar, comer, dançar etc. – que exprime um ato mental, espiritual. A ação do
espírito, o “ter-em-mente” é, portanto, o que concede sentido ao falar.
Contudo, o ato espiritual é em si mesmo não-lingüístico. A expressão lingüística
é, segundo a tradição ocidental, apenas um instrumento do pensamento, necessária para
comunicar o que está na mente. O conhecimento, nesse sentido, fica restrito a um ato
solitário e individual do sujeito, que ao compreender a lógica do mundo, emite juízos
com sentido, ou seja, juízos portadores da lógica do mundo, que captados por outro
sujeito, em princípio com as mesmas características, pode compreender tais juízos na
medida em que entra em contato com o conteúdo destes, ou seja, o sentido, que
novamente se reporta ao mundo. No entanto, como destaca Oliveira (2001, p. 124),
isso constitui um problema no processo de comunicação, já que o
outro não pode ter o acesso que eu tenho, nem eu posso saber que
impressões ele tem e, consequentemente, não sei se as palavras
por ele empregadas para exprimir suas sensações têm o mesmo
sentido das que eu emprego. [Ainda assim] em última análise, o
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conhecimento e sua comunicação lingüística são realidades
inteiramente privadas, essencialmente individuais e só
secundariamente comunicativas, interpessoais.
Revelam-se, portanto, como princípios inquestionáveis, assumidos por
Wittgenstein no Tractatus, as bases sobre as quais se sustenta a visão tradicional sobre o
conhecimento, a verdade, a linguagem etc. Tais bases, são nada mais que um dualismo
epistemológico e antropológico. O dualismo epistemológico se dá pela cisão sujeito,
mente, alma versus objeto, coisa em si, mundo no interior do conhecimento. Já o
dualismo antropológico, pela divisão do homem em alma, espírito versus corpo,
matéria, o que fica explicito também no caso da fala, na forma como é denominada na
tradição ocidental, como ação corpórea que enuncia os atos da alma.
As bases dualistas, bem como, a concepção de conhecimento e sua comunicação
como realidade exclusivamente privada e individual serão, porém, duramente
contestadas por Wittgenstein nas “Investigações Filosóficas”. Para Oliveira (2001, p.
126),
ele vai situar o homem e seu conhecimento no processo de
interação social, o que vai levar, posteriormente, não só à
consideração da relação entre conhecimento e ação, linguagem e
práxis humana, como também à consideração explícita do papel
da comunidade humana na constituição do conhecimento, e da
linguagem humana.
Contra a tradição ocidental, a filosofia da consciência1 da modernidade e o
próprio Tractatus, Wittgenstein em sua segunda fase, vai dizer que “não existe um
mundo em si independente da linguagem, que deveria ser copiado por ela. Só temos o
mundo na linguagem; nunca temos o mundo em si, imediatamente, sempre por meio da
linguagem” (OLIVEIRA, 2001, p. 127). Contra a filosofia moderna, inaugurada por
Descartes, vai argumentar que “não há consciência sem linguagem, de modo que a
pergunta pelas condições de possibilidade do conhecimento humano [...] não é
respondida sem uma consideração da linguagem humana” (OLIVEIRA, 2001, p. 128).
1
Silva (2000, p. 59) define filosofia da consciência da seguinte forma: “expressão utilizada por Jürgen Habermas, no
livro O discurso filosófico da modernidade, para se referir àquelas tradições que, de Descartes a Sartre e a MerleauPonty, passando por Kant, Hegel e Hussel, colocam a consciência, concebida como capacidade do ser humano de
apreender o mundo e a si próprio (autoreflexividade), no centro de seus sistemas filosóficos. Na chamada “virada
lingüística”, é precisamente a consciência que é deslocada – no caso dos pós-estruturalistas, pela linguagem, pelo
texto e pelo discurso; no caso de Habermas, pela interação e pela intersubjetividade – como centro privilegiado do
sentido e da ação”.
7
Wittgenstein, em última instância, coloca em questão a própria filosofia
fundacionalista e essencialista, ao declarar que carece de sentido aquilo que está para
além da linguagem. Então, se para a tradição é a essência do real que possibilita o
conhecimento verdadeiro, na medida em que tal essência concede significado estável e
fixo as palavras, que exercem nada mais que a sua representação, como entender, a
partir do segundo Wittgenstein, o significado? Ora, o que é radicalmente assumido,
agora, por Wittgenstein, é que o significado não está preso a uma essência e nem é
fixado de modo definitivo, mas, da forma como ele entende, a significação das palavras
só pode ser determinada se for considerado o contexto sócio-prático em que são usadas.
Conforme Rodrigues (2002, p. 125), isso implica em aceitar que “as estruturas lógicas
não refletem uma verdade per se, mas dependem de um meio social, uma vez que se
constituem em regras de linguagem”. As regras e os significados, em sua aplicação e
geração, estão ancorados nas práticas humanas e não podem ser compreendidos
separadamente delas. A exatidão do significado de um conceito, não pode ser buscada
de forma absoluta, pois não podem ser determinados todos os casos de sua aplicação,
ainda mais, quando se considera a possibilidade de surgirem formas de uso que até
então não existiam. Assim, pode-se dizer que os conceitos são sempre abertos.
Os interesses de Wittgenstein passam a ser pelo uso da linguagem em
determinada situação, pois, “a significação de uma palavra é seu uso na linguagem”
(WITTGENSTEIN, 1984, p. 28). Assim, adquire sentido considerar os contextos sociais
e históricos onde ocorre o uso. O que representa uma novidade radical na filosofia, que
até então considerava, de acordo com a noção de homem dividido, a significação, como
vinda do mundo interior do homem, determinada pelos atos intencionais da alma,
espírito, mente.
Por outro lado, pode-se afirmar que não existem atos intencionais e autônomos
que não estejam vinculados a contextos de sentido. Segundo Wittgenstein, o erro da
filosofia foi não entender o funcionamento da linguagem, por não considerar seu uso.
Somente a linguagem em ação possibilita compreender seu funcionamento. Pois, as
formas de uso, aplicação correta dos termos, só podem ser determinadas pelos membros
de uma comunidade lingüística, que estabelecem para si, acordos, criando regras e
critérios de uso das palavras, o que torna possível a comunicação. É a práxis
comunicativa interpessoal, em sua diversidade de formas, que constitui a linguagem.
Por isso, Wittgenstein fala em “jogos de linguagem”, se referindo às diferentes formas
de vida, diferentes contextos e modos de uso que constituem a linguagem.
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Wittgenstein prefere falar da linguagem como um jogo. No jogo está presente
não só o indivíduo isolado e autônomo que decide por si, mas, um grupo social que
consensualmente decide sobre as normas e regras que determinam o comportamento
coletivo. Da mesma forma, a linguagem compreendida como jogo é um processo não
natural e mecânico operado apenas por um sujeito individual, mas, construído
socialmente. Ela exige que os participantes entrem em consenso sobre as regras de uso,
assim, temos que suas conexões simbólicas, só são inteligíveis no interior de contextos
sociais de interação.
A clareira aberta pelo Wittgenstein da segunda fase, entre outros, desencadeou o
que, em última instância, representa um novo paradigma na filosofia. Trata-se, pois, do
“giro lingüístico”, que inaugura uma nova postura na filosofia. Na qual o conhecimento
é entendido não mais como resultado da consciência de um sujeito individual e solitário,
como no contexto do dualismo epistemológico e antropológico da filosofia moderna.
Mas, no paradigma lingüístico, como a relação “sujeito-sujeito” passa a ser prioritária, o
conhecimento é entendido como produto de um processo interativo de entendimento.
Como destaca Habermas (1990, p. 277), “o paradigma da filosofia da
consciência encontra-se esgotado”. Assim, para ele, emerge o paradigma da
intercompreensão, a partir do qual a atitude privilegiada no ato de conhecer já não é a
individual, na qual “o sujeito conhecedor se dirige a si próprio como a entidades no
mundo (exterior). [Mas], antes, a atitude performativa dos participantes da interação que
coordenam os seus planos de ação através de um acordo entre si sobre qualquer coisa no
mundo”.
Enquanto os enunciados básicos da filosofia da consciência
impuserem que se compreenda o saber, exclusivamente como
saber de algo no mundo objetivo, a racionalidade limita-se ao
modo como o sujeito isolado se orienta em função dos conteúdos
das suas representações e dos seus enunciados. A razão centrada
no sujeito encontra os seus (critérios em) padrões de verdade e
sucesso que regulam as relações do sujeito que conhece e age
com o mundo dos objetos possíveis ou dos estados de coisas.
Quando, pelo contrário, entendemos o saber como transmitido de
forma comunicacional, a racionalidade limita-se à capacidade de
participantes responsáveis em interações de se orientarem em
relação a exigências de validade que assentam sobre o
reconhecimento intersubjetivo. (HABERMAS, 1990, p. 291).
9
Encontramos em Habermas, que neste caso combina com Apel, o que, de forma
geral, pode ser caracterizado como uma nova forma de fundamentação de todo
conhecimento válido. A fundamentação se volta, agora, não mais para a certeza de uma
consciência solitária, mas, para a intersubjetividade. De modo que a pergunta pelo
sentido possível das sentenças na linguagem passa a substituir a pergunta pela possível
verdade dos juízos. Da mesma forma que a crítica do conhecimento enquanto análise da
linguagem passa a substituir a crítica da razão enquanto crítica da consciência.
Habermas juntamente com Apel, podem ser citados, entre outros, como os
filósofos que mais desenvolvem os problemas da filosofia tendo a linguagem como
ponto de partida. A linguagem está na centralidade de seus argumentos. Contudo,
diferentemente do Segundo Wittgenstein, eles continuam a busca por fundamentação,
propondo, para além do “giro lingüístico”, o “giro ontológico”, que, em última
instância, representa a defesa de um realismo que encontra suas bases não na
consciência e nem na linguagem, mas na realidade objetiva (ontológica).
Porém, se a filosofia deve ser a busca por um fundamento último ou não, se é a
consciência individual, a realidade objetiva ou as relações sociais mediadas pela
linguagem, condição para a obtenção da verdade no conhecimento, são questões
debatidas em diversos meios e que apresentam reflexos também nas teorias e práticas da
Educação.
O paradigma lingüístico na Filosofia da Educação:
No contexto do paradigma moderno, dir-se-á que a Educação deve orientar-se
pelas noções de sujeito universal, a priori, de realidade objetiva, etc. adequando suas
práticas a modelos uniformes e previamente estabelecidos. Por outro lado, com o “giro
lingüístico” na Filosofia e na Filosofia da Educação outras noções são apresentadas.
Isso exige que a Educação seja repensada. Questiona-se, nesse sentido, se ela deve ou
não continuar avalizando os valores modernos.
Como entende Silva (1995, p. 245), “a escola pública se confunde [...] com o
próprio projeto da modernidade. É a instituição moderna por excelência”. Pois, ela
corporifica as idéias e os ideais da modernidade. E, por se encontrar assim, a escola
sofre os ataques que se desencadeiam, principalmente, a partir do deslocamento
efetuado pelo “giro lingüístico”2, as bases do pensamento moderno, que são também as
2
Silva (1995a) considera o pós-modernismo e o pós-estruturalismo no contexto do paradigma da linguagem em
oposição ao paradigma da consciência.
10
bases da Educação, enquanto instituição moderna. Tais ataques ao projeto educacional
moderno, fazem deste, segundo o referido autor, um paciente terminal.
Por sua vez, Veiga-Neto (2000) considera que a Educação escolarizada não
apenas está envolvida com a crise da modernidade, como também, pode ser vista como
causadora da crise, no sentido de que ela não executou bem o projeto da modernidade.
Por outro lado, o autor destaca que a Educação ao invés de assumir a culpa pela má
execução de tal projeto, pode, ao constatar que ele se sustenta em premissas
problemáticas e/ou falsas, contestá-lo. Ainda assim, o referido autor, considera que as
práticas escolares tais como o disciplinamento, a vigilância, o exame, a autonarrativa,
etc. participam da produção do sujeito moderno e da própria modernidade. Para ele
(2000, p. 52),
tais práticas são vistas como produtivas: elas se instauram para
nos tornarem sujeitos modernos, cidadãos de uma sociedade
disciplinar e, por isso mesmo, capazes de seu autogoverno. Ao
fazerem isso, tais práticas fazem da escola uma das condições de
possibilidade da modernidade.
Ao dizermos que sem a escola moderna não teríamos o sujeito
moderno, concluímos que sem ela também não haveria a
modernidade. Mas isso é assim não porque a escola
“aperfeiçoou” um sujeito natural a ponto de torna-lo civilizado e
moderno. Isso é assim porque as próprias práticas escolares –
conectadas aos saberes específicos que se agruparam sob a
denominação de Pedagogia Moderna – participaram e participam
da invenção desse construto que é o sujeito moderno.
O giro lingüístico acaba por provocar uma inversão na Filosofia e na Filosofia da
Educação. Inversão que, grosso modo, pode ser caracterizada pela substituição das
explicações que visam compreender as práticas sociais, econômicas, políticas, culturais,
lingüísticas, etc. a partir do sujeito, pelas que querem compreender o sujeito a partir
dessas práticas. Assim, a concepção moderna de sujeito a priori passa a ser
problematizada, na medida em que ganham força novas concepções que priorizam as
práticas lingüísticas, nas quais se inserem as lutas sociais e políticas, que produzem os
sujeitos.
Questiona-se, no contexto do paradigma lingüístico, que princípios, então,
devem orientar a Educação? A que valores a Educação pode recorrer para a formação da
subjetividade? Certamente, o que não cabe mais é a idéia de sujeito universal presente
no projeto educacional moderno. Pois esta, afirmando os valores da cultura européia,
11
branca, masculina, etc., exclui as diferenças. Proclama-se, então, por um sujeito local,
de acordo com a cultura regional, respeitando as diferenças.
Popkewitz (1997), ao analisar os conhecimentos da Educação a partir dos fatores
sociais e políticos que atuam no processo de produção destes, desenvolve uma crítica
radical as formas de análise centradas em filosofias fundacionalistas, principalmente as
que se desenvolvem em torno das idéias de correspondência, de sujeito universal, autoconsciente, de linguagem representacional, transparente, de realidade essencial, etc.
Assim, ele questiona os tradicionais fundamentos apresentados para o conhecimento e
para a Educação, contrastando, dessa forma, com as preocupações filosóficas com
conhecimentos universais. Para ele (1997, p. 23), é importante “fazer do conhecimento
da escolarização uma prática social acessível ao questionamento sociológico”.
Assim, o referido autor (1997, p. 23) usa a expressão “Epistemologia Social”,
destacando ainda que sua intenção é “enfatizar a inserção social e relacional do
conhecimento nas práticas e aspectos do poder”. Pois, os conhecimentos da Educação
não só são produto de relações de poder, como também, são produtores de poder, no
sentido de que eles instauram modos de pensar, agir e sentir. Os procedimentos sociais
de validação dos conhecimentos em Educação incorporam nestes concepções acerca da
verdade, entre outras. Concepões que, por sua vez, adquirem poder para direcionar e
administrar os processos em Educação. Os conhecimentos tidos como verdade,
portanto, fluem do jogo social e adquirem sentido quando se voltam para o social,
legitimando formas de comportamento e pensamento. Nesse sentido, Popkewitz destaca
que o conhecimento e a verdade fazem parte do problema, não da solução.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
De acordo com o segundo Wittgenstein, carece de sentido a idéia de
correspondência, pois, para ele, não existe o mundo fora da linguagem, nem há
consciência sem linguagem e, consequentemente, os dualismos que opõem linguagem e
realidade, sujeito e linguagem, etc.
Se não existe o mundo em si, a essência do real, o mundo concreto a ser
representado nas palavras e sentenças, dando-lhes significados estáveis, conforme o
Wittgenstein da segunda fase, a verdade no conhecimento será dada, então, pelas
práticas sociais lingüísticas. Para o referido autor, o significado não é fixo e definitivo,
mas, instável e aberto, determinado pelos contextos sócio-práticos em que as palavras e
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sentenças são usadas, considerando as variações, acordos, regras e critérios de uso
estabelecidos pelos membros de uma comunidade lingüística.
De outra forma, na tradição ocidental, pode-se dizer, resumidamente, que a
verdade resulta da ação consciente de um sujeito individual que capta a essência
imutável do real e depois, usando as palavras adequadas, comunica tal essência. A
linguagem, portanto, tem apenas função instrumental, para designar o conhecimento que
é produto da ação direta do sujeito sobre o real. A partir do “giro lingüístico”, porém, o
conhecimento passa a ser compreendido como produto de um processo interativo de
entendimento social. Da mesma forma, em vez de explicar as práticas sociais a partir do
indivíduo, passa-se a explicar este partindo daquelas.
Neste sentido, Popkewitz argumenta que, a consciência em vez de autosuficiente e tranqüila, nessa virada, passa a ser vista como um lugar de conflitos, no qual
atuam os condicionamentos sociais. A linguagem, por sua vez, não mais representa o
objeto para um sujeito, mas, como instância social, produz os objetos e constrói os
sujeitos. Assim, ela passa a ser compreendida como produtora da verdade e não mais
sua representante. Pois, ao nomear as coisas não estamos representando uma essência do
real que existe por si mesma, mas, desenvolvendo um ato de criação da realidade.
Não havendo, nas Teorias da Educação que absorvem as influências do giro
lingüístico, critérios últimos de fundamentação e sendo o significado definido pelas
lutas sociais, de acordo com Silva (1995, p. 258), “o que está em jogo não são critérios
epistemológicos de adequação desses significados a algum referente real último, mas as
relações de poder que permitem que eles sejam definidos como reais”.
Assim, acreditamos poder ter ressaltado algumas inversões que o “giro
lingüístico” promove na Filosofia e na Filosofia da Educação. Inversões que permitem
introduzir questões debatidas atualmente no âmbito das Teorias da Educação.
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