1 Manobra de Recrutamento em Paciente com Influenza B: relato de caso Fabrício Soares de Paula1 Giulliano Gardenghi2 1. Fisioterapeuta Pós-graduando em Fisioterapia Cardiopulmonar e Terapia Intensiva pelo Centro de Estudos Avançados e Formação Integrada, Goiânia/GO-BRASIL. 2. Fisioterapeuta, Doutor em Ciências pela FMUSP, Coordenador Cientifico do Serviço de Fisioterapia do Hospital ENCORE/GO, Coordenador Cientifico do CEAFI Pós-graduação/GO e coordenador do Curso de Pósgraduação em Fisioterapia Hospitalar do Hospital e Maternidade São Cristovão, São Paulo/SP- Brasil. 2 Resumo A influenza é uma infecção do sistema respiratório, que pode desenvolver formas graves, levando a complicações secundárias como a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), geralmente com hipoxemia, redução da complacência do sistema respiratório e infiltrado pulmonar difuso, necessitando de uma estratégia ventilatória. Uma das técnicas que vem sendo amplamente utilizada é a Manobra de Recrutamento Alveolar (MRA). Este estudo teve como objetivo demonstrar os benefícios e os efeitos da MRA em uma paciente diagnosticada com influenza tipo B, que deu entrada na Unidade De Terapia Intensiva do Hospital de Doenças Tropicais/Hospital Dr. Anuar Auad. Paciente do sexo feminino, 14 anos, com historia clinica de dor de garganta, tosse seca e febre anterior a sua internação. Evoluiu com intubação orotraqueal, ao raio-x apresentava infiltrado bilateral difuso e gasometria arterial com uma relação PaO2/FiO2 de 121. Iniciamos a Manobra de Recrutamento Alveolar (MRA) e após a manobra, a paciente apresentou melhora da relação PaO2/FiO2 que aumentou para 237 e do padrão ventilatório. A MRA foi instituída por oito dias, sendo que a paciente obteve alta da UTI após 24 dias e a alta definitiva 43 dias da sua admissão. O uso das MRA demonstrou uma melhora significativa na reversão da hipoxemia, reexpansão pulmonar e desmame da ventilação mecânica. Descritores: Vírus da Influenza B; Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo; Manobra Recrutamento Alveolar. Abstract The influenza is an infection of the respiratory system, which can develop severe forms, leading to secondary complications such as Acute Respiratory Distress Syndrome (ARDS), usually with hypoxemia, reduced respiratory compliance, diffuse pulmonary infiltration system, requiring a strategy ventilatory. One technique that has been widely used is the Alveolar Recruitment Maneuver (ARM). This study aimed to demonstrate the benefits and effects of ARM in a patient diagnosed with influenza type B, which was received in the Intensive Care Unit of the Hospital for Tropical Diseases / Hospital Dr. Anuar Auad. Female patient, 14 years, with clinical history of sore throat, dry cough and fever prior to their hospitalization. Evolved with tracheal intubation, the x-ray showed diffuse bilateral infiltrates and arterial blood gas analysis with a PaO2/FiO2 of 121. We started the Alveolar Recruitment Maneuver (ARM) and after the operation, the patient improved PaO2/FiO2 ratio which increased 237 and the ventilatory pattern. The ARM was established for eight days but the patient was discharged from the ICU after 24 days and the final high 43 days of admission. The use of ARM showed a significant improvement in reverse hypoxemia, pulmonary expansion and weaning from mechanical ventilation. 3 Key words: Influenza B Virus; Acute Respiratory Distress Syndrome; Alveolar Recruitment Maneuver 4 Introdução A gripe é uma disfunção respiratória aguda, provocada pelo vírus da Influenza, podendo acometer além da espécie humana, outros animais mamíferos e alguns tipos de aves. Este vírus foi subdivido em três tipos principais, sendo classificados em A, B e C1. O presente estudo refere-se à Influenza do tipo B, que ocorre exclusivamente em humanos, podendo desenvolver formas graves, levando a complicações secundárias e com pequeno potencial a desenvolver epidemias, sendo classificadas como gripes sazonais2. Geralmente, a sintomatologia se inicia de forma súbita com pirexia maior que 38ºC, mialgias, dores de garganta, indisposição, cefaléia, tosse seca e coriza. Com o agravamento pode ocorrer pneumonias, complicações pulmonares com derrame pleural e pneumotórax podendo ainda evoluir para a Insuficiência Respiratória Aguda (IRpA) e também Insuficiência Renal Aguda (IRA)3. As complicações respiratórias podem aparecer no início da doença, como a Insuficiência Respiratória Aguda e evoluir rapidamente para Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). Assim, para qualquer afecção aguda ligada a um quadro relacionado ao vírus da Influenza em que se tenham implicações respiratórias e cardiovasculares, está indicada a internação em uma Unidade de Terapia Intensiva4. A Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) é uma implicação da lesão inflamatória da barreira alvéolo-capilar composta pelo epitélio e pelo endotélio capilar, levando à modificação de permeabilidade com a produção de edema pulmonar5,6. Pacientes com SDRA apresentam redução da distensibilidade pulmonar e uma acentuada heterogeneidade com a coexistência de áreas saudáveis e lesadas, entretanto o obstáculo do tratamento desta síndrome é o recrutamento das áreas colapsadas impedindo a superdistensão das unidades alveolares normais7. Como um dos principais métodos utilizados para a minimização de danos causados pela síndrome, utiliza-se estratégias de ventilação. Uma das técnicas que vem sendo utilizada na Ventilação Mecânica (VM) para pacientes com SDRA é a Manobra de Recrutamento Alveolar (MRA). O principal objetivo é recrutar unidades alveolares colabadas através de elevações mantidas de pressão na via aérea, aumentando assim a área pulmonar com troca gasosa efetiva e como resultado a oxigenação arterial8. O presente estudo tem como objetivo demonstrar os benefícios e os efeitos da MRA na mecânica respiratória e na oxigenação em uma paciente adolescente diagnosticada com Influenza, tendo como complicação a SDRA. 5 Relato de Caso Paciente E.G.S, 14 anos, sexo feminino, estudante, moradora da região metropolitana de Goiânia. Sem histórico de doenças em sua família, previamente hígida. A paciente foi admitida com história clínica de dor de garganta, tosse seca e febre anterior à sua internação na Unidade de Atenção Básica e foi orientada a retornar ao seu domicílio, em uso de amoxicilina e tamiflu apresentando piora do quadro inicial (dispneia intensa). Após piora do quadro foi encaminhada para Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Doenças Tropicais/Hospital Anuar Auad (HDT). Durante o transporte foi necessário a intubação orotraqueal (IOT). Chegou ao hospital em estado gravíssimo, sedada, pupilas mióticas, hipohidratada (2+/4+), hipocorada, leve cianose de extremidade e febril (38 ºC). A paciente evoluiu com choque séptico de foco pulmonar e também foi iniciado o uso de droga vasoativa. A equipe médica considerou também a partir dos exames e quadro clínico, que a paciente também apresentava Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC). No raio-x de tórax pré MRA, era evidenciado infiltrado intersticial bilateral difusos (figura 1), a gasometria da admissão apresentava uma relação PaO2/FiO2 de 121 o que caracteriza, segundo as Definições de Berlim de 2012, como uma SDRA Moderada. A equipe multidisciplinar optou por iniciar a Manobra de Recrutamento Alveolar, foi realizado no modo ventilação controlada a pressão, pressão de distensão de 15 cmH2O, Fração Inspirada de Oxigeno Fio2 100%, PEEP inicial de 10 cmH2O, incrementando gradativamente 5 cmH2O mantido por 2 minutos, atingindo o valor de 30 cmH2O, em seguida retornando a PEEP para 25 cmH2O, avaliando a Spo2 e complacência pulmonar, logo após a MRA foi iniciado manobra decremental da PEEP reduzindo 2 cmH2O a cada 2 minutos, encontrando o valor de 15 cmH2O, tendo como base o melhor volume expiratório e a melhor complacência pulmonar estática. Figura 1 - Radiografia de tórax pré Manobra de Recrutamento Alveolar 6 Após a MRA foi avaliado a relação PaO2/FiO2 que aumentou para 237. A MRA foi instituída por oito dias, no período da manhã. Pós Manobra de Recrutamento Alveolar evidenciou discreta melhora no raio-x e um pneumotórax à direita, ocorrido de modo acidental durante procedimento medico (passagem de acesso venoso central), sendo drenado e permaneceu com o dreno torácico funcionante até pouco dias antes de sua alta (Figura 2). Figura 2 - Radiografia de tórax pós Manobra de Recrutamento Alveolar Dados oito dias após a sua internação optou-se pela realização da traqueostomia. A paciente evoluiu com melhora do padrão ventilatório, melhora radiologica, diminuição de parâmetros do ventilador, progredindo para o desmame da ventilação vinte e um dias após a sua intubação. Com a boa evolução do quadro da paciente, após vinte e quatro dias de internação, ela foi encaminhada para a enfermaria e após ser retirados dreno torácico e decanulação da traqueostomia, fatos que ocorreram progressivamente, a paciente recebeu alta. Discussão A forma predominante em que o vírus da influenza é transmitido é de pessoa para pessoa através de gotículas. Assim, um dos cuidados que devem ser tomados durante a internação é o isolamento respiratório do paciente e uso de sistema de aspiração fechado. Estas foram algumas das medidas tomadas durante a internação da paciente abordada em nossa pesquisa9. Inicialmente, a infecção se estabelece de forma local, no trato respiratório superior e inferior. Ela se limita a esta área, pois as proteases que clivam as 7 hemaglutininas localizam-se no trato respiratório. Os primeiros alvos são as células secretoras de muco, as células ciliadas e outras células da mucosa epitelial10, 11,12. Uma complicação da infecção por influenza é o acometimento das vias aéreas inferiores através de pneumonia viral primaria, comprometendo diretamente o parênquima pulmonar, causando um quadro agudo, com piora dos sintomas, febre persistente, dispneia, cianose, leucocitose e a radiografia de tórax demonstra infiltrado pulmonar difuso podendo evoluir para Síndrome Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). De forma que o vírus altera o epitélio traqueobrônquico, com diminuição das células, perda dos cílios, disfunções das células fagocíticas e exsudato alveolar. Segundo Soares em seu estudo com pacientes que contraíram o vírus influenza observou, que 41,17% desses pacientes, apresentaram complicações respiratórias que evoluíram para SDRA12,13,14. A SDRA foi definida em meados dos anos 60 como um quadro clínico que evoluía com taquipneia, hipoxemia refratária à oxigenioterapia, redução da complacência do sistema respiratório e infiltrados pulmonares difusos observados na radiografia de tórax4,5. A Manobra de Recrutamento Alveolar (MRA) visa a reexpansão de áreas pulmonares previamente colapsadas perante um incremento breve e controlado da pressão transpulmonar, aumentando a área pulmonar disponível para a troca gasosa e, consequentemente, a oxigenação arterial. As manobras são procedimentos rotineiros em casos de SDRA. Quanto mais cedo se inicia o tratamento maior a chance de êxito considerando-se também o tempo de instalação da doença que interfere diretamente no sucesso do tratamento8, 15. Segundo a literatura16, 17, não existem contra indicações absolutas ao uso da MRA. Existem alguns critérios que devem ser avaliados como a existência de lesões pulmonares como hemotórax ou pneumotórax, pacientes instáveis hemodinamicamente, presença de enfisema subcutâneo e incisões pulmonares como biópsia ou ressecções recentes. Uma maneira amplamente utilizada na prática clínica para a avaliação, a monitorização dos resultados da MRA e mensuração da oxigenação arterial é a análise dos valores de PaO2 e da relação PaO2/FiO2 pré e pós manobra18. Este parâmetro é largamente adotado pela facilidade de coleta e rapidez de resultados encontrados na gasometria arterial, sendo a maneira também adotada em nosso estudo. Um método também usado para a avaliação dos efeitos do recrutamento alveolar capaz de quantificar a área pulmonar recrutada, porém de difícil acesso em alguns serviços hospitalares é a tomografia de tórax. O estudo de Valente Barbas avaliou os efeitos e os resultados da Manobra de Recrutamento Alveolar utilizando a tomografia computadorizada, como sendo a melhor para mensuração da área pulmonar recrutada. 8 Segundo as Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica, a MRA deve ser realizada em modo Ventilação Controlada a Pressão, com pressão de distensão de 15 cm H2O, iniciando com PEEP = 10 cmH2O, elevando gradativamente o valor da PEEP de 5 cmH2O a cada 2 minutos, até atingir um valor de 25 cmH2O, após o qual aumenta-se o valor de mudança para 10 cmH2O atingindo 35 e no máximo 45 cmH2O. Na sequência, reduzir a PEEP para 25 cmH2O e iniciar de Manobra de Titulação Decremental da PEEP. Em nosso estudo tivemos uma abordagem mais criteriosa adotando um limite de PEEP máximo de trinta, por ser uma pressão muito alta e pela presença do dreno torácico. A MRA tem sido citada em estudos como fundamental para a melhora da ventilação de pacientes com SDRA. Evidências atestam que intervenções com um aumento de PEEP progressivo e um delta de pressão inspiratória de 15 cmH2O, podem ser mais adequados para a manutenção da funcionalidade das unidades alveolares8. Kaufman relatou seis estudos de pacientes com influenza, e defendeu a ideia de que seria adequado utilizar ventilação limitado a pressão, com volumes correntes baixos (6 ml/KG de peso corporal ideal) e PEEP elevada (15-20 cmH2O), parâmetros que foram adotados na paciente estudada. Conclusão Em conclusão, a MRA pode ser considerada um método efetivo na reexpansão de áreas pulmonares previamente colapsadas, perante um incremento breve e controlado da pressão transpulmonar, aumentando a área pulmonar disponível para a troca gasosa e reversão da hipoxemia, facilitando o desmame da ventilação mecânica. A padronização da técnica de recrutamento alveolar vem facilitando sua aplicação e assim sua resposta. Na paciente abordada, o procedimento demonstrou benefícios significativos da SDRA com melhora da oxigenação arterial e de toda a mecânica ventilatória. Cabe ainda acrescentar que a escassez de estudos abordando o tema tanto da Influenza quanto das MRA, dificultam a apresentação de dados mais concretos. Referências Bibliográficas 1. Auerbach P, Oselame GB, Dutra DA. Revisão histórica da gripe no mundo e a nova H7N9. Rev. Med Saude Brasilia 2013;2(3):183-197. 2. Martinez JAB. Influenza e publicações científicas. J Bras Pneumol. 2009;35(5):399-400. 3. Lenzi L, Pontarolo R. Evalution of pregnancy as a risk factor in the outcomes of influenza A (H1N1)/2009 in women of childbearing age. Cadernos de Saúde Pública. 2012;28(2):395-399. 9 4. Soares SCS, Janahú LTA. O suporte ventilatório no tratamento da Influenza A H1N1 em Unidade de Terapia Intensiva. Rev. Pan-Amaz Saude 2011;2(1):79-84. 5. Petty TL, Ashbaugh DG. The adult respiratory distress syndrome: clinical features, factors influencing prognosis and principles of managememnt. Chest. 1971; 60(3):233-239. 6. Amato MBP, Carvalho CRR, Vieira S et al. Ventilação mecânica na lesão pulmonar aguda/síndrome do desconforto agudo. Rev. Bras. Ter. Intensiva.2007;19(3):374-383. 7. Zigaib R, Noritomi DT. Medicina intensiva: a oxigenação extracorpórea é factível no Brasil? Rev. Bras. Ter. Intensiva.2014;26(3):200-202. 8. Silva HC, Furini LP, Carmo PDP et al. Avaliação da mecânica pulmonar e oxigenação após manobras de recrutaemnto alveolar. Rev. Cien. Hosp. Santa Rosa.2010;1(1):30-38. 9. Ruedell LM, Oliveira PD, Azambuja F. Complicações pulmonares neurológicas da varicela em adulto jovem previamente hígido. Scien. Med. 2008;18(2):98-101. 10. Rodrigues BF, Farias F, Takar G, Pavin L et al. VIRUS INFLUENZA E O ORGANISMO HUMANO. Revista APS, v.10, n.2, p. 210-216, jul./dez. 2007. 11. Paiva D, Arruda K, Granato A, Plischka S, Alves D. Influenza: fisiopatologia da doença, postado em 2012. Disponível em: https://influb.wordpress.com/2012/10/29/fisiopatologia-da-doenca/. 12. Kamps BS, Hoffmann C, Preiser W. Influenza report 2006. Flying Publisher. Disponível em: http://www.influenzareport.com/. 13. Scotta MC. Influenza em pediatria; Boletim Científico de Pediatria - Vol. 2, N° 2, 2013. 14. Kalichsztein M, Gustavo F. Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo Secundária à Infecção por Influenza A H1N1. Pulmão RJ 2011;20(1):59-63. 15. Ávila PES e Ribeiro AM. Recrutamento Alveolar na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo. Revista Paraense de Medicina – V.28 (1) janeiro-marco 2014. 16. Trindade LMV, Lopes LCS, Bernardelli GF et al. Manobra de recrutamento alveolar na contusão pulmonar. Relato de caso e revisão de literatura. Rev. Bras. Ter. Intensiva. 2009;21(1)104-108. 17. Machado MGR. Bases da fisioterapia respiratória: terapia intensiva e reabilitação. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan; 2008. 555 p. 10 18. Valente Barbas CS. Lung recruitment maneuvers in acute respiratory distress syndrome and facilitating resolution. Crit Care Med. 2003;31(4 Suppl): S265-271. 19. Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica; 2013. 72p. 20. Kaufman MA, Duke GJ, McGain F, French C, Lane G, et al. Lifethreatening respiratory failure from H1N1 influenza 09 (human swine influenza). cited 2010; 191(3):154-6. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19645645?dopt=Abstract.