Artigo 14

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Relato de Caso
Insuficiência respiratória aguda provocada por laringocele
Acute airway distress caused by giant laryngocele
Luiz Carlos Conti-Freitas1
Claudio Stapassoli Filho2
Daniel Silva Lucas3
Francisco Veríssimo de Mello-Filho4
Hilton Marcos Alves Ricz4
Rui Celso Martins Mamede5
RESUMO
ABSTRACT
A laringocele consiste em herniação da parede anterior do sáculo
laríngeo. Essa formação habitualmente não causa sintomas, no
entanto, disfagia e dispnéia podem surgir, principalmente quando
volumosas. Apresentamos um caso de laringocele associado à
dispnéia súbita, que necessitou de traqueostomia de urgência. O
diagnóstico foi confirmado através da vídeo-laringoscopia e da
tomografia computadorizada e o paciente foi submetido à
ressecção cirúrgica, evoluindo sem seqüelas funcionais.
Laryngocele consists of herniation from the anterior wall of
laryngeal saeccule. This disease habitually does not cause
symptoms. However, dysphagia and dyspnea can appear, mainly
when it is voluminous. We present a case of laryngocele associated
to sudden dyspnea that needed urgent tracheotomy. The diagnosis
was confirmed with videolaryngoscopy and computed tomography.
The patient underwent surgical resection, and he did not present
functional sequels.
Descritores: laringocele; insuficiência respiratória; dispnéia.
Key words: laryngocele; airway obstruction; dyspnea.
INTRODUÇÃO
RELATO DO CASO
A laringocele, uma dilatação anormal da região anterior do
sáculo laríngeo, lateralmente ao pecíolo da epiglote, apresentase com crescimento lento e progressivo no sentido vertical, a
partir do ventrículo laríngeo. Podem exteriorizar-se através da
membrana tíreo-hiódea, no local da entrada da artéria e nervo
laríngeos superiores, tornando-se visíveis à inspeção do
pescoço1.
A maioria dos pacientes portadores de laringocele tem evolução
assintomática. Entretanto, queixas como disfagia e dispnéia
podem surgir à medida que se tornam mais volumosas. A
obstrução aguda da via aérea superior é uma ocorrência rara
nesses indivíduos mas, quando presente, exige medidas
rápidas que visem o restabelecimento da ventilação pulmonar.
Apresentamos um caso de laringocele associado à obstrução
aguda de via aérea superior, que demandou a realização de
traqueostomia emergencial para posterior tratamento definitivo.
Paciente do gênero masculino, caucasiano, 33 anos de idade,
motorista, com queixa de rouquidão há dois meses, procurou o
serviço por ter evoluído com desconforto respiratório há quatro
dias, que piorou rapidamente nas últimas 24 horas. Negava dor
cervical ou disfagia e antecedentes de etilismo, tabagismo ou de
outras doenças crônicas. Durante o exame físico, o paciente
mostrava-se ansioso, apresentando dispnéia e estridor laríngeo
inspiratório. Apresentava abaulamento paralaríngeo à direita,
de aproximadamente 5cm de diâmetro, de consistência cística e
com aumento visível à manobra de Valsalva. A laringofibroscopia revelou a presença de abaulamento supraglótico que
ocupava aproximadamente 90% da luz laríngea, dificultando a
visibilização das pregas vocais. O abaulamento estava
revestido por mucosa de aspecto normal e não se identificavam
lesões mucosas, levando à suspeita de tratar-se de laringocele
de grandes dimensões (figura 1). Como as condições clínicas
respiratórias do paciente deterioraram-se rapidamente,
realizou-se uma traqueostomia de urgência.
1) Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
2) Médico Residente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
3) Pós-graduando da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
4) Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
5) Professor Associado da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
Instituição: Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
Correspondência: Rui Celso Martins Mamede, Rua Nélio Guimarães 170 – 14025-290 Ribeirão Preto- SP. E-mail : [email protected]
Recebido em: 03/06/2007; aceito para publicação em: 30/06/2007; publicado on line em: 18/08/2007.
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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 3, p. 180 -182, julho / agosto / setembro 2007
evidenciou lesões laríngeas, mostrando boa coaptação das
pregas vocais e um padrão vocal satisfatório.
Figura 1 – Topografia do abaulamento cervical em paciente portador de
laringocele gigante submetido à traqueostomia de urgência.
Após a resolução do quadro respiratório, a tomografia computadorizada com contraste intravenoso revelava a presença de
saculação de conteúdo aéreo em topografia paralaríngea
direita, que se comunicava com a luz laríngea (figura 2). Essa
imagem confirmava a suspeita diagnóstica de laringocele
obstrutiva. Como não havia sinais de malignidade associado ao
diagnóstico de laringocele, o paciente foi submetido à abordagem da lesão por cervicotomia transversa e ressecção até o
ventrículo.
Figura 3 – Laringocele volumosa em região paralaríngea após
dissecção
Figura 4 – Identificação da região de origem da laringocele em
ventrículo laríngeo (seta)
Figura 2 – Tomografia cervical evidenciando lesão sacular contendo ar,
originada no ventrículo direito, e em comunicação com luz laríngea.
A cervicotomia, de aproximadamente 7cm de extensão foi
aplicada 3cm abaixo do rebordo mandibular, seguindo prega
cutânea. Identificou-se uma lesão cística, alongada, de 6cm de
diâmetro, sub-platismal, estendendo-se profundamente. Sem
dificuldade, a dissecção foi realizada até a membrana tíreohióidea e continuou-se cuidadosamente pela membrana onde
a lesão penetrava na laringe, junto com o feixe vasculonervoso. A parede cística foi finalmente separada da mucosa
do ventrículo laríngeo, onde a mesma terminava (figuras 3 e 4).
Após a ressecção da lesão, procedeu-se a síntese da mucosa
remanescente com pontos simples, separados, de fio inabsorvível.
O exame anátomo-patológico descreveu a presença de
estrutura cística, de 5,0 x 3,5 x 2,5cm, sem projeções internas,
contendo pequena quantidade de fluido esbranquiçado e
grumoso. A microscopia revelou paredes com moderado
infiltrado inflamatório linfocítico e epitélio colunar pseudoestratificado com células ciliares do tipo respiratório, sem sinais de
malignidade. O paciente evoluiu com remissão das queixas
obstrutivas, tendo sido decanulado no sexto dia após a
traqueostomia. Após três meses, a laringofibroscopia não
DISCUSSÃO
A laringocele foi inicialmente descrita por Virchow, em 1867, ao
relatar uma alteração sacular na laringe2. Atualmente, é
classificada, conforme a localização, em interna, quando se
localiza medialmente à lâmina da cartilagem tireóide; externa,
quando laterail a esta estrutura e combinada quando identificada em ambas as regiões, comunicando-se, habitualmente,
através da membrana tíreo-hiódea3. A laringocele ocorre mais
comumente em homens caucasiancos e, com maior freqüência,
é unilateral e combinada4, assim como foi observado no caso
apresentado.
A etiologia não é clara, embora esteja freqüentemente associada a situações onde se observa aumento da pressão transglótica, como em músicos que tocam instrumentos de sopro. Em
alguns pacientes, como no caso apresentado, não é possível
estabelecer com precisão o agente que motivou seu desenvolvimento. Obstruções do sáculo laríngeo podem efetivamente
levar ao surgimento da laringocele. Nessas situações, é
imperiosa a necessidade de investigar a presença de tumores
nesta região, haja vista que a presença de laringocele em
pacientes com câncer laríngeo ocorre em até 21% dos casos,
especialmente naqueles de localização supraglótica5.
A ocorrência de insuficiência respiratória aguda em pacientes
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com laringocele é rara6. A maioria dos doentes apresenta
evolução assintomática; alguns evoluem com disfonia,
disfagia, tosse e, eventualmente, abaulamento cervical visível,
principalmente quando se realiza a manobra de Valsalva. A
presença de desconforto respiratório agudo nessa doença de
crescimento lento sugere uma provável associação da
laringocele com processo infeccioso local agudo, que levaria à
obstrução da via aérea e deterioração do padrão respiratório7.
Esta deve ter sido a seqüência que terminou com a realização
da traqueostomia de urgência em nosso caso.
Após o restabelecimento da função respiratória, a tomografia
computadorizada foi fundamental na diferenciação entre a
laringocele e cisto sacular, seu principal diagnóstico diferencial.
Na laringocele, o sáculo laríngeo é preenchido apenas por ar,
mantendo seu orifício interno aberto, enquanto, no cisto
sacular, o sáculo é preenchido por secreção glandular e tem
seu orifício interno obstruído8.
Portanto, a laringocele, embora seja uma formação de
evolução lenta e oligossintomática, pode, raramente, apresentar-se como um quadro dramático de insuficiência respiratória
aguda, obrigando o médico à realização de traqueotomia de
urgência. No caso apresentado, a tomografia computadorizada
possibilitou a confirmação diagnóstica de laringocele e a
cirurgia, com abordagem cervical do ventrículo laríngeo,
propiciou a resolução definitiva do quadro, com preservação da
função laríngea.
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REFERÊNCIAS
1. Holinger LD, Barnes DR, Smid LJ, Holinger PH. Laryngocele and
saccular cysts. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1978;87(5 Pt 1):675-85.
2. Virchow R. Die Krankhaften Geschwulste. A Hirschwald (Berlin).
1863;35-40.
3. Baker HL, Baker SR, McClatchey KD. Manifestations and management of laryngoceles. Head Neck Surg. 1982;4(6):450-6.
4. Stell PM, Maran AG. Laryngocoele. J Laryngol Otol. 1975;89(9):91524.
5. Micheau C, Luboinski B, Lanchi P, Cachin Y. Relationship between
laryngoceles and laryngeal carcinomas. Laryngoscope.
1978;88(4):680-8.
6. English GM, DeBlanc GB. Laryngocele: a case presenting with acute
airway obstruction. Laryngoscope. 1968;78(3):386-95.
7. Pennings RJ, van den Hoogen FJ, Marres HA. Giant laryngoceles: a
cause of upper airway obstruction. Eur Arch Otorhinolaryngol.
2001;258(3):137-40.
8. Broyles EN. Anatomical observations concerning the laryngeal
appendix. Ann Otol. 1959;68:461.
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