PERFORMANCE E ARQUITETURA: UMA TRANSMUTAÇÃO

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Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281
PERFORMANCE E ARQUITETURA: UMA TRANSMUTAÇÃO CONCEITUAL A
PARTIR DO ESTUDO DO EDIFÍCIO DA FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO, DE
ÁLVARO SIZA.
Valquíria Guimarães Duarte (FAV – UFG)
Márcio Pizarro Noronha (FEF – UFG)
O estudo da Performance nos edifícios complexos contemporâneos amplia a
noção do termo do campo da arte (que por sua vez busca referências teóricas em
outros campos) para a esfera do espaço arquitetônico, da cidade ou da paisagem e
seus agentes. Deste modo tratamos de analisar de que forma se dá, na arquitetura,
as relações entre Corpo, Espaço e Performance. O edifício permite a abordagem da
experiência do edificado enquanto performance e do edifício como hipertexto.
A arquitetura e os estudos Interartísticos
A arquitetura, nesta pesquisa, adota categorias conceituais construídas por
Noronha1, no campo de pesquisa Interartes -, que envolve a incorporação e o debate
sobre o modo como as categorias tempo-espaço acabam por provocar uma nova
configuração „texto-imagem e corpo‟ afetando a produção de um desenho teórico e
de uma experiência da e na arte (e da arquitetura enquanto arte). A historicidade
adotada diz respeito à formulação de um modelo que re-situa o ponto de vista das
linguagens, conjugando aspectos formais, estruturais e semioses com os aspectos
contextuais e da historicidade (hermenêutica).
Nestes termos, a pesquisa trata de refletir sobre as relações entre arquitetura
e obra de arte total e arquitetura enquanto modelo para arte através do conceito de
fusão das linguagens. A fusão das linguagens (criação de uma forma-arte pela soma
de todas as artes) tem como modelo a ópera Wagneriana, de modo que tratamos de
pensar a arquitetura como um modelo de instalação, um produto em interface e que
está associado às formas contemporâneas do hipertexto. O intervalo traz a lógica
que revela uma transmutação conceitual criativa a partir dos outros conceitos,
elementos fronteiriços, no sentido do autor, de buscar elementos novos na
percepção do objeto de pesquisa, neste caso específico, a arquitetura. É
principalmente em relação ao conceito de intervalo que buscamos um deslocamento
de fronteira. Por isso relação do edifício enquanto performance, lugar de trânsito
temporal-espacial, e produção de “scinestesias”2.
1
NORONHA, Márcio Pizarro. Interartes e Dança: uma pequena história entre o háptico e a
scinestesia. In: ENGRUPE – DANÇA – Encontro de grupos de Pesquisa em Dança. São Paulo:
UNESP, 2007 - A.
_________________________. Performance e audiovisual: conceito e experimento interartísticointercultural para o estudo da história dos objetos artísticos na contemporaneidade. In: XXVI Colóquio
do CBHA. São Paulo: FAAP, 2007 - B.
2
Scinestesia diz respeito à reintegração de duas condições no campo da pesquisa da linguagem: a
primeira se relaciona à capacidade de tradução inter-percepções, num grau indicial (plano semiótico),
estabelecendo relações entre uma percepção de um domínio do sentido e outro domínio evocado. A
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Performance
O termo Performance é um território de várias interfaces, de trajetos múltiplos,
e por sua natureza multidisciplinar, é uma arte de fronteira. Para Schechner 3,
performances marcam identidades, remodulam o corpo e contam estórias, cruzam
as investigações nas ciências sociais (estudos antropológicos dos rituais), e
apontam para a interlocução com a produção na esfera artística. Em Turner 4, a
performance investiga o processo de encenação e o sentimento de “communitas”
que retira seus atores do cotidiano e leva-os para o plano da liminaridade (no caso
dos estudos das sociedades tradicionais os rituais performáticos se estruturam nas
cosmologias e mitologias do grupo social em questão – são as performances
culturais). Na linguagem das artes cênicas, alguns autores consideram a
Performance uma reelaboração e atualização dos conteúdos rituais no contexto
histórico das sociedades complexas, pela elaboração subjetiva do autor/ator
performático – através do vivido -, o que faz do processo dramático contemporâneo,
de certa forma, uma performance que se aproxima da estrutura analítica ritual
proposta por Van Gennep.
Nas Artes ou na Antropologia, o que importa ressaltar é que a performance
aparece sempre em sua dimensão de ação, na relação da ação do corpo em um
espaço específico. Na Art Performance observa-se a associação dessa expressão à
presença corporal direta do performer, ou seja, há uma interdependência entre corpo
e performance. Segundo Glusberg5, trata-se do “uso do corpo como sujeito e força
motriz” (Op. Cit., p.11), ou seja, o corpo é o protagonista do processo performativo.
Performance e Arquitetura
Para entender como se dá a performance no estudo da Arquitetura voltemos
à etimologia do termo: Performance advém do inglês to perform, que por sua vez se
origina do termo latino formare, que significa “dar forma a” ou performatus, “acabado
de formar”. A palavra pode designar, entre outras coisas, a aparência física ou
desempenho do corpo, ou ainda um método a partir do qual se origina um corpo.
Também aparecem como sinônimos, segundo Schechner6 (2006) “execução,
desempenho, façanha, representação, quadro”. Nessa bacia semântica podemos
destacar duas significações que nos importam nessa pesquisa: a arte da
Performance como um processo - uma ação, um desempenho - e como uma
imagem. No que concerne a Arquitetura e sua relação com o campo artístico, o
corpo é tomado em consideração às seguintes variáveis: como presença física,
corpo do historiador crítico (o háptico) no edificado, o corpo em forma do edificado
propriamente dito (o corpo do edifício em performance) e o corpo como protagonista
outra tem um sentido de reintegrar a perspectiva do corpo, pois o termo diz respeito à percepção dos
movimentos do corpo (NORONHA, 2007 a, 2007b 2008).
3
SCHECHNER, Richard. What is Performance?” In: Performance Studies: an introduction. New York
& Londres: Routledge, 2006. pp28-51.
4
TURNER, Victor W. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974a.
5
MAIA, Dirce Guarda. CORPO E OBRA. REFLEXÕES SOBRE O CORPO NA LINGUAGEM
PERFORMÁTICA.
Disponível
em
:
http://www.ceart.udesc.br/PosGraduacao/revistas/artigos/dirce.doc . Acesso em 22.05.2011.
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Op. Cit.
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no processo criativo de arquitetura, do autor. Deste modo, ampliamos a reflexão da
performance para o campo da arquitetura na associação das variáveis corpo x
espaço x performance. Não se trata somente de destacar uma significação ou outra,
mas de relacionar ambas com o espaço e pensar o desempenho performático em
relação a um cenário específico: o do edificado.
Nesse estudo elencamos operadores conceituais a partir da relação
Performance e Arquitetura na compreensão do edifício a partir de três perspectivas:
na consideração e análise do corpo-performance do autor/arquiteto, e assim
trataremos da performance como um assinatura, do corpo-performance do edifício e
do corpo-performance do historiador crítico/pesquisador/háptico, do ponto de vista
interartístico. A partir dessas perspectivas elegemos alguns conceitos exploratórios
para o edifício da Fundação Iberê Camargo: Performance Process – que diz
respeito ao processo de construção do edifício com suas condicionantes; também
trata de explorar a performance do autor como parte da compreensão do projeto e
construção do edifício, a ação de criação, para o estudo da obra como autografia;
Techno Performance – que diz respeito ao desempenho do edifício enquanto
corpo, em suas dimensões Construtiva e Tecnológica; e Performance (in) doors
(out) doors – levanta as intersecções entre narrativa (narratologia) e performance
(performance art; performance e plot arquitetônico narrativo) entendidas aqui
enquanto a provocação do espaço/edifício ao acontecimento do corpo e do
movimento, e por conseguinte, da criação de subjetividades (da compreensão do
edificado através dos mapas cognitivos e afetivos de Giuliana Bruno) 7. É nesta fase
que entra em ação o historiador/crítico, ao analisar o edifício não só do ponto de
vista do projeto arquitetônico (anteprojeto e projeto executivo), mas principalmente
do ponto de vista do háptico, aquele que estabelece uma relação de ação corpo x
corpo edificado.
Nesta oportunidade somente desenvolveremos o conceito Performance Process.
Na fase atual da pesquisa tratamos de relacionar o a performance como processo
de construção do edifício e a performance do arquiteto na concepção do projeto.
 Performance Process
As relações edifício x performance são investigadas na configuração narrativa
em Ricoeur8, na efetivação do projeto e seu detalhamento e todo o processo de
construção, surgindo daí a idéia do arquiteto como narrador e o projeto-prédio como
narrativa não-linear. O autor relaciona arquitetura à narratividade: a primeira estaria
para o espaço assim como a segunda estaria para o tempo. Em uma operação
configuradora o ato de construir é semelhante ao ato de narrar, na disposição de
uma trama no tempo. A operação proposta é a de cruzar o espaço e o tempo
através dos atos de construir e narrar. Assim, fundir a espacialidade do relato e a
temporalidade do ato arquitetônico tem como desígnio encontrar a dialética da
memória e o projeto em um mesmo núcleo de atividade.
7
BRUNO, Giuliana. Atlas of Emotion. Journeys in Art, Architecture, and film. Nova York: Verso, 2007.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa (tomo I). Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.
______________________. Arquitectura y Narratividad. In: THORNBERG, Josep Muntañola (Dir).
Arquitectonics. Mind, Land & Society. Barcelona: Edicions UPC, 2002.
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Na Performance Process o que se tem em vista é a busca da memória através
das narrativas sobre a configuração do edifício. Aqui a performance é tomada com
relação ao processo de efetivação do edifício como uma trama narrativa, com suas
condicionantes, determinantes e acasos de projeto planejado. Uso parte do termo
cunhado por Renato Cohen9 (work in progress, work in process) - que cogita o
procedimento de criação cênica não como obra acabada, mas como obra em
processo. A obra arquitetônica, ao contrário de ser pensada em sua incompletude e
a incompletude pensada como uma virtude - se pensa como obra acabada. O que
quero dizer com a absorção de parte desse conceito é que o processo arquitetônico
é tomado também pelo acaso, por mais que uma obra seja planejada. Muito da
produção da arte contemporânea que se produz hoje se torna acidente; muito da
produção arquitetônica no Brasil (e não só no Brasil), tanto de projeto quanto de
efetivação, por mais que seja planejada como um todo é também tomada pelo
acaso, e ao final do processo se efetiva em sua incompletude. Nesse sentido, a obra
de arquitetura incorpora as vicissitudes do trajeto, os acasos das mudanças de rumo
no decorrer da construção, o atravessamento de multiplicidades, produzindo outra
cena no canteiro de obras, na qual o acidente configura em uma realidade
existencial: se conforma como um hipertexto, o arquiteto e a empreiteira entram num
lugar e ao se apropriarem do terreno já caem em outro. Não queremos dizer com
isso que acontece uma alternância de paisagens construtivas e planejadas, mas sim
de uma coexistência não linear e não hierárquica das diversas imagens e trajetos e
processos de realização, que não tem a função de se explicar ou de se traduzir
mutuamente, são acasos, mudanças de percursos que acontecem e que produzem
sentidos.
Esse conceito é um recurso que possibilita a análise e crítica da arquitetura
quando se trata da idealização e planejamento, e de sua relação e diálogo com as
possibilidades e tecnologias construtivas. O Brasil, ao contrário de muitos países
industrializados trata seu planejamento de forma distinta ao tratamento dado a
projetos desenvolvidos em países industrializados como os EUA, o que muitas
vezes inviabiliza a edificação ou a torna muito mais onerosa. Segundo Mendonça et
al10, a partir de Camargo et al11 e Melhado12, a tradição no trato de projetos
arquitetônico no Brasil - imposta pela “cultura arquitetônica” e muitas vezes pela
realidade que se impõe no mercado da construção civil (aqui quero dizer, problemas
na obra como resultado de planejamento genérico) -, confirma a importância da
análise e crítica da performance process para o campo da História e da História da
Arquitetura.
9
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2004. PP.
MENDONÇA, Ana Domitila de A.; JAPIASSÚ, Pamilla; CORRÊA, Wanessa; AMARAL, Tatiana
Gondim do. A gestão do processo de projeto da gerência de planejamento e projeto da Universidade
Federal de Goiás. Anais do XIII Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, 2010.
11
CAMARGO, D.; MOSCOSO, R.M de C.; STAUT, S.L.S.; FABRÍCIO, M. M.; RUSCHEL, R. C. A
gestão do processo de projeto da coordenadoria de projetos (CPROJ-FEC) na UNICAMP. In: VII
WORKSHOP BRASILEIRO DE GESTÃO DO PROCESSO DE PROJETOS NA CONSTRUÇÃO DE
EDIFÍCIOS. Curitiba. Anais... Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2007.
12
MELHADO, S.B. Qualidade do projeto na construção de edifícios: aplicação ao caso das empresas
de incorporação e construção. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo.
São Paulo, 1994.
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Vejamos:
O tempo é outro fator a ser considerado na dinâmica de gestão de
projetos [...] em países desenvolvidos o tempo de projeto chega a ser
igual ao tempo dedicado à obra, evitando deficiências e desperdícios
comuns na fase de execução e obtendo um melhor desempenho
final. No Brasil não ocorre esta prática, o projeto é visto como “mal
necessário” por exigências legais, fazendo com que parte das
decisões cabíveis em projeto seja tomada durante a execução. [...] o
projeto deve ter capacidade de subsidiar a produção em canteiro de
obras apresentando alto nível de informações. A tecnologia
construtiva deve ser formulada, estudada e detalhada em projeto
para alcançar sua otimização e proporcionar uma antecipação, no
papel, do ato de construir. Para ele qualquer esforço dispensado
durante o projeto repercute em ganhos sensíveis reduzindo os custos
quando comparados aos provenientes das mudanças feitas durante
a execução [...] o “investimento” em prazo e custo do projeto é
necessário para permitir seu maior desenvolvimento ainda que nessa
fase houvesse um deslocamento para cima do custo do
empreendimento e, eventualmente, um tempo maior dedicado à sua
elaboração (MENDONÇA ET AL, 2010, p.2)
Na Fundação Iberê Camargo a análise processual do planejamento e
efetivação do edifício nas narrativas se torna um operador indispensável, já que este
edifício traz inovações tanto tecnológicas como no trato do percurso no canteiro de
obra. Podemos exemplificar com o processo de execução do betão branco que a
Fundação Iberê Camargo traz como primeira experiência no Brasil. Este
experimento demonstra como o desempenho in situ exigiu um tratamento diferente
no campo e formação técnica de pessoal, exclusivamente para a execução das
paredes externas do edifício. As especificidades deste material e seu
comportamento exigiram tanto especialização na execução quanto cuidado e
limpeza no canteiro, ou seja, só a execução das paredes externas foram uma
performance à parte que se configurou um texto dentro do outro. Em alusão aos
apontamentos de Ricoeur13 afirmamos que narrativa e construção operam um
mesmo tipo de inscrição, uma na duração, outra na dureza do material.
Arquiteto como performer
A pesquisa também tem como objetivo apreender o edifício através da
performance criativa do autor. Sabendo que o arquiteto, ao elaborar o projeto, “fala”
de um universo cultural distinto, buscamos perceber sua metodologia, dentro da
complexidade da arquitetura contemporânea.
Tentar apresentar o método na obra arquitetônica de Álvaro Siza implica
compreendê-lo na complexidade das mudanças que se operam, nas narrativas
críticas do campo arquitetônico, nas clivagens, nas ambigüidades e as transições da
arquitetura contemporânea. A compreensão implica apreender a opinião que Siza
tem do seu próprio trabalho, através do seu discurso teórico.
13
Op. Cit.
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Através de contribuições de alguns autores vamos enquadrar seu processo
no contexto da teoria e história da arte e da arquitetura para formular questões
acerca do lugar, da estrutura metodológica e do programa desenvolvido. A idéia é
mostrar a interligação constante da retórica, poética e semiose na obra de Siza, já
que todos estes elementos vivem em tensão.
Na fase atual dessa pesquisa, a partir de Frampton14 consideramos 4
abordagens no processo criativo de Álvaro Siza: a - a morfogênese complexa dos
seus projetos, b - o desenho como investigação/expressão/ técnica processual de
projeto, o desenho como palimpsesto, c- o sentido existencial do lugar na retórica
projetual e construtiva e d- Sua reflexão sobre arquitetura contemporânea:
Arquitetura x Arte, ou melhor, Arquitetura não é Arte. Neste ensaio somente
analisaremos o desenho e o lugar na obra do autor.
Algumas fontes de pesquisa são consideradas importantes no processo de
compreensão desta etapa: os desenhos, os croquis, estudos preliminares,
maquetes, as poesias do arquiteto Siza. Nessa pesquisa, todo esse material se
configura em documentos decisivos no entendimento do processo de criação do
autor, de sua trajetória, da concepção ao acabamento da obra. Como afirma
Noronha15:
“o método de pesquisa em arte [e arquitetura] se assemelha à
pesquisa no campo clínico pelo modo como a metodologia deve
estar contida nas operações que as práticas propiciam – seja a da
prática da clínica, seja a da prática do artista/arquiteto em seu ofício
investigativo produzindo um objeto que resulta da inter-relação entre
uma reflexão meta-teórica e a instalação do lugar de trabalho”
(NORONHA, 2008 – C, p. 8).
Com essa afirmação Noronha chama atenção para os processos de
investigação nos campos da arte (complemento esse raciocínio, apontando também
para o que acontece no campo da arquitetura). Esses processos produzem um
material que muitas vezes é dispensado nos estudos da História e da História da
Arquitetura. Na abordagem que esta pesquisa propõe, colocaremos lado a lado
essas fontes de pesquisa com outros documentos, como entrevistas por exemplo. O
historiador crítico e interartístico é devedor desses documentos, que fazem da
investigação e análise uma viagem em outros campos que não só o da arquitetura.
Ut Pictura Poiesis - Siza, além de arquiteto também faz poesia quando projeta... e
desenha:
14
FRAMPTON, Kenneth. Historia Crítica de La arquitectura moderna. Barcelona: GG, 1981.
__________________________. Álvaro Siza, obra completa. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2000.
15
NORONHA, Márcio Pizarro. Sob o giro da Arte na leitura sintomal. Objetos epistemológicos
modernistas,
recalque,
crítica
e
morte
na
leitura
historiográfica.
Disponível
marciopizarro.files.wordpress.com/.../sob-o-giro-da-arte-na-leitura-sintomal.pdf. Acesso: 23.08.2008 C
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“Buraca. Escarpa forrada de verde. HORIZONTAL. Em frente o rio ou
mar, cidade. O céu pintado de vermelho, polido objeto, estende os
braços... as curvas lambidas pelo Sol....
Recebe, acena, suga, estreitas janelas necessárias, tudo e:
lâmpadas inúteis,suspensas, luz e luz o dia inteiro. graves óleos
gravados aura..........paz”
Álvaro Siza
No processo de Siza o desenho ocupa lugar da observação, da abstração, da
criação. O arquiteto “viaja” em seus croquis, que, de tão importantes em seu método
criativo já suscitou muitos comentários e produziu um livro: Esquissos ao Jantar. O
título é sugestivo e não deixa dúvidas de que o arquiteto desenha onde estiver e no
papel que estiver ao alcance. No jantar, no avião, em casa ou nas viagens para os
canteiros, ele explora as paisagens, indica caminhos projetuais, projeta sua vida. Ele
é um desenhista contumaz. Seus desenhos deixam pistas e exploram conexões sem
proclamá-las. O gesto expressa o movimento da parede no espaço, precipita a
invenção.
Mas o desenho também é um palimpsesto, o arquiteto tem um olho que
recorda: o eco da escola modernista, das formas dinâmicas de Alvar Aalto, Utzon e
Le Corbusier (e suas promenades architeturales). Os percursos da composição do
desenho se misturam aos trajetos arquiteturais, estratégicas dos projetos. “Todo se
hace transparente, se sobrepone. Las figuras no se anulan: existen simultáneamente
en estratos diferentes”. (MURO, p. 2)16. As imagens nos desenhos de Siza
aparecem em sobreposições, torções e transformações as mais complexas. Em um
só desenho ele mistura edifícios clássicos e estudos novos, edifícios
contemporâneos sobre os edifícios clássicos; o material que outrora revestia um, em
seus desenhos passa a revestir outros, ele os torce, dobra, vira ao avesso. E mostra
como a arquitetura do passado pode servir como um canteiro para o presente. E
demonstra como sua arquitetura incorpora estratos de significados, uma operação
que se coloca no interior de uma cadeia de transformações muitas vezes iniciada em
um projeto anterior: “Siza sabe que no podrá nunca, ni siquiera en el desierto,
depositar el primeiro de los estratos, desea – íntimamente – que no sea tampoco el
último” (Op cit., p.49). Os trabalhos de Siza demonstram um roteiro de vida no qual o
último trabalho dialoga com o anterior e assim sucessivamente. Essa é sua versão
do que vem a ser uma busca paciente e uma pesquisa em arquitetura.
Para Muro, Siza dá pistas, em seu desenho, do que encontramos nos
edifícios:
“Solo los ángeles pueden hacer presente todo el pasado en um
instante único. El ángel confunde pasado y presente: para el, todos
los acontecimientos son simultáneos. Solo un ángel puede ver
simultáneamente todos los estratos que configuran la realidad, y
registrar su huella transparente. Alvaro Siza hace arquitectura igual
que dibuja. Los dibujos que acompañan a sus proyectos -plantas,
16
MURO, Carles. Notas sobre algunos dibujos de Alvaro Siza. Madrid: Circo, 1994.
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secciones,
perspectivas,
anotaciones,
figuras,
detalles
constructivos...- se van amontonando unos sobre otros. El último en
llegar no aniquila al anterior; se pone encima, pacíficamente. El papel
sobre el que se dibuja podría Haber sido, desde el primer proyecto
hasta ahora, siempre el mismo. Todos los proyectos anteriores
forman parte del último proyecto. Todo lo que se ha visto, oído,
tocado, imaginado o construido, es incorporado y acaba por
reaparecer. Cada nuevo trazo contiene todos los anteriores. Cada
nueva configuración será apenas entrevista, en la fragilidad de lo
efímero, antes de ser nuevamente transformada por la siguiente
capa. La realidad esta hecha de superposiciones, transformaciones,
recuperaciones” SIZA, Álvaro. Il procedimento iniziale. Revista Lotus
International. Milán, nº. 22, 1979, pp.49.
Essa homenagem mostra na superfície do desenho uma densidade temporal
de um profundo conhecedor da história da arquitetura, o arquiteto/professor traça
seus modelos com uma regra que para ele é cara: a constante inovação sem
desconsiderar os planos da tradição.
O lugar, o contexto
“A primeira coisa que se deve treinar é a percepção visual, ou seja,
reconhecer o ambiente. Um arquiteto deve se impregnar da
atmosfera de uma cidade ou de um sítio para o qual projeta” (Álvaro
Siza em AU n.113, ago., 2003, p.62)
O lugar tem um significado importante para entendermos a abordagem de
Siza, ele funciona como um gerador topomorfológico. A forma do edifício, como o da
Fundação Iberê Camargo, se resolve a partir de uma relação que o arquiteto
estabelece com o sítio. Para Rodrigues17 “não se trata de uma simples atenção ao
clima, a eventuais aspectos sócio-econômicos, a uma arquitetura local pré-existente,
a sintonia de Siza com o ambiente é de uma característica mais abstrata, mais difícil”
(Op. Cit.p.1).
O sítio participa como elemento fundante do projeto. Este, segundo as
palavras do próprio arquiteto, se baseia na habilidade em combinar a arquitetura
racionalista e a sensibilidade em relação ao entorno. Nestes termos podemos
relacionar sua arquitetura com o contextualismo e com o conceito de regionalismo
crítico de Kenneth Frampton. Os contextualistas procuram valores na tradição e
cultura do lugar na orientação da produção. Os arquitetos que foram influenciados
por essa faceta da história da arquitetura dialogam com a Heidegger e seu conceito
de lugar como “genius loci” (espírito do lugar) e assim buscam os preceitos
fenomenológicos como ponto de partida para o processo projetual.
Já no entendimento de Montaner18 a arquitetura contextualista tem sua raiz
em um passado modernista mais remoto. Para o autor, a arquitetura traz valor e
17
RODRIGUES,
Ana.
Álvaro
Siza
Vieira.
Disponível
em:
http://www.dearchitecturablog.com/?p=189=1. Acesso: 22 de maio de 2011. P. 1
18
MONTANER, Josep Maria. Introduccion a la arquitectura. Conceptos fundamentales . Barcelona :
Editorial UPC, 2000. P.101.
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significado ao lugar e revela que foi com a arquitetura orgânica de Frank Lloyd
Wright e com o escandinavo Alvar Aalto que se iniciou definitivamente a relação da
arquitetura com o lugar: “Wright perseguia o espaço moderno que não fosse
indiferente ao lugar” (Op.cit, p. 78) e “a obra de Aalto também manifesta esta
sedução pelo mundo da natureza viva como metáfora da arquitetura” (Op.cit., p. 78).
Poderíamos afirmar, a partir das considerações de Montaner, que o contextualismo
de Siza remete mais às influências modernistas que tratam o edifício como um ente
diferenciado que resume o ideal e o circunstancial, modificando as condições do
local sem perder de vista outras influências e sem perder sua gestalt.
Conclusões
Esse pequeno ensaio é somente parte de uma pesquisa que objetiva
compreender o edifício, através da Fundação Iberê Camargo. Entendemos que para
tanto tenhamos que empreender a tarefa de analisar o edifício não só por seus
documentos escritos, projetos, ou imagens propriamente ditas. Temos que
enveredar por um caminho que trata desde a concepção do autor – buscando seu
lugar no mundo – até uma relação subjetiva com o espaço, passado por desenhos,
poesia, enfim por um trabalho interartístico. Por isso a escolha por essa abordagem
peculiar. Através dos conceitos sugeridos tratamos de reiterar, neste caminho ainda
em curso, a importância da relação corpo x espaço x performance. Se, segundo o
arquiteto Tschumi "os corpos não apenas se movem adiante, mas também criam
espaços produzidos por e através de seus movimentos" é possível partir de uma reexistência da arquitetura através de uma nova leitura da promenade arquitetural, que
assimila principalmente o corpo como fio condutor da experiência perceptiva.
O edifício contemporâneo também pode ser pensado como um corpo, e
sendo assim é um corpo que mostra desempenho, ações, conexões, interações. A
techno–performance, ajuda a perceber como as inovações tecnológicas e os
aspectos construtivos podem marcar comportamentos, recepções e modelar
subjetivações19.
Por fim, o criador/autor/arquiteto também é um corpo em ação. Álvaro Siza é
um arquiteto- artista mesmo que não aceite a definição, é um expressionista que
desenvolve seus projetos por várias vias, entre elas a partir de prazer quase
obsessivo de desenhar. É conhecendo o universo do autor, principalmente como ele
se posiciona dentro de seu próprio campo, que achamos pistas para a compreensão
de como se fazem as conexões e articulações arquitetônicas a partir de seu mundo.
E é assim, segundo Paul Ricoeur20, que apreendemos o si mesmo, já que ele
sugere que histórias de vida não são um dado puro e adquirido, mas são sempre
obtidas por mediação ou refiguração através das narrativas pelas quais o “si” ou os
grupos sociais se definem. A idéia de uma compreensão de si e do mundo, deste
modo, passa necessariamente pela análise dos signos e das obras que
encontramos e que precedem nossa existência individual: „Compreender o mundo
dos signos é o meio de se compreender‟. Assim, nossas vidas vão corresponder ao
19
20
AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
Op. Cit.
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que Ricoeur denomina “tecido de histórias narradas” (Op. Cit., p.356), que, por sua
vez, é o que dá coerência, forma e sentido à experiência humana.
Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
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