Instituição Psicanalítica: papéis específicos, crise, pesquisa, relações com a universidade. Maria Luiza de Mattos Fiore1, Patrícia Gazire2 e Julieta Freitas Ramalho da Silva3. O diálogo entre Psicanálise e Universidade foi tenso desde o início: por um lado atraente, por outro visto com muita desconfiança. Freud em 1919, já postulava que a Psicanálise seria desenvolvida e transmitida em suas associações, e afirmava que essa área de conhecimento seria importante tanto para a formação dos profissionais de saúde como para e aqueles que trabalham com o desenvolvimento do conhecimento das ciências humanas. Na área médica é evidente sua importância: no estudo sobre o sofrimento humano, nas relações entre a vida psíquica e a somática, no conhecimento da psicodinâmica entre o indivíduo e suas relações familiares, de trabalho e outros. Nosso grupo, formado por médicos e psicólogos ligados a Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – foi procurar formação psicanalítica com a intenção de melhor compreender situações da clínica, em particular da prática psiquiátrica que a Psiquiatria deixava em aberto. Desse intercâmbio entre a escola médica e a Sociedade de Psicanálise de São Paulo, desenvolvemos ao longo de 30 anos, um curso de Psicologia Médica que se estende do primeiro ao quinto ano médico. As aulas são ministradas em pequenos grupos e por meio de filmes, textos literários e artigos das áreas de Ciências Humanas. Nós procuramos fazer um contraponto ao ensino médico tecnológico, com a intenção de sensibilizar os alunos de Medicina para a questão do sofrimento humano em seus aspectos psíquicos. Há oito anos, criamos uma Disciplina de Psicoterapia e Psicodinâmica que é o lugar em que a Psicanálise se insere na nossa Universidade. Além de participarmos da pósgraduação com o curso de Pesquisa em Psicoterapia Psicanalítica, estamos também presentes na residência de Psiquiatria com curso teórico de Psicanálise e por meio da supervisão de terapias de longo prazo. Portanto, utilizamos o conhecimento psicanalítico, 1 Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Membro do Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. 3 Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. 2 em todas estas áreas de atuação, mas não somos formadores de psicanalistas, função que acreditamos ser pertinente às sociedades, e institutos como já foi postulado por Freud. Estes são os lugares da internalização do modelo e do pensamento psicanalíticos, para que depois possam ser utilizados em outros contextos como no espaço médico, terapêutico, ou no estudo de várias áreas de Ciências Humanas. Há uma diferença básica entre a maneira de ensino/aprendizagem da academia e da sociedade psicanalítica. A primeira funda-se na relação professor (aquele que sabe) e aluno (quem não sabe), enquanto que a formação em Psicanálise implica em apreender a experiência emocional do outro, através da sua própria experiência emocional, ou seja, através da experiência dialética entre ser objeto e sujeito de investigação. Portanto, é necessário o tripé: análise pessoal, supervisão clínica e cursos teóricos. Diante dessa idéia, nosso objetivo é a expansão da psicanálise na área da Medicina e da Saúde Mental em particular. Na Medicina, com a compreensão do sujeito, do adoecer, das inter-relações médico-paciente e na Saúde Mental e Psiquiatria, como tratamento. E, por fim, na própria expansão do conhecimento por meio da pesquisa do modelo psicanalítico fora do enquadre tradicional. No entanto, a consideração pela Psicanálise no meio universitário e principalmente no meio médico não é a mesma. O psicanalista que há mais de vinte anos era respeitado por um tipo de saber especializado vem sofrendo diversas críticas principalmente no que diz respeito à não atualização com recentes avanços científicos, de ser incompreensível, pouco prático e ficar isolado nas sociedades. Outra crítica freqüente é quanto aos dados clínicos psicanalíticos. Estes ainda são vistos com certa desconfiança justamente naquilo, que nos parece ser original e promovedor de saber: a contratransferência, questão comum a qualquer observador de fenômenos clínicos e processos terapêuticos. O aspecto contratransferencial como outros do processo psicanalítico nos parece que podem ser abordados por meio do método de pesquisa qualitativo e não pelo quantitativo que exige uma redução, própria do modelo positivista de ciência incompatível com o método psicanalítico. Aliás, este é um dilema enfrentado pelas pessoas que trabalham na interface de Psicanálise e Universidade, o quanto podem se afastar do método psicanalítico como produtor de fatos clínicos. O nosso grupo procurar entender essa questão como algo a ser pesquisado. Por outro lado, há uma nítida tendência na Universidade da pesquisa ser desvinculada da experiência direta com o paciente, o que é problemático para nós psicanalistas, pois somos essencialmente clínicos. Cada vez mais o conhecimento na área médica caminha para controvérsias mais específicas e de curta direção. Há pouco espaço para enfoques diversos e pouca tolerância para a ambigüidade de achados. O diálogo interdisciplinar deixou de ser amplo para se fixar em pequenas discussões práticas. Por exemplo, a Psiquiatria sofre uma forte pressão das indústrias farmacêuticas em direção a uma compreensão biológica da mente, que minimiza e desvaloriza qualquer outra abordagem e proposta de tratamento. Diante dessas posições desenvolvemos um projeto de pesquisa temático Pesquisa em Psicoterapia Psicanalítica: Aplicação clínica no atendimento de pacientes previdenciários e ensino em programas de residência em psiquiatria e especialização em psicologia da saúde, composto de três estudos: 1) Estudo Psicoterápico e Psicanalítico de Pacientes Borderline (DSM-IV); 2) Estudo Psicoterápico e Psicanalítico de Pacientes com Transtorno Doloroso (DSM-IV); 3) O ensino de Psicoterapia Psicanalítica para residentes em Psiquiatria e psicólogos especializando em saúde mental; Nos dois primeiros investigamos o processo psicanalítico, e avaliamos as mudanças da personalidade de pacientes previdenciários em psicoterapia psicanalítica tendo em vista a eficiência do tratamento. No terceiro, estamos interessados no processo de aprendizagem de psicoterapia psicanalítica. Avaliamos o quanto o aluno-terapeuta são capazes de aprender e compreender o mundo interno, a realidade psíquica do paciente e como operam com esses conceitos, durante os três anos de seu processo de treinamento. Os pacientes atendidos por este grupo também são avaliados. Nossa pretensão é demonstrar o quanto a Psicanálise é válida como método de investigação da psique humana e verificar o quanto o método terapêutico é eficiente em diferentes enquadres. A universidade é o local de encontro e diálogo de diversas disciplinas, lugar de transmissão do saber, pois lá o conhecimento se populariza, democratiza. E a Psicanálise, para não ficar isolada, precisa se relacionar com a Universidade. Nesse sentido, Fonagy (2004) comenta sobre a necessidade dos psicanalistas terem uma atitude mais aberta diante de pesquisas que utilizam coletas sistemáticas de dados para possibilitar diálogo entre os achados psicanalíticos e de outras áreas do conhecimento humano. O mesmo autor pontua que é necessário para uma mútua fertilização de idéias não só uma abertura para o novo, para um amplo campo de conhecimento metodológico, como também pessoas dispostas a coletar dados sistematicamente. Além disso, nos alerta que as pessoas que escolhem trabalhar na interface de Psicanálise e Universidade, podem ser não compreendidas tanto por um grupo, como por outro e compara esse trabalho a viver próximo a uma falha geológica, onde existe um constante risco de perder as casas. Entre várias questões vividas neste campo de trabalho ressaltamos: 1. A necessidade de se desenvolver uma linguagem aceita pelo mundo científico sem descaracterizar a Psicanálise. 2. O contrato terapêutico com o paciente e o contrato de pesquisa. 3. A ética na pesquisa psicanalítica, sua divulgação. 4. Questões técnicas do trabalho psicanalítico na instituição, como: espaço de intimidade característica da Psicanálise e não da Universidade pública, vínculo terapêutico particular e anomia do espaço público. Referências Bibliográficas: Fonagy P. Colhendo urtigas: o impacto mútuo da psicanálise e outras disciplinas acadêmicas na universidade. Psicanalítica, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.29-48, 2004. Freud S. Debe enseñarse el psicoanálisis em la universidad? (1919). In: Etcheverry JL, trad. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu; 1975. v.17. Lowenkron T. Psicanálise, universidade e pesquisa: relacionamento possível. Rev. Bras. Psiquiatr., v.22, 4, p.155-6, 2000.