0 O desenvolvimento de mercados alimentares orgânicos: relacionando atributos, benefícios e valores no processo de comunicação e marketing Luiz Henrique de Barros Vilas Boas Luiz Marcelo Antonialli Renato Elias Fontes Marcelo Márcio Romaniello Luis Carlos Ferreira de Sousa Oliveira Resumo: As grandes transformações evidenciadas nos últimos anos no mercado de alimentos, relacionadas principalmente ao desenvolvimento de novos hábitos alimentares, estilos de vida, preocupação com a saúde e o meio ambiente, refletem a necessidade de uma preocupação cada vez maior com os processos de comunicação e marketing. Compreender os diversos conceitos que envolvem o desenvolvimento dos processos de comunicação e marketing é fundamental para que sua aplicação seja estabelecida de forma eficaz nos mais diversos mercados, incluindo-se neste sentido, o mercado de produtos alimentares orgânicos. Este trabalho busca portanto, mediante uma reflexão teórica fundamentada nos conceitos da comunicação e marketing, e em pesquisas relacionadas ao mercado de produtos alimentares orgânicos, evidenciar a importância da necessidade de compreensão da relação existente entre atributos e benefícios dos produtos e valores dos consumidores. Propõe-se esta relação, atributos – benefícios – valores, como uma estrutura de análise e compreensão, capaz de fornecer subsídios consistentes no estabelecimento de processos de comunicação que venham a proporcionar o desenvolvimento do mercado brasileiro de produtos orgânicos. Palavras-chave: alimentos orgânicos, comunicação, marketing. 1. Introdução O mercado mundial de alimentos vem sofrendo grandes transformações nos últimos anos. Mudanças no ambiente de marketing de diversas organizações, relacionadas ao desenvolvimento de novos hábitos alimentares, estilos de vida, preocupação com a saúde e o meio ambiente, tem sido tratadas como variáveis fundamentais no desenvolvimento de estratégias de marketing, colocando em evidência a preocupação com o desenvolvimento de novos produtos, determinação de segmentos de mercado, estratégias de diferenciação e posicionamento e, consequentemente, o desenvolvimento de processos de comunicação eficazes que venham a proporcionar o desenvolvimento desses mercados de forma ética e sustentável. Neste sentido, o desenvolvimento do mercado de produtos orgânicos ao redor do mundo tem se mostrado como uma das grandes tendências alimentares da última década, sendo determinado principalmente pela demanda crescente por produtos que tenham forte “apelo ambiental”, referindo-se à não agressão ao meio ambiente, produtos que se relacionem a um estilo de vida mais saudável e pela preocupação também crescente com a segurança alimentar, evidenciado por grandes problemas relacionados à doenças e até mesmo à morte de consumidores por contaminação alimentar ao redor do mundo. O presente trabalho teve por objetivo fazer uma reflexão teórica sobre os processos de comunicação de marketing adequados e eficientes para o desenvolvimento do mercado de produtos alimentares orgânicos. Nesse sentido, buscou-se a compreensão dos princípios básicos da comunicação e marketing, colocando em relevância a importância dos atributos, 1 benefícios e valores que caracterizam este mercado, referindo-se tanto ao produto quanto aos seus consumidores atuais e potenciais. 2. Conceitos e princípios que envolvem o processo de comunicação de marketing Para que se possa melhor compreender o processo de comunicação de marketing, torna-se interessante compreender inicialmente seus dois elementos constituintes, comunicação e marketing, separadamente. Neste tópico pretende-se, portanto, estabelecer os conceitos inerentes à comunicação, marketing e comunicação de marketing. Buscou-se inicialmente desenvolver o conceito de comunicação levando-se em consideração a questão do processo da comunicação humana, suas intenções, funções, interpretação de signos e mensagens. Com relação ao marketing buscou-se tratar seus conceitos de forma bem específica e objetiva, dando maior enfoque ao objetivo deste tópico, ou seja, a comunicação de marketing, abordando os elementos inerentes e suas principais formas estabelecidas pela teoria. 2.1 O processo de comunicação “A comunicação é uma das formas pelas quais os homens se relacionam entre si. É a forma de interação humana realizada através do uso de signos.”(Bordenave, 1995, p.12) O conceito do processo de comunicação é descrito por Bordenave (1995) mediante a interpretação da relação existente entre indivíduo e ambiente. Desta forma descreve em um primeiro plano, os diversos elementos teóricos formadores deste conceito, onde enfatiza o processo de comunicação humana a partir da compreensão das funções básicas do processo de comunicação. Neste sentido, coloca como fundamental para esta compreensão a consciência da comunicação como elemento formador da “personalidade” do indivíduo ou de determinada sociedade. A interação social é portanto primordial para o desenvolvimento desta personalidade. Caracteriza ainda como funções complementares, a função expressiva, onde um processo de exteriorização se manifesta, a função de relacionamento e a função informativa. A inter-relação indivíduo-ambiente é portanto, fator primordial para a compreensão deste processo de comunicação. Levando-se em consideração o primeiro elemento desta relação, ou seja, o indivíduo, há a necessidade de se compreender que diferentes perspectivas se confrontam neste processo. Como a própria palavra diz, indivíduo, refere-se a características que o distingue dos demais, sua originalidade. Portanto evidenciam-se percepções diferentes. Habilidades perceptivas diferentes, valores, signos, crenças, atitudes, conhecimentos, se relacionam às diversas influências e variáveis do ambiente onde este indivíduo se insere, gerando dinâmicas de aprendizados diferentes. A interpretação ocorre de acordo com a cultura arraigada a este indivíduo, e de uma forma mais ampla, à cultura manifestada pela sociedade ao qual pertence. A realidade percebida, portanto, se manifesta diante da interpretação alcançada mediante os significados estabelecidos, pela limitação ou amplitude, cultural e ambiental. Neste sentido, comunicação significa diálogo, significa significados compartilhados, que nesta interação propiciam a geração de novos significados e consequentemente, o desenvolvimento bilateral. Neste processo o indivíduo está presente em constante interação, recebendo e interpretando as mensagens. Assim, a comunicação como 2 processo, visa a mudança ou estabelecimento de determinado comportamento, onde a realimentação se caracteriza também como uma ferramenta para que o objetivo pretendido se concretize adequadamente. Compreender esta dinâmica é fator primordial no processo. A depender portanto, dos diálogos e comunicação acessados em determinada sociedade, símbolos e signos são desenvolvidos e utilizados como forma de decodificar as informações recebidas. Bordenave (1995) se utiliza de conceitos teóricos, desenvolvidos pela semiologia, a ciência que estuda a teoria dos signos e sua influência na vida individual e social, para que possamos compreender os níveis de interpretação destes símbolos e signos e o processo de comunicação em si. Assim identifica os três ramos da semiologia, sendo, a semântica, a sintática e a pragmática, que são conceitos utilizados nos processos de comunicação. A semântica estuda o significado das palavras, frases e discursos, signos não verbais, fatores de interpretação de figuras, metáforas, alegorias, provérbios. A sintática estuda as relações estruturais dos signos e as mudanças que ocorrem no significado segundo a localização relativa dos elementos de uma mensagem. A pragmática estuda as relações dos signos com o comportamento humano. Percebe-se portanto a força do sentido conotativo dos signos, como as percepções expressas nas mentes dos indivíduos e não nos signos como objetos físicos propriamente ditos - “...o significado dos signos não está neles mas na mente das pessoas” (Bordenave, 1995, p.47). Estes são utilizados como poderosas ferramentas nos processos de comunicação. Desta forma, os meios de comunicação, “aproveitam a capacidade associativa entre um signo e outros para estimular associações relacionadas com as motivações básicas humanas” (Bordenave, 1995, p.45). As mensagens “... são conjuntos organizados de signos de um ou mais códigos, com um sentido”. São resultantes de uma intenção, possuem um conteúdo e um sentido, assim como uma estrutura, sendo portanto, codificada, selecionandose os signos que reproduzirão o sentido pretendido pelo emissor ao serem decodificados pelo receptor (Bordenave, 1995, p.48). Assim, o processo de comunicação se efetiva mediante o desenvolvimento de mensagens que comportam um determinado sentido comum entre emissor e receptor. O esquema a seguir (Figura 1) identifica os pontos-chave evidenciados no processo de comunicação: Realidade percebida interpretação Significado Comunicação – diálogo – significados compartilhados – novos significados Intenção da comunicação Comportamento Realimentação Figura 1: Pontos-chave identificados no processo de comunicação. Fonte: Adaptado pelos autores de Bordenave (1995). Compreender o processo de comunicação humana é portanto fundamental no desenvolvimento do processo de comunicação de marketing. É importante compreender a relação existente entre indivíduo e ambiente, a existência de percepções diferentes determinadas por valores, signos, crenças, atitudes, conhecimentos e habilidades perceptivas 3 (sentidos) diferentes, os quais geram dinâmicas consequentemente, novas formas de interpretação. de aprendizado diferentes e, 2.2 O marketing e a comunicação de marketing Conforme estabelecido por Shimp (2002, p.31) a comunicação de marketing é melhor compreendida analisando-se os dois elementos principais de sua constituição, a comunicação e o marketing. Para o autor, comunicação “é o processo pelo qual os pensamentos são transmitidos e o significado é compartilhado entre pessoas ou entre organizações e pessoas”. Com relação ao marketing, determina como “o conjunto de atividades através das quais as empresas e outras organizações criam transferência de valor (trocas) entre elas próprias e seus clientes”. Este conceito também é compartilhado por autores como Kotler (1998), Cobra (1992). Na perspectiva de Pinho (1991, p.11) o modelo básico de comunicação pede que se determine (1) quem (2) diz o que (3) em que canal (4) para quem e (5) com que efeito. Os elementos fundamentais do modelo de comunicação são, portanto, o consumidor ou transmissor (quem), a mensagem (diz o que), os canais ou meios de comunicação (em que canal), e o receptor (para quem). De uma forma mais abrangente, de acordo com a visão do processo de comunicação de marketing estabelecido por Kotler (1998, p. 527), “para se comunicar eficientemente, os profissionais de marketing precisam entender os elementos fundamentais da comunicação eficaz”. Assim os programas de comunicação precisam ser desenvolvidos para segmentos específicos, nichos e mesmo para indivíduos, pois os consumidores são diferentes. Deve-se encontrar maneiras de fazer com que os consumidores procurem as empresas e não apenas atingi-los. De acordo com Kotler (1998, p.528) o modelo abaixo (Figura 2), determina os elementos do processo de comunicação. Emissor Codificação Mensagem Decodificação Receptor Mídia Ruído Feedback Resposta Figura 2: Elementos do processo de comunicação. Fonte: Kotler (1998) Neste modelo evidencia-se: o emissor e receptor como as partes fundamentais; a mensagem e a mídia como as principais ferramentas de comunicação; a codificação, decodificação, resposta e feedback como principais funções da comunicação; e o ruído como elementos que podem interferir na comunicação pretendida. Avaliando-se o modelo, percebese que o mesmo condiz com os conceitos inerentes ao processo de comunicação, sendo que, a 4 utilização de sinais mais familiares ao receptor, reproduzem melhores mensagens, além de que, ‘quanto maior o campo de experiência do emissor coincidir com o do receptor maior será a probabilidade da mensagem ser eficaz’. De forma similar, Shimp (2002, p.113) também destaca oito principais elementos do processo de comunicação sendo: uma fonte; codificação; uma mensagem; um canal; um receptor; decodificador; a possibilidade de ruído; e o potencial de feedback. Neste sentido, reforça-se que a percepção e o conhecimento de valores, signos, crenças e atitudes, destacados anteriormente, são fundamentais no desenvolvimento de uma comunicação de marketing eficaz. Conforme ressalta Engel et al. (1995), identificar a maneira pela qual as atitudes são formadas, ou seja, identificar tanto os componentes cognitivos (crenças) quanto os componentes afetivos (sentimentos e valores) os quais são determinantes da atitude, é importante porque fornece orientação para aqueles interessados em influenciar as atitudes do consumidor. De forma análoga ao conceito de comunicação tratado por Bordenave (1995), Shimp (2002, p.114-115) se utiliza da ‘semiótica’ para esclarecer os conceitos inerentes à comunicação de marketing e o significado. A Semiótica é estudo do significado e a análise dos eventos que produzem significado, sendo que seu conceito fundamental é o de sinal. Sinal é algo físico e perceptível por nossos sentidos que representa ou significa alguma coisa (o referente) para alguém (o intérprete) em algum contexto. O significado denotativo é aquele explícito, primário (mais funcional). O conotativo é o significado secundário, implícito (mais simbólico, experimental). Assim um mesmo sinal tem significados diferentes para diferentes pessoas em diferentes momentos e diferentes contextos. Procurando estabelecer uma definição, “significado pode ser entendido como as percepções (pensamentos) e reações afetivas (sentimentos) evocadas em uma pessoa quando ela percebe um sinal, como o nome de uma marca, em um determinado contexto. Deve ficar claro que o significado é algo interno, e não externo, para uma pessoa. Em outras palavras, o significado é subjetivo.” Desta forma, através da comunicação de marketing, se procura a transferência de significado, se utilizando de artefatos da cultura e do sistema social, ou seja, procurando extrair significado do mundo culturalmente constituído, e transferindo esse significado para os produtos de consumo. 3. Marketing verde e produtos orgânicos: o papel da comunicação de marketing Neste tópico serão tratados conceitos básicos que envolvem o marketing verde, suas especificidades e a sua alocação dentro do ambiente de marketing. Com relação aos produtos orgânicos, além do estabelecimento de sua definição, procurará se evidenciar o posicionamento desses produtos dentro dos conceitos do marketing verde, de forma a proporcionar uma melhor compreensão da utilização dos elementos de comunicação de marketing mais adequados para o desenvolvimento de mercados desses produtos. 3.1 Uma rápida conceitualização do marketing verde A crescente preocupação ambiental também trouxe seus reflexos ao desenvolvimento das diversas atividades de marketing, levando ao desenvolvimento de conceitos mais amplos que não só evidenciassem os processos de trocas inerentes ao marketing, mas também à responsabilidade social e ambiental, aspectos estes de importância crescente para a sociedade e organizações. Neste sentido evidenciam-se diversos conceitos como o marketing verde, marketing ambiental ou ecológico e marketing societal, os quais de uma forma geral apontam em um mesmo objetivo, por explorarem aspectos básicos comuns. 5 Marketing verde é determinado por Shimp (2002, p.64) como “as ações referentes às respostas às preocupações ambientais ao lançar produtos orientados para o meio ambiente, estabelecendo programas agressivos de comunicação e marketing para a promoção desses produtos.” Na definição de Rabaça, citado por Freitas (1997), definição também compartilhada por Giglio (1996), o marketing ambiental ou ecológico, é: “Modalidade de marketing institucional que se realiza com o engajamento de qualquer empresa (industrial, comercial ou de serviços) na responsabilidade de toda a espécie humana com a qualidade de vida e com o equilíbrio ambiental em nosso planeta. Desenvolve-se a partir de ações internas (com o compromisso com a proteção do meio ambiente nas próprias instalações e equipamentos da empresa), do relacionamento da empresa com as comunidades em que está instalada (projetos de reciclagem de lixo, educação ambiental, combate à poluição em determinadas áreas, etc) e através de ações mais amplas, como o patrocínio a programas de preservação de florestas, o apoio à conservação de espécies animais ou vegetais ameaçadas de extinção, etc.” No conceito de Kotler, citado por Wasik (1996), este marketing ao qual ele denomina de “marketing societal” se baseia no conceito humano, onde não se está vendendo produtos para consumidores desinformados ou grandes mercados, ou seja, a percepção e a valorização do indivíduo é respeitada em todas as etapas do processo. Neste mesmo conceito , o marketing também é considerado como parte de uma filosofia holística, onde o imperativo ecológico prevalece e produtos são julgados por um público mais consciente e que consomem de forma inteligente, considerando aspectos relativos à fabricação, embalagem, transporte, uso e descarte, devendo estes ser medidos e transmitidos aos consumidores de forma ética, construindo a imagem de uma empresa responsável e que respeita o indivíduo e o ambiente. Percebe-se portanto que, apesar de denominações diferentes, os conceitos apresentados estabelecem grande correlação, sendo que normalmente estabelecem uma relação com a preocupação ambiental e a preocupação com o relacionamento entre os produtos, indivíduo e ambiente. 3.2 O conceito de produtos orgânicos e sua relação com o marketing A definição de um sistema orgânico de produção no Brasil, segue a Instrução Normativa nº7 do Ministério da Agricultura e Abastecimento, de maio de 1999 (Brasil, 1999) que diz: “Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária e industrial, todo aquele em que se adotam tecnologias que otimizem o uso de recursos naturais e socio-econômicos, respeitando a integridade cultural e tendo por objetivo a auto-sustentação no tempo e no espaço, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energias não renováveis e a eliminação do emprego de agrotóxicos e outros insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente modificados – OGM transgênicos, ou radiações ionizantes em qualquer fase do processo de produção, armazenamento e de consumo, e entre os mesmos, privilegiando a preservação da saúde ambiental e humana, assegurando a transparência em todos os estádios da produção e da transformação.” Na perspectiva de Souza (2000, p.387), “os sistemas de produção orgânicos podem ser definidos como um enfoque da agricultura cujo principal objetivo é criar sistemas de produção agrícola sustentáveis e integrados sob os aspectos ambientais, econômicos e humanos que maximizem o nexo de dependência dos recursos renováveis originados na fazenda e o manejo de processos biológicos, ecológicos e suas interações, de modo a fornecer 6 níveis aceitáveis de nutrição humana, vegetal e animal, proteção contra pragas e doenças e retorno apropriado para os recursos humanos e outros, empregados no processo produtivo. O termo ‘orgânico’ é melhor compreendido não quando se refere aos tipos de insumos usados na produção, mas sim quando se visualiza o conceito da unidade produtiva como um organismo, onde todas as partes componentes – solo, minerais, microorganismos, matéria orgânica, insetos, plantas, animais e homens – interagem para criar um todo coerente.” Portanto, o conceito de produção orgânica envolve, não só aspectos relacionados à ausência de agrotóxicos e de defensivos químicos nos alimentos, mas de uma forma bem ampla aborda aspectos que incluem a preocupação com uma produção alimentar segura para o ambiente, bem estar animal e questões de justiça social além de aspectos de sustentabilidade (Browne et al., 2000, p.71). Visa atender interesses econômicos, sobretudo a interesses ecológicos e sociais auto-sustentados (Caixeta & Pedini, 2002, p.17). Diante desta perspectiva conceitual, é possível perceber que, um dos maiores problemas relacionados ao marketing do produtos alimentares orgânicos, se refere à dificuldade de “externalizar” certas características diferenciais inerentes aos produtos. Conforme estabelecido no conceito, percebe-se que os aspectos que identificam o produto alimentar orgânico, se referem principalmente aos processos de produção, não sendo evidenciados portanto no produto propriamente dito. Em grande parte dos casos, o fato da impossibilidade da utilização de tecnologias que possibilitariam a obtenção de produtos de melhor qualidade, referindo-se principalmente à sua aparência e produtividade, pelo fato de serem, em sua grande maioria, não condizentes com os preceitos que norteiam a agricultura orgânica, dificultam a sua aceitação pelo mercado mediante processos comuns de marketing, principalmente aqueles baseados no custo e aparência física do produto, sendo necessário o desenvolvimento de apelos e mensagens diferenciados e que estabeleçam uma comunicação eficaz entre emissor e receptor. Neste sentido a utilização de aspectos mais simbólicos, ligados ao contexto do consumo, a valores específicos do consumidor e da sociedade a qual pertence como saúde e qualidade de vida, são necessários de serem associados, em detrimento de aspectos físicos do produto. Questões subjetivas como valor, ética, confiança entre os meios de produção, processamento, distribuição e o consumidor são extremamente valorizados, determinando a necessidade do desenvolvimento de órgãos de ‘legitimação’ que venham a garantir para o consumidor a satisfação de tudo aquilo que ele espera quando da compra de determinado produto alimentar orgânico. O desenvolvimento portanto, de estruturas de certificação, selos de garantia, ressaltando-se a validade e o reconhecimento destes por parte dos consumidores, são ativos específicos e fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de marketing eficazes, incluindo neste sentido, questões referentes ao processo de comunicação de marketing. Shimp (2002. P.64) chama a atenção quanto ao “ceticismo” dos consumidores com relação aos produtos ditos como verdes, pelo fato de que, grande parte deste produtos se classificarem como falsificações, pela ação de empresas não éticas. A relação existente entre ética, comércio e produção orgânica é explorada por Browne et al.(2000), demonstrando que a grande tendência da atualidade, é de serem relacionados de forma conjunta. A maior dificuldade, é a compreensão do que é ou não ético, entre os diversos níveis de organizações atuantes no mercado de orgânicos. Neste sentido, Shimp (2002, p.39) ressalta a tendência nos últimos anos, com relação à comunicação em marketing, em direção da prática da CIM (comunicação integrada de marketing). A CIM é definida por Shimp (2002, p.40) como “o processo de desenvolvimento e de implementação de várias formas de programas de comunicação persuasivos, com clientes existentes e potenciais, no decorrer do tempo. O objetivo da CIM é influenciar ou afetar diretamente o comportamento do público-alvo das comunicações. A CIM considera todas as 7 fontes de marca ou contatos da empresa que um cliente ou prospecto tem com o produto ou serviço, como um canal potencial para divulgação de mensagens futuras. Além disso, a CIM faz uso de todas as formas de comunicação que são relevantes para os clientes atuais e potenciais, e às quais eles devem ser receptivos. Em resumo, o processo de CIM começa com o cliente ou prospecto e então retorna para determinar e definir as formas e métodos através dos quais programas de comunicações persuasivos podem ser desenvolvidos.” Afetar o comportamento é uma das características que dão suporte à filosofia da CIM. Referindo-se ao consumo de produtos orgânicos, Shimp (2002, p.41- 42) reforça a necessidade de aplicação de um programa voltado para o comportamento. Segundo o autor, produtos de características como os orgânicos, já possuem um boa imagem perante os consumidores, mas poucas pessoas os adquirem, mostrando claramente que nem sempre o comportamento dos consumidores segue suas opiniões. O objetivo da comunicação de marketing nestes casos, seria de converter estes bons sentimentos relativos aos produtos orgânicos em consumo do produto. Desta forma, segundo o autor, são identificados cinco características chave da CIM, sendo: 1. afetar o comportamento (esforços dirigidos ao encorajamento de alguma forma de resposta comportamental); 2. começar com o cliente ou prospecto (determinar métodos de comunicação que melhor atendam às necessidades de informação dos clientes e os motivam à compra); 3. usar toda e qualquer forma de contato (uso de qualquer veículo de mensagem capaz de alcançar clientes desejados e apresentar a marca do comunicador de forma favorável); 4. gerar sinergia (todos elementos de comunicação devem falar uma única linguagem - posicionamento); e, 5. construir relacionamentos (elo duradouro entre a marca e seus consumidores). Neste sentido, algumas mudanças se fazem necessárias na forma em que são feitas as comunicações de marketing tradicionais, sendo, ‘a diminuição da crença na propaganda em veículos de massa’, ‘o aumento da confiança em métodos de comunicação altamente dirigidos’, ‘maior demanda imposta aos fornecedores de comunicação de marketing’ e ‘aumento de esforços para avaliar o retorno sobre investimento em comunicação’. Dentro do processo de comunicação de marketing, a propaganda é um instrumento especialmente importante de transferência de significado. “A propaganda trabalha como um método potencial de transferência de significado ao trazer o produto de consumo e uma representação do mundo culturalmente constituído, para dentro da estrutura de um determinado anúncio (...) Assim, as propriedades conhecidas do mundo culturalmente constituído passam a residir nas propriedades desconhecidas do produto de consumo, e a transferência de significado do mundo para o produto (de consumo) é atingida” (Shimp, 2002, p.115). Com relação ao consumo de produtos orgânicos portanto, reforça-se a importância de se conhecer “profundamente” as crenças, valores e hábitos dos consumidores potenciais (Bordenave, 1995, p.23). Neste sentido se torna importante compreender as características do mercado e os possíveis elementos do comportamento do consumidor que desencadeiam o processo de compra, pontos que serão abordados a seguir. 4. O mercado de produtos alimentares orgânicos: compreendendo a relação entre atributos, benefícios e valores, e sua influência no processo de comunicação O objetivo deste tópico é de, em um primeiro momento (4.1), traçar um panorama do mercado de produtos alimentares orgânicos, para que se compreenda a sua importância dentro 8 de um segmento maior de produtos alimentares. Neste sentido serão descritas as tendências de mercado, aspectos determinantes do desenvolvimento deste mercado, oportunidades e entraves, principais segmentos e formas de comercialização, características dos produtos alimentares orgânicos, referindo-se principalmente a seus atributos e benefícios, fatores esses relacionados principalmente ao desenvolvimento de processos de comunicação de marketing. Em um segundo momento (4.2) pretende-se evidenciar as características do consumidor de produtos alimentares orgânicos, sua colocação dentro de um segmento específico de mercado, os aspectos que motivam este consumidor no processo de compra de produtos orgânicos, suas necessidades, desejos e valores, já descritos em literatura mais recente. De um forma geral, pretende-se neste tópico, levantar os principais aspectos determinantes do crescimento do mercado de produtos alimentares orgânicos e que justifiquem e determinem o desenvolvimento de mensagens e comunicações adequadas para o sua melhor aplicação prática. 4.1 O panorama atual do mercado de produtos orgânicos Uma grande mudança tem sido observada como relação ao desenvolvimento do mercado de produtos alimentares. A crescente preocupação do público consumidor com relação a aspectos relacionados à saúde e qualidade de vida podem ser considerados como fatores determinantes deste mercado. Com relação aos produtos orgânicos, o crescimento das vendas tem ocorrido de forma expressiva na Europa, Ásia e países das Américas. Este movimento tem levado inclusive a alterações nas políticas de países como os EUA, mediante a inclusão de programas para diminuição de resíduos de pesticidas e aumento da sustentabilidade de comunidades rurais. Sistemas de produção e mercados têm mudado pela demanda de produtos orgânicos, além das oportunidades de trabalhar com diferentes grupos de clientes, mostrando a possibilidade de adaptação pelos agricultores convencionais, como forma de obter vantagem competitiva (McGiffen & Ehlers, 2000). Este direcionamento, também é evidenciado na Europa, conforme ressaltado por Gilg & Battershill (1998, p.25), sendo que o crescimento pela demanda de qualidade pode se tornar uma forma de sustentar as formas tradicionais de produção mantendo as fazendas nas áreas marginais, criando alternativas para o mercado de alimentos industrializados e para as atuais políticas agro-ambientais. Questões ambientais e relacionadas à higiene e segurança alimentar (E.coli, BSE/CJD), perdas de embalagem, responsabilidade social entre outros aspectos, tem minado a fé do consumidor na indústria agro-alimentícia convencional e incrementado a demanda por produções alternativas e de qualidade. Observa-se um aumento crescente do número de consumidores de produtos orgânicos, produzidos de forma mais natural possível, sem fertilizantes químicos, agrotóxicos e, muito menos, modificações genéticas, em contraposição à tecnologia dos alimentos transgênicos (organismos geneticamente modificados – OGM). Percebe-se, inclusive, lugar reservado a estes produtos em grandes redes de supermercados e que, apesar do preço superior, que pode chegar a duas vezes mais que os similares produzidos sem a tecnologia orgânica, sua produção no Brasil ainda não é suficiente para atender à demanda (Morais, 2000). Diversos autores como Senna e Pedrozo (2002), Picinatto et al (2002), Perosa et al (2002) e Borguini e Mattos (2002) ressaltam em seus trabalhos o crescimento do consumo de alimentos orgânicos e diferenciados no Brasil, realçando o grande potencial de mercado existente para estes produtos na atualidade e a necessidade de estruturação adequada do processo de comercialização como forma de evitar falhas limitantes à expansão destes segmentos. 9 Com relação ao crescimento deste mercado, Giordano (2003, p.319) ressalta as estimativas de movimentação de capital para produtos orgânicos. Um crescimento acima de 18% ao ano é verificado, sendo que , de 1998 a 2000, observou-se uma movimentação de 8,5 bilhões de dólares para 22,7 bilhões de dólares no mundo. No Brasil, verificou-se aumento no mercado de orgânicos de 90 milhões de dólares (em 1998) para 250 milhões de dólares (em 2001) segundo dados do Instituto Biodinâmico (Ormond et al. 2002; Instituto Biodinâmico, 2001). Conforme ressaltado por Magnusson et ali (2003, p.109), atributos não perceptíveis (não sensoriais) dos alimentos, como (ausência de aditivos, conservantes e resíduos; valor nutricional; forma de produção; riscos e benefícios à saúde) tem a cada dia aumentado sua importância para os consumidores. A procura por alimentos orgânicos tem se relacionado principalmente à saúde e à preocupação ambiental. A preocupação com a própria saúde e a da família foi o maior preditor de atitudes, intenção de compra e freqüência de compras ficando em segundo lugar a preocupação ambiental. Outro fator importante é que a alimentação é altamente pessoal e envolve a ameaça de se ingerir algo inadequado, sendo influenciada por valores afetivos, fatores altamente não-cognitivos e dificilmente afetados pela informação (Birch, 1981, citado pelo autor). Esta perspectiva procura explicar a não relevância da preocupação ambiental como motivador de compra. Conclui que benefício à saúde perceptíveis são mais grandemente relacionados a atitudes e comportamentos ligados a alimentos orgânicos do que benefícios ambientais percebidos. Referindo-se à qualidade do alimento Gilg e Battershill (1998, p.25) descrevem o valor intrínseco do alimento em termos de sabor etc., sua saúde, se é bom para saúde ou não e, suas condições de produção, como preocupações mais observados pelos consumidores e que o predispõe a pagar mais ou não por um alimento de qualidade. No entanto, o preço se caracteriza como um dos grandes entraves para o desenvolvimento deste mercado, principalmente quando relacionado aos grandes varejos como os supermercados, que cobram margens exageradas, muitas vezes elitizando o consumo (Darolt, 2001; Gil. et ali, 2000). Corrado (1994, p.116) mostra que em pesquisas de opinião nos Estados Unidos, mostrou-se que os americanos desejam muito informações objetivas sobre o impacto ambiental dos produtos que compram.. Referindo-se ao mercado de produtos verdes, o autor declara que “o verde será para o mercado dos anos 90, o que o leve (light) foi para o dos anos 80”. Shimp (2002, p.67) questiona esta sua afirmação posicionando-a como talvez, de um “entusiasmo excessivo”. No entanto, o que se percebe na realidade, é que o mercado de produtos orgânicos tem se caracterizado nos últimos anos como um mercado extremamente promissor. 4.2 Compreendendo o consumidor de produtos orgânicos Compreender o consumidor e os principais fatores que determinam o seu comportamento de compra, são aspectos fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de marketing eficientes, qualquer que seja o mercado em questão. Entender a razão do consumo é o grande desafio para a compreensão do comportamento do consumidor. Solomon (2002, p.29) ressalta que na atualidade, uma das premissas fundamentais do campo do comportamento do consumidor é que “pessoas muitas vezes compram produtos não pelo que eles fazem, mas sim pelo que eles significam”. A escolha de um produto se baseia nos significados mais profundos que o diferenciam dos outros, fazendo que um indivíduo, ao consumir este produto, consiga comunicar uma “imagem” ou “personalidade” coerente com suas necessidades. O produto é o responsável por esta comunicação. 10 A satisfação portanto, de necessidades, desencadeia um conjunto de processos que determinam o comportamento das pessoas, da maneira como são evidenciados. Assim, conforme tratado por Solomon (2002, p.95) “uma necessidade básica pode ser satisfeita de vários modos, e o caminho específico que uma pessoa escolhe é influenciado por seu conjunto único de experiências e pelos valores instilados pela cultura em que foi educada”. Motivos utilitários (referindo-se ao benefício funcional ou prático do produto) e motivos hedônicos (referindo-se à experiências e fantasias emocionais) se inter-relacionam criando um estado de tensão que precisa ser satisfeito, sendo que o “balanço” entre estas questões e as influências do ambiente externo e valores estabelecidos pela cultura na qual o consumidor foi educado, determinam sua ação. Uma necessidade de consumo precisa ser satisfeita, sendo que necessidades biológicas, fisiológicas e psicológicas, se conectam de forma a definir o comportamento de compra, que é portanto cultural e individualmente determinado. McEachern e McClean (2002, p.85), estudando sobre o mercado de laticínios na UK, enfatizam em seu estudo, a deficiência de estudos no sentido de se compreender os motivos que levam os consumidores a consumirem produtos orgânicos. Salientam esta necessidade diante do fato que a sustentação de um crescimento neste setor não pode se basear apenas no consumo de um minoria de consumidores, os chamados “consumidores verdes” e “consumidores éticos”, havendo portanto a necessidade de desenvolvimento de campanhas de marketing com o objetivo de modificar a percepção e a atitude de segmentos maiores de consumidores. A atenção com relação à necessidade de conhecimento das características do consumidor como ferramentas fundamentais para o estabelecimento de estratégias de marketing, também é evidenciada por Souza & Alcântara (2003, p.332). Em um estudo realizado com mais de 3.000 pessoas nos EUA, foi estabelecido como características de consumidores ambientalmente conscientes, o interesse em novos produtos, busca de informações e conversa sobre os produtos com outras pessoas, compra cuidadosa, sensibilidade ao preço e ceticismo com relação à propaganda em geral (Shimp, 2002, p.67). Grunert (2002) e Grunert & Julh (1995), discutem as tendências que desencadearão as atitudes dos consumidores com relação à escolha de alimentos. A questão da qualidade é discutida, referindo-se às expectativas antes da compra e experiência pós compra. No caso dos produtos orgânicos, a formação das expectativas se baseia na “credence dimension” – dimensão de crença - que admite que o “consumidor não pode averiguar a qualidade por si mesmo, mas tem que confiar no julgamento de outros” (Grunert, 2002, p.280). Neste caso a qualidade do produto não é evidenciada pela sua aparência antes da compra (dimensão de procura – “search dimension”) ou pelo seu sabor (dimensão de experiência – “experience dimension”) evidenciado no pós-compra. A relação entre as atitudes de compra de alimentos e certas características como saúde, proteção ambiental, responsabilidade social, processos de produção, normalmente se baseiam na relação estabelecida nesta dimensão de “credibilidade” estabelecida, já que os benefícios ou riscos esperados não podem ser vistos ou são evidenciadas no produto físico. Estes fatores justificam a importância crescente das características de “credibilidade”. Portanto quando da comercialização de produtos alimentares cujas características não são averiguáveis, a percepção da qualidade se torna uma questão exclusivamente de comunicação. A credibilidade, habilidade em processar a informação e a motivação são os maiores determinantes de uma comunicação persuasiva. Neste sentido, a rastreabilidade e segurança alimentar, além do estabelecimento e entidades certificadoras que legitimem o processo, são direcionadores do mercado de alimentos e fundamentais nestes processos de comunicação (Vilas Boas et al, 2003; Vilas Boas, 2002; Spers, 2000,1998). Boccaletti e Nardella (2000, p.298) ressaltam que, dentre os aspectos que resultam na atitude negativa dos consumidores relacionadas à compra de frutas frescas e vegetais orgânicos na Itália em grandes supermercados, estão: a falta de informações e de 11 certificadoras apropriadas reduzindo a confiança, a dificuldade de diferenciação, a baixa disponibilidade em supermercados e a percepção de que produtos orgânicos são alimentação para bebês e pessoas com problemas de saúde. Estudando a probabilidade de pagar mais por produtos orgânicos, as variáveis educação, presenças de crianças em casa, não foram significativas. Apenas alta renda dos respondentes e riscos relacionados à saúde mostrou correlação positiva com a probabilidade de se pagar mais por produtos orgânicos. Campanhas educacionais com relação dos riscos à saúde somente trarão efeitos se realizadas conjuntamente com o desenvolvimento de procedimentos de certificação de confiança e facilmente reconhecíveis pelos consumidores. A questão custo é também primordial para o desenvolvimento do consumo em grandes supermercados. Pesquisando sobre as percepções dos consumidores sobre GM e alimentos orgânicos, Hursti e Magnusson (2003, p.1-3) perceberam que com relação aos orgânicos, os consumidores fazem a associação com “não preocupação, pequena relutância e sem riscos, saudável, não utilizados apenas para lucro, servem a uma boa proposta, necessários, consumidores tem bom conhecimento sobre conseqüências de sua produção”, o contrário dos alimentos GM. Independente do nível de conhecimento dos respondentes com relação tanto aos orgânicos quanto aos alimentos GM, persistiu a perspectiva positiva para os orgânicos e negativa para os GM. Comentando sobre a comunicação e riscos, Corrado (1994, p.126-127) chama a atenção quanto à importância da forma como as informações chegam à população (consumidores) diante do fato da dificuldade ou facilidade de compreensão destas. Corrado afirma que “notícias sobre riscos são mais interessantes do que notícias sobre segurança” e que as “pessoas vêem os riscos de modo diferente”. Portanto a eficiência de uma informação com relação ao nível de contaminação por agrotóxicos de determinado produto alimentar é bem menos relevante do que a informação sobre o risco alimentar de se ingerir aquele alimento. Informações como esta, são de grande relevância quando do desenvolvimento de mensagens relacionadas a produtos alimentares, sendo também de grande importância no processo de comunicação relacionada ao mercado de produtos orgânicos. Adicionalmente, Grunert (2002) chama a atenção para diversos fatores motivadores e determinantes da escolha de alimentos pelos consumidores e sua satisfação, como a forma de preparo doméstico do alimento, a mudança de atitudes de compra em momentos de crise (relacionada à saúde e segurança alimentar), fatores estes importantes de serem avaliados nos processos de comunicação. Compreender portanto os fatores motivadores e que desencadeiam uma maior capacidade de interpretação da mensagem é fator primordial para o desenvolvimento e promoção de produtos alimentares. Portanto, as dimensões de qualidade inerentes ao produto devem ser compatíveis com aquelas esperadas pelos consumidores, para que haja maior habilidade de interpretação e consequentemente a motivação para compra. Os apelos a serem utilizados devem ser compatíveis com a capacidade dos consumidores processarem a informação, além de serem aspectos de grande interesse ou que estejam positivamente relacionados às suas preocupações e expectativas. É interessante salientar, conforme citado por Grunert (2002, p.281) que o excesso de informações pode também gerar ações contrárias criando a “desinformação” ou o “desserviço” ao consumidor. Conforme ressaltado por Darolt (2001), a conscientização do consumidor é questão fundamental para o desenvolvimento do mercado de alimentos orgânicos, ressaltando que grandes falhas de comunicação são evidenciadas no desenvolvimento deste mercado no Brasil. Uma carência grande é percebida com relação ao estudo do comportamento do consumidor, relacionado a suas motivações de compra, para que estratégias de comunicação e marketing sejam melhor direcionadas a este setor. 12 5. Considerações finais O crescimento do mercado de produtos alimentares orgânicos é uma evidência não só no Brasil, mas em diversos outros países. Assim, como um mercado em crescente expansão gera oportunidades, limitações também são evidenciadas, e o mercado de alimentos orgânicos não foge à regra. Conforme identificado em diversas pesquisas relacionadas ao comportamento do consumidor de alimentos orgânicos, as próprias características do produto, ou seja, seus atributos, como qualidade, sabor, forma de produção, são aspectos difíceis de serem utilizados no desenvolvimento de processos de comunicação de marketing pelo fato de serem atributos, como na maioria dos produtos alimentares, de difícil externalização. Fazer com que o consumidor perceba estes atributos no ato da compra é uma tarefa difícil, senão em alguns dos aspectos, impossível de ser evidenciado, a não ser que mecanismos de “acreditação” sejam utilizados. O relacionamento neste sentido, se torna um fator fundamental no desenvolvimento de estruturas de comunicação adequadas que venham proporcionar um processo de comunicação eficiente e que atinja os objetivos de todos aqueles envolvidos no processo. O desenvolvimento, portanto, de campanhas de comunicação de marketing relacionadas a produtos alimentares orgânicos, devem levar em consideração não só as características físicas do produto, de sua produção, mas principalmente as características e fatores sociais, culturais e emocionais, relacionados a crenças e valores dos consumidores e que sejam capazes de motiva-los à determinação de atitudes positivas como relação à compra e ao consumo destes produtos. Como evidenciado em muitas das pesquisas relacionadas, a comunicação é considerada, diante das informações dos consumidores, como um dos aspectos mais deficientes no desenvolvimento do mercado de produtos orgânicos. Desde o conhecimento do produto, suas características de diferenciação e benefícios, à sua disponibilidade no mercado. Percebe-se que esta comunicação a qual se referem os consumidores, ultrapassa os limites da simples caracterização de campanhas publicitárias que coloquem em evidência as características dos produtos orgânicos. Ela retoma a necessidade de se avaliar todo o processo, desde a produção, processamento, distribuição e comercialização, evidenciando as questões éticas inerentes a todo este processo mercadológico, e que quando bem estabelecido, proporcionam ao consumidor muito mais do que o oferecimento de um simples produto ou serviço, mas a garantia da entrega de um conjunto de valores que é compreendido, não só pelo consumidor, mas por todos os elementos e agentes que compõe a cadeia produtiva. Conforme identificado nas diversas pesquisas sobre o mercado de alimentos orgânicos, sejam relacionadas à produção, processamento, comercialização ou à compreensão do consumidor, a conscientização com relação ao que é a produção orgânica, o que é o produto orgânico, a relação entre os atributos e benefícios destes produtos e os valores dos consumidores, em contrapartida à agricultura convencional, são questões básicas e que não são eficientemente exploradas nos processos de comunicação evidenciados no setor. A carência com relação a este “posicionamento” com relação à comunicação dos produtos alimentares orgânicos, acaba por gerar uma desinformação maior ao grande interessado e elemento determinante da dinâmica deste setor, ou seja, o consumidor final. Uma descrença maior neste mercado é observada por parte dos consumidores, diante de atitudes oportunistas de determinados agentes, principalmente aqueles relacionados no segmento da comercialização, que se aproveitando da desinformação, “auxiliam na confusão do consumidor”, associando aos orgânicos, produtos naturais, lights, sem aditivos ou conservantes, entre outros, cujos “rótulos” na maioria das vezes se referem ao processamento do produto e não à sua forma de produção. 13 Dois aspectos de grande importância no estabelecimento de um processo de comunicação de marketing são evidenciados: primeiro, relacionado à conscientização e, segundo, relacionado à compreensão do consumidor de alimentos orgânicos. Referindo-se à questão da conscientização, a educação dos diversos agentes envolvidos no processo, desde a produção até a distribuição, com relação ao que é agricultura orgânica, suas características, benefícios à saúde, sociais, ambientais e ecológicos, os contrastes inerentes à agricultura orgânica e convencional, colocando em relevância a questão da sustentabilidade, devem ser evidenciados, como um primeiro passo no processo de comunicação para a melhor estruturação do setor. Um esforço conjunto entre os diversos agentes, incluindo o apoio institucional de entidades governamentais, órgãos de representação, associações, entidades certificadoras, seria de grande valia no fortalecimento do setor. A médio e longo prazo, proporcionariam um desenvolvimento sustentado, trazendo benefícios a todos os agentes componentes desta cadeia produtiva, incluindo neste sentido o consumidor final. Diante de uma comunicação efetiva, onde as mensagens a serem transmitidas seriam neste sentido, compreendidas por todos, ações oportunistas seriam inibidas, aumentando o conhecimento e consequentemente a confiança do consumidor, proporcionando o desenvolvimento equilibrado do setor. Com relação à compreensão do consumidor de alimentos orgânicos, evidencia-se que um adequado processo de comunicação de marketing seja estabelecido. Há necessidade de compreender mais profundamente o comportamento do consumidor de alimentos orgânicos, estabelecendo uma ênfase em aspectos cognitivos e no relacionamento emocional que se estabelece no processo de comercialização destes produtos. Compreender as motivações, crenças, valores dos consumidores, e suas relações aos atributos e benefícios destes produtos, é fator chave para o desenvolvimento de um processo de comunicação de marketing eficaz e que venha motivar o consumo destes alimentos. Conforme ressaltado por Schwartz (1985, p.70), pesquisas são de extrema importância dentro do campo da comunicação, pois se caracterizam como uma maneira de informar aos anunciantes a opinião do público em relação ao produto, suas dúvidas, estimativas de sua eficiência, até que ponto necessitam do produto, seu envolvimento social e experiências com tal produto. Segundo Steiff (1974, p.30) características do produto e do consumidor são as questões chave que determinam o nível de consumo, sendo a publicidade, apenas um “meio suplementar de transmissão da informação”, a qual possibilita atingir mais rápido este nível de consumo final, o qual seria atingido independente da publicidade. Portanto, para o autor “a eficácia da publicidade, é função da importância da informação nova fornecida com relação à quantidade total de informação já possuída pelo público sobre a questão.” Para que a mensagem seja compreendida, ressalta a teoria, emissor e receptor devem falar a mesma língua, devem estar sintonizados nas mesmas crenças, nos mesmos valores, para que os signos sejam compartilhados e de forma complementar, a mensagem ou conteúdo inerente a cada um dos signos também sejam compartilhados. Um envolvimento entre emissor e receptor deve ser alcançado. Compreender que a situação, o contexto específico a cada relacionamento de troca no mercado proporciona significados também específicos, já se caracteriza como um grande avanço neste processo. A comunicação deve ser única, no sentido de se divulgar os preceitos da agricultura orgânica e compreender que em determinado contexto, emissor e receptor devem falar a mesma língua, e deve também ser diversificada, no sentido de se compreender que a grande massa de consumidores tem necessidades, crenças e valores diferenciados, e que na realidade atual, o ambiente diversificado de marketing proporciona condições de se atingir de formas diferenciadas a estes diferentes segmentos de mercados consumidores. Basear o desenvolvimento futuro do setor em apenas pequenos segmentos de consumidores, se torna uma tarefa difícil, e diante do crescimento da produção de produtos orgânicos, insustentável 14 no longo prazo. Ampliar as perspectivas de mercado, mediante pesquisas que revelem novos segmentos a serem atendidos e formas de atender adequadamente grandes segmentos de mercado é portanto fundamental para o desenvolvimento sustentável do setor A comunicação se caracteriza como uma forma de expressar os valores e crenças de uma sociedade. Desta maneira se torna uma forma representativa também dos sentimentos e valores de cada indivíduo que compõe o grupo social, e portanto, a maneira como é exteriorizada nos permite, indiretamente, interpretar de uma forma mais ampla as realidades inerentes a este grupo. Isto nos permite compreender a importância da legitimidade dos atores que participam do processo de comunicação, bem como, dos meios utilizados para a sua efetivação. Como tratado por Bordenave (1995), reforça-se a importância de se compreender portanto, as quatro funções básicas da comunicação, sendo a função expressiva ou de exteriorização, a função de relacionamento, a função informativa e, a sua função básica, de ser um “elemento formador da personalidade”. Esta personalidade à qual se refere, se estende do indivíduo à formação do próprio grupo social. A representatividade portanto, ou legitimidade dos agentes no processo de comunicação mais uma vez se caracteriza como de extrema importância, legitimação esta, estabelecida pela própria sociedade mediante os valores e crenças compartilhados e exteriorizados. 6. Referências Bibliográficas BOCCALETTI, S.; NARDELLA, M. Consumer willingness to pay for pesticide-free fresh fruit and vegetables in Italy. International Food and Agribusiness Management Review, n.3, 2000, p.297–310. BORDENAVE, J.E.D. Além dos meios e mensagens: Introdução à comunicação como processo, tecnologia, sistema e ciência. 7 ed. 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