Filosofia e Teologia como expressões propriamente humanas

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Filosofia e Teologia como expressões propriamente humanas
A pergunta que serve de mote a esta reflexão, proposta pelos Alunos
de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, campus de Lisboa, é:
«Qual a importância da Filosofia para o estudo da Teologia?».
Nenhuma, respondemos, se, querendo faltar ao compromisso que funda
e diferencia a Teologia, como posto definitivamente pelo grande Anselmo
de Cantuária, Santo, «fides quaerens intellectum»,1 optarmos por uma
experiência de fé irracional. Então, neste ambiente, impróprio para seres
humanos merecedores da designação que os diferencia dos restantes entes
mundanos e outros eventuais, podemos perfeitamente prescindir da filosofia,
mas, no mesmo acto, estaremos a prescindir da teologia, pois não há e não
pode haver qualquer relação lógica com o divino que possa prescindir de
uma dimensão racional e reflexiva e que seja, ainda, uma relação entre Deus
e um ser humano.
A relação de Deus com as demais criaturas é ou logicamente imediata,
caso dos anjos, respeitando a narrativa que os põe como tais, ou, então, o
«logos» destas relações resume-se à matriz metafísica do acto criador e
providencial de Deus nelas. Estas não sabem da relação de Deus com elas.
Não têm qualquer capacidade lógica que lhes permita precisamente aquilo
que permite a filosofia como acto, isto é, a racionalidade e a reflexividade,
formas linguísticas de nomear algo que é fundamentalmente o mesmo, mas
que não se revela do mesmo modo, daí a necessária diferenciação de
linguagem.
1
ANSELME DE CANTORBÉRY, Monologion. Proslogion, introductions, traduction et notes par Michel
Corbin, s. j., Paris, Les Éditions du Cerf, 1986, «Proémio» do Proslogion, p. 230 para a versão latina e p.
231 para a tradução francesa. De notar que a obra também recebera como título a própria expressão em
causa, que na p. 236 aparece (sic) como «fides querens intellectum».
1
A criação do ser humano não é a criação de mais uma entidade comum,
mas a criação de uma entidade com a precisa e inalienável possibilidade,
única como tal, de se distanciar logicamente da pura imanência acrítica da
relação de apreensão imediata do real, através da capacidade reflexiva. As
bestas não reflectem. Isso que distingue as bestas, qualquer seja a sua forma
exterior, dos seres humanos é que estes são capazes de reflectir, mas aquelas
não. A besta é besta porque não é capaz de reflectir, ainda que possa,
analogamente, possuir eventuais capacidades do tipo das que são necessárias
aos seres humanos para entrar em contacto com o real material.
Mas é sempre e só com o real como algo de material. De notar que, para
tais seres, o próprio sentido de «materialidade» não existe, assim como não
há, nem analogamente, algo como «um mundo». O que há é a sua relação
material com a restante materialidade. A forma que tal relação assume no
que é é-nos e para nós permanecerá para sempre desconhecida, salvo se
algum dia com tais entidades coincidirmos, o que nos fará semelhantes a
elas, isto é, deixaremos de ser o que somos, seres racionais, seres
propriamente humanos.2
Deste modo, para que o ser humano se possa mesmo verificar como ser
humano tem de possuir em potência e em acto a capacidade propriamente
lógica e propriamente humana da reflexividade, única que dá ao contacto
com a totalidade do real isso que é o sentido como o conhecemos, como,
aliás, isso que nos ergue como seres humanos, como já foi referenciado. A
nossa coincidência absoluta com o sentido que somos é o que faz de nós seres
humanos e pessoas.
2
Todas as afirmações que por aí abundam e que usam este tipo de analogia são epistemologicamente
inválidas, pois não há modo algum directo de se saber o que é o acto de inteligência próprio de outras
entidades diversas das humanas. Indirectamente, tudo não passa e não passará sempre de pura especulação,
epistemologicamente inválida.
2
Tal significa que não apenas para a Teologia, mas para toda e qualquer
actividade propriamente humana, a reflexividade é necessária, em sentido
filosófico forte, isto é, não pode não acontecer. Quando Sócrates de Atenas
e seu maior discípulo, Platão, apontavam para aquilo que lhes era por demais
evidente e que consistia no facto de uma vida sem filosofar não ser digna de
ser vivida por um ser humano, não apenas puseram o filosófico dedo no cerne
da essência e substância próprias da coisa humana, como fundaram uma
tradição radicalmente diferente do demais existente e segundo a qual a
humanidade se constitui propriamente como humanidade no acto lógico da
busca e possível encontro com o «logos» universal e infinitamente profundo
que tudo ergue, que tudo dá como possibilidade de sentido e sentido em acto:
mas este acto de sentido só acontece porque o ser humano enceta o percurso
que até ele se dirige.
E os passos que realmente fazem o caminho são os passos de cada ser
humano, são os passos trágicos de Sócrates de Atenas, os dramáticos do
Platão vendido como escravo, coincidindo humanamente, em ocidental
distância, com os passos do Emmanuel que acaba sendo o Filósofo
definitivo, pois que é o «logos» divino feito carne humana, humanamente
morto e logicamente3 retornado à vida, quer dizer, cumprindo o propósito
último da vida e de seu sentido maior, que é, absolutamente, ser acto de
sentido. Ora, o acto de sentido, todo o acto de sentido é sempre vida e só há
propriamente vida quando há um qualquer acto de sentido.4
Compreende-se – e a mensagem de Cristo acaba por resumir todo o
percurso de auto-reflexão da humanidade sobre sua própria grandeza
erectora – o que Aristóteles entende pela contemplação do Acto Puro por si
próprio eternamente, definindo a matriz do que é a reflexão sem mediação.
3
Isto é, segundo o «logos».
Tal é evidente para o caso do ser humano. Quanto às outras formas de vida, será necessária toda uma nova
e universal teoria da inteligência, do «logos», para que se possa perceber o que é, nelas, a vida como sentido
próprio, sem projecções, sem infantis ou néscias efabulações pseudo-científicas.
4
3
Também se compreende o sentido platónico do dom divino do bem como
irradiação de possibilidade de ser, cuja maior concretização directa consiste
no retorno lógico ao bem, sucessiva e progressivamente reflectindo sobre a
luz que se nos apresenta, até à reflexão directa do bem, «olhos nos olhos»,
digamos assim.
Mas já em Platão encontramos a necessária descensão, a sua versão de
algo como a «kenosis» do sábio,5 que incarna já não uma sabedoria humana,
demasiado humana, diria cinicamente Nietzsche, mas divina. Para Platão, o
coroamento da vida humana não consiste, como a vulgata insiste, em
contemplar o sol, mas em levar até ao mais fundo da caverna, nos olhos
inundados da divina luz, um pouco da claridade lógica de Deus como forma
de possibilidade de salvação para os demais e ignaros seres humanos.
E esta é uma definitiva definição do mister filosófico como liturgia ao
bem da humanidade, como sacerdócio salvífico da humanidade. A filosofia
dita pagã tem muito a ensinar ao esposo que brevemente – o acto de Deus é
paciente e sabe saborear cada «kairos» que sustenta o tempo – a irá encontrar,
na forma da mensagem oriental que Paulo e outros trarão até ao norte e
ocidente do mar do meio da terra.
Repare-se que, para Platão, o sacerdote, duplamente ao serviço do bem,
pois está ao serviço do bem divino, mas como serviço do e ao bem dos seres
humanos, a que habitual, mas erradamente, se costuma designar como
filósofo, mas que é já sábio, pois já contemplou o bem, o Deus, só o pode ser
5
«Kateben» é o termo com que se inicia a Politeia, introduzindo um clima catabático em toda a obra. De
facto, é o filósofo, em tendência para a sabedoria, Sócrates, quem desce da cidade propriamente dita para
o seu Porto de mar, o Pireu. Muito diferente seria a República e o intento platónico, se, em vez de descer
ao Pireu, Sócrates subisse à Acrópole. Mas não é esta última a decisão que Platão toma para a sua imensa
narrativa, antes a de trazer a dialéctica lógica, o labor segundo o «logos» para a parte menos nobre da
cidade, isto é, trazer a filosofia para onde é mais precisa, no sentido da salvação da realidade, da descoberta
do seu «logos», presença nela do Bem, do absoluto divino. O bem não precisa de salvação, os «pireus» sim
(a passagem em causa tem a cota 327a).
4
se tiver passado pelo crivo, pela crise da filosofia, representada pela ascensão
dentro da caverna e, fora desta, do aprender a olhar em direcção ao sol.
É muito interessante esta terna, mas diamantinamente exigente,
preocupação com a salvação da humanidade e com a formação dos agentes
a tal destinados. E porquê «destinados»? O sacerdócio é um «destino»? Se
partir da contemplação já sábia da bondade divina, não é propriamente um
«destino», mas a assunção da inteligência, do «logos» divino por parte do
sábio-sacerdote, tem um efeito semelhante ao de um destino.
O sacerdote do bem, tendo contemplado este, sabe, e sabe analogamente
como ser humano como Deus sabe como ser divino, que não há outro
caminho digno de Deus e digno de um ser humano. Por isso, a sua escolha,
livre, é indistinguível de uma escolha necessária, isto é, de uma não escolha.
Onde reside, então, a diferença fundamental que faz deste sacerdote
platónico um ser humano verdadeiramente livre e não um mecanismo
heterónomo em maquinal serviço do bem, reduzindo, assim, toda a
humanidade a uma anedota?
Repare-se que estamos a falar do sacerdócio litúrgico soteriológico da
humanidade em Platão, mas também estamos a falar do drama virtualmente
trágico do casal originário do Génesis. E não é coincidência.
A diferença é constituída propriamente pela «ciência» de Deus ou sobre
Deus, que, em Platão, se obtém através do percurso filosófico, através da
vida filosófica, através da busca, na metáfora da «Alegoria», da luz do sol,
da graça metafísica, ontologicamente traduzida, do Bem.
Esta filosofia, segundo Platão, é uma teologia e é-o necessariamente.
Apenas no coroamento dado pelo encontro com o fundamento último do real
– já Heraclito lhe chamava «Logos» – se cumpre a filosofia, que, neste
mesmo acto, ao cumprir-se, se torna sabedoria. A sabedoria é o cumprimento
5
da filosofia. O filósofo deixa de literalmente o ser, deixa de apenas amar
«Sophia» – e esta Sofia não é uma simpática rapariga grega, mas o próprio
Deus, que Platão não tem medo de designar pelo nome, já no fim da
República –6 para passar, não a possuí-la, mas a coincidir com ela, com a
luz, com o «logos» divino que contemplou e cuja marca espiritual e carnal é
definitiva.
Por isso pode morrer, por isso Sócrates de Atenas morreu, não já como
mero filósofo, mas como sábio. Só lhe faltava, digamos assim, ir encontrarse carnalmente com Sophia, não já na carne terrena, que pesa sempre, mas
na carne celeste que coincide com o sentido próprio, com isso a que, uns
anos mais tarde, se veio a chamar «pessoa».
A passagem do filósofo a sábio é o momento da ordenação sacerdotal:
o sacerdote é sábio. Só o sábio é sacerdote, para Platão. Exigência
diamantina que muito pode ajudar a perspectivar contemporaneamente o que
deve ser o ideal sacerdotal. Pense-se o que seria se este critério fosse usado
hodiernamente.
Em resumo, a teologia platónica coincide com o ápice da sua filosofia.
Como resposta à questão que desencadeia esta reflexão tal é profundamente
eloquente.
Continuemos um pouco mais com o teólogo Platão: o ser humano que
encontramos no fundo da caverna não é apenas profundamente ignorante em
muitas coisas, como é, principalmente, crédulo, pois tem como
absolutamente certo que o mundo penumbroso em que vive é tudo,
absolutamente. Não tem ou pode ter outro horizonte. Por outras palavras, não
tem e não pode ter propriamente fé. A fé pressupõe um horizonte infinito e
6
617e.
6
é inseparável da angústia que a nossa própria situação finita perante tal
horizonte acarreta.
Sem este horizonte, não somos, sequer, propriamente humanos, pois é
o acto de inteligência que nos abre para a possibilidade do infinito que nos
ergue como propriamente humanos. O ser humano sabe que há sempre mais
possível para além da linha do horizonte, que esta avança à sua frente quando
ele avança. Mas também sabe que, talvez como ele, que sabe que vai morrer,
também o horizonte morra.
Ora, a fé é esta aposta inteligente em que o horizonte não morra.
Não é a aposta em que eu não morra, sem mais, mas em que eu não
morra porque posso ter em que viver, porque o horizonte não morre diante
dos meus passos, deixando-me sem por onde avançar.
Este horizonte não é a linha em que mundanos céu e terra se encontram,
mas o próprio Deus. E este não morre, pelo que é nesta não-morte absoluta
que a minha vida pode continuar, que o sentido que me ergue pode ter um
regaço lógico que o recolha, me recolha, na forma de um sentido que é
irredutível como isso que sou, diferente de todos os outros, diferente de
Deus.
É esta a carne trans-substanciada. A minha carne como forma única do
meu sentido. Até aqui Platão nos ajuda.
A teologia é a carne da Igreja como presença do «Logos» divino em
acto na humana inteligência de cada um que, buscando conformar-se com
este mesmo «Logos», busca «Sophia», filosofa, repetimos, busca coincidir
com a possibilidade do sentido de Deus presente na criação.
Qual, então, a importância da filosofia para a teologia?
7
A teologia é a filosofia em busca de Deus. A filosofia pode buscar
outras coisas, mas, como a dignidade da acção humana se define totalmente
pela grandeza do objecto em causa, pois mesmo a parte metodológica
depende desta grandeza, quando a filosofia não procura Deus, tem a
grandeza do objecto que procura; quando procura Deus tem a grandeza do
objecto que procura. Toda a filosofia que busca Deus é uma teologia. Não
tem é de ser cristã.
Mas a cristã tem a obrigação de saber isto, dada a magnífica tradição
sobre a qual se apoia. Muito antes da fórmula sintética de Anselmo de
Cantuária, mesmo quando certos antigos teólogos invectivavam, não a
filosofia – mesmo que assim se expressassem –, mas certas filosofias, as de
objecto menor, estavam a praticar um acto filosófico.
Mesmo nos místicos, o caminho até ao encontro com Deus é filosófico,
como na ascensão platónica, fruto de algum esforço e de muita graça. Dom,
mas sofrimento e dedicação; graça, mas aceitação, primária ou secundária.
O culminar, este supera sempre a filosofia, porque, nele, é-se sábio com
Deus, na e da sabedoria de Deus. Mas tal terminando, retorna-se ao labor
filosófico da salvação dos seres humanos.
Sem esta dimensão litúrgica, sempre crítica, é-se o tal metal
reverberante paulino, que apenas agita moléculas de ar. Um filósofo, um
teólogo, um místico que se fechem em egoísta fruição do «Logos» não são
humanos actos litúrgicos, antes elementos aberrantes, atentatórios do bemcomum, auto-excomungados da assembleia dos que procuram a salvação
universal, única que pode satisfazer o inicial projecto de Deus, que não pode
ter excepções, sob pena de falhanço do próprio Deus.
Para este serviço ao bem salvífico para todos, é necessário um
constante e vígil exercício lógico, ou, se se quiser, numa linguagem mais
comum, da razão, da humana própria inteligência. Pode assim, na sua
8
Primeira exortação apostólica, Evangelii gaudium, dizer o Papa Francisco,
§ 242: «A fé não tem medo da razão; pelo contrário, procura-a e tem
confiança nela, porque “a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus”
(São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, I, 7), e não se podem
contradizer entre si.» (pp. 167-168).
Este trecho é retirado de um parágrafo dedicado ao diálogo entre a
teologia e as outras ciências. Mas aplica-se perfeitamente à relação
fundamental entre a teologia e a filosofia, como já vimos.
Esta relação não é apenas e não é sobretudo uma relação científica, em
sentido comum, muito menos metodológica, sempre superficiais, porque
sempre apenas formais em sentido protocolar, externo, mas uma verdadeira
relação epistemológica, em sentido substancial, pois, na sequência do que
percebemos do esforço de inteligência do «logos» do real, quer a filosofia
quer a teologia são elementos litúrgicos, isto é, que prestam um serviço, são
ancilares da salvação da realidade, mormente da realidade humana, isto é, da
realidade de cada ser humano e de todos universalmente considerados.
Diz o Papa Francisco, na sua Bula de proclamação do Jubileu
Extraordinário da Misericórdia, Misericordiae vultus, O rosto da
misericórdia, logo no início do §1. «Jesus Cristo é o rosto da misericórdia
do Pai», a que acrescenta, no §14., «Misericordiosos como o Pai é, pois, o
“lema” do Ano Santo.». A misericórdia de Deus e de Seu rosto voltado para
o mundo não é um acto secundário, não é uma reacção, mas o acto primário,
primeiro, por excelência, pois a misericórdia de Deus, a misericórdia do
Deus que é amorosa Trindade está, é e revela-se imediatamente no próprio
acto da criação.
Já aqui temos o rosto de Deus voltado para o mundo, já aqui temos o
filho em acto de criação com o Pai e segundo o acto do Amor, isto é, segundo
esse acto que põe absolutamente o criado apenas como fruto de amor, do
9
amor. Deus cria tudo do nada das coisas, mas cria tudo a partir do infinito de
seu amor.
E cria, nisto o Génesis inicial é claríssimo, para que a criação para ele
se encaminhe, para que busque, cada um a seu modo, o seu rosto. Ora, esse
que melhor pode buscar o rosto de Deus é o ser humano. Para que busque o
rosto tem de ser sábio em potência. E é. Em potência. Para que busque tem
de procurar a sabedoria criadora de Deus, que está presente no seu rosto.
Tem de buscar «sophia», tem de ser filósofo.
Deus cria-nos para que sejamos filósofos em busca de sabedoria. Isto,
o nobre pagão Platão percebeu, na sequência da mestria de Sócrates.
Esta era a missão de Adão e Eva, não entitárias coisas míticas ou
literárias, mas seres humanos prototípicos, possíveis filósofos e possíveis
sábios e, se sábios, como estar junto de «Sophia» é estar junto de Deus, então,
verdadeiros teólogos, porque filósofos não-falhados, porque tinham tido o
seu encontro com Deus.
É o clamoroso falhanço destes dois modelos de humanidade, isto é, de
nós todos, que faz da «catábase» crística o perfeito modelo de perfeita busca
de «Sophia»: Cristo é não apenas o «Deus connosco», mas a perfeita
possibilidade da busca da sabedoria. É o rosto de Deus que se pode
contemplar como Deus, como ser humano e, como ser humano, escolher
como quer contemplar o rosto de Deus.
Que rosto via Cristo no espelho?
A sua vida deu a resposta: viu mesmo o rosto de Deus, coincidiu sem
falha com ele. E nem sequer o fez por falta de oportunidades de o não fazer.
Os Evangelhos abundam em oportunidades bem mais drásticas do que a da
velha serpente genesíaca.
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Neste sentido, Cristo é o perfeito filósofo e, cumprindo absolutamente
o melhor da sua possibilidade filosófica, foi também o perfeito teólogo, pois,
se a perfeita filosofia é o perfeito caminho para «Sophia», chegado junto
desta, o sábio é imediatamente o teólogo, pois imediatamente contempla o
«logos tou theou»7 que constitui o acto teológico. Acto necessariamente
místico sempre que realmente se cumpre.
Voltando, então, agora, à pergunta que suscitou esta breve reflexão,
respondemos: tem toda a importância.
Se percebermos que filosofia e teologia não são fundamentalmente duas
actividades académicas, mas, são, antes, a forma da busca do sentido pleno
do real e a sua consumação, então, perceberemos que uma e a outra são
fundamentais não apenas para alguns supostos eleitos, mas para todos os
seres humanos que se quiserem cumprir como acto de misericórdia de Deus,
na relação com o seu providencial rosto.
Surpreendente é que ainda se possa ser assim no que são as nossas
hodiernas academias, indignas do nome de que são herdeiras, dado por
Platão.
Compete, pois, a cada um de nós o caminho que leva a «Sophia», o
filosófico percurso até à contemplação do rosto de Deus, «kairos», momento
absoluto de teológica misericórdia.
Américo Pereira
Maio de 2015
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«Logos» de Deus.
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