A natureza química do material genético

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
COLÉGIO DE APLICAÇÃO
Departamento de Ciências Exatas e da Natureza
Disciplina: Biologia
Professora: Lauren Valentim
A natureza química do material genético
A natureza química do material genético começou a ser descoberta a partir de 1869, quando o
jovem cientista Friedrich Miescher (1844-1895) isolou, a partir do núcleo de células, moléculas grandes
que denominou nucleínas. Desde então, outros cientistas confirmaram que as nucleínas tinham
natureza ácida e passaram a chamá -las ácidos nucleicos. No início do século 20 foram identificados dois
tipos de ácido nucleico: o ácido desoxirribonucleico (DNA) e o ácido ribonucleico (RNA). Em 1944, o
DNA foi reconhecido por Oswald Avery (1877-1955), Colin Munro MacLeod (1909-1972) e Maclyn
McCarty (1911-2005) como sendo o material genético.
A estrutura da molécula de DNA foi descrita, em 1953, por James
Watson (1928-) e Francis Crick (1916- 2004), o que lhes valeu o prêmio
Nobel de Medicina e Fisiologia em 1962. Segundo esses autores, a
molécula de DNAé helicoidal, em forma de dupla hélice, apresentando duas
fitas enroladas ao longo de um eixo. Cada fita é composta por uma
sequência linear de nucleotídeos, cuja estrutura já era conhecida. Cada
nucleotídeo do DNA corresponde a uma molécula do açúcar desoxirribose,
uma molécula de fosfato e de uma base nitrogenada, que pode uma
purina ou uma pirimidina. As bases púricas são adenina (A)e guanina (G), e
as pirimídicas são citosina (C) e timina (T).
Watson e Crick propuseram que as duas hélices dispõem-se de modo complementar entre si,
havendo ligações de hidrogênio entre uma purina de uma hélice e uma pirimidina da outra hélice: A
liga-se a T e G liga-se a C. Nesse emparelhamento, surge a estrutura helicoidal do DNA: a estrutura em
dupla hélice. Para entender melhor a estrutura em dupla hélice, vamos analisar como cada cadeia da
molécula de DNA está estruturada. A cadeia apresenta os nucleotídeos dispostos linearmente, e a
ordem em que eles aparecem pode variar. Uma molécula de DNA difere de outra pelo número e pela
ordem em que os nucleotídeos se dispõem. A desoxirribose é uma pentose, isto é, um carboidrato
formado por cinco carbonos, que são denominados l’, 2', 3', 4', 5'. Ao carbono l’liga- -se a base
nitrogenada e ao carbono 5', liga-se o grupo fosfato. Na formação da cadeia polinucleotídica, o grupo
fosfato ligado ao carbono 5'da desoxirribose de um nucleotídeo une-se ao carbono 3' da desoxirribose
do outro nucleotídeo.
Veja na figura a seguir as representações que usaremos para os componentes dos nucleotídeos do DNA:
desoxirribose, fosfato e bases nitrogenadas.
A
sequência
linear de nucleotídeos em cada cadeia do DNA corresponde à estrutura primária dessa molécula. Em
função do modo como os nucleotídeos se unem ao longo da cadeia, estabelece-se uma polaridade, em
que uma extremidade é chamada 5' e a outra 3'. Observe as representações esquemáticas dos
nucleotídeos do DNA e da formação de uma fita de DNA a partir da união de nucleotídeos.
Na estrutura secundária, forma-se
a configuração tridimensional em dupla
hélice. As duas cadeias complementares
de polinucleotídeos são unidas por
ligações de hidrogênio que se formam
entre as bases nitrogenadas e essas
cadeias apresentam-se invertidas entre si.
Isso significa que, se uma cadeia tem
extremidade livre 3' a outra cadeia nesse
local tem extremidade 5', como
esquematizado nas figuras.
O que são e como atuam os genes?
Os genes são simplesmente partes do DNA. Não qualquer parte, mas uma parte específica: genes são
partes de DNA capazes de dar origem a um RNA mensageiro e, consequentemente, a uma proteína ou
um polipeptídeo. A atuação do gene está, portanto, relacionada com a síntese de uma proteína ou de
um polipeptídeo. Mas, como isso acontece? Será que o gene sintetiza diretamente a proteína? Para
responder a essa pergunta, um longo caminho foi percorrido, passando pela descoberta da estrutura da
molécula de DNA, já comentada. Antigamente pensava-se que os genes comandavam diretamente a
síntese de proteínas no interior do núcleo. Hoje se sabe que cada gene corresponde à menor porção do
DNA capaz de produzir um efeito que pode ser detectado no organismo. O gene não comanda
diretamente a síntese de polipeptídeos, mas é transcrito em moléculas de outro tipo de ácido nucleico,
o RNA. Nesse processo de transcrição, as fitas da molécula de DNA são separadas por ação da enzima
RNA polimerase e, nesse trecho aberto, essa enzima promove o emparelhamento dos nucleotídeos do
RNA. Completado o processo, o RNA se solta ao mesmo tempo em que a molécula de DNA se refaz.
Portanto:
GENE: -menor porção do DNA capaz de produzir um efeito que pode ser detectado no organismo.
- região do DNA que pode ser transcrita em moléculas de RNA.
Síntese de RNA:transcrição
O RNAé sintetizado por um processo denominado transcrição: o trecho da molécula de DNA
onde está localizado um gene a ser transcrito abre-se, e nesse ponto inicia-se o emparelhamento de
nucleotídeos do RNA por ação da enzima RNA-polimerase. Completado o emparelhamento, o RNA se
solta. Os nucleotídeos do RNA apresentam os mesmos constituintes básicos do DNA, diferindo apenas
quanto ao açúcar, que no caso é a ribose, e quanto a uma das bases nitrogenadas: no RNA aparece
uracila (U) em vez de timina (T).
Na formação do RNA, o emparelhamento de nucleotídeos também ocorre de forma definida,
pois as bases nitrogenadas são complementares. Assim, se um trecho do DNA tiver a sequência ATCG, o
RNA que se formará terá a sequência UAGC. A transcrição do RNA ocorre sempre no sentido 5' - 3' e tem
polaridade inversa à da cadeia de DNA que está sendo usada como molde. Ao
contrário do DNA, que é uma dupla hélice, as moléculas de RNA são formadas por
apenas uma cadeia polinucleotídica. Em certos casos, porém, essa cadeia pode se
dobrar, formando regiões da molécula em que uma parte da cadeia se emparelha
com a outra. Na maioria dos organismos, cada gene é transcrito a partir de uma
única cadeia molde de DNA, mas isso não significa que só uma das cadeias do DNA
seja transcrita e a outra não. Alguns genes têm como molde uma cadeia do DNA,
enquanto outros têm como molde a outra cadeia.
Todos os tipos de RNA nas células são formados por esse processo de transcrição.
Os principais tipos de RNA são:
• RNA ribossômico (RNAr) - ocorre associado a proteínas, formando os ribossomos;
• RNAmensageiro (RNAm)-leva a informação dos genes para a produção de
polipeptídeo no citoplasma;
• RNAtransportador (RNAt)- é o menor RNA da célula; leva os aminoácidos até os ribossomos no
momento da síntese de proteínas.
O RNAm contém a informação para a síntese do polipeptídeo e comanda a síntese da proteína, processo
que recebe o nome de tradução. Desse processo participam os demais tipos de RNA mencionados,
como analisaremos ainda neste capítulo.
Os três mecanismos básicos - duplicação do DNA, transcrição do DNA em RNA e a tradução do
RNAm em proteínas - ocorrem em todos os seres vivos. A sequência que marca o início do gene recebe
o nome de região promotora, e a que marca o final é chamada sequência de término da transcrição.
Desse processo de transcrição participa a enzima polimerase do RNA (ou RNA polimerase), que se une
ao DNA na região promotora do gene. Essa enzima abre a molécula de DNA e desloca-se sobre ela
orientando o emparelhamento dos nucleotídeos do RNA de forma complementar aos nucleotídeos do
DNA. Quando a polimerase do RNA chega até a sequência de término da transcrição, ela se solta do DNA
finalizando a transcrição e liberando o RNA. Apenas uma das cadeias do DNA é transcrita.
Sabe-se hoje que na molécula de DNA que forma cada um dos cromossomos, um gene é
separado do outro por extensas regiões do DNA que não são transcritas em moléculas de RNA. Essas
sequências espaçadoras do DNA não ocorrem ou são raras nos procariontes. Já nos eucariontes, chegam
a corresponder a cerca de 97% de todo o DNA. Assim, apenas uma pequena parte do DNA dos
cromossomos dos eucariontes é formada por genes. O DNA não codificante era
chamado DNA-lixo, pois aparentemente não tinha função. Embora ainda não se saiba
exatamente a função de alguns trechos desse DNA, hoje sabe-se que o DNA não
codificante:
• participa da estruturação dos cromossomos;
• pode apresentar alguns trechos correspondentes a genes que, ao longo da evolução
de uma espécie, deixaram de ter função; assim, desempenharam papel importante na
evolução;
• forma o centrômero, estrutura fundamental na correta distribuição dos
cromossomos na divisão celular.
O código genético
Cada polipeptídeo é formado por uma sequência específica de aminoácidos
determinada pelo RNAm maduro. Sabe-se que existem vinte tipos
diferentes de aminoácido e que cada RNAm maduro é formado por uma
sequência de bases nitrogenadas. Como será que os quatro tipos de bases
nitrogenadas conseguem codificar vinte tipos diferentes de aminoácido? Se
considerarmos que cada base codifica um aminoácido, então só poderiam
existir quatro aminoácidos, mas existem vinte. Propôs-se, então, que as
bases nitrogenadas formariam uma linguagem em código e que cada
código corresponderia a um aminoácido. Surgiu, assim, a expressão código
genético.
Inicialmente supôs-se que cada código seria formado pela combinação de
duas bases nitrogenadas. Entretanto, quando se faz o cálculo do número
total de combinações possíveis entre as quatro bases nitrogenadas em
grupos de dois, verifica-se que esse número é 16, menor do que o número
total de aminoácidos. Desse modo, o código genético não poderia ser
formado por pares de bases nitrogenadas. Após várias experimentações,
chegou-se à conclusão de que os aminoácidos são codificados por trincas
de bases nitrogenadas: é o código de trincas ou de tríades. Cada trinca
forma um códon. A combinação das quatro bases nitrogenadas em grupos
de três dá um total de 64 códons. Esse número é muito maior do que o
número total de aminoácidos. Entretanto, provou-se experimentalmente
que um mesmo aminoácido pode ser codificado por mais de uma trinca,
havendo, assim, trincas sinônimas. Pelo fato de um aminoácido poder ser
codificado por mais de uma trinca, o código genético é dito degenerado. Além disso, existem três trincas
que não codificam aminoácidos, mas determinam o fim do polipeptídeo.
Síntese de proteínas: tradução
O processo de síntese de proteínas denomina-se tradução e dele participam três tipos de RNA:
• RNA ribossômico (RNAr): compõe, juntamente com proteínas, os ribossomos.
• RNAtransportador (RNAt):é o menor RNA da célula. Em uma das extremidades livres de sua molécula
há sempre a sequência ACC de bases nitrogenadas, onde ocorre a associação do RNAt com o
aminoácido. Em outra região da molécula há uma sequência de três bases denominada anticódon, que
reconhece o códon no RNAm. Para cada aminoácido há um anticódon correspondente. Isso determina a
posição do aminoácido na proteína.
• RNA mensageiro (RNAm): após a transcrição e maturação no núcleo, o RNAm leva a informação do
DNA dos cromossomos para a produção do polipeptídeo no citoplasma; no RNAm estão os códons que
vão determinar a sequência de aminoácidos na proteína.
Toda molécula de RNAm dos eucariontes possui:
- um códon de iniciação, que é sempre o mesmo (AUG),correspondente ao aminoácido
metionina;
- vários códons que determinam a sequência dos aminoácidos no polipeptídeo;
- um códon de terminação, que marca o final daquela cadeia polipeptídica, podendo ser UAG,
UAA ou UGA; só há um deles na molécula de RNAm.
A tradução ocorre em três etapas sucessivas: iniciação, alongamento e terminação. Na etapa de
iniciação a porção menor do ribossomo associa-se ao RNAt da metionina e juntos passam a percorrer a
molécula de RNAm até encontrarem o códon de iniciação: AUG. Quando o encontram, a subunidade
maior do ribossomo une-se à subunidade menor.
No ribossomo existem dois sítios principais:
• sítio A, onde ocorre a entrada do aminoácido;
• sítio P, onde fica o polipeptídeo em formação.
O RNAt da metionina fica associado ao sítio P do ribossomo, e o sítio A nesse momento
permanece vazio. Portanto, a metionina é o primeiro aminoácido da cadeia polipeptídica.
Tem início agora a etapa de alongamento. Um RNAt do aminoácido que corresponde ao códon seguinte
do RNAm encaixa-se no sítio A. Uma ligação peptídica é estabelecida entre os dois aminoácidos e o RNAt
da metionina é liberado. O ribossomo desloca-se no RNAm e os dois aminoácidos unidos passam a
ocupar o sítio P, deixando o sítio A vazio. A seguir, outro RNAt, com um terceiro aminoácido que seja
reconhecido pelo terceiro códon do RNAm, entra no sítio A e ocorre a formação de outra ligação
peptídica entre o segundo e o terceiro aminoácidos. O RNAt do segundo aminoácido é liberado e o
ribossomo se desloca até o próximo códon. A cadeia formada por três aminoácidos passa a ocupar o
sítio P, deixando novamente o sítio A vazio. Essa sequência de eventos se repete e o polipeptídeo vai
sendo formado.
Na fase de terminação, o sítio A é ocupado por proteínas citoplasmáticas que se ligam
diretamente ao códon de terminação do RNAm, cessando a síntese daquela molécula de polipeptídeo.
Ela é liberada do ribossomo, as subunidades maior e menor do ribossomo dissociam-se e o RNAm fica
livre no citoplasma.
A metionina do início da cadeia pode ser removida ou fazer parte do polipeptídeo. A síntese
completa de uma proteína leva de 20 a 60 segundos, e o mesmo RNAm pode ser traduzido por vários
ribossomos, que mantêm uma distância entre si de aproximadamente 80 nucleotídeos. Vários
ribossomos unidos ao
RNAm são chamados polissomos. Após a tradução, as proteínas podem sofrer modificações, que são
chamadas modificações pós-traducionais. Existem vários tipos dessas modificações. Há casos em que:
alguns aminoácidos são removidos ou modificados; os polipeptídeos associam-se a carboidratos e
tornam-se ativos; há dobramentos espontâneos da proteína, originando a estrutura secundária ou
terciária.
Entre as proteínas que fazem dobramentos existem as que só o fazem sob a ação de certas moléculas
auxiliares chamadas chaperonas.
Duplicação do DNA (replicação)
.
Antes do início da divisão celular, cada molécula do DNA do núcleo sofre
duplicação resultando em duas novas moléculas idênticas à que lhes deu origem.
Isso garante que as células resultantes da divisão possam receber material genético
idêntico ao da célula inicial. A duplicação do DNA é chamada semiconservativa, pois
cada DNA recém-formado tem uma das cadeias de polinucleotídeos da moléculamãe, como mostra a figura ao lado.
Para que ocorra a duplicação semiconservativa do DNA, as cadeias se
desenrolam e a dupla hélice se abre pela ação de enzimas chamadas helicases. À
medida em que o DNA sofre desespiralização, enzimas chamadas DNA- polimerases
catalisam a síntese da cadeia nova tomando a cadeia-mãe como molde. Essas
enzimas adicionam nucleotídeos complementares somente no sentido 5' -+ 3'. Como
as cadeias do DNA são invertidas, a síntese em uma cadeia acontece em um sentido
e, na outra, acontece em sentido oposto, como esquematizado a seguir.
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