universidade federal do paraná alberto palomar fernandez o

Propaganda
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
ALBERTO PALOMAR FERNANDEZ
O SENADO ROMANO E A TRANSFORMAÇÃO DA REPÚBLICA EM IMPÉRIO
CURITIBA
2008
ALBERTO PALOMAR FERNANDEZ
O SENADO ROMANO E A TRANSFORMAÇÃO DA REPÚBLICA EM IMPÉRIO
Monografia apresentada à disciplina Estágio
Supervisionado em Pesquisa Histórica como
requisito parcial à conclusão do Curso de
graduação em História. Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do
Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto
CURITIBA
2008
RESUMO
O objetivo fundamental desta pesquisa foi a obtenção de respostas às questões de
como e por que o Senado romano acedeu à transformação da República Romana
em Império, e suas possíveis causas. Para tanto, efetuou-se uma retrospectiva
historiográfica buscando estabelecer os modelos teóricos desses regimes de
governo, seus pressupostos e fundamentos, principalmente através das teorizações
de obras de Cícero. Também, procurou-se determinar a evolução da configuração
da sociedade romana no período transcorrido entre a sua fundação e a época da
mudança do regime em questão, principalmente mediante os efeitos determinados
pelo expansionismo romano. O levantamento efetuado da realidade factual, mais
notadamente dos séculos II e I a.C., considerando principalmente os aspectos
políticos e militares, compôs o principal elemento de contraste à teoria.
Paralelamente, procurou-se humanizar os registros formais da época, mediante
seleção de excertos de epístolas de Cícero, referentes ao tema, que transcendem
aos escritos e opiniões formalmente expressas em suas obras, como homem
público, e que diferem destas. Com esses referenciais efetuou-se a sua análise
comparativa, o que permitiu deduzir não só possíveis respostas objetivas às
questões enunciadas como também caracterizar as possíveis causas, principal e
derivadas que promoveram essa transformação.
Palavras-chave: República Romana. Império Romano. Sociedade Romana.
Regimes de governo. Transformação. Expansionismo.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4
2 A REPÚBLICA ROMANA TEÓRICA ...................................................................... 6
2.1 A REPÚBLICA ROMANA COMO FORMA DE GOVERNO ................................. 7
2.2 O PAPEL DAS MAGISTRATURAS NA REPÚBLICA ROMANA ........................ 10
2.3 OS COMÍCIOS E O PODER DECISÓRIO ......................................................... 11
2.4 O CIDADÃO ROMANO TEÓRICO ..................................................................... 13
2.5 OS VALORES DA SOCIEDADE ROMANA REPUBLICANA ............................. 13
2.6 AS CRENÇAS, A RELIGIÃO E O DIREITO NA SOCIEDADE ROMANA ......... 15
2.7 AS LEIS NA OTIMA REPUBLICA ROMANA ..................................................... 19
2.8 O EXÉRCITO ROMANO .................................................................................... 22
2.9 A ECONOMIA DA REPÚBLICA ROMANA ........................................................ 24
3 AS TRANSFORMAÇOES DA REPÚBLICA ROMANA AO LONGO DO SEU
PERÍODO DE EXISTÊNCIA .................................................................................... 26
3.1 OS FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA .............................................................. 26
3.2 AS “FALHAS” CONCEITUAIS DA REPÚBLICA TEÓRICA ............................... 27
3.2.1 A qualificação dos integrantes do governo ..................................................... 27
3.2.2 A inexistência de uma estrutura militar permanente ....................................... 29
3.2.3 A desconsideração da plebe ........................................................................... 31
3.2.4 A extrapolação do modelo de gestão da civitas às regiões conquistadas ...... 32
3.2.5 O expansionismo populacional e territorial ..................................................... 33
3.3 O EXPANSIONISMO E SEUS EFEITOS ........................................................... 34
3.3.1 Efeitos econômicos ......................................................................................... 34
3.3.2 Efeitos sociais .................................................................................................. 36
3.3.3 Efeitos políticos ............................................................................................... 39
3.3.4 Efeitos militares ............................................................................................... 41
3.3.5 Efeitos jurídicos ............................................................................................... 43
3.4 AS REALIDADES DO SÉCULO I a. C................................................................ 46
3.5 A HISTÓRIA E AS PAIXÕES ............................................................................. 52
3.6 AS REVELAÇÕES DE CÍCERO ........................................................................ 59
4 CONCLUSÕES ..................................................................................................... 63
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 67
OUTRAS OBRAS CONSULTADAS ........................................................................ 68
1 INTRODUÇÃO
A História está repleta de exemplos que mostram que a transformação de
regimes políticos está quase sempre associada a uma ruptura, mediante a qual o
regime subseqüente busca dissociar-se do anterior, em virtude do que, na maioria
dos casos observa-se a supressão de suas principais instituições, ou sua moldagem
às novas dietrizes emanadas pelos novos detentores do poder.
Ao estudar-se Roma e a evolução de seu processo político, não se evidencia
claramente essa ruptura em relação à passagem da república para o império, pois
suas principais instituições, notadamente o Senado e as Magistraturas persistem.
Tendo como pressuposto a preponderância do Senado sobre as demais
instituições políticas torna-se difícil entender como e por que o Senado consentiu na
transformação do regime, de uma república que por quase cinco séculos vigorou e
que havia conduzido Roma a uma preponderância sobre quase todo o mundo
conhecido.
A afirmativa de que “Para explicar a morte da República romana, a evolução
econômica e social importa tanto quanto a evolução propriamente política e, como
esta, é dirigida pela amplidão das conquistas e pela sua incessante extensão.”1,
ampliada do plano religioso, foi a diretriz que adotou-se para nortear a
pesquisa.
Dessa maneira, procurou-se buscar os fundamentos e a evolução da sociedade
romana desde a sua origem até o fim do séc. I a.C., notadamente na fontes políticas
mais reconhecidas dessa época, como Cícero e suas obras estruturantes: “Sobre la
República”2 e “Las leyes”3.
As raízes sociais foram buscadas através de Fustel de Coulanges, com sua obra “A
cidade antiga”4, na qual aborda com propriedade a natureza religiosa original
dessa sociedade e sua vinculação ao direito.
Com esses elementos fundamentais, e complementos de bibliografia
contemporânea para o preenchimento das lacunas, foi possível constriur-se um
arcabouço teórico da república romana que serviria de referência na análise com o
confronto desta com as sucessivas transformações ocorridas ao longo do tempo.
Nessa análise abordaram-se também o que se resolveu denominar de “falhas” da
estruturação teórica, considerando como tais as opções ou as imprevisões
detectadas do sistema.
O expansionismo e seus efeitos econômicos, sociais, políticos, militares e jurídicos
1
AIMARD, André; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo II Roma e seu
império. Vol. 1o. O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica. Trad. Pedro Moacyr Campos. 4a
ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1974.
CÍCERO. Sobre la república. Tradução Álvaro D’Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1991.
3
CICERO. Las Leyes. Tradução, introdução e notas de Avaro D’Ors. Instituto de Estúdios Políticos:
Madrid, 1953.
4
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Trad. Frederico O. P. de Barros. São
Paulo: Editora das Américas, 1991.
2
apresentados e analisados sob a ótica de sua repercussão, em relação a si mesmos
e ao coletivo dos elementos estruturantes, como contrapontos à construção teórica.
Finalmente, retratam-se as realidades do século I a.C., por assim dizer no limiar da
transformação, com uma ênfase mais política devido à sua própria natureza,
colacionando os principais eventos cronológicos, essenciais a seu entendimento.
Reconhecendo a falibilidade humana, mesmo dos mais insignes teóricos, procurouse explorar os reais pensamentos do homem Cícero, através de sua obra “Cartas”5.
Mediante a estruturação de excertos temáticos dessa obra, evocativos de
ações/omissões, inseguranças pessoais e de suas opiniões a respeito de
personagens fundamentais, como César e Pompeu, e particularmente sobre os
integrantes do Senado, em especial os optimates, tornou-se possível
vislumbrar o que poder-se-ia denominar de o verdadeiro Cícero, não o homem
público, mas o ser humano com suas paixões e fraquezas.
Com este elenco de elementos de confronto poude-se entender não só as
circunstâncias, mas as motivações que possibilitam a resposta às questões iniciais:
como e por que o Senado romano acedeu na transformação da república em
império. Ao mesmo tempo, poude-se configurar como causa central deste
acontecimento o expansionismo, pelo desdobramento de seus efeitos não só na
sociedade em geral, mas principalmente na classe dirigente.
5
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996.
2 A REPÚBLICA ROMANA TEÓRICA
É indiscutível que qualquer análise que pretenda fazer-se sobre a república
romana tem que apoiar-se fundamentalmente nas obras de Cícero6, tanto pela sua
erudição, evidenciada pelas referências lógicas de seus inúmeros escritos, quanto
pela sua formação jurídica teórica e prática. São estes aspectos que lhe permitem
estruturar seu pensamento dentro de um ordenamento jurídico, que é basilar dentro
desta particular forma de governo. Uma clara evidência da afirmação anterior é a
sua preocupação expressa em relação aos conceitos relativos aos termos
fundamentais a res publica e o populum sobre os quais se constroi toda a sua teoria
política.
D’Ors7, em sua introdução8 à obra de Cícero, “Sobre la república” discute e
configura o pensamento ciceroniano a esse respeito definindo o populum (doravante
grafada como povo) como sendo “o agregado de pessoas associado por um mesmo
direito, que serve a todos por igual”. Já a res publica, ou seja a coisa pública, é
primariamente definida como sendo “tudo aquilo que pertence ao povo”, o que
evidencia a distinção com o que é particular, exclusivamente do indivíduo, embora,
como se evidencia em diversas obras, inclusive do próprio Cícero, o particular
também seria regido pelo direito, mas não o público e sim o direito civil comum a
todos individualmente.
Note-se que nesta definição a expressão “coisa pública” é considerada em
seu sentido mais amplo, isto é, não se trata apenas das coisas materiais,
abrangendo as imateriais, tais como princípios, valores, costumes, crenças, etc, que
também são objeto do direito estabelecido para aquele povo. Por outro lado, a
“coisa pública”, ou se quisermos, “os negócios públicos”, têm que necessariamente
ser objeto de alguma forma de gestão, ou, em termos políticos concretos, alguma
forma de governo.
Essa discussão genérica possibilita assumir a particularidade conceitual para
Roma, de maneira que o populus romanus é o agregado de pessoas regido pelo
direito romano, que segundo Aimard e Auboyer9 era utilizado oficialmente para
designar o Estado romano. E a res publica romana (doravante grafada como
república romana ou simplesmente república) é uma específica forma de gestão dos
6
Particularmente nas obras “Sobre a república”e “Las leyes”
CÍCERO. Sobre la república. Tradução Álvaro D’Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1991.
8
Op. cit. pp. 18-20.
9
AIMARD, André ; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo II Roma e seu
império. Vol. 1o. O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica. Trad. Pedro Moacyr Campos. 4a
7
ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1974. p. 126.
negócios públicos praticada pelos gestores romanos, fundamentada em seu direito
público, já que o direito privado destina-se à relação entre os cidadãos entre si.
Desta breve discussão conceitual nota-se, como pressuposto, a partir da
definição do populus romanus, o papel fundamental do direito, em seu sentido
amplo, não apenas na gestão da república, com seu direito público. É o direito
configurado como entidade imaterial reguladora da conduta de todas as pessoas, e
que veio a tornar-se um dos principais legados de Roma para a humanidade
ocidental.
Como o demonstram os escritos de diversos autores romanos, inclusive do
próprio Cícero nesta sua obra, o direito considerado em tempos anteriores, à época
da fundação de Roma, era o direito consuetudinário, o direito baseado nas tradições
e costumes ancestrais, e que somente começará a se transformar em direito positivo
a partir da consolidação das Leis das XII Tábuas10, entre 451 e 449 a.C. Mas, ainda
que não fosse escrito, sempre teve um caráter norteador da conduta das pessoas e
suas relações, como salienta Cícero11, com sua visão orgânica e evolutiva da
república romana “... o povo romano não se consolidou casualmente, mas através
da ordem e da disciplina ...”, numa clara alusão ao papel regulador do direito, quer
seja este o consuetudinário quer seja o positivo.
2.1 A REPÚBLICA ROMANA COMO FORMA DE GOVERNO
Na “Sobre a república”, a partir do paralelo entre as concepções gregas e a
realidade evolutiva do povo romano, e de sua gestão, desde sua fundação, Cícero
discutiu o que considerava como as diversas formas puras de governo: a monarquia,
a aristocracia e a democracia, bem como as suas derivações negativas,
denominadas degeneradas, respectivamente a tirania, a oligarquia e a anarquia.
Em sua análise, Cícero demonstrou-se inicialmente amplamente favorável à
monarquia como a mais perfeita forma pura de governo, tendo como exemplos de
sua maior eficácia como forma de governo os opostos, Rômulo, com a sua
belicosidade, e Numa Pompílio, pelo seu valor e sabedoria.
Contudo, salientou que Tarquínio, o Soberbo, com sua conduta de prepotência,
como o cognome indica, teria tornado-se o causador da completa aversão do povo
romano12 por esta forma de governo. Esta seria a razão pela qual Lúcio Júnio
Bruto lhe pôs termo13 em 509 a.C., libertando o povo romano e possibilitando a
10
CÍCERO. Sobre la república. Tradução Álvaro D’Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1991. p. 118-119.
Op. cit. p. 101.
12
Em que pese esta afirmação de Cícero, restam dúvidas, neste caso, em relação a que
agrupamento se refere, se ao conjunto da população em geral ou à classe dirigente da época.
13
CÍCERO. Sobre la república. Tradução Álvaro D’Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1991. p. 109.
11
eleição dos dois primeiros cônsules14, Lúcio Valério Potito e Marco Horácio
Barbado, justificada, contraditoriamente, pela a assertiva de Cícero15 de que “... é
instável a sorte de um povo que depende da vontade e do caráter de uma só
pessoa.”
Este seu posicionamento possivelmente decorreu da percepção lógica e/ou prática
da impossibilidade de assegurar-se o elenco de virtudes dos governantes
individualmente, e mais do que isso a sua permanência ao longo do tempo. Fato que
se confirmaria concretamente na república romana real pela obrigatoriedade da
duplicidade de comando executivo através dos consulados, com poderes próximos
aos dos reis, mas limitados pelo direito e suas leis, bem como pela ausência da
perenidade da gestão pela limitação de prazo no comando.
Para Cícero, as outras formas puras de governo, a aristocracia e a democracia,
também apresentariam potenciais imperfeições graves, decorrentes da mesma
conduta humana, que poderiam levar a formas de governo degeneradas, a
oligarquia e a anarquia respectivamente. Por isso, mesmo contradizendo seu
posicionamento inicial, considerou que a república romana, com sua forma mista16
de governo, com seus mecanismos objetivos de proteção desenvolvidos ao longo do
tempo, era a forma de governo que dispunha das melhores condições para
assegurar a estabilidade e a felicidade do povo romano.
Com essa análise Cícero assentou as finalidades fundamentais exigíveis dos
gestores ou governantes, buscando como resultado, a estabilidade e a felicidade do
povo romano, qualquer que fosse a forma de gestão adotada.
Na argumentação em defesa da excelência da forma de governo da república
romana Cícero salientou o caráter orgânico desta, mesmo desde os tempos dos
reinados, com a criação das diversas instituições que a estruturava, os Consulados,
o Senado, as Magistraturas, e a organizava, o direito, a divisão em classes sociais
hierárquicas, a apelação17, os comícios, dentre outros elementos, bem como
ressaltava a exigibilidade fundamental
“... a república não pode conservar a sua estabilidade a menos que se
dê nela o equilíbrio do direito, dever e poder, de sorte que os
magistrados tenham o suficiente poder (potestas), o conselho dos
homens principais a suficiente autoridade (autoritas) e o povo tenha a
18
suficiente liberdade (libertas).”
Contudo, mesmo enaltecendo a justiça nesta e em outras obras suas, tanto
como entidade quanto como virtude pessoal exigível dos governantes de qualquer
nível, Cícero defendia o princípio da igualdade sob uma ótica peculiar, perante a
14
Op. cit. p. 114.
Op. cit. p. 111.
16
Anteriormente, no século II a.C., Políbio já havia feito essa mesma assertiva em sua análise comparativa com
as formas de governo gregas.
17
Tanto como recurso processual dirigido ao Senado por um magistrado para impugnar o ato de um outro
magistrado, quanto como recurso processual dirigido à assembléia do povo para impugnar ato de um magistrado
contra um particular.
18
CÍCERO. Sobre la república. Tradução Álvaro D’Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1991. 115-116.
15
qual a igualdade indiscriminada seria injusta, propugnando pela igualdade apenas
entre os iguais. Com essa postura, Cícero dá total suporte à hierarquização social
que, dentre outras coisas, limitava o acesso à república apenas aos nobres
integrantes da categoria social superior, constituída desde os primórdios pelos
patrícios19, com a posterior inclusão dos cavaleiros20 e, mais tarde ainda, dos
tribunos da plebe, em boa parte, nos estertores da república, pertencentes à própria
aristocracia.
A justificativa para tal posicionamento, levar em consideração apenas os integrantes
da aristocracia como potenciais dirigentes, torna-se simples, pois sendo detentores
de suficiente riqueza, esta lhes permitiria despreocupar-se das atividades laborais
objetivando a sobrevivência ou o acúmulo patrimonial. Como decorrência, somente
estes poderiam educar-se, através de seus recursos próprios, para potencializar as
suas virtudes pessoais e, com esse aperfeiçoamento de suas qualificações,
disponibilizar-se para o serviço da pátria, tendo como retribuição a suprema honra
de tê-la servido em seus diversos postos.
Em relação ao Senado, Cícero destacava a vital importância do seu papel
moderador nesta forma de governo. O Senado atuando não só como contraponto a
eventuais desvios dos magistrados, a quem lhes competia julgar os atos, mas
também pela sua orientação a estes no desempenho de suas funções, e pela
reserva de decisão sobre os mais importantes aspectos da república, tanto no
âmbito interno, como especialmente no externo.
A autoritas do Senado como entidade, e de seus integrantes individualmente,
decorrente do pressuposto de que apenas os homens bons, os melhor preparados,
que já haviam servido a pátria, nos diversos postos precedentes no cursus honorum,
que deveriam ter realizado para seu ingresso, seriam os únicos habilitados a seu
exercício, com firmeza e prudência, e que por isso os retribuiria com a honra da
dignidade reconhecida por todo o populus romanus.
Mais do que tudo, e mesmo considerando a falibilidade humana, Cícero
pressupunha, em sua teoria, a integral dedicação dos senadores aos interesses
maiores da pátria, o que possibilitaria a permanente concórdia entre eles, por
despojarem-se de seus interesses particulares em favor do interesse comum, da
república e do povo romano.
2.2 O PAPEL DAS MAGISTRATURAS NA REPÚBLICA ROMANA
Definida a república como forma de governo, tendo o Senado como seu
grande ente gestor, mediante as práticas consultivas e as decisórias de maior
importância, sobre as magistraturas recaiam as atividades executivas.
Além, é
claro, das correspondentes ações decisórias inerentes aos cargos específicos, mas
das quais necessariamente deveriam prestar contas ao Senado ao término do seu
19
20
Os descendentes dos bons homens originais, das boas famílias que se aparentavam com os deuses.
Os mais poderosos em termos de riqueza, oriundos da plebe mas guindados à aristocracia, mesmo sem a
mandato. Mais uma vez evidencia-se a prevalência de poder superior do Senado na
gestão do governo.
Teoricamente o cursus honorum seguiria uma seqüência predefinida, a saber, edil,
pretor, questor e cônsul, seu ápice, com a candidatura para todos os cargos
delimitada por uma idade mínima, pretensamente associada à potencial sabedoria
necessária que o exercício de cada cargo exigiria.
O tribuno da plebe, advogado e incluso por Cícero em seu conjunto de
magistraturas, não faz parte do cursus honorum. Trata-se de uma criação romana
como tentativa de amenizar a crise na cidade, no século V a.C., entre o patriciado,
detentor integral do poder, e a plebe. A par de seu caráter religioso atribuído de
sacrossanto, que lhe garante a intocabilidade pessoal não tem outras funções do
que as de opor todos os meios a defesa dos plebeus contra qualquer pessoa, exceto
o eventual dictator, em este existindo. Sua atuação territorial também era
extremamente restrita, fora do raio de uma milha do pomerium tornava-se um
simples particular.
2.3 OS COMÍCIOS E O SEU PODER DECISÓRIO
Como nos demonstra Aimard e Auboyer21, contrariamente aos gregos, com
seu total respeito aos direitos da individualidade do cidadão, com seu pleno
conceito de igualdade, os romanos estabeleceram procedimentos totalmente
diversos aos dos gregos. Os procedimentos romanos eram fundamentados na
atrofia dos direitos individuais resultantes da hierarquização social e também
pela limitada temática levada a decisão, caracterizando a falsa soberania que
era atribuída aos cidadãos do populus romanus, por isso caracterizada por
estes autores como uma soberabia aparente.
As assembléias ou comícios do povo na república, sempre presididas por um
magistrado com poderes absolutos em relação à sua operacionalização, revestia-se
de um caráter alternativo, o sim ou o não às propostas, sem qualquer etapa de
discussão, como ocorria no Senado. Os cidadãos sem dúvida eram convocados
para o exercício e o dever de votar, mas, formalmente, eram instados a decidir-se
pela aprovação ou não de temáticas propostas pelo Senado, através do magistrado,
e irretocáveis quanto a seu conteúdo.
Ao invés do voto individual preconizado e praticado pelos gregos, as
assembléias do povo deveriam manifestar-se pelos votos coletivos das 35 tribos que
compunham as assembléias, à razão de um voto por tribo. As tribos rústicas,
abrangendo a princípio uma da área territorial externa à urbe, eram compostas
fundamentalmente pelo grupamento de cidadãos abastados e sua clientela e
agregados, totalizando 31 tribos, enquanto as quatro tribos urbanas, de menor
nobreza da descendência.
21
AIMARD, André ; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo II Roma e seu
império. Vol. 1o. O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica. Trad. Pedro Moacyr Campos. 4a
ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1974. p. 126-132.
prestígio, abarcavam a miríade de habitantes citadinos, com sua enorme
desproporção de pobres.
Quanto à temática, e a própria aplicabilidade dos efeitos dos decretos do
povo (plebiscitas), pelo menos até o século III a.C., referiam-se apenas a assuntos
afetos à plebe, e que esta deveria observar, e a eleição das magistraturas menores,
basicamente os edis e os tribunos da plebe. Reservavam-se para os comícios das
centúrias as leis em seu sentido amplo, com aplicabilidade a todos os cidadãos.
Os comícios de centúrias reproduziam a estruturação do exército, com toda a
desproporção quantitativa e qualitativa que a hierarquização militar determinava,
garantindo a maioria absoluta, 98 das 193 centúrias em que se dividia, apenas com
as duas primeiras classes compostas pelo patriciado, correspondentes no exército
ao Estado Maior e à cavalaria. Em razão desse fato, as demais classes compostas
respectivamente pelos centuriões, infantaria ligeira e infantaria de linha, embora
participassem das votações pouca relevância dispunham já que, raramente a quarta
classe, e menos ainda a quinta, era chamada a declarar seu voto, posto que atingida
a maioria absoluta encerrava-se o comício.
Contudo há algumas diferenças significativas dos comícios de centúrias em relação
aos das tribos, a começar pela sua convocação e condução que somente poderia
ser presidida por um magistrado revestido de imperium, e que deveria consultar os
auspícios previamente ao início da sessão. Nas eleições ambas são semelhantes
quanto à manifestação exclusivamente alternativa, diante da proposta informada.
Mas nos projetos de lei era permitido o debate aos integrantes dos comícios de
centúrias, embora o poder coercitivo do magistrado imperasse, concedendo ou
cassando a palavra a seu critério, e ao seu final deveriam responder com o sim ou o
não à proposta. Em termos de competência cabia aos comícios de centúrias, com
exclusividade, o julgamento de processos capitais, as declarações de guerra e a
eleição das magistraturas superiores.
2.4 O CIDADÃO ROMANO TEÓRICO
Sujeito e objeto de qualquer forma de governo, o cidadão romano teórico
teve, desde os primórdios desta sociedade, como pressupostos obrigacionais
fundamentais a sua participação pessoal na defesa do povo romano, sua
contribuição pecuniária para a manutenção da coletividade, através de impostos, e a
participação política na gestão da república, quer atuando diretamente na gestão
quer pela sua participação nos comícios.
Como contra-partidas tinha a garantia da proteção de sua defesa individual e
patrimonial, pela coletividade, e os direitos estabelecidos para os particulares por
esta sociedade, notoriamente diferenciados em relação aos não cidadãos romanos,
e, mais ainda em relação aos estrangeiros.
Dessa maneira, inicialmente, a participação no exercito não só era obrigatória,
mediante uma convocação formal, quanto custeada22 pelo próprio indivíduo no que
concerne ao vestuário, armas e adereços inerentes a seu posto.
Desde suas origens o romano era um religioso praticante, em todos os níveis
sociais, em razão de suas próprias crenças, e, posteriormente, pelas imposições
determinadas pela estrutura da cidade reforçadas em todos os eventos cívicos.
Ao considerar-se o cidadão médio, não necessariamente um paterfamilias, torna-se
fácil atribuir-lhe uma certa conotação de rusticidade de corpo e de mente decorrente
de sua labuta pela sobrevivência, tanto em tempos de paz, com seu trabalho, como
nos embates das batalhas, e que se refletiria como um comportamento austero e
comedido, condizente com suas posses e/ou estilo de vida, usualmente frugal.
2.5 OS VALORES DA SOCIEDADE ROMANA REPUBLICANA
Mesmo levando em consideração o alerta quanto a variabilidade de
interpretações e usos ao longo do tempo, como exposto por Pereira23 é inegável a
força aglutinadora de diversos conceitos que pela sua presença marcante nas
atitudes de inúmeros personagens históricos transcenderam à condição de
valores, como força imperativa, norteadores da conduta dos romanos, desde
seus primórdios, tanto no âmbito público quanto no privado, e, ao menos, para
aqueles com participação ativa na condução do populus romanus.
Cícero sempre destacava em todas as suas obras os valores que fundamentavam
as suas assertivas como um meio de tornar inquestionável a sua argumentação
teórica, em função dos pressupostos que tais valores contêm, tanto de natureza
coletiva quanto individual.
Apenas para citar alguns exemplos ilustrativos do entendimento e da conduta dos
romanos, a Fides, como garantia dos acordos celebrados, extrapolava seu próprio
território sendo reconhecida tanto por dominados como por adversários. A Autoritas
como valor e atributo inseparável do coletivo do Senado, e de seus componentes, se
sobrepunha ao Potestas delegado aos magistrados, mesmo aos de nível mais
elevado os cônsules com seu imperium.
A todos os magistrados se atribuía a Dignitas inerente ao exercício de seu cargo, ao
mesmo tempo em que se exigia que a busca de Glória e Honor pelos encarregados
das guerras contemplasse seus adversários com Clementia e Iustitia.
Esses mesmos valores com a Sapiência e a Gravitas seriam essenciais, assim como
o respeito aos antepassados o Mos Maiorum, e seu legado, à Virtus individual,
particularmente, mas não exclusivamente aos integrantes do Senado.
Até mesmo o cidadão comum era compelido por valores, como a Pietas na
condução dos destinos privados de sua família.
Destaque especial merece a Concordia como valor, preconizada por Cícero como
essencial, já que assente como premissa na própria constituição da república, com o
22
Somente a partir do ano 106 a. C., por iniciativa do cônsul Mário, os soldados passaram a receber soldo.
PEREIRA, Maria Helena da R. Idéias morais e políticas dos romanos. In: Estudos de
história da cultura clássica. v. II Cultura Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p.
317–421.
23
abandono dos interesses privados em prol do coletivo, e exaustivamente invocada
por ele nos tempos tumultuosos do seu século.
Mesmo sem pormenorizar-se seu conteúdo é facilmente notável que em termos
teóricos, a civilização romana foi extensiva na criação de conceitos e valores que
regiam as condutas de seus integrantes e que se transformaram, juntamente com o
direito, possivelmente nos seus principais legados culturais para a posteridade.
2.6 AS CRENÇAS, A RELIGIÃO E O DIREITO NA SOCIEDADE ROMANA
Fustel24, partindo das crenças dos povos indo-europeus originários das
culturas grega e romana, efetua uma construção passo a passo, e fartamente
referenciada a autores da época, dentre os quais o próprio Cícero, na qual
caracteriza a antiga religião como decorrência natural dessas crenças
imemoriais, que veneram os mortos, seus antepassados, e que com seus
ditames organiza a estrutura familiar.
Essa antiga religião, de cunho doméstico, segundo o autor, viria a criar seus próprios
deuses, os lares, a partir de seus ascendentes. Estes em troca do agrado
correspondente aos cultos prestados, com seus ritos específicos, principalmente a
manutenção do fogo sagrado, no altar a esse fim destinado, dar-lhes-iam proteção e
segurança no seio da célula representada pela sua familia, inicialmente considerada
isolada, mas à qual vão se incorporando mais membros pelos diversos
descendentes co-habitantes da mesma moradia, o lar. Por outro lado, a falha na
perseveração ou mesmo na execução dos diversos rituais acarretaria, sem dúvida, a
ira destes, que somente seria aplacada mediante sacrifícios que os agradassem.
Em suas relações com a Natureza, esses povos antigos assumiriam outra religião,
outros deuses, exteriores, impessoais, aos quais também deveriam ser prestados
cultos e oferendas para atrair suas benesses nas mais diversas atividades, das boas
colheitas à saúde e à prosperidade, sob pena de incorrer em sua ira. Originalmente,
assim como os lares, heróis ou manes, estes seriam seus deuses particulares,
escolhidos pela hipotética familia isolada das demais.
Com base na primazia da hereditariedade exclusivamente masculina, para cultuar os
antepassados, essa religião antiga não só estabeleceria de imediato o direito de
propriedade quanto o pátrio poder, bem como determinar, através de seus ritos e
sacrifícios, o estilo de vida dos seus integrantes, inclusive pela sua consulta, os
augúrios tão necessários para contar com o seu beneplácito em qualquer
empreendimento.
A necessidade de perpetuação do culto, para que os antepassados não se
tornassem em seres erráticos, implicaria na adoção do casamento mediante o qual
se incorporavam novos membros às famílias pré-existentes, na busca de uma
descendência masculina que garantisse ao seu ascendente seu próprio culto.
24
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Trad. Frederico O. P. de Barros. São
Paulo: Editora das Américas, 1961.
Desta necessidade essencial viria a originar-se a possível adoptio, em
desconsideração à consangüinidade original, mas atendendo ao valor maior
expresso pelo seu máximo mandatário, o paterfamilias, com seus poderes
incontestes, como elo de ligação com os deuses.
Da mesma maneira, a antiga religião, com os seus ditames, estabelecia não só o
parentesco, exclusivo inicialmente dos agnatos, como a linha sucessória, e, mesmo
a pureza da família, abominando o adultério, donde a afirmação deste autor25:
“O antigo direito não é obra de um legislador; pelo contrário, foi imposto ao
legislador. Nasceu na família. Surgiu espontaneamente, e já formado, dos
princípios que o constituíam. É a decorrência natural de crenças religiosas,
universalmente admitidas na idade primitiva desses povos, e que exerciam
império sobre as inteligências e as vontades.”
A trajetória percorrida da etapa da família isolada à constituição de uma
cidade passaria, segundo Fustel, pela reunião de um grupo de família formando a
curia; da reunião de cúrias resultaria a tribo e da reunião destas uma cidade. Tal
transformação teria sido possível pela concepção de “... uma divindade superior às
divindades domésticas, um deus comum a todas e que velava sobre todo o grupo.
Levantaram um altar, acenderam um fogo sagrado, e instituíram um culto”26
Contudo, como salienta Fustel27, para os antigos há uma diferença conceitual entre
cidade e urbe. Aquela é a associação religiosa e política das famílias e das tribos,
enquanto esta é o lugar de reunião, o domicílio e santuários dessa associação, a
morada dos deuses.
Assim como na família isolada, com base na anterior duplicidade das religiões, para
a curia existiriam deuses. Um ancestral remoto comum e reconhecido dentre os
seus herois, e, ainda, deuses externos, ligados à Natureza. De qualquer maneira,
mesmo mantidos os requisitos de sangue, e de iniciação, para seu ingresso e
participação nessas diversas reuniões, pois tratavam-se ainda de cerimônias
privadas entre seus integrantes, eram totalmente diversas das cerimônias
domésticas, com seu caráter intrinsecamente particular e que persistiam em
paralelo.
A curia disporia de um chefe, o curião, com a atribuição principal de presidir os
sacrifícios, mas possivelmente com funções mais extensas similares às da família,
mas, de qualquer maneira, assegura Fustel a existência de assembléias com
poderes de promulgar decretos, o que estabeleceria para essa sociedade moldada
sobre a família, os elementos indispensáveis à coletividade: um deus, um culto, um
sacerdote, uma justiça e um governo.
Sua réplica ampliada, a tribo, mesmo considerando-a ainda isolada, também
disporia de uma divindade associada a um herói, um antepassado, um homem
divinizado, do qual, em geral, derivava-se o nome da própria tribo. Disporia também
de um tribunal e direito de justiça sobre seus integrantes, submetidos às decisões
das assembléias.
25
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Trad. Frederico O. P. de Barros. São
Paulo: Editora das Américas, 1991. p. 127.
26
Op. Cit. p. 180.
27
Op. Cit. p. 205.
Quanto aos diversos deuses de natureza física, estes decorreriam do
reconhecimento da similaridade dos diversos nomes adotados para fenômenos
idênticos ou similares. Independentemente de ser mais presente na familia, na
curia ou na tribo, percebe-se claramente a presença de um politeísmo natural,
perante aqueles que ainda não tem a noção de unicidade do universo e, portanto,
possibilitaria a coexistência das mais diversas divindades sem qualquer óbice.
Contudo, na futura Roma, os deuses coletivos, as divindades protetoras das
cidades seriam cultuados por todos no Capitólio, independentemente de sua
descendência efetiva, enquanto os cultos dos heróis ou dos manes familiares
permaneceriam isolados, no interior das moradas.
Em sua argúcia construtiva, Fustel não prescinde da figura do fundador das colônias
ou novas cidades, que a par de assimilar os deuses originários da cidade do
fundador, da qual ele traz o fogo sagrado, passariam a render-lhe culto coletivo
como divindade humanizada, perseverando assim no respeito aos antepassados,
mesmo que não pertencente à ascendência de todos.
A incorporação de outros deuses, pertencentes originariamente a outras
cidades, tampouco se tornaria problemática na medida em que estes seriam
cooptados para tornarem-se também seus protetores mediante os cultos e
sacrifícios realizados em sua homenagem.
É de suma importância entender-se que assim como os lares, heróis ou
manes, os deuses protetores da cidade teriam um papel ativo, em todas as
atividades cotidianas, mas particularmente nas atividades belicosas, para as quais
deveriam contar com seu beneplácito, obtido através dos augúrios. Essa crença
seria tão forte que os resultados das campanhas, positivos ou negativos, seriam
atribuídos aos próprios deuses, o que justificaria a sua incorporação simbólica às
campanhas de guerra e mesmo a cooptação dos deuses da cidade rival, mediante a
qual a vitória estaria segura.
Em que pesem opiniões diversas, Fustel28 caracteriza que a própria constituição das
gens, uma quase réplica das originárias tribos mas de cunho elitista, cujos registros
provados antecedem as guerras púnicas, demonstraria a sua conotação religiosa,
pela existência de cultos especiais comuns. O fato de os registros também
demonstrarem tratar-se de uma organização puramente aristocrática, de patrícios,
cujas evidências práticas mais fortes seriam a busca da preservação de seus
privilégios, em nada contrariariam os princípios fundamentais da religião.
Os decretos promulgados pelas suas assembléias, que tanto seus integrantes como
a cidade deveriam respeitar, nada mais seriam do que a réplica expandida do antigo
direito privado. Direito este derivado da religião, e que privilegiava o paterfamilias
como decisor único e soberano, no âmbito privado, determinando-lhe o
estabelecimento da justiça necessária sobre a sua família, e que originariamente já
não se limitava à esposa e descendentes, abrangendo também seus escravos.
Portanto, a pretensão das gens, agora aplicável a um elenco significativamente
maior de pessoas, incluindo seus clientes, estaria em perfeita conformidade com a
28
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. A cidade antiga. Trad. Frederico O. P. de Barros. São
Paulo: Editora das Américas, 1991. p. 150-173.
religião, que lhes daria essas prerrogativas, como decorrência natural de sua
descendência comum.
Nesta nossa rápida e sumária retrospectiva, baseada no texto de Fustel, pode-se
depreender a importância das religiões antigas, que mesmo adaptadas e
modificadas iriam perdurar em seus princípios básicos ao longo de todo o processo
evolutivo social dos romanos. Mesmo com uma nova roupagem, por sua força e
influência, a nova religião seria determinante na construção ideológica e política
dessa sociedade denominada de cidade, não mais isolada, mas convivendo com
uma miríade de outros indivíduos, não só não descendentes dos primitivos romanos,
não cidadãos, como escravos e, inclusive, estrangeiros.
Como na família isolada, a nova religião, mesmo que viesse a ser atenuada em
relação às originárias, permaneceu viva, e conformadora do direito tanto o público
quanto o privado, com toda a gama de relações políticas e sociais inerentes.
Mesmo o fato de recair a presidência dos diversos cultos em indivíduos escolhidos,
usualmente magistrados, não desnatura o princípio fundamental da religião, o culto
aos antepassados, o respeito ao Mos Maiorum, tão sobejamente expresso nos
registros dos escritores de cada época, e que ultrapassa em muito o intererregno do
império de Augusto. Podendo-se afirmar que a religião foi intrinsecamente ligada e
conformadora da civilização e da cultura romana dessas épocas. Não é à toa que
Cícero dedicou o livro II de sua obra “As Leis” especificamente a uma lei sobre a
religião.
2.7 AS LEIS NA OTIMA REPUBLICA ROMANA
Em itens precedentes, já discorreu-se sobre a provável influência religiosa na
constituição de regramentos jurídicos, e de seu caráter consuetudinário até a sua
formalização em direito positivo, através da Lei das XII Tábuas. Com o passar dos
séculos novas situações exigiriam novos dispositivos legais específicos, agora
positivados sob a forma de leis escritas, para o regramento do corpo social, tanto de
natureza privada quanto pública. Porém, dentro do objetivo teórico deste capítulo, o
que se pretende analisar não são as leis em sua concretude, mas a sua
fundamentação teórica para o que, novamente temos que recorrer a Cícero, aqui
como jurista.
Como deduz Álvaro D’Ors29 na sua tradução de “As Leis”, de Cícero, esta obra
deve ter sido produzida entre 52 e 51 a.C. como complemento natural da
precedente “A República”. Contudo, não se tratou apenas de uma
recompilação das anteriores leis de Roma posto que Cícero procura
inicialmente estabelecer30 o fundamento filosófico do Direito, de orientação
divina. Para tanto, cria sua Teoria de Direito Natural (Livro I), mediante a qual
estabeleceu uma lei sobre a religião (livro II) e, finalmente, uma lei sobre as
magistraturas (livro III), com natureza de leis públicas, que, diferentemente do
29
CICERO. Las Leyes. Tradução, introdução e notas de Avaro D’Ors. Instituto de Estúdios Políticos:
Madrid, 1953. p. 11.
30
Op. Cit. p. 18.
direito civil, se imporiam a todos.
Na construção das suas leis nota-se com clareza a pressuposição teórica de Cícero
de uma constituição política perfeita, como a por ele exposta em sua obra “A
república” e para a qual ele propôs estas leis, que em grande parte coincidiam com
as da república de Roma. Mas, convêm lembrar, tiveram agregados pessoais
específicos para abarcar situações concretas ou potenciais que ele julgou relevante
“legislar”, impondo suas limitações por opiniões pessoais31.
No âmbito deste tópico de trabalho, sem desconsiderar-se a importância da lei para
a religião, amplamente destacada no item precedente como conformadora primária
da sociedade romana, e pelo próprio Cícero ao dedicar-lhe uma ampla lei específica,
a essência desta obra para este tópico em particular se constitui no incompleto Livro
III, quando aborda as leis relativas às magistraturas, em cujas explicações buscou
modelar as condutas esperadas dos titulares destas:
“La esencia de la magistratura está en el governar y disponer ordenes
rectas, útiles y conforme a las leyes. Del mismo modo que las leyes
gobiernan a los magistrados, así el magistrado gobierna al pueblo, y puede
decirse em verdad que el magistrado es una ley com voz y la ley un
magistrado sin ella.”
Ao mesmo tempo determina limitações32 ao poder dos magistrados e de
obediência dos cidadãos “Haya poderes conforme a derecho, y que los
ciudadanos los acaten con modestia y sin réplica.”33.
Para o exercício do governo estabeleceu a constituição e atribuições das
magistraturas prevendo magistrados menores para cuidar dos diversos ofícios, edis
para cuidar da cidade, censores que inclusive deveriam evitar a permanência no
Senado de pessoas ignominiosas. Atribuiu a dois magistrados o poder régio que
“Tengan la autoridad máxima em el ejército, y no esten subordinados a nadie.
Tengan como ley suprema la salvación del pueblo.”34, que, contudo, após seu
período de governo deveriam prestar contas de seus atos aos censores.
Prevê, para casos graves, como guerras perigosas ou sublevações públicas, a
possibilidade da unicidade de comando, o dictator, mediante a expressa designação
do Senado,e apenas por um período de seis meses, em cujo interregno cessariam
as prerrogativas das demais magistraturas.
Advogou a existência dos tribunos da plebe, invioláveis, em número de dez, com a
faculdade de convocar os senadores além de propor ou proibir leis aplicáveis à
plebe, como meio de evitar os abusos que teriam levado à deposição da monarquia,
mas, neste caso, voltada para os excessos da aristocracia.
31
CICERO. Las Leyes. Tradução, introdução e notas de Avaro D’Ors. Instituto de Estúdios Políticos:
Madrid, 1953. p. 195. “... acomodaremos ahora las leyes a la forma de ciudad que tiene mi
aprobación. Es menester, portanto, que haya magistrados, sin cuya prudencia y celo no puede existir
una ciudad, y em cuya distribuición se funda la buena marcha de la república toda.
32
Op. Cit. p. 195. “Y hay que señalar un limite, no solo para el mando de aquellos, sino tambien para
la obediência de los ciudadanos.”
33
Op. Cit. p. 197.
34
CICERO. Las Leyes. Tradução, introdução e notas de Avaro D’Ors. Instituto de Estúdios Políticos:
Madrid, 1953. p. 201.
Como resguardo contra a perenidade no poder estabeleceu a proibição do exercício
da mesma magistratura sem um intervalo de dez anos.
No âmbito geral estabelece Cícero: “No se propongan leyes especiales contra nadie;
ni se decida de la pena capital de um ciudadano si no es em asamblea de las
centurias y por las que los censores inscribieron em aquellas clases del pueblo.”35
Em seu conjunto as leis propostas por Cícero para as magistraturas são
caracterizadas tanto pela observância das tradições, quanto da prevalência da
nobreza sobre a plebe, como decorrência de sua superioridade derivada da
descendência ancestral, ao mesmo tempo em que busca uma conciliação
possibilitando a soberania ao povo enquanto a autoridade permanece com o
Senado, “em nuestra ley se dan las apariencias de libertad, a la vez em que se
mantiene la autoridad de los mejores y se elimina la causa de la discórdia.”36
Cícero reconheceu a sua idealização, sobretudo diante da crise que já vinha
assolando a república, ao afirmar “... este discurso no se refiere ni al Senado de hoy
ni a los hombres de hoy, sino a los del futuro, si es que se quieren someter a estas
mis leyes.” 37
Deste panorama proposto por Cícero, pode-se desde logo caracterizar que não
ocorreu uma verdadeira inversão de valores no que diz respeito à preponderância do
direito sobre a religião. A própria conceituação de seu Direito Natural pressupõe um
direito superior, divino, que este trata de sedimentar e fortalecer como suporte às
leis para conformar o comportamento das pessoas. Claro está que a república de
Cícero é regida por leis. As pessoas, mesmo os mais altos mandatários os
magistrados a elas tem que se submeter, mas a religião também persiste com sua
natureza mandamental e com a força de lei.
Logo, haveria uma quase uma verdadeira simbiose original entre o direito e a
religião, partindo de uma natureza divina, mas que possibilitaria a existência de
ambos sem dicotomias, dando aos deuses o que lhes era devido e também à
república, terrena e temporal.
2.8 O EXÉRCITO ROMANO
A construção teórica da república romana de Cícero não contempla o exército
como uma entidade de caráter permanente, pelo contrário, este seria constituído a
partir de uma convocação de competência do Cônsul, aprovada pelo Senado, para
uma ou mais finalidades específicas, por determinação do Senado, e que após a
concretização da finalidade acarretaria a sua imediata desmobilização.
O atendimento à convocação militar, desde priscas eras, constituía uma das três
obrigações fundamentais do cidadão romano, e tinha como princípio gerador a
defesa do bem comum de seus agressores, o que justificava a potencial convocação
genérica de qualquer cidadão, sem distinção. Porém, já aos tempos iniciais da
república, um novo conceito veio a transfigurar a participação no exército pela
extrapolação do conceito de segurança própria.
35
36
37
Op. Cit. p. 207.
Op. Cit. p. 235
Op. Cit. p. 225.
Tratava-se, segundo Aimar e Auboyer38 do entendimento de que
“... a segurança de um Estado se encontra em perigo pela simples
presença, nas proximidades, de outro Estado cujas forças pareçam
equilibrar-se com as suas, ou pela possibilidade de uma coalizão da qual
não participe: a preocupação de preservar a sua própria independência
convida-o a destruir a dos outros.”
Ora, essa ampla e genérica consideração, mesmo desconsiderando qualquer
interesse econômico, supre a condição necessária de uma guerra justa,
determinante para que o Senado aprove a guerra, o que tornaria aprovável
praticamente qualquer proposição de guerra.
Por outro lado, a própria vitória, e a dominação territorial subseqüente, ampliam a
fronteira e a necessidade defensiva preconizada no conceito, realimentado o
processo, diferenciando-se apenas em que os vizinhos, potenciais inimigos,
estariam mais distantes.
Na medida em que as vitórias militares se sucederam, a distância e o incremento
das fronteiras dão margem a um crescendo de necessidades para a composição dos
exércitos, que viria a desfigurar a concepção inicial do exército, pela participação de
não cidadãos romanos em suas batalhas, pela inviabilidade de seu suprimento
humano se condicionado apenas aos cidadãos romanos.
Ainda assim, por largo período, até Mário, a participação no exército tinha um
caráter honorífico, principalmente para os generais que as conduziam, reconhecidos
em seu triunfo. Mas apresentava também um caráter seletivo, pela discriminação na
participação, ainda graciosa, pela qual os componentes das boas famílias, leia-se a
aristocracia, incorporavam-se ao correspondente atual do Estado Maior, ou à
cavalaria, enquanto os cidadãos que dispusessem recursos menores, mas
suficientes para para custear seus armamentos engajar-se-iam na infantaria.
Mas as batalhas romanas nem sempre foram vitoriosas, e mesmo quando o
foram cobravam seu preço em vidas, tanto de cidadãos comuns quanto de patrícios,
acarretando problemas sociais não previstos na constituição da república.
O caráter temporal dos comandos, exercidos como uma magistratura, a
qualificação desses mesmos generais, e a própria submissão às determinações do
Senado, viriam a ser outros óbices diante da imprevisão de um desdobramento de
frentes tão vasto quanto a que se verificou ao longo da república.
Não é sem razão o destaque recorrente encontrado nos registros a personagens
38
AIMARD, André; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo II Roma e seu
o
a
império. Vol. 1 . O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica. Trad. Pedro Moacyr Campos. 4
ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1974. p. 89-247
como Cipião, o Africano, Paulo Emílio ou Cipião Emiliano. Eles se certamente não
foram os únicos, foram dignos exemplos de generais vitoriosos, cumpridores de sua
missão e, principalmente, submissos ao Senado, voltados exclusivamente à causa
da república, da qual apenas pretendiam o reconhecimento de suas vitórias, através
da cerimônia do triunfo, concedido pelo Senado.
Se não existia a previsão do exército como instituição, menos ainda o da provisão de
numerário para seu custeio, sempre existente e crescente pelo incremento da
extensão das campanhas e sua área de abrangência. Mas os registros revelam que
graças aos despojos de guerra, seu botim, incluindo parte dos povos vencidos,
conduzidos a Roma como escravos, possibilitaram não só seu custeio quanto o
enfrentamento dos subseqüentes problemas sociais.
Também em relação à partição dos despojos, de seus critérios, não há previsão
teórica. Mas os fatos comprovam que os despojos das vitórias militares não só
incrementaram diretamente as disponibilidades do tesouro da república como a
riqueza dos aristocratas, principalmente pela absorção parcial de terras
conquistadas, a contrapartida dos plebeus engajados pela participação no botim, e
mesmo da plebe em geral, ainda que de maneira indireta, pelos seus subsídios à
sua subsistência.
2.9 A ECONOMIA DA REPÚBLICA ROMANA
Em relação à economia não há qualquer vestígio incorporado, ou mesmo
incorporável, à construção do quadro teórico.
O que os registros mostram são
diversas leis esparsas versando sobre a agricultura caracterizando seu caráter
básico em qualquer estruturação econômica, afinal, a subsistência independe de
qualquer ideologia.
Porém, sem grandes esforços podemos supor, aos primórdios da república, a
existência de uma sociedade predominantemente agro-pastoril. O uso do termo
comparativo visa destacar que essa preponderância não seria excludente de outras
facetas de natureza econômica, pois, como os registros o demonstram, por exemplo,
os conhecimentos relativos à manufatura de objetos de metal já eram não só
conhecidos como de uso corrente, tanto para a elaboração de utensílios domésticos
quanto para os artefatos de guerra.
Da mesma maneira, as práticas comerciais, com seus efeitos econômicos, sempre
existiram, mesmo que num primeiro estágio restrito a eventuais excessos de
produção ou de demanda de insumos ou objetos inexistentes localmente.
O que importa destacar neste tópico é que a economia como um todo, seus efeitos
sociais, e principalmente políticos, não fizeram parte destacada do rol de
preocupações que estabeleceram o modelo teórico, a ponto de dedicar-lhes normas,
diretrizes ou leis mais abundantes.
Este fato seria de todo compreensível partindo-se do pressuposto que para a
aristocracia, geradora e principal gestora do modelo, a subsistência, e mesmo a
opulência não seriam fatos relevantes, perante o seu interesse maior, ao menos
teoricamente, que seria a efetiva participação política na determinação do destino da
república, obtendo para si, e os seus, as honras correspondentes.
O próprio caráter restritivo dessa república censitária presumiu a disponibilidade de
recursos materiais pré-existentes para o engajamento político, através do exercício
das magistraturas. Mais do que isso, assim como os gregos, opõem-se medidas ao
trabalho dos homens de bem, como é exemplo maior a proibição aos integrantes do
Senado de seu envolvimento pessoal em qualquer atividade laborativa ou comercial.
Dessas afirmações decorre não a ausência de importância da economia, mas a
secundariedade relativa que a aristocracia, ao menos teoricamente, lhe destinava
como objeto de sua atenção pessoal. Evidentemente, outros se encarregariam
diretamente dessa atividade, até porque, a manutenção de sua hierarquização
econômica, com o correspondente reconhecimento público, nunca deixou de seu
uma preocupação permanente de seus integrantes.
Aliás, como os registros o comprovam, mesmo que seus autores jamais o tenham
admitido, a pujança econômica de Roma e, principalmente, de sua aristocracia,
decorreu não dos nobres ideais de auto-defesa. Sem dúvida, o expansionismo
romano teve raiz em aspectos econômicos não contemplados na estruturação de
sua república, originariamente estabelecidos para uma cidade de pequenas
dimensões, auto-suficiente, mas que foram mantidos em quase a sua totalidade na
ótima república de Cícero.
3 AS TRANSFORMAÇOES DA REPÚBLICA ROMANA AO LONGO DO SEU
PERÍODO DE EXISTÊNCIA
Ao considerarmos os fundamentos teóricos da república romana e os
confrontarmos com os sucessos relatados nas diversas fontes desse período, não
se pode deixar de notar as transformações de toda ordem, social, econômica e
política que foram sendo sucessivamente incorporadas ao “modus operandi” da
mesma. A pretensão em conservar a pureza de sua estruturação política inicial ao
longo do tempo, mediante a invocação das tradições não subsiste, as pressões
sociais e econômicas alteram o todo.
Sob a mesma capa anterior a República
mantem-se com outro conteúdo. Embora intrinsecamente interligadas, a análise
individualizada dessas transformações permite uma maior clareza de idéias quanto à
ocorrência e com seus efeitos auto-alimentadores de novas transformações.
3.1 OS FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA
Como se observou nas considerações teóricas sobre a república romana,
seus fundamentos se originaram na auto defesa. Para tal os integrantes dessa
sociedade escolheram como forma gestão de governo a república, buscando evitarse tanto a perenidade como a unicidade de governantes.
Os critérios de escolha dos mandatários já partiram de uma consideração
oligárquica, aceita por todos em sua origem, em função de suas relações de
dependência tribais, e destas entre si, ao mesmo tempo em que atribuiu-se uma
clara distinção aos possíveis integrantes do governo em razão de sua genealogia,
originalmente associada aos próprios deuses, e que, curiosamente, principalmente
em relação às qualidades dos indivíduos, entendia-se como transmissível
hereditariamente, mediante as crenças e tradições estabelecidas através da religião.
Toda a estruturação do regime era perpassada pelo conjunto de expectativas em
relação aos valores estabelecidos para todos os cidadãos. E, em especial, para os
mandatários, dos quais se esperava a posse do mais alto grau de virtude, como
justificadora da submissão e a obediência necessária, tanto para com o colégio de
decisores principais, o Senado, com a autoritas de seus membros, quanto para com
a potesta dos mandatários temporais, no exercício das magistraturas.
De todos os cidadãos presumia-se: a participação na defesa da civitas, a seu próprio
custeio e pelo tempo das convocações decididas pelo senado; a participação no
custeio das atividades de governo, através dos tributos impostos pelos magistrados;
e a participação política através dos comícios, tendo como contrapartida a proteção
individual e coletiva, através das medidas tomadas pelo governo abrangendo todo o
corpo social.
Nos primórdios da república estes pressupostos essenciais à sua constituição foram,
facilmente compartilhados, tanto pelo sentido da auto-defesa individual quanto pelo
completo engajamento que a estruturação tribal determinava, bem como pelo
reduzido contingente de pessoas componentes da sociedade original.
Ao longo do tempo, com a consolidação da civitas e a continuada expansão
territorial começaram a evidenciar-se as falhas conceituais do sistema de governo,
bem como as adaptações adotadas para enfrentar situações conjunturais, não
previstas, mas que se incorporaram ao regime original.
3.2 AS “FALHAS” CONCEITUAIS DA REPÚBLICA TEÓRICA
Criada para o governo de um pequeno contingente de pessoas, a republicana
romana, desde logo, com o crescimento de sua abrangência, tanto territorial quanto
populacional, evidenciaram-se as “falhas” de alguns pressupostos, pelo não
atendimento integral à sua idealidade, e que, mesmo assim, foram mantidos por
longos períodos ou foram objeto de decisões paliativas, sem a sua correção
permanente. Da mesma maneira ocorreram “falhas” do sistema, que seriam melhor
qualificadas como imprevisões, posto que em decorrência do porte desmesurado
que vieram a tomar os domínios romanos com seu expansionismo em relação à
civitas dos primórdios.
3.2.1 A qualificação dos integrantes do governo
Uma das “falhas” primordiais refere-se ao pressuposto da qualificação dos
membros do senado, originalmente os patersfamilia, posteriormente os homens
bons, assim como dos demais mandatários, todos pertencentes à classe social mais
elevada, a nobreza dominante e que sempre buscou perpetuar-se.
Mesmo a criação do cursus honorum, com seu requisitos excludentes da maioria,
para o ingresso ao Senado, ou para o exercício das magistraturas, não foi capaz de
garantir ao longo do tempo a necessária dedicação ao interesse do coletivo, quando
em oposição ao interesse individual; nem que a pretensa habilidade e capacidade
individuais, supostamente decorrentes da hereditariedade e do preparo intelectual
dos integrantes da oligarquia, apresentassem cidadãos aptos ao exercício das
diversas magistraturas.
Particularmente em relação ao consulado, viveram-se inúmeros fracassos desse
pressuposto, em razão da necessidade de habilidades bélicas inerentes, tanto á
inicial proteção da sociedade originalmente instituída, quanto, posteriormente,
decorrente do expansionismo que se seguiu, e que a maioria dos bons homens
escolhidos não conseguiu demonstrar. Prova inconteste desta última afirmação é
trazida a luz nos registros, isto se atentarmos para o reduzido número de seus
ocupantes considerados significativos para a república perante os cerca de mil
cônsules designados em sua vigência.
Mesmo as magistraturas menores, como a de edil pressupunham a participação não
só voluntária como graciosa, pelo seu sentido honorífico. Por isso mesmo tornaramse excludentes da maioria da população, e, ao longo do tempo, em função da
ambição pessoal na disputa dos cargos iniciais do cursus honorum, como trajetória
exigida para alcançar-se outras magistraturas, passaram a implicar em um grande
dispêndio de recursos aos candidatos. Não só pelas esperadas obras de
ornamentação para a civitas, realizadas às suas próprias custas, como pelo
dispêndio com as festas, jogos e outras benesses disponibilizadas pelos candidatos
a seus potenciais eleitores, nesta e em futuras magistraturas.
Tais dispêndios sem dúvida passaram a exigir pelo menos para os candidatos não
tão afortunados algum tipo de retorno, até mesmo em razão do caráter censitário da
república, o que viria a se materializar através dos negócios e do erário públicos.
Por outro lado, as disputas pelas indicações às eleições mais do que
potencializarem, verdadeiramente desaguaram numa corrupção aberta do
eleitorado, sob os olhos inertes dos mais altos mandatários os senadores. As trocas
de favores, as alianças temporárias e permanentes, e o pertencimento a um dado
grupo passaram a ser determinantes tanto na escolha inicial quanto na consagração
das eleições.
3.2.2 A inexistência de uma estrutura militar permanente
A inexistência de um exército permanente justicava-se originalmente pelo
conceito de auto-defesa, sob o qual todos se comprometiam pessoalmente e
subordinavam aos mandatários designados pelo Senado para liderar as campanhas
específicas.
Com o expansionismo posterior, e as sucessivas e cada vez mais
longas convocações, viu-se, por um lado desfigurada a participação geral, já que os
integrantes da classe social mais elevada passaram a enviar seus prepostos em seu
lugar.
Por outro lado, os efeitos das sucessivas convocações e o prolongamento das
campanhas por longos períodos, abrangendo inclusive o inverno, tornaram
insustentável a participação continuada do povo, entendido aqui como a classe
média composta pelos pequenos proprietários e cidadãos livres, em contraposição à
nobreza, e ainda mais de boa vontade. Isto não só pelos riscos inerentes como
pelos prejuízos que acarretava a seus integrantes, que dependiam de suas
atividades cotidianas para a sobrevivência de seus dependentes, e atendiam às
convocações de maneira graciosa, ou pior, às suas próprias custas quanto a seu
fardamento e armamento.
É fundamental notar-se que o crescimento das fronteiras, o lime, quer a proteger,
quer a ampliar, com o expansionismo, e com as não poucas baixas decorrentes das
sucessivas campanhas e guerras, passou a demandar um contingente humano
sempre crescente, inviável de ser suprido apenas pelos habitantes da civitas e seus
arredores.
Estes fatos foram determinantes não só à incorporação de frações de exércitos
constituídos por aliados, como para à concessão de cidadania a regiões outras que
não Roma. Estas, não tão comprometidas com os princípios originais da república,
muito mais voltadas às potenciais vantagens decorrentes de sua participação, visto
que periféricas em relação aos demais benefícios restritos aos cidadão romanos.
Com isso os valores originais de participação voluntária e o sacrifico para o bem
comum foram se deteriorando.
A participação no botim, ao sabor dos azares da campanha e do desígnio do
comandante das tropas, e mesmo a posterior remuneração pela participação nas
campanhas, a partir de concessão de Mário, em 107 a.C., não mais foram
suficientes para a aceitação de bom grado do dever original de atendimento pelo
povo às convocações. Seus integrantes passaram a pleitear a concessão de terras
ao seu desligamento, o que, prometido por diversas lideranças militares, como
Pompeu e César, dependiam de concessão efetiva do Senado. Este sempre foi
pouco disposto a essa concessão, posto que desde os primórdios da república os
senadores se auto-adjudicavam a maior e melhor parte dos territórios conquistados,
e, por isso mesmo, sempre reativos a qualquer distribuição à plebe.
Originalmente os exércitos constituíam o braço armado do Senado para impor as
suas determinações, com a designação de seus comandantes pelo Senado, e a este
integralmente obedientes. Ao longo do tempo, os componentes da base do exército,
em exercício ativo, passaram a deter o poder de escolha de seus líderes, pela
adjudicação do imperio aos seus postulantes. Tais escolhas eram voltadas a
perspectivas bem diferenciadas, desde o reconhecimento da eficácia de sua
possível liderança na obtenção de vitórias, e correspondente botim, até pelas
doações antecipadas dos potenciais candidatos a cônsul às tropas como meio de
obter sua aclamação e posterior reconhecimento perante o Senado.
O exército de mero executante das ordens do Senado foi ganhando foros de
instituição política, e, em não poucos momentos, em aberto desafio ao Senado.
Dessa maneira, mesmo que formalmente subordinados ao Senado, através de seus
comandantes, como no passado, os exércitos passaram a obedecer e vincular-se,
cada vez com mais preponderância, às suas lideranças ocasionais.
Tal estado de coisas torna-se mais significativa principalmente a partir do início do
século I a.C. com Mário, em razão das alterações que promoveu, permitindo o
acesso ao exército independentemente da classificação censitária de seus membros
e pela remuneração dos serviços. Esta foi a abertura que possibilitou,
posteriormente, em não poucas circunstâncias, que os exércitos fossem mantidos
pecuniaramente, ainda que parcialmente, pelos seus comandantes, criando uma
rede de lealdades para com os próprios, independentemente dos mandamentos do
Senado.
Como os registros o indicam, esta transformação do exército, originalmente
temporário em instituição praticamente permanente, em função do prolongamento
das campanhas e das distâncias, e mais focada em suas lideranças objetivas do
que em qualquer ideologia, foi de fundamental importância no âmbito político nos
posteriores embates travados pelos líderes militares com o Senado.
3.2.3 A desconsideração da plebe
Desde a sua origem a estrutura social romana foi sectária, com o comando do
governo decidido e posto em prática pela oligarquia constituída pelos patersfamília.
Em sua continuidade, estes, mediante ações coordenadas, fundamentadas em
crenças e tradições por estes determinadas, procuraram preservar a sua
preponderância através de seus descendentes, os patricios, constituintes da
nobreza e que seriam regidos por estatutos diferenciados e com diversos privilégios
em relação aos demais cidadãos, constituintes da plebe.
Como já foi visto, mesmo mantida a participação política original dos demais
cidadãos, através dos comícios, desde o início estes foram estruturados de maneira
a atender aos desígnios da classe dominante, a aristocracia, quer pela diferenciação
da composição e qualificação dos eleitores, quer pela abrangência do nível de
decisão em que os demais, constituintes da plebe, detinham, de fato, alguma
participação.
O caráter censitário da república consolidava não só a estratificação social
inicial, agora com a nobreza já composta pelos patricios e cavaleiros, como os
diferentes estatutos que regiam as diferentes classes sociais, mesmo com as
mudanças políticas econômicas e sociais inerentes ao crescimento da civitas e de
seus domínios.
A figura jurídica do tribuno da plebe veio a surgir a partir do século V a.C., não
como um elemento integrante da estrutura, mas em decorrência da revolta da plebe
que de fato era e se considerava oprimida. Mesmo assim, foi criada com limitados
papéis, posto que apesar da imunidade pessoal durante seu exercício, as pressões
políticas não deixaram de existir quando ocorria a pretensão de mudarem-se
práticas que afetassem o status quo da classe dominante. Também a natureza de
sua abrangência territorial era limitada, estritamente interna, à urbe.
Somente a partir da conjugação do exercício do poder tribunício com o
respaldo do exército, a partir de fins séc. II a.C. é que a plebe passou a ter,
concretamente, alguma relevância no processo político.
E ainda assim, sem
esquecer-se que, na maioria das vezes, o tribuno da plebe era integrante da
oligarquia dominante, quer como patrício quer como integrante da ordem dos
cavaleiros, com a sua hierarquia social menor, mas nobre.
Porém, este tribunato não teve a sua integração assegurada, por desagradar aos
mais tradicionalistas, pelo freio que poderia exercer à classe dominante. Não por
outra razão, Sila durante a sua ditadura praticamente o extinguiu. Mas os tempos
eram outros, e com a sua retirada de cena o tribunado foi recriado, pois atendia aos
anseios de pretendentes a líderes, que viam, através dele, um meio de sua própria
ascensão política.
Como a História o registra, foi a utilização da combinação acima descrita, o
descaso e menosprezo da aristocracia com a plebe e as ambições pela liderança,
que deram origem à guerra social, e suas posteriores idas e vindas, em confronto
com um Senado já debilitado que deram margem ao surgimento de lideranças que
abalariam o modelo político até a sua modificação concreta, embora fosse mantida
preservada a sua estrutura formal.
3.2.4 A extrapolação do modelo de gestão da civitas às regiões conquistadas
Evidentemente, dado o caráter essencialmente de auto-defesa, não houve
originalmente qualquer previsão de expansão territorial e populacional e nem de sua
absorção pelo sistema de governo adotado. Por isso, é de todo compreensível a
extrapolação inicial do modelo de gestão da civitas, principalmente às colônias
implantadas nas regiões conquistadas mais distantes.
Entretanto, os mesmos vícios originais detectados na civitas, tornam-se
agravados, tanto pela sua repetição quanto pelo afrouxamento da fiscalização em
relação a eventuais desmandos praticados, quer pelos representantes
governamentais designados por Roma, quer pelas próprias autoridades locais
quando mantidas, devido à própria distância física de Roma, cada vez maior, com o
crescente expansionismo.
Não houve qualquer alteração estrutural do modelo de gestão, apenas
designavam-se governantes, usualmente dentre os integrantes do Senado, com
mandatos anuais e poderes consulares, o que tornava as regiões dominadas meros
apêndices da estrutura central, e pior ainda, ao sabor dos desígnios de cada
governante eventual. Os maiores locais não tardaram em perceber que para melhor
poder atuar em seu próprio benefício teriam que deslocar-se e integrar-se à civitas, e
seu deslocamento foi acompanhado de uma mudança dos costumes de Roma,
devido principalmente às suas posses pessoais, fartamente exibidas.
3.2.5 O expansionismo populacional e territorial
A república, criada como regime de governo para um elenco limitado de tribos
próximas que se congregavam visando não só a sua autonomia como a proteção
contra seus vizinhos, modelou-se em suas próprias relações sociais, em que os
patersfamília detinham o absoluto controle de seu grupo.
Não apenas como
influência, mediante a dependência de seus agregados e pequenos proprietários,
que originariam o futuro clientelismo, mas de fato, pelo poder decisório integral no
seu micro-cosmo social, com sua condição de julgador de qualquer ocorrência no
âmbito de sua abrangência pessoal.
Tal modelagem considerava mais do que uma relação de lealdade estrita
entre líderes e liderados, em razão dos poderes de que dispunha o paterfamílias
sobre todos os seus integrantes, inclusive de vida e morte.
Evidentemente, tal
modelo somente poderia sustentar-se a pleno na medida em que seu líder se fazia
sempre presente em sua base territorial.
Com a expansão territorial, mesmo que considerada apenas a realizada no âmbito
da península, essa presença constante nos novos domínios vai-se atenuando e,
mesmo mantendo-se a dependência, a liderança passaria a ser exercida localmente
por delegados, não mais pelo patersfamilias agora ubicado nas proximidades da
urbe para atender às suas obrigações políticas perante a civitas.
Portanto, nada mais compreensível que a original lealdade irrestrita (voluntária ou
forçada) sofresse uma atenuação natural, e continuada, na medida em que a
abrangência dos domínios se torna cada vez mais distante e seus habitantes mais
numerosos. Criou-se no âmbito dessa vinculação uma enorme desproporção
numérica não só entre lideres e liderados quanto na qualidade dessa composição,
pelo contínuo incremento de não cidadãos, quer seja como escravos ou como
estrangeiros, que lhe são agregados como clientes.
O princípio original da solidariedade determinado pelas necessidades comuns foi
aos poucos se esvaindo, substituído pelo domínio efetivo de uma população e
territórios que se submetem aos desígnios de um senhor distante, mesmo que este
seja o intérprete e representante da entidade maior, a civitas.
Ao extrapolar-se a base territorial da península, com mais razão se justifica a
percepção dos submetidos que um pequeno substrato social exerce o domínio sobre
uma enorme população e território sem qualquer representatividade de sua parte.
Tal estado de coisas somente poderia ser mantido, sem ser pela força,
mediante algum aliciante, como o foi a tardia cidadania romana, inicialmente
concedida aos itálicos, após a sua sublevação, e já sob o império de Augusto aos
habitantes dos territórios sob seu domínio.
No atual entendimento, é óbvio que um modelo de natureza tão restrita
territorialmente não poderia ser extrapolado indefinidamente. Mas, como a História
o registra, essa não foi a percepção a seu devido tempo, principalmente por um
Senado distante das vivências concretas e de suas conquistas, e que, por isso
sofreu as conseqüências.
O fundamento da auto-proteção contra os seus vizinhos, com seu preceito de
guerra justa, induziu, dada a sua ilimitação, a geração de um círculo vicioso. A cada
nova conquista ampliou-se a fronteira a defender, e o território a governar, com as
subseqüentes demandas de administradores, e, fundamentalmente, de tropas que
possam assegurar a proteção que seria, em princípio, uma das exigibilidades quer
da associação, mediante acordos, quer da dominação pela força. E tudo isso com o
mesmo substrato fornecedor de componentes do exército, o que viria a exigir
mudanças significativas num futuro próximo.
3.3 O EXPANSIONISMO E SEUS EFEITOS
Na trajetória traçada neste discurso sobre a evolução da república romana de
sua origem a seu ocaso, há um elemento recorrente, o expansionismo. Mesmo sem
grande aprofundamento, em grandes traços, são facilmente caracterizáveis seus
principais efeitos concretos, e que vieram a por em cheque a instituição original da
república como forma de governo, notadamente os econômicos, sociais, políticos,
militares e jurídicos, que por isso merecem um melhor detalhamento de sua
evolução e caracterizando-se a sua influência recíproca.
3.3.1 Efeitos econômicos
Na
originária
economia
predominantemente
agrária,
explorada
pelos
componentes dos grupamentos tribais, através de seus patersfamília, com seus
agregados e pequenos proprietários, a partir do início da expansão territorial, com o
seu domínio, modifica-se o modo de produção, em razão da introdução do
escravagismo, decorrente da cada vez mais farta disponibilidade de escravos
resultante das guerras.
A adjudicação da maioria das terras conquistadas entre os próprios integrantes do
Senado e a utilização da escravatura, provocou paulatinamente o aniquilamento dos
pequenos proprietários de terras, impossibilitados de competir em razão da
diferença de escala de produção e de produtividade de outros solos mais férteis,
tanto na península como nas regiões exteriores que vinham sendo conquistas. Esta
realidade, que incrementa a concentração fundiária, também desloca essas
populações para a urbe, na busca de sua sobrevivência por outros meios. Mas,
também na própria urbe, a grande disponibilidade de escravos utilizados nas
atividades domésticas, deu continuidade ao processo de marginalização econômica
da plebe.
O forte incremento da população, demandando cada vez mais suprimentos
alimentícios para Roma, seria um enorme problema. Mas o crescente domínio desta
sobre o Mediterrâneo, o mare nostrum, com a destruição de Corinto e Cartago,
estimulou cada vez mais o fortalecimento das atividades comerciais de Roma, não
apenas como importadora ou exportadora, mas como entreposto entre o Oriente e
outras regiões demandantes de seus produtos.
Paralelamente, as conquistas das regiões costeiras do mar Egeu, na primeira
metade do séc. II a.C. haviam dado início a um entesouramento inédito em Roma,
decorrente de três modalidades de apropriação. A primeira pelo idediato
despojamento das riquezas dos povos vencidos, fundamentado no direito de guerra.
A segunda pelas indenizações exigidas do vencido ao término do conflito, dos
estados que perseveravam em sua configuração independente, sob a justificativa de
compensação dos gastos de Roma ou proteção, que perduravam por anos. A
terceira sobre a forma de tributos e/ou receitas oriundas da exploração das regiões
dominadas, anexadas.
Em outros termos, a drenagem das riquezas dos demais povos possibilitou a Roma
não só a formação de um enorme tesouro público quanto a realização de enormes
gastos com o pagamento dos militares, o custeio de despesas do Estado inerentes à
sua própria manutenção, a realização de obras públicas e o custeio do culto
religioso. Estas riquezas, parcialmente postas em circulação tanto impulsionam a
economia, que se modificou, quanto permitiu a isenção da cobrança de tributos
internos aos cidadãos romanos.
A riqueza demanda mais riqueza, em razão da cobiça humana. O comercio, a partir
do século II a.C., passa a constituir uma atividade com grande potencial de geração
de riquezas, tanto em Roma quanto nas regiões conquistadas, e que, diante da
proibição do exercício dessas atividades pelos nobres, dariam margem ao
surgimento de uma nova classe social, a dos comerciantes e financistas, até então
inclusos na plebe. Mas estes, com seu crescimento numérico e organização em
grupos empresariais, mais ainda, pela acumulação de riquezas obtidas com seus
negócios, passariam a aspirar por uma real participação na gestão da república.
Visaram principalmente obter facilidades para suas atividades, com seu acessoa aos
negócios da república, o que conseguiram aos poucos, sob a designação de
homens novos, e com seu ingresso às principais magistraturas, inclusive o senado.
Sua ascensão de dentro da plebe, em razão de sua riqueza, não os inscreveria
dentro do critério da nobilitas da aristocracia originária da descendência,
caracterizando-os como uma segunda classe dentro da classe dirigente, os homens
novos ou cavaleiros. Mas, de qualquer maneira, com um grau maior de influência no
âmbito do poder que as magistraturas e o próprio Senado ainda representavam.
3.3.2
Efeitos sociais
Como foi visto, o expansionismo veio a incorporar uma nova configuração no
relacionamento entre a figura dos patersfamília, seus agregados e dependentes,
criando-se, uma cadeia mais longa de intermediários entre estes, o que tornou mais
frouxa a vinculação pessoal destes, bem como possibilitou a submissão dos
dependentes à conduta dos intermediários, nem sempre coerente com os desígnios
dos patersfamília.
Num estágio mais avançado a afluência de novos habitantes à urbe, mesmo
que politicamente designados a uma dada tribo, quando admitidos como cidadãos,
esmaeceu, ainda mais, a vinculação às lideranças originais, cada vez mais distantes
física e politicamente da plebe, que, por sua vez, sentia-se mais desamparada em
sua dependência.
De uma estrutura social original simples, constituída pela nobreza e a plebe,
as relações sociais complexam-se com a aristocracia constituída não só pelos
patrícios, mas também pelos cavaleiros, os homens novos. Já a plebe, além do
fortalecimento dos comerciantes e dos financistas, vê incorporarem-se à sua
estrutura não só os escravos e os libertos, mas também estrangeiros de diversas
origens que de alguma maneira passam a agregar-se à urbe, mesmo que sujeitos a
regimes jurídicos diferentes.
Mais do que isso, o enorme afluxo de riquezas decorrentes do
expansionismo, os botins, os tributos impostos aos conquistados e o comércio em
larga escala, foram moldando um diferente estilo de vida em relação à austeridade
original tanto do cidadão romano médio, e, principalmente, da classe superior. O
luxo e o exibicionismo dos nobres, bem como dos mais afortunados locais ou
achegados, evidenciavam a degradação da austeridade costumeira.
Os sinais mais manifestos dessa degradação foram a indolência física e moral, e a
crescente corrupção sob todas as formas, desde o tráfico de influências para a
designação de cargos importantes, até o desvio puro e simples dos haveres do
erário público para o privado, mediante o uso dos mais diversos artifícios. E o que foi
pior, essa degradação dos costumes não ficou restrita aos nobres, espraiou-se
também através da plebe.
Já em 191 a.C, vivenciando o problema, Catão, o Velho, no exercício do consulado,
vê-se obrigado a editar uma lei limitando os exageros do exibicionismo relativos aos
banquetes e festins. E também das construções suntuárias, que mesmo erigidas em
louvor de alguma entidade coletiva, objetivava magnificar aos olhos da população o
simbolismo da riqueza e poder dos seus mecenas, não poucas vezes utilizados com
finalidades políticas.
No âmbito da plebe também ocorreram grandes transformações, a começar pela
crescente desproporção numérica entre os detentores do poder e os seus liderados.
Esse efeito, associado ao crescente distanciamento dos descendentes dos antigos
patersfamília de seus agregados, e abusos dos magistrados, já havia levado à
sublevação dos mesmos, nos albores da república, em 494 a.C., com a revolta do
Monte Sagrado.
Dentre as concessões dos detentores do poder para conter a revolta, a principal
delas foi a criação do tribuno da plebe, destinado fundamentalmente, com o seu
poder de veto, à defesa dos interesses da plebe em geral, contra os desmandos que
contra esta eram perpetrados. Embora tenha vigorado durante todo o resto do
período da república, exceto durante a ditadura silana, essa concessão não foi
integralmente assimilada pelo patriciado, e, por outro lado, evidenciou a tensão
permanente entre o patriciado e a plebe.
A alteração que permitiu que patrícios fossem designados pela plebe como seus
tribunos viria a ser um outro fator determinante, pois, ao invés de favorecer seu
controle pelo patriciado abriu uma nova frente de disputa de poder, com a produção
de novas lideranças que colocariam em cheque não só os interesses próprios do
patriciado, como uma verdadeira cisão política, nos integrantes do Senado,
principalmente a partir do final do século II a.C.
Com a continuidade da prosperidade romana, oriunda do expansionismo e do
comércio, até mesmo os tributos diretos dos cidadãos deixam de ser exigidos.
Como mecanismos adicionais de controle social, expandiram-se os jogos públicos e
a subvenção, ou mesmo a distribuição gratuita, de trigo à população, buscando
manipular e conter as manifestações da população menos favorecida pela fortuna,
por uma nova forma de dependência, agora patrocinada não pelos paterfamilias mas
pelo populus romanus.
No âmbito extra urbe o expansionismo também acarretou grandes transformações
sociais, tanto pelas relações de dependência política e econômica dos territórios
conquistados, inclusive com a criação de colônias, quanto pelas alianças
temporárias ou permanentes.
A rebelião servil na Sicília, de 136 a 132 a.C., e a revolta dos escravos liderada por
Spartacus, de 73 a 71 a.C., que só foi subjugado e morto por Crasso, após diversas
tentativas de outros comandantes militares, e a um alto custo de vidas, evidenciam
as tensões reinantes no tecido social.
Particularmente nas regiões conquistadas ou aliadas na península itálica os
movimentos reivindicatórios assumiram tal proporção que redundaram na Guerra
Social de 90 a 88 a.C., concluída com a concessão da cidadania romana a seus
habitantes, mas que, pôs em evidência a profunda crise estrutural da sociedade que
daria origem à Guerra Civil protagonizada por Mário e Sila.
Com mais ênfase para as camadas mais abastadas da população a opulência
gerada pelo expansionismo promoveu, pelo abandono das tradições, a degradação
dos costumes, e o mesmo ocorreu nas camadas menos favorecidas, porém, neste
caso, como resultado do crescimento de um estilo de vida parasitário na urbe,
suportado quer pelo clientelismo quer pelo erário público, pela manipulação dos
governantes.
Em seu conjunto, valores tais como a virtude, a dignidade, a fidelidade, tão caros
nos primórdios da república, foram paulatinamente abandonados em prol do poder
de momento, passando a ser utilizados apenas nas querelas políticas decorrentes
da disputa individual ou coletiva pelo poder, como elementos de retórica na
argumentação da justificativa de suas pretensões.
3.3.3
Efeitos políticos
O primeiro evento político marcante da república, ainda no início do processo
expansionista, sem dúvida, foi a criação do tribunado da plebe, em 494 a.C.
Exigido pela plebe como meio de defesa contra os desmandos da classe dominante,
na maior parte das vezes acabou sendo exercida por integrantes da mesma
aristocracia. Isto porque apesar de que os candidatos fossem sufragados por esta,
as eleições específicas, principalmente a partir do final do século II a.C. foram objeto
de aliciamento econômico consentido aos candidatos pelo Senado.
Se originalmente o tribuno da plebe destinava-se basicamente à defesa da plebe,
não foram poucos os tribunos que visualizaram a possibilidade de, contando com o
seu apoio, pressionar o Senado tanto para a obtenção de designações de maior
relevância no âmbito das magistraturas quanto no próprio acesso ao Senado.
Mesmo sendo as prerrogativas do tribuno da plebe, praticamente eliminadas por
Sila, durante a sua ditadura, voltariam em sua “plenitude”39 durante a ditadura de
César.
Se pode-se considerar que o quadro político40 se manteve razoavelmente estável até
a consolidação do domínio da península itálica, a partir das guerras púnicas ocorreu
uma alteração significativa na composição quadro político, como decorrência do
grande número de seus integrantes, tanto do Senado quanto de magistrados, que
pereceram no exercício de seu principal dever cívico, a “defesa” de Roma.
Esses fatos possibilitaram o início do ingresso dos homens novos na esfera política,
quer pela sua riqueza individual, pois a república mantém seu caráter censitário, ou,
ainda, pelo mérito individual decorrentes dos serviços prestados a esta,
principalmente através do exercício de atividades militares, reduzindo-se, ou mesmo
esquecendo-se as exigibilidades de origens patrícias.
Mas, provavelmente, a transformação política mais sutil, e ao mesmo tempo a mais
39
Trata-se de uma plenitude apenas formal visto que praticamente nada era feito sem o beneplácito de César
durante a sua ditadura.
40
Aqui referido à manutenção da estrutura de poder, com seus integrantes oriundos das famílias dominantes
originais, e com a hegemonia de poder inconteste exercida pelo Senado, complementando nas atividades
executivas pelas magistraturas e com o Exército sob o absoluto controle do Senado.
significativa, sucedeu no âmbito do próprio Senado, pelo progressivo afastamento de
sua finalidade, a gestão da rex publica. Os homens bons paulatinamente foram
voltando-se para a negociação de seus interesses particulares, envolvendo não
apenas as questões relativas ao próprio poder, mas, o seu fortalecimento
econômico, devido à natureza censitária de sua formação, à proibição da prática do
comércio e ao alto custo de manutenção no seio da civitas.
Em muitos casos os bens dos homens bons foram depauperados pela concorrência
dos produtos agrícolas oriundas do exterior, ou ainda pelos excessivos gastos que
tanto a ostentação como a manutenção de sua clientela de apoio. Diante da
necessidade de recuperação de seus bens, ou a sua ampliação diante das
oportunidades geradas pelo expansionismo, passaram a exercitar os mais diversos
artifícios, desde alianças políticas formais, dentro e fora do Senado, até os
matrimônios de conveniência, ao sabor das circunstâncias e interesses de momento.
A troca de favores, a adulação desmedida, e a corrupção, tanto econômica como
moral, passaram a tornar-se corriqueiras, em flagrante contraste com os valores
éticos e morais norteadores da república original.
Esse tipo de conduta foi um fator gerador de instabilidade social da qual originou-se
a guerra civil, pelas divergências em relação ao exercício e legitimidade do poder,
determinadas tanto pelos interesses coletivos dos optimates41 com seu
conservadorismo, ideologicamente voltada para a manutenção das tradições
que lhes garantiam naturalmente o poder, quanto pela facção oposta a dos
populares42, evidenciando a crescente fragilidade do Senado, fomentada pelas
diferentes facções e pelos interesses divergentes e pessoais de seus integrantes.
Para estes, a concordia, elemento basilar da ótima república romana de Cícero,
seria apenas uma mera figura de retórica praticada apenas no âmbito dos discursos.
Também não se pode deixar de lembrar que, principalmente no século I a.C., não
poucos os cidadãos acossados pelos seus credores, e que passaram a buscar nas
guerras a recuperação de seus patrimônios, dilapidados quer nas demonstrações de
luxo e ostentação quer no custeio da construção de sua carreira política. Um
exemplo notório, dentre outros, foi a ida antecipada de Júlio César para a Gália.
3.3.4
Efeitos militares
Do dever cívico elementar dos cidadãos na participação na defesa da
sociedade para a institucionalização de um poder bélico, e político, esta é mais uma
transformação determinada pelo expansionismo.
41
“Os optimates foram uma facção conservadora de senadores romanos, muito influente na época
tardia da república Romana. Os seus principais objetivos eram a limitação das assembléias populares
e o regresso ao poder incontestado do senado romano. Todas as suas políticas visavam impedir a
mudança das instituições governamentais, a perda das tradições que regiam o mos maiorum e a
ascensão ao poder de homens novos, isto é, políticos oriundos de famílias fora dos círculos
tradicionais. Curiosamente, dois dos principais líderes da facção, Cícero e Pompeu, eram homens
novos.” Obtido em http:/pt.wikipedia.org/wiki/Optimates, em 15/11/2007.
42
“Os populares, da facção do povo, eram constituídos pelos chefes aristocráticos romanos que
durante a república romana tardia buscavam usar as assembléias populares romanas para acabar
com o domínio que exerciam os nobres e os optimates na vida política.” Obtido em
http:/pt.wikipedia.org/wiki/Populares, em 15/11/2007.
Nos primórdios os cidadãos eram convocados, quer para a defesa, quer para a
guerra contra seus adversários vizinhos, às suas próprias custas, e mesmo os mais
humildes, que tinham que abandonar os seus afazeres de subsistência, cumpriram
esse dever com o sentimento de uma obrigação determinada pela necessidade de
auto-preservação da sociedade da qual eram parte integrante e dependente.
Inicialmente, as convocações observavam períodos limitados usualmente após a
semeadura, visto que a maior parte dos integrantes era de soldados-camponeses, e
sua produção também era necessária ao abastecimento de todos, e, em geral, não
atingiam o período do inverno. O atendimento a esse tributo cívico pessoal ainda
permitia a permanência de boa parte do ano no convívio com os seus, e a eventual
participação em alguma parte do botim, poderia complementar as necessidades
familiares.
Com o alargamento dos domínios e de áreas de influência de Roma, mesmo quando
das guerras dentro da península itálica, os períodos de convocação passam a ser
mais extensos, e as convocações sucessivas, sobre os mesmos soldadoscamponeses. Estes passam a dispender períodos de tempo cada vez maiores em
campanhas já não mais caracterizadas pela auto-defesa, mas sim pelo domínio de
regiões que se tornariam tributárias de Roma, mas de cujos benefícios eles não
tomam parte, exceto pelos eventuais participações no botim da conquista. As terras
conquistadas, em sua maior parte seriam incorporadas ao patrimônio da nobreza,
como retribuição de seus esforços e riscos pessoais e dos seus dispêndios com as
guerras.
O salto do crescente expansionismo para fora da península itálica marcaria um novo
patamar de necessidades, não só dos contingentes humanos engajados como de
seu maior período de incorporação. Por essa razão o plantel de soldadoscamponeses tornar-se-ia insuficiente para essas novas demandas, com o que Roma
passou a utilizar-se de seus aliados, principalmente para a manutenção da defesa
da península, mas, também como corpos auxiliares dos exércitos romanos, agora
ativos em diversas frentes concomitantemente.
Paralelamente estendeu a convocação com a incorporação de novos integrantes da
urbe, os pequenos ex-proprietários, desalojados de suas terras pela crescente
participação dos escravos em atividades agrícolas em favor de seus senhores, os
grandes proprietários de terra, e com os quais não mais conseguiam competir.
Mas o ânimo da recepção dessas convocações já foi diferente. Não mais havia o
ânimo cívico, a busca da honra da participação, mas algo menos idealista e mais
objetivo, as possíveis vantagens que o engajamento sobre uma liderança
militarmente capaz poderia propiciar, em termos de botim, e, como passa a ser cada
vez mais reivindicado, de terras após o encerramento da campanha.
Por outro lado, dada a continuidade das convocatórias, pelas diversas campanhas
que se sobrepõem com o expansionismo, passa-se a vislumbrar a possibilidade de
uma possível evolução social, e econômica, pela maior participação no botim, dos
despojos de guerra de ricos territórios dominados, assim como pelas promessas de
terra finda a campanha.
As notáveis conquistas militares dos séculos III, II e mesmo ao início do século I a.C.
foram conduzidas pela estirpe idealizada de generais, aqueles que, mesmo
buscando de forma inegável a honra e a glória nas batalhas, consideravam a
submissão ao Senado um preceito inquestionável, sendo fieis cumpridores das
missões que lhes eram acometidas.
Tal postura sofreu uma violenta transformação a partir do início do século I a.C. na
medida em que o próprio Senado negligenciou seus próprios deveres, voltando-se
mais declaradamente para seus próprios interesses e deixando as coisas da guerra
para os generais, principalmente se vitoriosos. Nesse sentido, foi emblemática a
desconsideração da regra que impedia a re-eleição continuada no consulado, e que
passaria a ser utilizada com muito menos rigor daí para frente.
O caso específico do cônsul Mário é exemplar, tanto pelas seguidas reconduções
quanto pelas alterações conseguidas em relação aos convocados, das quais se
destacam o pagamento de soldos e a abertura à participação sem distinção de
classe social. O sucesso obtido nas batalhas, e a correspondente participação no
botim, permitem entender a vinculação pessoal que as tropas passaram a nutrir por
Mário, com o que este, e por via de extensão o exército, passassem a ter um peso
político perante a sociedade, e o Senado, nunca antes existente.
A fidelidade à liderança do comandante não é diferente com Sila, com suas
conquistas no Oriente, e, mais tarde com Pompeu, na Espanha, e César, na Gália.
O exército institucionalizou-se na personificação de seus líderes, afastando-se, cada
vez mais da natureza mandatória do Senado.
A permanência das convocações, devido à extensão das campanhas, possibilitou
eventos inimagináveis nas mudanças da liderança, com os pretendentes ao
comando literalmente comprando seu ingresso ao comando através de doações
feitas à tropa. Isto praticamente abriu a possibilidade da formação de exércitos
particulares desde que o interessado dispusesse de riqueza suficiente, para receber
destes o imperium.
A par destes aspectos de natureza militar, não se pode esquecer que a maioria da
tropa possuía familiares e, como tal, integrantes do clamor público, e naturalmente
inclinados para essas lideranças em relação a um Senado cada vez mais distante.
Doravante, os eventos de natureza militar passariam a ser determinantes no campo
político.
3.3.5
Efeitos jurídicos
O direito, ou seja, o regramento entre as pessoas e entidades, fez parte
indissociável da civilização romana desde a fundação de Roma. Seu original direito
consuetudinário, baseado nas tradições, traduzindo em normas (leis) não escritas às
condutas esperadas (fatos) dentro dos princípios e valores vigentes e, ao mesmo
tempo, estabelecendo as sanções pela sua transgressão, bem como atribuindo a
competência de julgamento dos fatos.
Esse sistema jurídico inicial teve que, necessariamente, ser adaptado para absorver
realidades muito diferenciadas, à medida que passou a abarcar cada vez mais
territórios, e, principalmente, coletividades diferentes, com seus específicos usos e
costumes. A sua necessária divulgação à população em geral tornou-se cada vez
mais complexa, levando à necessidade do estabelecimento de éditos e decretos,
que a par de seu caráter informativo administrativo, iriam dar, juntamente com as
leis, origem ao direito positivo, escrito.
Coerente com a vocação legalista inicial da sociedade, a estruturação governativa
através das magistraturas, com sua natureza de delegação, pressupunha, em
primeiro lugar, o estrito atendimento aos preceitos legais estabelecidos, mesmo que
não escritos, pelos seus titulares temporários. Além de estabelecer as competências
administrativas, criou a figura do pretor que veio paulatinamente a substituir a
administração privada da justiça pela administração pública.
Já consolidada a figura jurídica, o pretor tornou-se um juiz singular público, nas
relações entre os particulares, cujas decisões passaram a ser incontestes, por um
largo período de tempo. Contudo, para os assuntos de maior relevância, de
interesse estratégico da sociedade, desde os primórdios, reservou-se ao Senado o
papel de julgador único e último43 desses temas.
Com o expansionismo, passado o período destrutivo44 das conquistas, e a
correspondente necessidade de governar seus domínios, diretamente ou através de
prepostos, delegados ou associados, o sistema jurídico teve que ser adaptado para
abarcar também o âmbito externo.
O futuro veio a revelar o quão acertada foi a estratégia de limitar a ação do direito
romano às questões maiores, de interesse da sociedade romana, deixando as
questões menores, na ótica dos romanos, regidas pelos próprios usos e costumes
dos dominados. O exemplo concreto e mais notório dessa atuação, embora
posterior ao período em análise, corresponde ao julgamento45 de Jesus por Pôncio
Pilatos.
Se o expansionismo criou a necessidade de novas soluções jurídicas no âmbito
externo, o mesmo ocorreu no âmbito interno. Com a crescente metropolitização de
Roma, e a subseqüente alteração da sua estrutura social, que passa a abranger não
apenas os cidadãos romanos, mas escravos, libertos e estrangeiros em grande
número, houve a necessidade de acolher juridicamente as relações existentes. Isto
levou ao desdobramento dos estatutos e regimes dos direitos civis inerentes ao novo
status quo, preservando o princípio basilar da igualdade46 romana, diferenciando
nobres, plebeus, escravos e estrangeiros.
Mesmo que a consolidação do direito positivo tenha sido efetuada diversos séculos
mais tarde47, o seu crescimento, em detrimento do direito consuetudinário tornou-se
manifesto através das numerosas leis que iriam sendo promulgadas e aplicadas em
ajuste às novas realidades provocadas pelo expansionismo e seus efeitos.
Como a História nos mostra em traços gerais, a sociedade romana sempre esteve
sob a égide do direito, desde a sua criação. Contudo, tanto os usos e costumes,
quanto as leis que vieram a incorporar-se ao sistema jurídico vigente, foram, em não
poucas situações, objeto de desconsideração efetiva, tornaram-se letra morta pelo
desuso, vinculado ao interesse da classe dominante. Em muitas situações a classe
dominante apenas valeu-se das leis para as lutas pelo poder, quando a sua argüição
poderia ser determinante a um dado interesse específico, usualmente a queda em
desgraça de um adversário político, mediante as manipulações adequadas.
Um claro indicativo dessa situação são os inúmeros processos julgados pelo Senado
nos dois últimos séculos da República, envolvendo principalmente ex-magistrados,
43
A instância da apelação (apelatio) não era aplicável às decisões senatoriais.
Nos primórdios a ênfase das chamadas guerras defensivas focava-se na destruição do pretenso inimigo,
usualmente um vizinho. Com a evolução do expansionismo, a tônica passou a ser o da dominação, direta ou
indireta, através de acordos.
45
Recusando inicialmente o julgamento de uma questão interna, somente assumiu o julgamento após a
argumentação de que a ação de Jesus ofendia Roma e suas instituições. Mesmo assim, não convencido da
pretensa culpa alegada, utilizou-se dos usos e costumes locais numa tentativa de não aplicar a sanção
estabelecida, mediante a oposição de Barrabás para a concessão da liberdade a Jesus, que como sabemos não
veio a acontecer em razão do julgamento popular.
46
Fundamentado no conceito de que a igualdade justa somente pode ocorrer entre iguais, donde o tratamento
diferenciado e hierarquizado de sua estruturação.
47
Por determinação do Imperador Justiniano.
44
que redundaram no exílio, como no caso de Cícero, ou mesmo a morte de seus
acusados, muitas vezes apenas em decorrência de intrigas e interesses escusos de
seus proponentes.
Também a vingança, no âmbito da alta nobreza, passa a ser uma prática que conta
com a conivência ou a omissão do Senado, quer pelas suas relações de interdependência, quer por receios pessoais, ou, ainda, pela convergência de
interesses48.
Claro está que o direito estabelecido pelos originais patersfamília deixou de ser, ao
longo desse período, ao menos para as altas esferas políticas, um meio eqüanime
de resolver as divergências sociais, para tornar-se um instrumento de poder
discricionário em favor dos indivíduos ou das facções dominantes.
Uma interpretação diferente não permitiria entender a complacência do Senado, por
exemplo, em relação aos assassinatos impunes dos irmãos Graco, ou às enormes
afrontas praticadas por Sila ao direito instituído, mesmo que se pretendesse limitálas ao seu período ditatorial, o que não é o caso. Na prática foi um evidente retorno
à barbárie, onde ao vencedor tudo é permitido, o que, por si só, demonstra a enorme
decadência institucional e moral do Senado, já nessa época, mais de um século
antes da transformação da república em império, onde o direito é mais de aparênia
do que real, a depender do interessado.
3.4 AS REALIDADES DO SÉCULO I a.C.
A partir da perspectiva panorâmica estabelecida nos quesitos precedentes,
abrangendo, mas não limitada aos primeiros quatro séculos da república, agora
pode-se ao menos procurar evidenciar o quadro da realidade concreta com que a
República adentrou e conviveu no século I a.C., precedendo e possibilitando a
instauração do Império.
Pela sua maior importância relativa, observar-se ão aqui os aspectos políticos e
militares, com pouquíssimas incursões aos eventos sociais, aos estritamente
necessários para a compreensão da realidade da época.
A Roma do final do século II a.C. já dominava uma enorme extensão territorial; a
Grécia já havia sido reduzida à condição de província em 148 a.C., o Egito mantido
como protetorado desde 168 a.C., o mare nostrum consolidadado com a destruição
de Corinto e Cartago, em 146 a.C., a Hispanya praticamente conquistada a partir da
destruição de Numância em 133 a.C.
Mário já havia submetido Jugurta, rei da Numídia, na guerra 112 a 106 a.C. e
derrotado os teutões e címbrios na Gália pela guerra de 105 a 101 a.C. Nesse
interregno, entre 107 e 100 a C., Mário, que era de origem plebéia e popular, foi
designado por seis vezes seguidas cônsul graças às sua vitórias contundentes.
Desde 107 a.C. passou a convocar soldados desconsiderando a sua posição
censitária e, ao término das campanhas conseguiu-lhe junto ao Senado a
concessão de terras, donde não é difícil imaginar que a sua popularidade junto a
48
A morte dos irmãos Graco e as perseguições de Sila aos populares e seus seguidores, culminando com a
eliminação de mais de 40 antigos senadores, e o posterior incremento de 300 para 600 do número de
senadores, obviamente seus correligionários são indicativos concretos da convergência de interesses
dos optimates.
seus ex-comandados e seus familiares, e mesmo a população plebéia em geral,
fosse muito grande.
Sila, de família patrícia, mas empobrecida, havia servido sob Mário como questor na
guerra contra Jugurta, e sob um artifício conseguiu assumir para si, perante o
Senado a glória da vitória da rendição de Jugurta, fato este que acarretou sérias
divergências futuras com Mário e seus seguidores.
Dada a sua condição de descendência, pois pertenceu à gens Cornelia, e convicto
da ideologia da superioridade de sua estirpe, Sila abominava os homens novos, e as
alterações nas tradições que os haviam possibilitado. Não concebia a existência dos
tribunos da plebe, e, muito menos os populares, pelas concessões que pretendiam
para a plebe. Mesmo não sendo um integrante formal do Senado poder-se-ia
afirmar que foi na ocasião, talvez, a principal liderança dos optimates.
Designado para combater Mitriades, na Ásia Menor, Sila, em 88 a.C. toma
conhecimento de um plebiscito em que Mário obteve que lhe tirassem o generalato e
a ele fosse atribuído. Inconformado retorna a Roma com suas tropas, põe em fuga a
Mário e seus adeptos, recompõe a sua autoridade e retorna à luta ao Ponto contra o
rei Mitriades.
Com o retorno ao Ponto de Sila, o cônsul Cornélio Cina, partidário de Mário,
declarou-o fora da lei e promoveu um sangrento expurgo entre os senadores
optimates e seus partidários. Sila permaneceu na Ásia até a destruição de Mitriades
e retornou a Roma em 83 a.C., quando derrotou os seguidores de Mário (já falecido
em 86 a.C.), adentrando como vencedor em Roma. Foi a primeira vez que um
exercito romano atacou Roma para tomar o poder.
Sem outro adversário significativo, o príncipe senatorial Valério Flacco, apresentou
perante os comícios, em 82 a.C., a Lex Valeria, que outorgou a Sila poderes
inimagináveis, até mesmo para a figura do dictator, posto que sem qualquer prazo
de vigência.
Nada mais do que cumprido o ritual jurídico Sila desencadeou o chamado Terror
Oligárquico, mediante o qual as pessoas de qualquer origem, constantes nas listas
de proscritos, por eles determinadas, puderam ser mortos por qualquer pessoa e até
recompensados financeiramente por isso. Estima-se que do total aproximado de
4700 vítimas, 40 foram senadores, 1500 cavaleiros e 15 ex-cônsules.
Realizada a “limpeza social”, e recomposto o Senado, agora com 600 membros,
obviamente ligados aos optimates, Sila entregou o poder aos cônsules do ano, em
79 a.C. e retirou-se da vida pública, vindo a morrer, placidamente, em 78 a.C. Para
a maioria dos historiadores este governo não foi uma ditadura, mas uma tirania
exercida com o pretexto da prevenção da oligarquia contra os riscos de uma
possível tirania popular.
Entre a renúncia de Sila e 59 a.C., mesmo com um Senado amorfo, voltado aos
seus próprios interesses, o expansionismo continua, mais fortemente com Pompeu
na Hispanya e Cesar na Gália.
Nesse interregno dois destaques: a revolta dos escravos liderados por Spartacus e
que somente foi debelada por Crasso em 71 a.C. após três anos de combates, e que
seria eleito cônsul em 70 a.C., e a conjuração de Catilina, um ex-seguidor de Sila,
que preterido em suas ambições ao consulado em 65 a.C. insurgiu-se, pretendeu
dar morte a Cícero, em 62 a.C. e a tomada do poder que foi frustrada. O senatus
consultus ultimus determinando a sua morte pela sedição foi aprovado pelo Senado,
mas permaneceu arquivado até que Cícero com um último discurso propugna pelo
seu exílio. Catilina fugiu de Roma, mas pretendeu resistir com seu exército, acabou
morto ao enfrentar as tropas de Roma ao final de 62 a.C.
Neste episódio Cícero criticou-se, perante o Senado, pela sua própria indecisão em
mandar executar um patrício pelo crime de lesa-patria, por pretender obter o poder
pela força, e para isso atentar conta a vida dele próprio, um cônsul. Curiosamente, o
Senado viria a ser criticado pela decisão tomada, pois não estaria em seu poder o
determinar a morte de um cidadão romano! Este fato é revelador da tendência
daqueles tempos, pois o próprio Cícero, em seus discursos contra Catilina, destacou
e elogiou a anterior morte de Tibério Graco, mandado matar por Públio Cipião,
diante de uma suposta ameaça à república.
O crescente vazio político causado po um Senado cada vez mais inepto para o
exercício de seus poderes, e voltado para seus próprios interesses, viria na
seqüência possibilitar a aliança política informal, estabelecida em 59 a.C., entre Júlio
César (um outsider político), Pompeu, o Grande, (um general de grande
popularidade pelas conquistas militares, mas desprezado pelo Senado pela falta de
sangue nobre) e Crasso ( o homem mais rico de Roma), todos à frente de seus
exércitos.
Eleito cônsul em 59 a.C., Júlio César, mesmo contra a oposição dos optimates,
adjudicou terras aos soldados de Pompeu, que lhes haviam sido negadas pelo
Senado, e favoreceu os negócios de Crasso. Júlio Cesar obteve de Pompeu, em
troca, o apoio para conseguir o governo da Gália e iniciar a conquista de toda a
região.
Quando Pompeu e Crasso foram eleitos como cônsules, em 55 a.C. prolongaram o
governo de Júlio César sobre a Gália por mais cinco anos. Diante destes fatos
todos e da ausência de consistência jurídica do acordo informal, é de perguntar-se:
Qual o efetivo papel do Senado no governo de Roma nessa época?
A tríplice aliança informal seria descontinuada pela morte de Crasso, em 53 a.C.,
morto em batalha contra os persas. Com a morte de Júlia, filha de Júlio Cesar e
esposa de Pompeu, em 54 a.C., seus tênues vínculos se desfizeram, e a morte de
Crasso, os colocaria em choque, tornando-se inimigos.
O instável equilíbrio político, proporcionado a Roma pela aliança, ficou ameaçado. O
Senado, preocupado com o crescente prestígio e ambições de Júlio César, recorreu
a Pompeu, em 52 a.C., nomeando-o cônsul único, representando os interesses da
continuidade oligárquica dos optimates, e manobrou politicamente para impedir a
continuidade do comando de Júlio Cesar, alegadamente pela sua ausência em
tempo hábil às eleições, e determinando a dissolução de suas tropas. Inconformado
com a decisão, Júlio César retornou a Roma, atravessou o emblemático Rubicão, e
deu início a mais uma guerra civil, com um exército invadindo Roma pela segunda
vez na conquista de seu poder.
Em breve espaço de tempo o popular Júlio César desbaratou as tropas de Pompeu
e seus seguidores na Itália, nas diversas frentes de batalha, adentrou triunfalmente
em Roma, em 49 a.C., e, convocando os senadores que haviam fugido de Roma, ou
se mantiveram afastada desta, como Cícero, fez-se nomear ditador perpétuo,
assumindo com plenos poderes a politicamente combalida república romana.
A consolidação formal completa da vitória de Júlio César levaria mais tempo (49 a
46 a.C) pela perseguição aos seguidores de Pompeu desde a Hispanya até o
Oriente e o Egito. Muito mais clemente que seu predecessor Sila, não promoveu,
como esperado pelos optimates, um amplo expurgo no Senado, mas incrementou o
número de senadores para 900, com o que poderia contar com uma maioria formal,
a esta altura desnecessária diante dos poderes absolutos que já dispunha. Mas,
como vencedor, o Senado bajulou-o e continuou a cumulá-lo seguidamente de
títulos e honrarias, inclusive como Imperator, com o direito de designar seu
sucessor.
Seu assassinato, em 15 de março de 44 a.C., pelos liberatores49, do qual Cícero não
participou, mas aceitou a tese, não atingiu seu objetivo principal, pois essa tentativa
não encontrou maior suporte nas demais facções do Senado, e ainda menos nas
camadas populares, que se manifestaram visceralmente contra o retorno à
hegemonia anterior dos optimates. Certamente essa decisão foi um erro de
avaliação estratégica dos liberatores, posto que o movimento popular estava nesse
momento em seu pleno ápice.
O inicial vazio político resultante da morte de Júlio Cesar levou à criação do
“segundo” triunvirato, composto por Marco Antônio, Lépido e Otávio, de cuja
composição Cícero participou em nome dos optimates. Marco Antônio seria o
natural sucessor político e militar de Júlio César, de quem havia sido por longo
tempo imediato em comando, mas representaria um potencial continuísmo do
poderio anterior, ainda mais com o seu vínculo popular, que o Senado conservador
tanto temia. Lépido, antigo cônsul juntamente com Júlio César, seria uma ameaça
menor pela sua desambição política. Por outro lado, Otávio, de apenas 20 anos
nessa época, havia sido adotado por Júlio César como seu herdeiro, e na opinião
dos optimates, poderia mais facilmente ser manipulado, atenuando a ameaça
representada pelos populares, mais fortemente personalizada em Marco Antônio.
Assim, com a participação do Senado, e interveniência de Cícero, através da Lex
Tritia, foi formalizado o triunvirato em 43 a.C., com um mandato de cinco anos, pelo
qual se distribuíam os territórios e poderes: a Marco Antônio, o Oriente; a Otávio, o
Ocidente (que incluía Roma) e a Lépido, o menos ambicioso, a África.
Apesar de terem inicialmente declarado a sua intenção de não perseguir os
liberatores, dentre as primeiras ações destes contou-se a perseguição e morte dos
envolvidos, onde quer que se encontrassem, como foi o caso de Bruto e Cássio, que
tiveram a morte na Grécia, onde haviam-se refugiado. A mesma sorte teve Cícero,
em 43 a.C, como parte do acordo de paz selado entre Marco Antônio, que a exigia, e
Otavio.
Mesmo tendo sido renovado o triunvirato por mais cinco anos, em 38 a.C., o
relacionamento entre os triúnviros estava viciado pelas ambições. Lépido foi
afastado do poder, e exilado de Roma, por Otávio, em virtude de uma ação política
falhada, e Marco Antônio, estacionado no Egito, hostilizava francamente as tropas
de Otávio.
O ano de 33 a.C. marca formalmente o fim do triunvirato legal, e, ao mesmo tempo,
a guerra aberta entre Otávio e Marco Antônio, cujo desenlace final ocorreria na
batalha de Actium, em 31 a.C., provocando a seguir o suicídio de Marco Antônio,
que não pretendia submeter-se a uma execração pública tida como inexorável, em
seu possível retorno a Roma, como derrotado.
Sem adversários, Otávio continua no exercício do poder, a partir daí senhor de todos
os exércitos e com o apoio popular. Aquele jovem cotejado por Cícero, e os
optimates, como uma opção mais maleável, havia-se tornado, no curto intervalo de
tempo de dez anos, numa liderança militar e política inconteste.
O Senado, dando continuidade à sua prática de submissão e bajulamento aos
vencedores, cumula Otávio de honrarias e títulos, até que em 27 a.C. ofereceu-lhe o
49
“Liberatores é o nome pelo qual ficou conhecida a facção [composta por 14 membros] do Senado
romano que organizou o assassinato de Júlio César nos idos de Março de 44 a. C. Segundo a própria
definição o objetivo do atentado não era um golpe de estado, mas sim um tiranicídio uma vez que
julgavam salvar a República Romana das ambições monárquicas de César.” Obtido em
http://pt.wikipedia.org/wili/Liberatores, em 15/11/2007.
título de Augusto com o que se concretiza, de fato, o início do Império.
Entretanto, Otávio demonstrando uma argúcia política excepcional, principalmente
para quem já tinha tantos poderes acumulados, longe de modificar a essência formal
do governo com a república, declarou-se um par dos senadores romanos, embora o
primeiro entre os pares, o princpes, acolhendo o novo título que lhe é oferecido pelo
Senado.
Sob sua supervisão, restabeleceram-se os consulados, as eleições, e a causa
popular também arrefece. Mesmo a nova distribuição das províncias, promovida por
Otávio, distinguindo as do Estado das senatoriais, não chega a ser motivo de
desconforto entre os senadores, há tempos voltados a interesses outros que não o
governo em si, e, afinal, a imensa maioria das suas prerrogativas e privilégios foi
mantida por Otávio ao longo de seu governo. Mas o mundo político representado
por Roma havia mudado. Apesar da aparente continuidade formal da república, e
do Senado, nada mais aconteceria em Roma sem o beneplácito anterior de Otávio
Augusto, de fato e de direito, seu Imperador.
3.5 A HISTÓRIA E AS PAIXÕES
Como regra, a História em seus registros formais limita-se aos fatos, quando
muito empreende uma urdidura das possíveis relações de causa e efeito, para
justificar os fatos, mas, na maioria dos casos, não chega a retratar as paixões50
humanas, que com suas virtudes e defeitos são os verdadeiros agentes de ação da
História.
Contudo, neste tema, pode-se contar com os subsídios e testemunhos de um
personagem ímpar, Cícero, com a sua vivência concreta em boa parte do período
considerado o mais crítico para a república, o século I a.C. Mas o Cícero que aqui
será explorado não é o Cícero advogado, nem o político, muito menos o orador.
Pode-se ir além, chamando o testemunho do ser humano Cícero, com as suas
dúvidas e fraquezas, explorando a verdadeira biografia criada por Rodriguez
Pantoja, na introdução geral da obra de Cícero “Discursos”51, e o próprio Cícero,
com as suas “Cartas”52, nas quais revelou detalhes de seus mais íntimos
pensamentos em relação às suas próprias perspectivas, teorias e crenças, e sobre
seus contemporâneos, também com as suas paixões.
A compilação estruturada de alguns trechos de cartas a Ático, mesmo limitada aos
meses iniciais de 49 a.C., relativos ao confronto entre Pompeu e César, possibilitou
um quase completo extrato do pensamento de Cícero. Esses excertos, sem
descontextualizar-se o seu sentido, são reveladores das características de sua
personalidade e conduta, sob o foco que interessa a este trabalho, o das diferenças
entre a teoria e a prática da república romana.
Para tanto, na leitura dessa compilação, não se pode esquecer alguns pressupostos,
tais como: embora pertencente à classe dos cavaleiros, foi um ardoroso participante
50
Neste contexto o termo paixão refere-se às motivações internas que levam o indivíduo à ação,
dentro de uma conceituação especificamente política, com desconsideração da paixão enquanto
sentimento afetivo, amoroso.
51
CÍCERO. Discursos. Trad. José Maria Requejo Prieto. Madrid: Editorial Gredos, 1990.
52
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996.
dos optimates, dignos representantes dos homens dos bons homens; consideravase um denodado defensor da pátria, e, por conseguinte, da própria república, acima
de todos os interesses pessoais dele e dos outros.
Outro aspecto relevante a considerar é que o Cícero dos pensamentos refinados,
eivados da melhor cultura e filosofia de sua época, o Cícero dos discursos
impregnados de uma retórica perfeita, sempre emulando seus ouvintes à decisão,
contrasta fortemente com o Cícero já “afastado” das lides públicas, no exercício de
seu ócio produtivo53, no qual revela, com clareza as suas fraquezas,
principalmente quanto à sua própria auto-determinação, das quais há
numerosos exemplos relativos às alternativas entre unir-se a Pompeu, já em
fuga, ou permanecer na península, aceder aos convites de César e seguidores
ou afastar-se da contenda entre os litigantes.
Outros aspectos relevantes extraídos através dos excertos referem-se a suas
opiniões sobre os personagens envolvidos, incluindo a ele próprio, e eventos com a
sua análise e prospecção, grupados por sua natureza, como a seguir expomos.
Sobre as possibilidades de paz entre Pompeu e Júlio César
(11/03/49 a.C.) - “... [Ático] no pierdes las esperanzas de paz; por mi parte
(...) pienso que ni ellos se van a reunir ni, em caso de hacerlo, Pompeyo va a
acceder a ninguna condición.”54;
(17/03/49 a.C.) - “ ... com su retirada [dos cônsules] se ha disipado la acción de paz
que yo proyectava.”55;
(18/03/49 a.C.) - “… a pesar de todo, me seducía cierta esperanza de que en un
momento dado se llegara a algún acuerdo y no que uno de ellos asumiera tan gran
crimen [César], el outro [Pompeu] tan gran iniquidad.56;
(24/03/49 a.C.) - “... no tengo ninguna esperanza de paz [referindo-se a um emissário
de paz de Pompeu a César].”57.
Sobre seu papel político nos acontecimentos
(12/03/49 a.C.) - “ ... si quien ha prestado grandes servicios a la patria y
precisamente por ello ha sufrido daños irreparables y ódios ha de exponerse
voluntariamente por su pátria o si se le debe permitir que piense em sí mismo y en
los de su casa, dejando las contiendas políticas a quienes detentan el poder ...”58.
53
Mas do qual não se mostra de todo satisfeito, como o faz ver através da afirmação exposta em sua obra Dos
Deveres, Livro I, XLIII: "suponhamos que um sábio se encontra em situação de abundância, gozando
de repouso e ociosidade que lhe permite meditar e considerar tudo o que deseja conhecer: se está
sem ver ninguém, em grande solidão, é preferível terminar sua vida."
54
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. p.
24.
55
Op. Cit. p. 52.
56
Op. Cit. p. 58.
57
Op. Cit. p. 71.
58
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. Op.
Cit. p. 42.
Sobre o que os demais, principalmente os optimates, poderiam pensar a respeito de
sua conduta
(03/03/49 a.C.) - “Es la consideración de mi deber lo que me atormenta y me
há venido atormentando. Más prudente sin duda es quedar-se, pero se considera
más honroso cruzar el mar; a veces prefiero que muchos juzguen imprudente mi
actuación a que unos pocos la juzguen deshonrosa.”59;
(08/03/49 a.C.) - “Hay, pues, que ir, y no ya para acompañarlo [a Pompeu] en la
guerra sino en la huida. Pues no podre soportar las murmuraciones de ésos, sean lo
que sean, que desde luego no son, como se há dado llamarles, hombres de bien.”60;
(11/03/49 a.C.) - “... uma vez salidos de Itália Pompeyo y los cônsules, no estoy
angustiado sino lleno de ardiente dolor (...) tan grande me parece el deshonor que
he cometido ...”61;
(11/03/49 a. C.) - “A my me han fallado hasta ahora estas dos cosas: al principio la
esperanza de um acuerdo (...) luego caí en la cuenta de que Pompeyo emprendía
una guerra cruel y destructora; pense que era mejor, a fe mia, soportar qualquier
tortura como ciudadano y como hombre que instigar su crueldad o hasta participar
em ella. (…) Pero parece que hubiera sido mejor incluso morir que estar com éstos
[os seguidores de César].” 62.
Sobre seu sentimento de lealdade para com Pompeu
(08/03/49 a.C.) - “Y respecto a tu afirmación [de Ático] de que piensas sin
lugar a dudas que Pompeyo está em este momento sumamente enfadado comigo,
no veo motivo para ello, al menos em este momento. (...) Pero si no acudo cuando
pueda, entonces se enemistará comigo.”63;
(18/03/49 a.C.) - “¡Y yo me veo obligado a participar, como aliado y colaborador, en
esa guerra, que es ‘sin tregua’ y contra mis conciudadanos! “64;
(18/03/49 a.C.) - “Me parece que desde el principio he estado sin juicio y me tortura uma sola
cosa: no haber seguido como um simple soldado a Pompeyo, que se deslizaba, o más bién, se
precipitava, a la perdición total.65
(23/03/49 a.C.) - “No me presto ninguna ayuda pudiendo hacerlo [no episódio que culminou
com seu exílio]; pero luego fue mi amigo, incluso mucho, y no se bién por que motivo. (...)
Aún más: ambos compartimos el echo de haber sido engañados por los mismos [os
59
Op. Cit. p. 23.
Op. Cit. p. 33.
61
Op. Cit. p. 39.
62
Op. Cit p. 40.
63
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. p.
32.
64
Op. Cit. p. 59.
65
Op. Cit. p. 56.
60
optimates].” 66;
(02/04/49 a.C.) - “Y por Hércules no hago esto [a pretensão de Cícero em juntar-se a
Pompeu] a causa de la república, que tengo por destruida hasta los cimientos, sino
para que nadie me considere desagradecido com quién me saco de las dificultades
em las que el mismo me habia metido ...”67.
Sobre a sua segurança pessoal, diante da provável vitória de Júlio Cesar
(08/03/49 a.C.) - “Te alegras [Ático] de que yo no esté com Pompeyo y me
haces ver lo vengonzoso que seria encontrarme presente [no Senado] cuando se le
despoje de algo (...) ‘Conseguirás’ dices ‘de César que te dejen al margen y no
hacer nada’. ¿Debo pués suplicar? ¿Que desgracia! ¿Y si no lo consigo?68;
(04/04/49 a.C.) - “Es este ‘extravio’ em que ahora me encuentro lo que se parece a
la muerte, pues o he de ‘participar em la política’ com libertad entre los malos [os
populares] o hasta com peligro junto a los buenos [os optimates]; o he de seguir la
temeridad de los buenos o bien denunciar la insolência de los perversos. Ambas
cosas son peligrosas, mas lo que hago ahora, vergonzoso y encima nada seguro.”69;
(07/04/49 a.C.) - “Cesar me perdona por escrito que no haya hido [ao Senado] y dice
que no se lo toma a mal em absoluto; lo acepto sin dificultad.”70;
(03/05/49 a.C.) - “Asi, según mi opinión, debo marchar a Malta, hasta saber lo
que pasa em Hispania. Y me parece, por cierto, que puedo hacerlo, a tenor de la
carta de César, com su aprobación, pues afirma que nada hay más honroso ni más
seguro para mi que mantenerme apartado de toda contienda.”71;
(06/05/49 a. C.) - “Todo cuanto puede suceder está tan claro, que si lo evito, debo
quedarme sentado com deshonra y dolor; si no le hago caso, corro el peligro de caer
en manos de los depravados [os seguidores de César].”72
Sobre a crítica aos homens bons e aos optimates
(10/03/49 a.C.) - “Y, desde luego, no tengo confianza ninguna em tus [de
Ático] ‘optimates’; ya no les presto la menor atención. Veo como se entregan a éste
[César] y como van a seguir entregandose ...”73;
(07/04/49 a. C.) - “Pues ya no pienso qué dignidad, qué honores, que posición de
66
Op. Cit. p. 68.
Op. Cit. p. 84-85.
68
Op. Cit. p. 31.
69
Op. Cit. p. 88-89.
70
CICERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. p.
91.
71
Op. Cit. p. 109.
72
Op. Cit. p. 118.
73
Op. Cit. p. 36.
67
vida he perdido, sino qué he conseguido, a qué he contribuído, com que reputación
he vivido; em definitiva, qué me diferencia, em médio a los males presentes, de esos
[os optimates] por cuya causa lo perdi todo.”74;
(07/04/49 a.C.) - “Son ellos [os optimates] quienes pensaron que, si no me
expulsaban de la comunidad, no podrían tener licencia para sus ambiciones. Y ya
ves a donde ha alcanzado la lealtad de su alianza y confabulación criminal.”75.
Sobre a sua opinião a respeito de Pompeu, Júlio Cesar, e seus seguidores
(18/03/49 a.C.) - “Lo vi [Pompeu] en 17 de enero lleno de miedo. Ese mismo
dia note qual es su conducta. A partir de haí me há desagradado siempre, y no há
dejado de cometer error trás error. (...) la indignidad de su fuga y su pasividad me
aparta de quererlo.” 76;
(18/03/49 a.C.) - “¡Qué amenazas a los municípios y a las personas buenas, por sus
próprios nombres, y a todos, en fin, quantos se hubieses quedado!, ¡cuán frecuente
aquello de ‘Sula pudo, ¿no voy a poder yo?’ [atribuído a Pompeu]”77;
(20/03/49 a.C.) - “... las conversaciones amenazadoras [dos seguidores de Pompeu], la
enemistad hacia los optimates, la hostilidad hacia los municipios, meras proscripciones, meros
Sulas.”78;
(02/04/49 a.C.) - “Se realizan reclutamientos [por César e seus seguidores]; se les
lleva a los cuarteles de invierno. Esas cosas que incluso cuando son echas por
gente de bién, y en una guerra justa, y con moderación, resultan, no obstante,
desagradables por si mismas, ¿cuan amargas crees que resultan ahora, quando son
realizadas por rufianes, en una abominable guerra civil y con la mayor
petulancia?”79;
(14/04/49 a.C.) - “Uno [César] se consume em delírio y perversidad y no remite
nada, sino que cada dia se agrava más; hace poco lo expulso [Pompeyo] de Itália;
ahora por um lado lo persigue y por outro intenta despojarlo de su província. Y ya
no rehúsa, antes bien reclama de alguma manera que hasta se le llame lo que es,
um tirano.”80;
(14/04/49 a.C.) - “El otro [Pompeu], aquél que a mi, un dia prostrado a sus pies, ni
siquiera me levanto, que decia no poder hacer nada contra la voluntad de este
[César], escapado de las manos y espada de su suegro, prepara la guerra por tierra
y por mar, que en el no és injusta, sino patriótica y hasta necesaria, aunque funesta
para sus conciudadanos si no vence, calamitosa si vence.”81
(14/04/49 a.C.) - “Y si, como tu [Ático] me señalas, llebava razón en aquellos libros
mios al decir que nada es bueno excepto lo honorable, nada malo excepto lo
deshonroso, sin duda los más desgraciados son esos dos [Pompeu e César] que
74
Op. Cit. p.92.
Op. Cit. p.92.
76
Op. Cit. p. 56-57.
77
CÍCERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. p.
57.
78
Op. Cit. p. 63.
79
Op. Cit. p. 84.
80
Op. Cit. p. 92.
81
Op. Cit. p. 92.
75
siempre propusieron ambos a la salvación y dignidad de la pátria a su proprio poder
y sus conveniências particulares.”82;
(02/05/49 a.C.) - “Me equivocó lo que quiza no debió equivocarme, pero lo hizo:
pense que habria paz. De haberse produzido, no queria que César se enojase
conmigo, siendo el al mismo tiempo amigo de Pompeyo; habia percibido, em efecto,
cuán idênticos son.”83.
Sobre suas perspectivas e prospecções a respeito do futuro da república
(13/03/49 a.C.) - “...yo ya no actúo, creeme, en busca de resultados felices,
pues veo que ni con los dos vivos, ni con uno solo, tendremos nunca república.” 84;
(25/03/49 a.C.) - “A mi ahora me preocupa mi encuentro com el [César] (de echo ya
está qui) y por otra parte me horroriza su primera acción. Pues querrá, creo,
elaborar um decreto del senado y outro de los augures (me veré arrastrado, o vejado
si no estoy) com objeto de que um pretor celebre las elecciones consulares o bien
nombre um dictador, nada de lo cual es legal.”85;
(14/04/49 a.C.) - “… pienso que he prestado los mejores servícios a la república
mientras he podido y la república há sido destruída precisamente por la tempestad
que yo prognostiqué hace catorze años [no ano de seu consulado 63 a.C.].”86;
(22/04/49 a.C.) - “La pelea es por reinar; en la cual ha sido expulsado el Rey más
moderado [Pompeu], más honesto y más íntegro, tal que, si no vence, será
necesario borrar el nombre del pueblo romano; pero si vence, su victoria seguirá el
talante y el modelo de la sulana [referindo-se à ditadura].”87;
(02/05/49 a.C.) - “Pues, si vence [César na Hispanya], veo una matanza, y un asalto
a las riquezas de los particulares, y el retorno de los desterrados, y la cancelación de
las deudas, y los cargos de honor para los más corrompidos, y una monarquia
intolerable, no ya para un hombre romano, sino incluso para cualquier persa.”88;
(02/05/49 a.C.) - “En efecto, veo que ése [César] en manera alguna puede
permanecer mucho tiempo sin echar-se abajo por si mismo, incluso estando
nosotros [os optimates] abatidos, (…) en solo seis o siete dias, vino a caer en el ódio
mas enconado de aquella multitud menesterosa y criminal, al dejar tan rapidamente
de fingir dos cosas: la clemencia em el caso de Metelo y los dineros [tomados por
Cesar] en el erário.” 89;
(02/05/49 a.C.) - “Es inevitable que ése [César] se venga abajo por culpa de sus adversários o
por la suya própria, pués el mismo es su más cruel adversário.”90.
3.6 AS REVELAÇÕES DE CÍCERO
82
Op. Cit. p. 92-93.
CÍCERO. "Cartas". Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. p.
103.
84
Op. Cit. p. 43.
85
Op. Cit. p. 75.
86
Op. Cit. p. 93.
87
Op. Cit. p. 100.
88
Op. Cit. p. 102.
89
CICERO. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial Gredos, 1996. p.
103-104.
90
Op. Cit. p. 105.
83
O pequeno elenco de excertos selecionados das epístolas de Cícero a Ático,
mesmo desconsiderando-se as suas vacilações, e inseguranças íntimas, são
contundentes ao revelar as diferenças entre a sua idealizada optima republica e as
realidades vividas em meados do sécúlo I a.C. Perante essas realidades não eram
identificadas as virtudes essenciais ao espírito da república, previstas por Cícero em
todos os seus níveis, menos ainda em relação a Pompeu e a César.
Os magistrados virtuosos e denodados na defesa dos interesses maiores da
república tinham-se tornado coisas do passado.
Os homens bons, mesmo que assim ainda classificados, e integrando o
Senado, estavam absortos nas tratativas de seus interesses particulares, sem
escrupulos no uso da adulação, das alianças espúrias ou da corrupção, para obter
seus interesses particulares.
Os militares, profissionalizados ou mercenários, eram desprovidos de qualquer
vínculo com a patria, apenas afetos aos comandantes que melhor lhes remunerasse
e propriciasse vantagens.
Seus generais sequiosos de vitória e glória, continuam obtendo novos territórios,
mas tendo por finalidade última a obtenção de riquezas e poder pessoal.
Os deuses invocados por Cícero em diversas frases soam como meras
exclamações de cunho retórico, ainda resistem mas sem a força de outrora.
A lei, originalmente diretriz maior da conduta das pessoas, tinha-se tornado
aplicável, ao longo do tempo, apenas aos desafetos, aos derrotados ou inferiores,
além de vilipendiada pela ousadia dos vencedores. A supremacia da lei nessa
república nada mais era do que aparência.
Mesmo não constando dos excertos selecionados, em outras partes das suas
epístolas, Cícero mostra que os bons costumes e as tradições, tanto na aristocracia
quanto no povo, a exemplo desta, depravaram-se por força da riqueza que o
expansionismo trouxe para Roma e que possibilitou a ostentação dos ricos e o
parasitismo do Estado, pelos cidadãos menos afortunados.
Diante desse quadro contrastante com a idealização de Cícero cabe a pergunta:
Como a república, enquanto modalidade de governo se sustentou?
A resposta a esta questão está contida na própria teorização91 de Cícero quando
afirma: “em nuestra ley se dan las apariencias de libertad, a la vez em que se mantiene la
autoridad de los mejores y se elimina la causa de la discordia.”
A república, como ente imaterial idealizado, se concretiza através das instituições e
atitudes de seus integrantes. Ao admitir-se que seus efeitos concretos atendem,
principalmente aos detentores do poder, “los mejores”, mesmo com as imperfeições
teóricas, desde que não haja discórdia, sobreviveria. Nesse sentido, a opulência
ostentada pelas famílias importantes, as tradicionais, não justificaria qualquer
alteração no status quo, mesmo que representassem uma ínfima parte de sua
população, já que os não nobres estariam coagidos, sob o império da lei específica a
91
CÍCERO. Las Leyes. Trad. Álvaros D’Ors. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1953. p. 235.
eles atribuída.
O grande risco para a república, como Cícero vaticinou em 63 a.C, seria a ausência
de concórdia entre os melhores. E esta já se havia implantado mediante os
confrontos entre optimates e populares, na segunda metade do século II a.C., com
as intervenções fracassadas dos irmãos Graco, em benefício da população menos
afortunada.
Também, não é por outra razão mais profunda a porfia entre o optimate Sula e o
popular Mário. O que está em questão é a supremacia dos melhores. Vencido Mário
e depurado sangrentamente o Senado de seus adeptos, voltou-se à “normalidade”
do governo dos melhores.
Mas a avidez pelo poder já havia lançado as suas raizes sobre a sociedade, como a
conjuração catilina evocou. E Pompeu e César nada mais foram do que o fruto de
sua época, perante um Senado incapaz de opor-se à sua audácia e aventureirismo,
como o “primeiro” triunvirato o havia caracterizado, totalmente ao arrepio da lei, e
com a omissão ou a conivência do Senado.
Houve nessa época três senhores da república, o Senado permaneceu, e para o
povo tudo continuou igual, ou melhor, já que incrementaram-se as benesses dos
interessados, na busca de seu apoio.
As mortes de Crasso, e de Júlia, apenas precipitaram um litígio latente pela
liderança absoluta entre Pompeu e César. Pompeu um plebeu respeitado pelo
Senado pelas suas vitórias, mas desprezado pela sua origem, chamado a defender
uma causa que não era a sua, também ambicionava o poder absoluto. César um
nobre, de grandes qualidade bélicas, que optou pelos populares como meio de
alavancar seu prestígio, em sua sede de poder absolute, de dominar o mundo,
assim como Alexandre.
Cesar, apoiado em seu poderio militar, pôs em fuga a Pompeu, e mandou chamar os
temerosos senadores, inclusive Cícero, para fazer-se designar dictator perpétuo.
César, menos ideológico que seu antecessor Sula, poucos expurgos promoveu,
comparativamente, mas ampliou a número de senadores para 900, ampliando seus
aliados no conselho da República, que apesar de todas as afrontas a seus princípios
permaneceu existindo como instituição.
Encerrada a caça aos seguidores de Pompeu, em 46 a.C., César procedeu a
reformas que em nada modificaram o essencial, o governo da aristocracia, da qual
ele não só fazia parte como passou a ser o seu mais digno representante. Não
haveria, pois, interesse em mudar-se a forma tradicional de governo, a república,
com seus quase cinco séculos de existência, se alcançavam-se os objetivos dos
dominantes por outros meios.
O assassinato de César, pelos 14 liberatores pode ser interpretado como um
desvario de nostálgica ideológia, com a expectativa de seus participantes de obter o
reconhecimento, e prestígio, por ter livrado a república de um tirano. Assim Cícero
também o havia considerado, mas Cesar era venerado pelas classes populares, e
que contra esses desvairados mostraram seu repúdio e indignação, nos seus
funerais.
O segundo triunvirativo, com sua prorrogação e desenlace, pode ser entendido
quase como uma repetição do primeiro, com a primordial diferença de sua
legalidade, posto que, desta vez, formalizado pelo Senado.
Com a morte de Marco Antônio, Augusto, senhor inconteste do poderio bélico, e sem
adversários politicos ou militares em Roma, era a única personalidade em evidência.
A continuidade da sua governanca, ainda sob a égide institucional da república é
facilmente compreensível, mas traz de volta as questões iniciais deste trabalho:
Como e porque o Senado romano permitiu a transformação da república em
império?
Uma olhada mais profunda a esse periodo traz luz a alguns fatos que podem ser a
resposta a essas questões. O primeiro deles é que Otavio desde o início do
triunvirato obteve como território partilhado o Ocidente, que não por casualidade
comportava Roma e suas províncias mais próximas, onde boa parte dos senadores
tinha seus interesses econômicos maiores. O segundo diz respeito ao tempo de
convívio não só da população, mas principalmente do Senado e as demais
magistraturas, com Otávio à sua volta. Foram 12 longos anos, durante os quais ele
teve a enorme oportunidade de formalizar, e sedimentar, suas alianças com a
aristocracia dominante. O terceiro corresponde a uma eficaz estratégia de
humildade, através da qual Otávio colocou-se como mais um entre seus pares,
embora fosse o primeiro, somente acedendo à vontade de seus pares para tornar-se
Imperator. Ainda que em momento algum Otávio tenha afrontado abertamente os
ditames constitucionais da república, nem as prerrogativas do Senado, e da classe
dominante, o povo também estava a seu lado.
Mesmo como imperador, já Augusto, as reformas que promoveu não atingiram
demasiadamente os interesses senatoriais, o que dentre outras razões de cunho
pessoal, pois foi um excelente governante, facilitou a sua Pax Romana, ou se quiserse melhor traduzir a expressão, a lúcida aplicação prática da concórdia. Isto
permitiu-lhe governar por um extenso período, até à sua morte, e escolher o seu
successor, iniciando na prática uma dinastia, sem jamais ter ab-rogado a república,
que, na aparência, persistiu com todas as suas instituições.
Possivelmente não o fez por isto ser desnecessário em seus efeitos práticos. Já
detentor do poder de fato, bajulado pelo Senado, com o suporte de seus exércitos, e
o apoio da população, continuava sendo um representante da classe dominante. E
esta não tinha do que se queixar, a expansão ainda continuava, ainda que em
menor escala, e Roma tinha atingido um poder, territórios, e, principalmente, uma
estabilidade política sem precedentes.
Qualificar diferentemente o novo regime nada agregaria em termos de poder,
enquanto a aparência da continuidade sob a república era um facilitador da
continuidade das tradições.
4 CONCLUSÕES
No desenvolvimento desta pesquisa, seu objetivo, buscar as respostas às
questões: Como e porque o Senado romano permitiu a transformação da república
em imperio revelou-se, até certo ponto, enganador na sua formulação. Pelo menos
em relação à percepção inicial na qual, o termo Senado estava revestido de uma
aura extraordinária, ungido de um poder incomparável, decorrente da força da lei,
exercendo a preponderância das decisões maiores do Estado, a quem todas as
magistraturas, e todos os governados dentro e fora de Roma, se submeteriam.
O engano, como aqui se denomina, foi a consideração da permanência
estática, ao longo do tempo, da correlação de forças entre seres humanos falíveis.
Ou, pelo contrário, o continuo incremento de poder do Senado, a considerar-se sua
incipiente origem, com a formação de Roma e a amplitude dos domínios territoriais
que disporia sete séculos depois.
Como diversos historiadores o demonstram, numa escala relativa, o ápice do
poderio do Senado romano teria sido atingido entre os séculos III e II a.C., onde, de
forma clara, as determinações do Senado eram sem dúvida concretizadas, e sua
participação, inclusive ativa nos campos de batalha eram fatos corriqueiros.
A analise realizada ao longo deste texto, também demonstra que no século I
a.C, o epicentro de nosso questionamento, o poder inconteste do Senado já não era
tão real. Além do alheamento por interesses particulares dos senadores, também já
lhe faltava a imaginada concórdia teórica entre seus participantes, divididos entre os
optimates e populares, com integrantes da nobreza cortejando o apoio popular, e os
cavaleiros alternando seu apoio, ora a uns ora a outros.
Por outro lado, outra instituição não prevista na construção teórica, o exército,
passou a desempenhar um papel politico totalmente desconhecido nos séculos
anteriores, com as suas lideranças voltadas, crescentemente, para as suas
pretensões individuais de poder, mais do que o honor e a gloria, almejada pelos
seus precedentes. Mais ainda, a continuada ampliação do limes em função do
expansionismo, para a sua defesa e dos interesses senatorias aplicados
externamente, exigiu não só quantidades maiores mas lideranças efetivas em
termos bélicos, que com isso conseguiriam não só sua riqueza quanto projeção, em
todas as camadas sociais.
Estas explicações, desvanecem um pouco a importância do Senado enquanto
poder, como havia sido imaginado inicialmente. Mas ainda continuava sendo
importante, pois se não mantinha o mesmo poder efetivo dos séculos precedentes,
ainda continuava congregando a essência da oligarquia dirigente, cujos poderes se
expargiam muito mais além do que o mero recinto do Senado, através de suas gens,
com suas associações e alianças.
Uma outra consideração, ainda em relação ao título, diz respeito ao carater
imaterial inerente à ideologia indutora de qualquer forma de governo. Um dado
modelo de governo somente se materializa através de suas instituições, as quais,
como tivemos oportunidade de analisar, não foram ab-rogadas, com o advento do
império, diferentemente da monarquia.
Otávio Augusto efetuou a dita transformação da república em imperio sem
tolher, em termos teóricos, as prerrogativas do Senado, nem de outras instituições
basilares como os comícios, ou as magistraturas de todos os níveis, inclusive os
consulados. Mesmo o exército não teve a sua institucionalização de fato sob a
egide de Otávio. Já lhe era precedente. Em relação aos costumes, Otávio também
foi um veemente crítico das mudanças, propugnando pelo retorno às suas origens.
A busca às origens de Roma demonstrou a existência de um Senado na monarquia, composto
pelos homens bons, como Conselho de Governo, mas com o soberano detendo o poder
decisório final. Por outro lado, há duvidas quanto ao episódio da deposição de Tarquínio, o
Soberbo, se esta seria uma atitude compartilhada, e apoiada, pela população, ou teria sido
apenas uma situação promovida pela aristocracia existente à época.
Esta referência torna-se necessária, e é importante, porque a plebe, ao final do
século I a.C. daria preferência à individualidade de comando, com quem mais se
identificaria, do que com os executores temporários, os consules. Essa afirmação é
totalmente compreensível se considerer-se o tempo de submissão correspondente
às ditaduras silana e de César, os triunviratos, e a sua proximidade temporal em
relação à dita transformação.
Alinhavadas estas idéias poderia-se advogar a tese da inércia senatorial para
responder para a questão: Como o Senado consentiu na transformação da república
em império. Contudo, parece mais do que comprovado que ocorreram sim ações
para seu acolhimento, como se evidenciou pela continuada concessão de títulos e
honrarias e a proposta de deificação de Otávio, se foi inerte para tolher a sua
ascensão, não o foi ao aceitar a sua liderança, estimulou-a, mesmo que a
considerasse inexorável.
Quanto ao porque o Senado assim se comportou, mesmo sem considerer-se o
expressivo argumento dos exércitos, totalmente fiéis a Otávio, há de considerar-se
como fundamental a sua estratégia, mediante a qual ele se apresenta como um dos
pares dos senadores, e que somente após insistências destes acede a ser seu
princpes. O que parece estar claro com essas atitudes, de parte a parte, é a
expectativa de um continuismo da aristocracia dominante, que pouco se viu afetada
em seus interesses pessoais nos anos precedentes da governanca de Otávio como
triúnviro.
Mais do que isso, a concessão de título de Imperator, concretamente deu-lhe
adicionalmente apenas o poder de indicar o seu successor, visto que a vitaliciedade
já lhe tinha sido concedida. Por um lado uma demonstração de confiança em
Otávio, de sua prudência, pelo outro a certeza da continuidade de que a aristocracia
permaneceria no poder, através de um de seus integrantes, assim como Otavio o
era.
E a ideologia, como ficou? Ora, a república de longa data, pelo menos a partir da
ditadura de Sila, já não mais era do que um arremedo de seu modelo teórico,
fundado no imperio das leis. Praticamente durante todo o século I a.C, a república
esteve mantida apenas com a aparência de uma forma estável de governo, tantas
foram as afrontas que contra ela haviam sido cometidas.
Por essas razões é compreensível a desnecessidade de um rompimento abrupto,
formal. O poder já esteve concentrado nas mãos de lideranças individuais, com
maior ou menor aceitabilidade no seio da aristocracia, mas sempre nas mãos de um
deles.
Explicado o como e o porquê da transformação, caberia ainda uma explicação
quanto à causa ou causas. A pretensão de buscar-se uma causa única remete,
evidentemente, mediante a análise efetuada, ao expansionismo. Se pretender-se o
seu detalhamento, como constatou-se no capítulo precedente, são todas derivadas
do expansionismo. Pode-se agrupá-las em diversas classificações: econômicas,
sociais, culturais, políticas, militares, jurídicas, etc, com suas interações recíprocas,
mas de mesma raiz, o expansionismo.
Uma extrema sintese permite a afirmação de que as causas da transformação da
república em império nada mais são que o resultado do expansionismo associado ao
complexo processo evolutivo dessa sociedade, com suas virtudes e fraquezas,
inerentes à natureza humana, ainda mais em contato com as culturas dos
“bárbaros”. Também é possível afirmar-se que na maior parte do séc. I a.C. a
república romana manteve-se apenas na aparência, pois já afastada de seus
princípios teóricos fundamentais, visto que as lideranças individuais, mesmo que
parcialmente compartilhando a gestão da totalidade, não mais tiveram a submissão
ao Senado que seus princípios originais, ou teóricos de Cícero, exigiam, mas este
era incapaz de impor pela deterioração moral e desfocamento de seus integrantes,
em prol de seus interesses particulares.
REFERÊNCIAS
AIMARD, André ; AUBOYER, Jeannine. História geral das civilizações. Tomo II
Roma e seu império. Vol. 1o. O Ocidente e a formação da unidade mediterrânica.
Trad. Pedro Moacyr Campos. 4a ed. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1974, p.
89-247.
CÍCERO. Las Leyes. Trad. Álvaros D’Ors. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos,
1953.
______. Discursos. Trad. José Maria Requejo Prieto. Madrid: Editorial Gredos,
1990.
______. Sobre la República. Trad. Álvaro D'Ors. 1ª Reimpressão. Madrid: Editorial
Gredos, 1991.
______. Cartas. Trad. Miguel Rodriguez-Pantoja Márquez. 2v. Madrid: Editorial
Gredos, 1996.
FUSTEL DE COULANGES, Numa-Denys. “A cidade antiga”. Trad. Frederico O. P.
de Barros. São Paulo: Editora das Américas, 1961.
PEREIRA, Maria Helena da R. Cícero. In: Estudos de história da cultura clássica.
v. II Cultura Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 111 – 167.
______. Idéias morais e políticas dos romanos. In: Estudos de história da cultura
clássica. v. II Cultura Romana. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p.
317 – 421.
ROLDÁN, José Manuel. História de Roma. v. I. La república romana. 4. ed. Madrid:
CÁTEDRA, 1995.
OUTRAS OBRAS CONSULTADAS
BRAVO, Gonzalo. Historia del mundo antiguo: Una introducción crítica. Madrid:
Alianza Editorial, 1995. p. 498 – 501.
GABBA, Emilio. Las ciudades itálicas del siglo I A.C. y la política. In: Sociedad y
política en la Roma republicana (siglos III-Ia.C.). Pisa: Pacini Editore, 2000, p. 95
–104.
______. Riqueza y clase dirigente romana entre los siglos III y I a.C. In: Sociedad y
política en la Roma republicana (siglos III – I a.C.). Pisa: Pacini Editore, 2000, p.
179 – 193.
______. El consenso popular a la política expansionista romana (siglos II – II a .C.)".
In: Sociedad y política en la Roma republicana (siglos III – I a.C.). Pisa: Pacini
Editore, 2000, p. 235 – 245.
______. Miscelánea triunviral. In: Sociedad y política en la Roma republicana
(siglos III – I a.C.). Pisa: Pacini Editore, 2000, p. 289 – 295.
GARCIA, Estela. Características constitucionales del município latino. In: Gerión. v.
16. Madrid: Universidad Complutense, 1988, p. 209 – 222.
LAFFI, Umberto. Poderes triunvirales y órganos republicanos. In: Sociedad y
política en la Roma republicana (siglos III - I a .C.). Pisa: Pacini Editore, 2000, p.
297 – 318.
NICOLET, Claude. El ciudadano y el político. In: El hombre romano. (Org.Andrea
Giardina). Madrid: Aliança Editorial, 1991, p. 29 – 68.
SCHIAVONE, Aldo. El jurista. In: El hombre romano. (Org.Andrea Giardina).
Madrid: Alianza Editorial, 1991. p. 103 –120.
SUETÔNIO. A vida dos doze Césares. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Ed. Martin
Claret, 2004.
Download