II SIMPÓSIO SOBRE A B IODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 233 Competição e Adaptação: Questões Filogenéticas sobre a Distribuição Geográfica Sabrina Soares Simon1 & Sara Soares Simon2 1 Mestrado em Ecologia, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. Biológicas, ESFA. Autor correspondente: [email protected] 2 Graduação em Ciências Introdução Um dos grupos mais representativos e derivados em Formicidae – as formigas cortadeiras (Myrmicine: Attini) – pertencem ao gênero Atta, que vivem em simbiose com um fungo cultivado em seu ninho, do qual se alimentam. Atta possui distribuição Neotropical, e é uma importante praga agrícola na América Central e do Sul, causando danos principalmente em folhas, frutos e flores (Delabie et al., 1997). Como um gênero tão diverso, existem várias diferenças na adaptação de habitat em espécies de Atta, onde as respostas às mudanças climáticas foram críticas no processo de diversificação ao longo do tempo, como causa e consequência da forma como as espécies são dispostas no espaço (Solomon et al., 2008). Numa das áreas mais diversas do Planeta – a Mata Atlântica do sul da Bahia e norte do Espírito Santo – cinco espécies de Atta ocorrem em diferentes formações vegetacionais: floresta úmida, restinga, áreas abertas e perturbadas, e plantações de cacau, além de algumas espécies do gênero relacionado Acromyrmex. Algumas das espécies ocupam mais de um ambiente, deslocando outra pela competição, como acontece entre Atta opaciceps e Atta laevigata. Ambas têm alta tolerância à aridez, mas a última pode deslocar espacialmente a primeira (Delabie et al., 1997). Os processos biológicos que definem o padrão geográfico encontrado não são claros, mas aparentemente dois deles são muito fortes aqui: a adaptação a um determinado habitat e a competição, e claro, a interação entre ambos. O que se sabe é que a competição é um mecanismo fundamental no processo de adaptação, deixando o fantasma passado da competição marcado no material genético (Alexandrou et al., 2011). Existem duas maneiras em que pode ocorrer o deslocamento competitivo. Primeiro, as espécies podem ter evoluído separadamente, e se adaptado a diferentes condições ambientais. No momento em que passam a ter contato, uma delas, a melhor competidora, estabelece-se no local, excluindo outra. Por outro lado, as duas espécies podem ter co-evoluído sob competição, divergindo entre si quando uma delas passa a ocupar um local diferente (McArthur, 1972). Nosso objetivo é investigar se existe qualquer sinal filogenético que nos leve a entender por que essas espécies dispõem-se de tal forma no espaço, apontando diferenças que mostrem se esse padrão é causado pela adaptação a diferentes habitats ou pela competição entre as espécies. Material e Métodos As sequências de Atta laevigata, Atta opaciceps, Atta cephalotes, Atta sexdenssexdens, Atta sexdensrubropilosa, Acromyrmexcoronatus, Acromyrmexbalzani, e Acromyrmexrugosus foram obtidas no GenBank (NCBI), onde somente as sequências mais semelhantes entre si 234 SIMON & SIMON: COMPETIÇÃO E ADAPTAÇÃO (Query Coverage superior a 70%) foram tomadas. 17 sequências foram obtidas para a região COI-tRNAleu-COII (DNA mitocondrial) e 12 para EF1α (DNA nuclear), cujo número de acesso foi preservado nas árvores produzidas. Sequências particulares de Atta robusta foram adicionados no alinhamento, coletadas no norte do Espírito Santo. Sequências mitocondriais de Ac. balzani e Ac. rugosus também foram utilizadas no alinhamento, além de Trachy myrmex utilizadas como grupo externo. As análises filogenéticas foram realizadas para cada segmento de gene separadamente. O modelo adequado de substituição de nucleotídeos foi selecionado para o ML usando o Akaik Information Criterion (AIC) pelo Modeltest 3.7 (Posada & Crandall, 1998) para cada gene (COI, COII, EF1α). Pesquisas heurísticas para ML foram realizadas no PAUP (Swofford, 2003) usando o modelo TBR e 100 replicações de bootstrap. Resultados e Discussão Foram alinhados 247 pares de base para a sequencia de DNA mitocondrial, excluindo a região IGS (tRNA leu) devido a sua alta variação, que dificulta o alinhamento entre espécies. O alinhamento do DNA nuclear contou com 418 pares de base. Além disso, ambas as sequências mitocondriais e nucleares foram concatenados em uma única sequência de 665 pb . Os modelos de substituição de nucleotídeos foram: TIM+I+G; TRN; e GTR+G para os conjuntos mitocondrial, nuclear e concatenado, respectivamente. A análise filogenética ML para ambas as regiões nuclear e mitocondrial, bem como as sequências concatenadas, são apoiadas por valores de bootstrap altamente semelhantes (Figura 3). Ao considerar a hipótese de que espécies próximas preservam características semelhantes nas mesmas condições ambientais, nossos resultados demonstram que a adaptação pode determinar o habitat de uma espécie a priori, enquanto que a competição faz o mesmo, a posteriori. A análise das Figuras 1 e 5 juntas mostra que as exigências ambientais correspondem às relações genéticas, mas a distribuição geográfica de cada espécie não o faz com tanta exatidão. Assim, podemos aceitar que a distribuição espacial está relacionada com questões de adaptação para cada ambiente, e não diretamente à competição. Ainda, não se pode argumentar que, por estes resultados, espécies filogeneticamente próximas competem umas com as outras pelas mesmas condições ou espaço. Embora tenha sido relatado por Delabie et al., (1997) que A. laevigata pode excluir A. opaciceps de seu sitio, já que ambos são adaptadas a ambientes semelhantes, fica claro na Figura 1 que, mesmo que elas não coexistam exatamente no mesmo espaço, a região é compartilhada por ambas devido à ocorrência ambiente. Na Figura 5 são mostradas espécies que partilham a mesma região, mas não assume que os ninhos podem ser encontrados exatamente no mesmo ponto, o que não é razoável pensar sobre formigas cortadeiras, devido ao grande espaço e quantidade de recursos necessários – um caso simples de exclusão competitiva muito claro. Além disso, informações sobre as barreiras geográficas é importante e devem ser descritas para adicionar detalhes na discussão sobre a estrutura geográfica e genética de um grupo de espécies. Não se sabe ainda que tipo de barreira (se geográfica ou biológica) determina a distribuição de A. cephalotes, A. opaciceps, A. sexdens sexdens e A. sexdens rubropilosa. O mesmo padrão é encontrado em Dinoponera lucida que vive no Espírito Santo e extremo sul da Bahia, e Dinoponera quiadriceps, ao norte (Delabie et al., II SIMPÓSIO SOBRE A B IODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 235 1997), embora A. laevigata e Ac. coronatus parecem não ser sensíveis a tal barreira. Os nossos resultados acrescentadas às incidências demonstram que é pouco provável que este padrão seja causado pela competição, e talvez não pela adaptação às condições ambiente isolado para outro processo, mas com uma combinação destes e muitos outros fatores. Conclusão Nossos resultados sugerem que o padrão espacial analisado é mais relacionado à adaptação do que à competição. Naturalmente, ambos os processos estão relacionados e se influenciam mutuamente, trazendo consequências importantes na história natural dos organismos. A adaptação a certo tipo de ambiente relacionada à dependência de sua ocorrência é mais facilmente verificada que a exclusão competitiva na natureza. Além disso, a filogenia é uma ferramenta muito poderosa na pesquisa biológica, especialmente sobre a distribuição de espaços, e pode mostrar sinais imperceptíveis à primeira vista. Agradecimentos Agradecemos a Denise Euzébio para a prestação de sequências Atta robusta. Referências Bibliográficas Alexandrou, M. A.; Oliveira, C.; Maillard, M.; Mcgill, R. A. R.; Newton, J.; Creer, S. & Taylor , M. I. 2011. Competition and phylogeny determine community structure in Muellerian co-mimics. Nature 85: 69. Delabie, J. H. C.; Nascimento, I. C. Do; Fonseca, E. Da; Sgrillo, R. B.; Soares, P. A. O.; Casimiro, A. O. & Furst, M. 1997. Biogeografia das formigas cortadeiras (Hymenoptera: Formicidae, Myrmicinae: Attini) de importância econômica no sudeste da Bahia e nas regiões periféricas dos estados vizinhos. Agrotópica (9)2: 49-58. Posada, D. & Crandall, K. A. 1998. Model selection and model averaging in phylogenetics: advantages of the AIC and Bayesian approaches over likelihood ratio tests. Bioinformatics 14, 817–818. Solomon, S. E.; Bacci, M. Jr; Martins, J. Jr; Vinha, G. G. & Mueller, U. G. 2008. Paleodistributions and Comparative Molecular Phylogeography of Leafcutter Ants (Atta spp.) Provide New Insight into the Origins of Amazonian Diversity. PLoS ONE 3(7): e2738. doi:10.1371/journal.pone.0002738 Swofford, D. L., 2003. Phylogenetic Analysis Using Parsimony, version 4.0610. Smithsonian Institution, Washington, DC. 236 SIMON & SIMON: COMPETIÇÃO E ADAPTAÇÃO Figura 1: Mapa de distribuição de Atta e Acromyrmex na região de estudo. Adaptada de Delabie et al., 1997. II SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2013 237 Figura 2: Filograma de Máxima Verossimilhança para Atta e Acromyrmex utilizando informações do gene Fator de Elongação 1 (DNAn). Valores de suporte acima dos ramos representam 100 replicações não-paramétricas de bootstrap. Apenas valores maiores de 50 são mostrados. A escala corresponde a 0.01 substituições por sitio. Atta robusta SM: São Mateus; Atta robusta L: Linhares, ambas no Espirito Santo. Figura 3: Filograma de Máxima Verossimilhança para Atta e Acromyrmex utilizando informações do gene Citocromo oxidase I, tRNA leucina e Citocromo oxidase II (DNAm). Valores de suporte acima dos ramos representam 100 replicações nãoparamétricas de bootstrap. Apenas valores maiores de 50 são mostrados. A escala corresponde a 0.2 substituições por sitio. Atta robusta SM: São Mateus; Atta robusta L: Linhares, ambas no Espirito Santo. 238 SIMON & SIMON: COMPETIÇÃO E ADAPTAÇÃO Figura 4: Filograma de Máxima Verossimilhança para Atta e Acromyrmex utilizando informações de sequências mitocondriais e nucleares concatenadas (DNAm+DNAn). Valores de suporte acima dos ramos representam 100 replicações não-paramétricas de bootstrap. Apenas valores maiores de 50 são mostrados. A escala corresponde a 0.02 substituições por sitio. Atta robusta SM: São Mateus; Atta robusta L: Linhares, ambas no Espirito Santo. Figura 5: Modelo esquemático da relação genética e geográfica entre Atta e Acromyrmex ocorrentes na área de estudo. As ligações representam relações filogenéticas entre espécies, e pontilhados representam relação entre espécies que vivem no mesmo espaço.