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capítulo um
Universo Grego
“Todos os governos se autodenominam de democráticos. Mas
não há Democracia sem participação.”
(Paulo Bonavides)
Entendemos por bem antes de apresentar o exame conjeturatório do filósofo Sócrates, passearmos um pouco pela história
do Estado-berço do julgamento. Assim, faremos uma abordagem da época, dos costumes, das histórias, do enfoque cultural,
do prisma religioso e traçaremos a biografia de algumas personagens. Neste capítulo, iremos abordar, de forma rápida, mas
esclarecedora, os fatos e o cotidiano daquela região que assistiu
ao julgamento do maior filósofo da humanidade. Fracionaremos
essa abordagem, pois, em quatro subtítulos: “Aspectos históricos”,
“Aspectos Históricos Sociais”, “Aspectos Históricos Econômicos”
e “Aspectos Históricos Políticos”. Agindo assim, pensamos estar
tornando mais fácil, agradável e interessante a leitura do presente
trabalho. Essas noções históricas iniciais são uma breve tentativa
de habituar o leitor a melhor compreender as questões nacionais
e históricas do povo que embalou os primeiros passos do mundo
ocidental.
32 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
1.1 Aspectos Históricos
Será que já paramos para pensar o quanto é importante para
o mundo, para os Países, para a sociedade e para nós, a criação e
a existência perene da ciência histórica? Imaginem, nascermos e
não possuirmos nenhum registro dessa nossa vinda à Terra; começamos a habitar com pessoas que não sabem suas histórias, as
histórias de seus pais, avós, bisavós etc. Atentemos para a falta de
identidade que sentiríamos! Começamos a engatinhar, depois a
andar, e aí chega o momento de irmos à escola. Imaginemos não
saber nada dessa escola; quantos alunos já se formaram ali? Se os
professores cursaram uma graduação para ensinar bem? Quem
são os familiares de nossos colegas de sala? Tudo isso é muito importante para o alicerçar de nossa vida quando infantes. É por
isso que devemos homenagear e cultuar a História como ciência.
Não seríamos nada, se não soubéssemos de onde viemos e quem
foram nossos antepassados.
Destarte, concordam com nossa visão os professores Vicente Bagnoli, Susana Barbosa e Cristina Oliveira, quando asseveram em sua obra:
De todo modo, a História, tomada em qualquer uma de suas acepções, é o resultado de uma necessidade essencialmente humana:
explicar para si próprio sua origem, suas instituições e construções, seus valores, enfim, sua vida.1
Há de se hastear diuturnamente a bandeira da arte de estudar História. O bom historiador tem a ferramenta acertada para
demonstrar nossas heranças atávicas e nossa origem humana.
É imbuído desse espírito que começamos este capítulo reverenciando a História e suas estórias.
BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana e OLIVEIRA, Cristina. História
do Direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 3.
1
Universo Grego 33
Ironicamente, quis o destino que a raiz da palavra História,
fosse proveniente do idioma grego, vernáculo este que nasceu nas
plagas que iremos discorrer por boa parte do presente livro.
O verbete “História” tem sua origem grega (ιστορία) e já na
gênese do seu emprego traz o significado de “investigação”. Forma de buscar vestígios e fatos do passado. Estudar história naquela época antiga era, acima de tudo, ser sabedor da evolução
do indivíduo como espécie humana e como obra mais perfeita a
habitar o solo terrestre.
Por essas e outras razões é que começamos abordando a história da Grécia como meio para ambientar e esclarecer o julgamento de Sócrates, filho de Sofronisco e de Fenareta, cidadão de
Atenas.
A Grécia como Estado foi-se desenvolvendo no sul da península Balcânica, próximo às ilhas do mar Egeu e do litoral da
Ásia Menor. A civilização grega foi-se estabelecendo de forma
contínua e produtiva. Graças à região montanhosa que cercava
o solo grego, fecundaram ali as primeiras cidades-estado da humanidade. Nasceram, nesses modelos de pólis grega, embriões de
nossas grandes metrópoles atuais.
A geografia e a topografia da Grécia apresentam imensos
vales rochosos, cercados por relevos montanhosos, altos e inacessíveis em alguns trechos. Segundo historiadores, essa formação favoreceu o isolamento e a solidificação das cidades-estados
gregas.
O professor Zeferino Rocha nos informa que “oitenta por
cento da Grécia Antiga era montanhosa e as montanhas tinham
uma configuração particular. As depressões do solo transformavam-nas em verdadeiros labirintos”.2
O clima da Grécia também beneficiava o assentamento de
grupos nas suas mais diversas regiões, uma vez que era seco no
2
ROCHA, Zeferino. A morte de Sócrates. São Paulo: Escuta, 2001, p. 106.
34 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
verão, mas suave no inverno, graças à atmosfera do Mediterrâneo.
A civilização grega começou a tomar forma e a ser conhecida como nação, a partir da grande ilha de Creta, no sul do Mar
Egeu. Nos primórdios da civilização situada na ilha estabeleceu-se uma via comercial com regiões vizinhas, principalmente com
o Estado egípcio. Mais tarde, Creta passou a dominar também
vastas áreas de terra do Mediterrâneo Oriental, englobando a antiga Grécia Continental.
Após essas investidas, sabe-se que a civilização cretense começou a decair e, provavelmente, não tenha experimentado, com
muita ênfase, a época de maior desenvolvimento da Grécia como
uma só.
Nos primórdios, as medidas da região escolhida para sediar
a Grécia possuíam a seguinte extensão: Fásis era o extremo leste
da terra, e as colunas de Hércules eram o extremo oeste. Fásis
era um rio que desembocava no Mar Negro, próximo à cadeia de
Cáucaso, e as colunas de Hércules eram o estreito de Gibraltar.
As colunas de Hércules fazem referência ao lendário herói
Hércules que se tornou muito cultuado após cumprir os doze
trabalhos. Interessante é que a alcunha de Hércules passou a
denominar tudo aquilo que fosse grande, extenso, largo, e não
a dificuldade das coisas. Existiu também um homem chamado
Glauco. Este teve que cumprir desafios complexos em sua vida e,
por isso, passou a ser denominada, em toda a Grécia, como “obra
de Glauco”, uma tarefa muito difícil de fazer cotidianamente. Era
uma expressão como as nossas: “programa de índio” e “paciência
de Jó”3.
A Grécia estava em total expansão quando começaram a
surgir as famigeradas pólis gregas. Faz-se mister discorrer acerca
Jó foi um profeta Bíblico que teve história narrada em um dos 72 livros da
Bíblia. Precisou ter muita fé, perseverança e paciência para ser premiado por
Deus.
3
Universo Grego 35
das cidades-estados da Grécia, que tiveram suas fundações iniciadas por volta da metade do século VIII a.C.
Os historiadores nomeiam a referida época como período
arcaico da Grécia. Daqui a alguns parágrafos, demonstraremos
todos os períodos históricos da civilização grega.
A colonização grega teve seu auge no período arcaico,
e diferente de como todos pensam, o povo grego não resolveu
colonizar novas terras só por conta de seu desenvolvimento e planejamento de expansão, mas também porque as cidades-estados
estavam com excesso de população, havia estiagens demoradas
nas terras já conquistadas ou períodos chuvosos sem trégua alguma, trazendo assim uma dificuldade imensa para alimentar a
população das regiões já colonizadas.
A colonização promoveu, além de novas terras conquistadas
para o território grego, também, um crescimento favorável da
industrialização e da comercialização de bens, como cerâmicas,
por exemplo. O referido período trouxe, ainda, a organização
da economia, ensejando assim a criação de uma moeda própria
local. Também houve avanços nas classes sociais com o aparecimento dos plutocratas, cidadãos que acumulavam riquezas e
propriedades.
Com o surgimento dessa nova classe social, os aristocratas,
antes os “donos” do território, passaram a perder espaço e poder
econômico. No entanto, conseguiram permanecer com o poder
político da época e, dessa maneira, decisões importantes do Estado costumavam passar pelo seus crivos.
Com a expansão grega, surge também a necessidade de grafar todos os acontecimentos, bem como registrar de forma escrita
as regras e os comportamentos locais. Nesse ínterim, aparece a
escrita. Inicialmente, surgiu o dialeto jônico e, em seguida, o dialeto ático. O alfabeto grego tem como efeméride de sua gênese o
ano de 776 a.C., data esta em que também se comemora a realização da primeira olimpíada.
36 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
As pólis gregas iam-se cada vez mais consolidando no sistema político e social da velha Grécia. No início, eram três ou
quatro cidades, mas depois de um tempo, esse número foi só aumentando, deixando assim a civilização grega como um Estado
bastante solidificado.
O historiador e jurista grego Ilias Arnaoutoglou demonstra
um pouco dessa colonização grega em sua belíssima obra “Leis
da Grécia Antiga”:
Basta pensar que, pelo menos seiscentos anos antes de Cristo, estabelecimentos jônios foram sendo formados no sul da França (onde
hoje é Marselha), na Córsega e na Sardenha, em todo o sul da Itália, na área atual de Nápoles, estendendo-se à Sicília. Passou a compreender do Mar Egeu ao Mar Negro, mesmo além da Criméia e
desde a velha Bizâncio até a Capadócia, e todo o oeste e o sul da Turquia de hoje, inclusive Chipre. Foi tão extenso o processo de helenização, que chegou a atingir a Cirenaica (na Líbia atual) e o Egito.4
Importante será ressaltar que dois princípios são muito fecundos para a estruturação das pólis; são eles: igualdade de direitos perante a lei (isonomia) e a liberdade de conduta (eleutéria).
Sem essas duas correntes de comportamento, dificilmente as
cidades-estados conseguiriam manter a harmonia dos citadinos
e com isso ficariam vulneráveis para possíveis invasões. Com a
figura da isonomia, nascia também a primeira inspiração da democracia, tão homenageada no Estado grego. Interessante é que a
eleutéria era praticada de forma a não permitir que se aceitassem
abusos. Parafraseando o grande Heródoto: a verdadeira liberdade
consistente desse princípio lecionava que a eleutéria não significava fazer o que quiser, mas sim fazer aquilo que foi disposto em
lei votada por assembleia.5
ARNAOUTOGLOU, Ilias. Leis da Grécia Antiga. São Paulo: Odysseus,
2003, p. XIV.
5
HERÓDOTO. História. Livro 7, p. 104.
4
Universo Grego 37
Na convivência cotidiana das pólis, circulavam centenas de
πολίτη ελεύθερο (cidadãos livres) que tinham suas obrigações cívicas, mas também tinham tempo para se dedicar à religião e a
formar suas famílias.
Coincidentemente as duas coisas estavam ligadas. O célebre
historiador Fustel de Coulanges nos ensina: “A antiga língua grega tinha uma palavra bastante significativa para designar a família; chamava-se epístion, o que literalmente significa: “aquilo que
está junto ao fogo”.6
O ritual religioso da época era exatamente este: colocar-se
junto ao fogo para celebrar os deuses domésticos. Só era permitido cultuar os mesmos deuses, aqueles que residiam na mesma
casa, e isso era o bastante para ser considerado família.
É necessário também atestar que o assentamento das cidades-estado baseava-se muito no comportamento que Aristóteles,
tempos depois, asseverou em suas obras, tais como: “um homem
sem cidade, é como uma pedra solitária no tabuleiro de damas”.7
E também: “Se o homem não tem condições de se realizar a não
ser que se associe e se organize em comunidade, esta é a razão de
ser da cidade, ao qual virá protegê-lo, e a sua família.”8
A cultura das cidades-estado era um privilégio de todos, totalmente diferente dos modelos indianos e egípcios, que só permitiam a aproximação da cultura de castas sacerdotais. A cultura
helênica era a cultura popular, isto é, havia o desejo de informar e
o desejo de saber só por saber.
A cultura do imaginário cotidiano das cidades-estado passava por expressões, como pólis: a república cívica da sociedade;
Demos: a sociedade organizada, com ares de comunidade unida
e doméstica; Políticos: o modo de governar da cidade; Políteuma:
COULANGES. Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret,
2005, p. 46.
7
ARISTÓTELES. Política. 1.1.9-10.
8
Ibid. 1.2.3-5.
6
38 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
as instituições políticas e cívicas; Archon: o legislador da cidade;
Kyrios: o chefe da família; Nomos: as regras legais da cidade; Diké:
a justiça; dikastêrion: tribunal onde a justiça era administrada;
Areté: virtude, bondade e solidariedade; oligois: os de classes sociais mais abastados; doulos: os escravos.
Basicamente essa era a linguagem falada em toda pólis grega
no início de sua fundação.
Outro fato interessante que diz respeito às cidades-estados
da Grécia é a liga que elas formaram entre si para combater, defendendo o Estado grego das guerras. Chamou-se “Liga de Delos”.
Durante as guerras médicas (será tratada com maior profundidade nas próximas páginas) houve uma união militar contra os persas a fim de proteger a Grécia. A junção de cidades recebeu esse
nome porque todas as pólis envolvidas recolhiam seus impostos
na Ilha de Delos, que era o quartel general responsável por manter as tropas e o arsenal de todos os exércitos das cidades. Atenas,
que logo terá sua história contada neste livro, por ser a mais forte
cidade-estado na época, assumiu a liderança da liga.
Outra união importante das cidades-estado ocorria sempre nos festejos solenes do Templo de Apolo, em Delos. Todos
os anos, quando acontecia essa festividade, as cidades-estados se
uniam e enviavam para a solenidade, comissões de cidadãos para
cultuar o Deus Apolo. Essa junção foi denominada de “Teoria
Délia”.
Talvez a cidade-estado mais importante da Grécia tenha
sido Atenas, que serviu de palco para o julgamento de Sócrates,
genitor da Filosofia.
Atenas, segundo a história, foi fixada na península da Ática que se localiza no Mar Egeu, mais precisamente entre o golfo
de Egina e o canal da Eubeia. Atenas ainda tinha uma porção de
terra que se comunicava com o Peloponeso, através do istmo de
Corinto.
Universo Grego 39
Curiosidade: Atena é a filha preferida de Zeus, deus maior
do Olimpo grego. Nasceu da cabeça do pai, já adulta e paramentada com o elmo e o escudo, que são suas marcas registradas.
A região em que se assentaram os primeiros habitantes atenienses era muito árida e com várias formações rochosas. Uma
dessas formações mais conhecidas era o monte Pentélico, de
onde os atenienses retiravam o mármore que aumentava a economia local. Outra montanha produtiva para os habitantes era
o monte Imetto, local onde havia várias reservas com cultivo de
apicultura.
A história narra que após a guerra de Tróia, os dórios e a fusão de algumas sociedades da região Ática, resolveram eleger um
local para haver encontros e assembleias acerca da vida de suas
cidades. Escolheram então uma faixa de terra, situada na planície
maior, e a poucas milhas da costa. Assim, surgia o embrião da
incrível Atenas.
A deusa Atena foi escolhida para ser protetora e para denominar aquela nova cidade que se erigia. A mitologia atribui
ao lendário Rei Teseu a fundação da cidade e a organização das
classes sociais: eupátridas (nobres), geômoras (agricultores) e os
demiurgos (artesãos e operários).
Curiosidade: Atena é a principal padroeira da cidade de
Atenas, mas também muito cultuada em outras cidades-estado,
inclusive na arquirrival de Atenas, a cidade de Esparta.
Teseu acabou doando o nome para o mais conservado Templo da antiga Atenas. No início o referido Templo foi dedicado ao
Deus Hefaistos, protetor dos ferreiros. A construção tinha trinta e quatros pilares que emprestam sustentação ao magnânimo
Templo e que narram em forma de desenho as aventuras do herói
Teseu.
De acordo com Arnaldo Godoy:
O templo foi transformado em igreja no século VII. Em 1834
alojou a celebração da chegada de Oto, como rei da Grécia; em
40 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
1934 lá comemorou-se o centenário da façanha. Hoje o local
pode ser visto apenas de fora.9
Plutarco, célebre historiador grego, sempre fazia comparações entre Teseu e Rômulo, este último fundador de Roma. Em
um de seus escritos ele comenta:
Teseu e Rômulo nasceram para governar, mas nem um nem
outro soube conservar até o fim o caráter de rei. Distanciavam-se, transformaram a realeza, um em democracia o outro em
tirania, incidindo assim no mesmo erro por caminhos contrários.10
Plutarco ainda dissertou sobre a figura de Teseu, demonstrando em suas obras que o grande fundador de Atenas era
amante de Ariadne e que, com sua ajuda, conseguiu derrotar o
perverso Minotauro dentro do seu labirinto situado na ilha de
Creta. O monstro denominado de Minotauro, metade homem
metade touro, exigia anualmente vários rapazes e moças de Atenas para conter sua fome de carne humana.
O lendário Teseu era visto pelos gregos antigos como verdadeiro paladino da cidade. Em mais um de seus escritos, Plutarco narra que Teseu “Em Elêusis, venceu o arcárdio Cercião e
o matou. Depois, avançando um pouco mais, em Erineu derrotou Damastes, também chamado Procusto, esticando-o até que
alcançasse a medida de seus leitos, como o próprio facínora fazia
com os estrangeiros”.11
Atenas, já como cidade estruturada, começou a expandir e
doar a seus cidadãos aparelhagens e condições de moradia, trabalho, lazer e educação. No comércio, Atenas possuía o porto de
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Grego & Historiografia
Jurídica. 6a ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 31.
10
PLUTARCO. Vidas Paralelas. V. 1, p. 89.
11
PLUTARCO. Vidas Paralelas. V. 1, p. 25.
9
Universo Grego 41
Pireu, que se constituía um verdadeiro ponto irradiador de seu
crescimento econômico.
Inicialmente, a cidade foi ocupada por aqueus, depois vieram
os eólios e os jônios, todos provenientes de sociedades gentílicas.
Essas ocupações serviram para moldar o estilo ateniense, um verdadeiro retrato democrático, em que muitas culturas viviam unidas e cada qual ensinando o seu modus vivendi para o outro.
Durante muitas épocas, Atenas adotou o modelo monárquico. Mais precisamente entre os séculos XI – VIII a.C., o governo
de Atenas era gerido por um homem, no caso o Rei, que, somente na sua pessoa, reunia as figuras de chefe das guerras, juiz e sacerdote do povo. O monarca tinha o apoio das famílias nobres da
cidade.
Houve um rei lendário em Atenas chamado Codro. Este rei
certa vez, informado por um oráculo que Atenas só obteria vitória diante dos dórios se ele fosse morto, disfarçou-se de soldado,
foi à batalha e encontrou a morte e a vitória de sua nação contra
os dórios.
O último rei-basileu acabou sendo destronado pela aristocracia latifundiária de terras. Após isso, implantou-se um regime
oligárquico. O novo estilo de governar trouxe também o arcontado, ou seja, órgão de poder formado por cidadãos com mandatos
anuais. Faz-se mister dizer que, no início, o mandato era vitalício,
depois passou a ser uma década, findando no modelo anual. Talvez esse regime oligárquico tenha entrado em vigência no ano de
683 a.C.
Os cargos e poderes assim se dividiram:
• arconte polemarco, chefe do poder militar e juiz de estrangeiros;
• arconte epônimo, mestre e coordenador do poder religioso;
42 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
• arconte thesmothetas, eram seis cidadãos responsáveis
pelo poder judiciário.
Além disso, foi criado, nessa época, o Areópago, formação
de eupátridas que controlavam os poderes e fiscalizavam os arcontes.
O Areópago recebeu essa nomenclatura devido a sua localização. O tribunal do Areópago ficava sobre a colina de Ares, divindade da guerra, correspondente ao deus Marte dos romanos.
Sob o comando dos oligarcas, Atenas modificou seu regime de governo, abrindo precedentes para administradores mal-intencionados.
Em 528 a.C., Atenas passou a ser governada por Hípias, um
poderoso tirano que havia herdado o governo da cidade de seu
pai Pisístrato, homem bom e justo.
No início, Hípias assumiu o governo implementando o seu
sistema, aos poucos, com moderação e respeito à população ateniense. Porém, em 514 a.C., a população estava arrasada com o estilo de governar de Hípias, que era duro e cruel. Nessa época, dois
nobres atenienses, denominados de Harmodios e Aristogíton, tramaram contra a vida de Hípias, pois entendiam que somente dessa forma conseguiriam destronar o tirano impiedoso. O plano dos
dois era o seguinte: apunhalar Hípias durante um festival que ia
ocorrer na cidade. Quando Hípias estivesse misturado à multidão,
os dois entrariam em ação dando-lhe golpes de faca. Fracassaram,
pois no evento quem acabou sendo morto foi Hiparco, irmão de
Hípias, que conseguiu sair incólume da confusão.
A morte do seu irmão mais novo relacionada com a tentativa de sua morte e a realidade da cólera da população ateniense
fizeram Hípias mudar. Obcecado pela ideia de que todos o queriam matar, ordenou que seus soldados prendessem quem fosse
suspeito e, na prisão, os executassem. Foi uma carnificina.
Universo Grego 43
Dentro desse novo regime de governar, a população sentia-se acuada, amordaçada e temerosa. A vida daquela cidade ficou
insuportável. Os atenienses mais influentes resolveram pedir ajuda a Esparta para se livrar do governante tirano e nefasto. Com o
apoio dos militares espartanos, o povo ateniense conseguiu expulsar Hípias definitivamente de Atenas.
Esse golpe foi considerado legítimo, pois os atenienses tomaram o governo com as próprias mãos e razões. O escolhido
para continuar no avanço e na gestão da cidade foi Clístenes.
Clístenes era um ateniense rico e erudito; sob seu comando
Atenas começou a respirar os primeiros sintomas de democracia. As assembleias populares passaram a ter cada vez mais poder. Antes os cidadãos compareciam às assembleias apenas para
conversar, colocar as notícias em dia. Depois de Clístenes, as assembleias começaram a decidir o futuro da cidade e a forma de
governo. Todos os cidadãos ganharam o direito de falar e votar
nas decisões. Destarte, assistimos, de cátedra, a gênese da democracia na história do mundo. Foi com Atenas, liderada por Clístenes, que surgiu a tão sonhada democracia pura e funcional.
Em 1834 d.C., Atenas passa a ser a Capital da Grécia. Sua
história e suas conquistas deram total respaldo a essa escolha diplomática.
Os velhos guias turísticos da Grécia mostram a Atenas de
1834 dessa maneira:
“Quando Atenas se tornou a Capital em 1834, era uma aldeia de solo pantanoso com cerca de 6 mil habitantes, hoje abriga
3,5 milhões de pessoas (um terço da população grega) e tem 689
km de extensão. A vida, neste clima temperado, é sentida tanto nas esquinas quanto no balcão dos bares, desde o amanhecer
até tarde da noite. Toda essa atividade combinada com a natureza
pacífica dos gregos resulta em baixos índices de criminalidade.
44 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
[…] Atualmente, é mais provável ser atropelado por um motorista descuidado do que ser assaltado.12
Os atenienses modernos ficam extasiados quando descobrem
que os estrangeiros usam muito a palavra eureka, uma expressão
cunhada por Arquimedes, para definir um simples achado.
Richard Clogg também comenta sobre a não tão velha Atenas de 1830, ano próximo da escolha para se tornar a Capital da
Grécia:
A fixação de Atenas como Capital, cidade dominada pelas imponentes ruínas do Pártenon e suas associações com as glórias
da época de Péricles, era porém em 1830 pouco mais do que
uma vila cheia de poeira, que simbolizou a orientação cultural
do novo Estado para com seu passado clássico.13
O Pártenon talvez tenha sido o monumento mais glamoroso
da velha Atenas. É, sem dúvida, um dos prédios mais conhecidos
da Grécia. Lá se encontra a verdadeira reunião da história com o
que há de melhor da arquitetura e da arte grega.
De acordo com Arnaldo Godoy, “O Pártenon é testemunho
do seu tempo. Presenciou todas as metamorfoses e transformações. Assistiu o período helenístico, o domínio romano, as pregações do apóstolo Paulo, ataques de normandos, venezianos,
domínio dos turcos [...]”14
Essa edificação possui uma simbiose muito fincada com a
história de Fídias. O construtor e idealizador do projeto do Pártenon foi Fídias, escultor grego, que durante a construção do PárGODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Grego & Historiografia
Jurídica. 6a ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 121.
13
CLOGG, Richard. A Concise History of Greece. Tradução de Arnaldo
Sampaio de Moraes Godoy, no livro Direito Grego & Historiografia Jurídica.
p. 105.
14
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Grego & Historiografia
Jurídica. 6a ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 44.
12
Universo Grego 45
tenon, foi acusado de desvio de fundos do erário público. Acabou
não sendo processado, pois preferiu por desconfiança da justiça
ateniense refugiar-se no Peloponeso.
Voltemos um pouco para a história da Grécia como nação
organizada.
A maioria dos historiadores costumam dividir os períodos
históricos da Grécia em quatro:
I.período arcaico, que abrange desde o século VIII ao VI
a.C., exatamente quando se há registro das guerras pérsicas, e tem início o período clássico;
II.período clássico, nos séculos V e IV a.C.;
III.período helenístico, que ocorre com o surgimento de
Alexandre Magno e se consolida com a conquista romana do Mediterrâneo oriental;
IV.período romano, iniciando-se a partir da derrota de
Antônio e Cleópatra por Augusto César.
O colendo professor Arnaldo Godoy, autor de uma das mais
brilhantes obras sobre Direito grego no nosso País, informa-nos
outra forma de divisão, que seria: Grécia micênica, clássica, bizantina e moderna.15
Tomando por modelo a divisão mais difundida da Grécia,
iremos discorrer acerca de cada período.
A época arcaica trouxe uma série de transformações para a
Grécia antiga, culminando com a explosão das colonizações de
novas terras, trazendo, dessa maneira, um aumento considerável
para o comércio e para a indústria da época, graças ao escambo
de mercadorias entre os povos conquistados.
Curiosidade: Hoptilia era o nome dado ao arsenal de armas
que qualquer cidadão abastado, possuidor de terras, poderia adquirir para uso ou coleção.
15
Ibid. p. 21.
46 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
Foi também no período arcaico que surgiram os governadores tiranos de Atenas (640-630 a.C.), que além da tirania
trouxeram também avanço econômico, como demonstram as informações a seguir:
Nas páginas anteriores (pp. 14 e 15), falamos do incidente
com Hípias, filho de Pisistrato, um dos primeiros tiranos da Grécia. Pois bem, com o aparecimento dos tiranos, instalou-se um
verdadeiro paradoxo de evolução, pois, se de um lado a economia dava passos largos, de outro, os direitos básicos da sociedade
eram duramente vilipendiados.
Na economia, surgem as primeiras moedas de prata com a
cunhagem de uma coruja, símbolo da deusa protetora da cidade
de Atenas.
Na vida social dos habitantes, a democracia, que havia aos
poucos se instalado foi preterida e calada. Segundo o filósofo Zeferino Rocha, “os tiranos semeavam o terror, a perseguição e a
morte entre os democratas atenienses”.16
E complementa: “Os ditadores mais do que nunca se mostraram cruéis, gananciosos e sanguinários. Jamais, em toda a
história de Atenas, os direitos básicos dos cidadãos e, particularmente, o direito de propriedade foram tão desrespeitados quanto
durante a ditadura”.17
O período arcaico também ficou consagrado por se ter dado
nessa época o acontecimento dos primeiros jogos olímpicos, realizados até os dias hodiernos de nossa geração.
Por fim, conforme escrito anteriormente, os atenienses rogaram ajuda dos espartanos e conseguiram expulsar os tiranos do
governo, sendo o último deles Hípias. Após esse advento, entregaram o poder às mãos de Clístenes.
Mas, afinal, quem foi Clístenes?
16
17
ROCHA, Zeferino. A Morte de Sócrates. São Paulo: Escuta, 2001, p. 65.
Ibid. p. 65.
Universo Grego 47
Clístenes é considerado o pai da democracia. Foi em seu
governo que o povo passou a ter voz e assento nas assembleias
que discutiam o futuro da cidade. Instaurou-se também em seu
governo uma nova constituição, com vários avanços democráticos, entre os quais podemos citar a divisão das terras dos Estados
vencidos entre os pobres. Com isso ele criou novos direitos de
propriedades para os que nada tinham. A divisão era feita mediante a aferição de dez geômetras para cada família, sendo um
décimo desse terreno dedicado aos deuses.
Antes de passarmos para o período clássico, faz-se mister
dizer que alguns historiadores citam um período anterior ao
arcaico, como sendo a época que inaugura a história da Grécia.
Esse período é chamado de Homérico ou Era das Trevas. A base
de estudo desse período indica que as comunidades gentílicas
fundaram pequenas unidades agrícolas autossuficientes, denominadas de genos. Nas referidas propriedades havia bens móveis,
animais, sementes, instrumentos de trabalho, entre outros objetos, mas tudo era controlado por um chefe comunitário que possuía domínio sobre as terras e sobre os bens de cada família. Esse
chefe era chamado de pater e exercia, a um só tempo, os cargos
de sacerdote, administrador e juiz do povo.
Agora podemos avançar para a época clássica da Grécia.
O período clássico da Grécia tem como marco inicial as
guerras pérsicas. Nesse período destacam-se as figuras dos generais Milcíades, que, com o exército grego, vence a batalha de Maratona; Temístocles, que comandou a vitória naval em Salamina;
Elfíates, que reorganiza o exercício do Areópago e, por fim, Péricles, que modificou e deu nova cara ao Estado grego.
Zeferino Rocha atesta que “o século V foi o século de Péricles. De fato, sob a liderança desse extraordinário estadista, Atenas conseguiu a hegemonia política, cultural e militar sobre todo
o povo grego”.18
18
ROCHA, Zeferino. A Morte de Sócrates. São Paulo: Escuta, 2001, p. 62.
48 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
Sem dúvida alguma, Péricles foi crucial para a evolução do
Estado grego. Foi dele, pela primeira vez, a iniciativa de remunerar os cidadãos que exerciam munus público. A remuneração
chamava-se mistoforia e era paga ao final de cada mês de trabalho. Assim, Péricles conseguiu possibilitar a participação de
todos nos assuntos de administração da cidade. Nunca, Atenas
havia conhecido uma forma tão popular de governo.
E por falar em remuneração mensal, pedimos licença para
falar um pouco do calendário daquela época.
Os meses eram divididos em três décadas. Os nove ou dez
dias da última década eram contados às avessas, ou a partir do vigésimo. O primeiro dia de cada mês era considerado o dia da lua
nova, mesmo quando não havia conjunção do sol e da lua.
Retomando Péricles, podemos dizer com toda a certeza que
com ele Atenas passou a ser o centro da cultura grega, reunindo
em seu interior as mais diversas manifestações de arte micênica.
Atenas era chamada de o farol da civilização, por isso não é à toa
que sempre foi muito cultuada e até hoje se fala muito a respeito
de sua história.
Péricles era muito amigo de Fídias. O construtor do Pártenon teve que se exilar em outra cidade para não ser processado
por crime que não cometeu.
O estadista grego viveu entre os anos de 500 a 429 a.C. De
acordo com Paul Harvey, “Péricles era reputado como homem de
caráter forte, sóbrio, incorruptível e reservado”.19
Seu desejo sempre foi o de hastear em Atenas a bandeira da
igualdade e da democracia. Sempre buscou uma situação equânime entre o povo e o Estado.
Segundo Plutarco, foi Péricles quem construiu os mais imponentes e importantes monumentos de Atenas, tais como: Pártenon, Propileus e a Grande Muralha.
HARVEY, Paul. Dicionário Oxford de Literatura Clássica. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1987, p. 388.
19
Universo Grego 49
Possivelmente o grande governante tenha morrido de peste.
Voltando a discorrer sobre a era clássica da Grécia, foi nesse
período que se consolidaram, com grande atuação e importância,
as principais instituições gregas: A Assembleia, o Conselho dos
Quinhentos (Boulé) e os Tribunais da Heliaia. Os dados indicam
que, no entremeio dos anos 430 a.C., Atenas sediava a vida de 300
mil habitantes, sendo 30 a 40 mil cidadãos e 100 a 150 mil escravos.
O Professor Godoy indica que “o legado da Grécia Clássica
[…] finca raízes em Pausânias e em Plutarco. Pausânias explicitou monumentos, cidades, templos, avenidas, paragens. Plutarco
expôs gênios, lutadores, bravos, conquistadores”.20
A época clássica emprestou à Grécia uma imagem de evolução acompanhada de vários eventos importantes. Nesse período,
os atenienses ganharam a batalha contra os persas; as cidades-estados mais importantes formaram a Liga de Delos; lutaram
contra os espartanos na famigerada Guerra do Peloponeso; Atenas foi governada por tiranos e ditadores conhecidos como trinta
tiranos; a Grécia perdeu a batalha de Queronéia para Filipe II, pai
de Alexandre, o Grande, só para citar alguns fatos importantes.
Nesse mesmo período surge o dialeto koiné, responsável pela escrita do Novo Testamento Bíblico. Enfim, podemos concluir que
não houve época mais profícua para a Grécia do que seu período
clássico.
A próxima Era estudada será a helenística.
Alexandre, o Grande, expandiu os territórios da Macedônia
até a Ásia Menor, e depois até a Índia. Essas imensas porções de
terras conquistadas por Alexandre foram responsáveis por denominar o período helenístico.
Alexandre III, como era seu nome, recebeu a educação do
filósofo grego Aristóteles. Destarte, o jovem Alexandre passou
a ter contato com os axiomas da cultura grega. Sempre aberto a
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Grego & Historiografia
Jurídica. 6a ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 56.
20
50 O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito
novas experiências, Alexandre não impediu que outras culturas
chegassem ao seu conhecimento. Assim, o grande imperador
macedônio, após ter acesso a diferentes culturas, passou a misturá-las na sua cotidiana vida exploradora.
Foi nessa troca de diversas informações heterogêneas que
começou a se definir a irradiação da cultura helenística no mundo conquistado por ele. Um dos marcos desse novo período foi a
construção da cidade de Alexandria, no Egito.
Monumento a céu aberto e com edificações das mais nobres
linhas arquitetônicas, a cidade de Alexandria ficou famosa por
possuir uma imensa biblioteca com acervo bibliográfico superior
a 500 mil obras.
A comunidade científica deu passos largos rumo a um grande conhecimento no período helenístico; muitos desses avanços
nunca tinham sido ultrapassados por vários séculos.
Na Medicina, dois nomes merecem destaque: Herófilo e
Erasístrato. Ambos viveram em Alexandria na primeira metade
do século III a.C. Herófilo, considerado o pai da anatomia, não
aceitava os dogmas estabelecidos por seus colegas. Ele preferia a
observação direta do corpo para se chegar à causa mortis. Foi pioneiro em importantes estudos na seara da frenologia, tornando-se grande expoente por ter sido o primeiro médico a diferenciar
cérebro de cerebelo. Em suas obras, descreveu de forma profunda
os aspectos do duodeno, do pâncreas e da próstata, além de ter
descortinado para o mundo médico a ritmologia do pulso, através das duas forças cordiais: a sístole e a diástole.
Por sua vez, seu colega Erasístrato foi o responsável pela
descoberta dos primeiros estudos sobre fisiologia, salientando-se
através de estudo cuidadoso dos vasos sanguíneos e da circulação
do sangue. Escreveu um profícuo tratado sobre os pulmões.
Na seara das Ciências Exatas, mais precisamente na Matemática, Euclides de Alexandria, autor de “Os Elementos”, inaugurou na referida obra as bases da Geometria como ciência.
Apolônio de Perga estudou as seções cônicas.
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