Investigação em embriões - Repositório Aberto da Universidade do

Propaganda
Mestrado em Sociologia e Saúde
Faculdade de Medicina
Faculdade de Letras
Investigação em embriões: questões
atuais de âmbito científico e ético
Dissertação de candidatura ao grau de Mestre em Sociologia
e Saúde apresentada à Universidade do Porto.
Orientação: Doutora Susana Silva (Serviço de Epidemiologia
Clínica, Medicina Preditiva e Saúde Pública, Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto)
Bruno Jorge Rodrigues Alves
Porto, 2011
ii
Este trabalho é financiado por fundos FEDER através do Programa Operacional
Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT –
Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto “FCOMP-01-0124FEDER-014453”, intitulado Saúde, governação e responsabilidade na investigação em
embriões: as decisões dos casais em torno dos destinos dos embriões.
iii
AGRADECIMENTOS
A presente dissertação resulta de uma vontade muito forte na sua realização. Não
obstante o processo solitário a que inevitavelmente qualquer investigador está
destinado, este manuscrito reúne contributos de várias pessoas que aqui cabe
reconhecer. Que considerem estas palavras a expressão dos meus sinceros
agradecimentos:
Agradeço a todos os docentes deste mestrado, com quem aprendi. A todos o meu
reconhecimento pela amabilidade, entusiasmo e partilha de saberes. Ao Professor
Henrique Barros pela iniciativa e sensibilidade na direção do mestrado em Sociologia e
Saúde e pela forma magistral e tão única com que transmite os seus úteis e sábios
conhecimentos e conselhos. Pela crítica construtiva e atempada; será sempre um
marco de respeito e admiração.
À Doutora Susana Silva, que desde o primeiro momento aceitou orientar este trabalho,
expresso um profundo e especial agradecimento pela sugestão do tema e os debates
em torno do mesmo, pela revisão crítica do manuscrito e sobretudo pelo seu rigor
científico e profissionalismo, lucidez, disciplina e afinco que foram notas dominantes
da sua orientação. Fico-lhe grato pela permanente disponibilidade; pela acutilância e
palavras de ânimo e inestimável apoio; e pelo estímulo à persistência em momentos
menos bons. A influência e maestria dos seus conhecimentos e opiniões marcarão
para sempre a minha formação académica e pessoal. E por ter acreditado em mim.
À Ana Martins e à Paula Silva pelas manifestações de apoio e encorajamento.
À Gabriela Carvalho, Cristina Rodrigues, Clarisse Aires, Sandra Martinho e Jorge Pinto
de Barros pelo companheirismo e amizade e pelas demonstrações de confiança e
incentivo.
Um especial agradecimento aos amigos que me apoiaram nos momentos difíceis.
À minha mãe pelas mensagens de esperança e coragem, exemplo da força e lucidez
que sempre me transmitiu e sobretudo pelo amor incondicional nos piores momentos e
pela partilha na esperança da concretização dos meus sonhos.
E à fé que me acompanha.
iv
ÍNDICE
Resumo ....................................................................................................................... 1
Abstract ....................................................................................................................... 3
1. Introdução ............................................................................................................... 5
2. Objetivos................................................................................................................. 12
3. Métodos .................................................................................................................. 13
3.1. Projetos de investigação em embriões .......................................................... 13
3.2. Documentação ética ..................................................................................... 15
4. Resultados ............................................................................................................. 16
4.1. Projetos de investigação em embriões .......................................................... 16
4.2. Documentação ética ..................................................................................... 21
5. Discussão .............................................................................................................. 25
6. Conclusões ............................................................................................................. 32
7. Bibliografia ............................................................................................................. 33
v
LISTA DAS TABELAS
Tabela 1. Áreas científicas pesquisadas na base de dados da Fundação para a
Ciência e a Tecnologia nos concursos para todos os domínios científicos
(2000-2009) ............................................................................................. 14
Tabela 2. Caracterização dos projetos de investigação em embriões financiados pela
FCT, por área científica (2000-2009) ....................................................... 19
Tabela 3. Temáticas de saúde estudadas nos projetos de investigação em embriões
financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2000-2009), de
acordo com a classificação dos Descritores em Ciências da Saúde ......... 20
Tabela 4. Classificação do estatuto do embrião de origem humana ......................... 22
Tabela 5. Princípios orientadores do equilíbrio entre as expectativas e os riscos
associados à investigação em embriões de origem humana .................... 23
Tabela 6. Princípios usados no debate ético sobre a investigação em embriões de
origem humana......................................................................................... 24
vi
LISTA DE ABREVIATURAS
APB
Associação Portuguesa de Bioética
CNECV
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida
CNPMA
Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida
DNA
Deoxyribonucleic acid (Ácido desoxirribonucleico)
FCT
Fundação para a Ciência e a Tecnologia
FIV
Fertilização in vitro
FMUP
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
FLUP
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
FEDER
Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
ICSI
Injeção intracitoplasmática de espermatozoides
PMA
Procriação Medicamente Assistida
TNS
Transferência nuclear somática
vii
RESUMO
Introdução: O direcionamento da medicina para a personalização, predição e
regeneração
enquadra-se
em
bioeconomias promissoras que
capitalizam
a
biogenética, a genómica e a esperança na sustentação do apoio público à
investigação em embriões que visa melhorar a saúde das populações.
Objetivos: Este estudo tem os seguintes objetivos: mapear os projetos de
investigação em embriões financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia;
analisar as questões éticas associadas à investigação em embriões de origem
humana.
Métodos: Pesquisaram-se os projetos de investigação em embriões na base de dados
da Fundação para a Ciência e a Tecnologia em todos os domínios científicos entre
2000 e 2009. Estes foram caracterizados de acordo com o ano de candidatura, a área
científica, as instituições proponentes e participantes, o financiamento atribuído, o
investigador responsável, a dimensão da equipa de investigação e a temática de
saúde estudada. Analisou-se o conteúdo dos documentos publicados pelo Conselho
Nacional de Procriação Medicamente Assistida, Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida e da Associação Portuguesa de Bioética em torno das questões
éticas associadas à investigação em embriões de origem humana entre 2006 e 2010.
Resultados: Foram financiados 34 projetos de investigação em embriões, 65%
desenvolvidos no âmbito das ciências da saúde e das ciências biológicas. As
temáticas de saúde mais estudadas recaem sobre fenómenos e processos, anatomia
e organismos. Temas de assistência à saúde, antropologia, educação, sociologia e
fenómenos sociais, saúde pública e psiquiatria e psicologia raramente são estudados.
Os três projetos de investigação focalizados nos embriões de origem humana incluemse nas áreas das ciências da engenharia e tecnologia e nas ciências sociais e
humanidades. Existem 12 documentos que discutem as questões éticas associadas à
investigação em embriões de origem humana em Portugal. Este debate envolve
apenas especialistas, sobretudo na área da medicina, e centra-se em três temas
principais: a classificação do estatuto do embrião humano; os princípios que devem
orientar o equilíbrio entre as expectativas e os riscos associados à investigação em
embriões de origem humana; e os princípios que sustentam a discussão ética neste
domínio.
1
Conclusões: Na investigação em embriões usa-se a saúde pública como um
argumento que justifica o financiamento e as expectativas depositadas sobretudo na
investigação em células estaminais embrionárias e terapias celulares. A discussão dos
aspetos éticos associados à investigação em embriões de origem humana centra-se
nos princípios morais e socioculturais que devem ser usados para regulamentar tal
prática científica.
2
ABSTRACT
Introduction: The current trend in medicine towards personalization, prediction and
regeneration can be considered a part of bio economics, a promising area which
capitalizes on biogenetics, genomics and hope in order to sustain public support to
embryo research aimed at improving the health of populations.
Aims: This study has the following aims: to map the embryo research projects funded
by the Foundation for Science and Technology; to analyze the ethical issues
associated with research on human embryos.
Methods: A study was made of embryo research projects in the database of the
Foundation for Science and Technology, in all scientific fields between 2000 and 2009.
These were characterized according to the year of application, the scientific area, the
proponent and participating institutions, the allocated funding, the principal investigator,
the size of the research team and the health issue studied. We analyzed the content of
documents published by the Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida,
by the Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida and by the Associação
Portuguesa de Bioética regarding the ethical issues associated with research on
human embryos between 2006 and 2010.
Results: Funding was awarded for 34 embryo research projects, of which 65% were
undertaken in health and biological sciences. The most studied health issues are
concerned with phenomena and processes, anatomy and organisms. Health care
issues, anthropology, education, sociology and social phenomena, public health and
psychiatry and psychology are rarely studied. The three research projects focused on
the human embryos are included in the fields of engineering science and technology
and in the social sciences and humanities. There are 12 documents that discuss the
ethical issues associated with research on human embryos in Portugal. This debate
involves only experts, mainly in the field of medicine, and focuses on three main
themes: the classification status of the human embryo, the principles that should guide
the balance between the expectations and the risks associated with research on
human embryos; and the principles underpinning the ethical debate in this field.
Conclusions: Embryo research uses public health as an argument to justify funding
and the expectations regarding embryonic stem cell research and cell therapies. The
3
discussion of ethical aspects associated with research on human embryos focuses on
the socio-cultural and moral principles that should be used to regulate the practice of
science.
4
1. INTRODUÇÃO
Entrecruzando diversos campos científicos - como a biotecnologia, a engenharia
genética e de tecidos, a medicina preditiva, a reprogenética e a genómica1 - a
investigação em embriões traduz processos e lógicas de aquisição e divulgação de
conhecimento para usos diferenciados, nomeadamente:

Transplante de órgãos e tratamento de desordens neurodegenerativas (como
Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla) e doenças crónicas e cardíacas (Srivastava
e Ivey, 2006; Segers e Lee, 2008; Quyyumi e Murrow, 2010).

Anomalias sanguíneas, doenças ósseas e das cartilagens (Chapman, Frankel,
Garfinkel, 1999), como a osteoartrite e artrite reumatóide, bem como a terapia e
possibilidade de cura do cancro (Jorgensen, Apparailly e Sany, 2001; Hwang et al.,
2004; Pompe, Bader e Tannert, 2005; Mimeault, Hauke e Batra, 2007).

Doenças associadas ao envelhecimento, como a osteoporose e a doença
pulmonar obstrutiva crónica (Yabut e Bernstein, 2011), tornando-se um aliado das
terapias anti idade (Magalhães, 2004).

Reconstituição óssea e dentária e regeneração de tecido renal e hepático
(Pranke, 2004).

Diabetes, esclerose lateral amiotrófica, degeneração da retina, distrofia
muscular e lesão da medula espinal (Ormerod, 2003).

Regeneração de tecido danificado por queimaduras de terceiro grau (Brown,
2007) e reconstrução de tecido neurológico (Waldby, 2006).
O direccionamento da medicina e da saúde pública para o idioma da regeneração
(Haraway, 1976) pode contribuir para o desenvolvimento de novas formas de
1
A engenharia genética designa o processo de manipulação dos genes num organismo,
geralmente fora do seu processo reprodutivo normal, com o objetivo de obter materiais
orgânicos sintéticos. A reprogenética refere-se à união das tecnologias de reprodução assistida
com a engenharia genética. A engenharia de tecidos visa o desenvolvimento de substitutos
biológicos que restaurem, mantenham ou melhorem a funcionalidade dos tecidos. A medicina
preditiva é o conjunto de técnicas de investigação médicas e biológicas destinadas a
determinar as predisposições para as doenças a fim de permitir o seu tratamento antes do
surgimento de sintomas e complicações.
5
prevenção da doença capazes de melhorar a confiança e a satisfação quer dos
profissionais de saúde, quer dos doentes e da comunidade em geral. A saúde passa a
inserir-se numa espécie de “investimento biológico preventivo” (Waldby, 2006) que
sustenta as “bioeconomias promissoras” (Martin, Brown e Turner, 2008: 128) e a
“economia social da medicina regenerativa” (Waldby, 2006), mais orientadas para as
potencialidades futuras do que para utilidades presentes das tecnologias da saúde. Se
Gallian (2005) considera estas promessas como manifestações da ciência-espetáculo,
Holm (2002) entende que estas podem constituir o maior avanço médico de sempre,
mesmo que apenas uma pequena percentagem das suas possíveis utilizações se
torne realidade.
A plasticidade e totipotência dos embriões (Mota, Soares e Santos, 2005; Martin,
Brown e Turner, 2008) afiguram-se como os principais elementos que sustentam as
esperanças depositadas por cientistas, políticos e leigos nos resultados da
investigação com estes objetos biotecnológicos produzidos pela biomedicalização da
reprodução. As células estaminais embrionárias, em particular, parecem ter um
potencial incrivelmente versátil para (re)criar todos os componentes da constituição do
ser humano e substituir órgãos e tecidos um a um: por exemplo, a transplantação de
células mesenquimais para a medula óssea mostrou que estas células podem viajar
pelo corpo humano e tornar-se em células do osso ou do músculo onde são
necessárias (Magalhães, 2004: 52-53), revertendo quadros patológicos que outrora
eram considerados irreversíveis (Mota, Soares e Santos, 2005: 127).
O embrião tem sido transformado num objeto híbrido de conhecimento e intervenção,
fusão entre biologia e tecnologia (Silva, Machado, 2009), situando-se na fronteira
partilhada entre mundos sociais e/ou animais e áreas científicas (Williams, Ehrich e
Wainwright, 2007), caracterizada pela biologização e genetização da saúde e de
valores humanos e sociais (Muro, 2003: 166; Levy, 2004; Franklin, 2006: 179).
A alegação dos benefícios presentes e futuros para a humanidade e a possibilidade de
aperfeiçoamento da mesma tem balizado o debate em torno da investigação em
embriões, alinhando com a ideia de que o embrião é um veículo de transmissão de
informações valiosas que possibilitará um controlo alargado sobre os processos
básicos da vida (Mulkay, 1993). A cartografia do genoma e o mapeamento genético
permitirão a localização de genes causadores de doenças e, a partir da sequência do
DNA, descobrir-se-á a história causal de uma doença (Massarini, 2007: 4), com vista à
implementação da melhor terapia possível e adequada a cada indivíduo, iniciando-se
6
desta forma a era da genética e medicina individualizadas (Barreto-Filho e Krieger,
2003) e da personalização terapêutica adequada ao perfil genético de cada paciente,
reduzindo os efeitos colaterais negativos e não desejados (Fukuyama, 2002).
A medicina assume-se, assim, como uma disciplina de capitalização da segurança e
redução da incerteza (Marques, 2005), num processo de domesticação do risco que
destitui a ideia do destino divino e providencial a favor de um mundo biológico
construído, modificável e reparável, onde a investigação em embriões de origem
humana e células estaminais embrionárias assume-se como central. A promessa de
eliminação de doenças (Luna, 2007a; Jewson, 2009), reparação, regeneração e/ou
substituição de tecidos lesados (Hug, 2005; Borojevic, 2008; Oliveira et al., 2010),
prolongamento de uma vida saudável (Garcia, 2006) e controlo sobre processos vitais
do corpo e da mente tem contribuído para a concentração de investimentos de capital
nestas “tecnologias de otimização” da vida, às quais subjaz uma nova economia
moral, que Nikolas Rose (2007) designa como “economia ético-somática” e José Luís
Garcia (2006) como “negócio da esperança”.
Tais lógicas e conceções produzidas pelos sistemas periciais são assimiladas pelos
públicos leigos, resultando na proliferação de uma cultura assente na segurança dos
pacientes (McCarthy e Blumenthal, 2006: 170) e em “economias contemporâneas da
vitalidade” (Rose, 2007: 20) que criam biovalores, mercê da possibilidade de as
tecnologias médicas produzirem informações objetivas que transformariam o corpo
incerto num corpo sem ambiguidades (Chazan, 2008: 579). A medicina regenerativa e
a bioengenharia de tecidos visam conduzir as células estaminais aos locais alvo da
terapêutica
através
da
manipulação
de
material
corporal,
sugerindo
uma
representação do corpo como fábrica ou matéria-prima para a confeção de produtos
orgânicos (Luna, 2007b). Esta possibilidade aumenta o fascínio pela genética que,
segundo David Le Breton (cit. Fidalgo e Moura, 2004: 3), surge da esperança de que a
aparente transparência do gene possa significar a transparência do sujeito, permitindo
traçar um perfil de risco individual, podendo contribuir para um maior conhecimento
dos processos moleculares que conduzem ao desenvolvimento de tumores, por
exemplo (McKay, 2000).
O ressurgimento da causalidade genética foi acolhido pela generalidade da população,
que usa frequentemente os genes para explicar comportamentos e doenças
(Peterson, 1999; Novas e Rose, 2000; Mendonça, 2001). O estudo das bases
funcionais do comportamento das células e moléculas, na tentativa de desvendar a
7
caixa-negra dos genes, visa uma compreensão cada vez mais pormenorizada dos
segredos das células e do corpo humano por parte das ciências biológicas e da saúde,
com o objetivo de alterar padrões de doença ao identificar e interpretar predisposições
biológico-genéticas para o risco de as contrair, intervindo precocemente. O conceito de
doença alarga-se e passa a cobrir situações em que não há enfermidade em sentido
restrito, mas uma probabilidade (maior ou menor) de que uma dada enfermidade surja
num determinado prazo (Illich,1977: 57).
Esta genetização dos corpos foi acompanhada por pensamentos genetizados (Heath,
Rapp e Taussig, 2007), ou seja, as pessoas passaram a pensar e identificar-se
geneticamente como tendo ou não atributos e limitações genéticas individuais e/ou
familiares, constituindo novos coletivos que se formam à volta de doenças hereditárias
baseadas em predisposições genéticas (Reihling, 2010). Cresce o reconhecimento de
que as mutações genéticas conferem predisposição para a doença (Vladareanu et al.,
2007), enunciando as terapias celulares como a medicina do futuro (Mendes-Takao et
al., 2010), cujo desenvolvimento se associa à investigação em embriões e células
estaminais embrionárias (Chapman, Frankel e Garfinkel, 1999; McMahon et al., 2003)
com vista ao conhecimento preditivo dos processos da vida (Sander, 2000). Com
efeito, a utilização de embriões e de células estaminais embrionárias para fins de
investigação é apresentada como a chave para a compreensão da fisiologia de certas
doenças, tornando-se numa nova janela de oportunidades para desvelar os segredos
da biologia do desenvolvimento humano.
Associações de doentes e figuras públicas, como o ator Michael J. Fox (doente
parkinsoniano), o (super-homem) Christopher Reeve, ou Nancy Reagan (apoiante da
causa da doença de Alzheimer, que vitimou o presidente Ronald Reagan), declararam
publicamente o seu apoio à pesquisa em células estaminais embrionárias (SantaMaria, 2007: 276). Esta militância pode ser perspetivada como uma manifestação
daquilo que Moratalla (2005) designa por “lobby das células estaminais embrionárias”,
que apela a um duplo imperativo para poder reduzir o sofrimento humano – um
imperativo moral (Holm, 2002: 506) e um imperativo de pesquisa (Callahan, 2003). O
sociólogo Émile Durkheim (1912) propôs o conceito de “consciência coletiva” para
designar o conjunto das representações coletivas que influem nas condutas pessoais
de uma determinada sociedade ou comunidade. Emergem atualmente novos modelos
dessa consciência, onde se podem incluir os movimentos apoiantes, mas também
contrários, à investigação científica em embriões de origem humana.
8
Não constituirá estranheza o facto da discussão sobre a investigação em embriões e
células estaminais embrionárias sair dos muros da academia (Luna, 2007a: 588) e ter
grande cobertura na comunicação social. As notícias sobre ciência e saúde tendem a
focar-se no que é novo, inédito e extraordinário, especialmente se as descobertas
prometerem salvar ou prolongar vidas (Bartolli-Filho, 2007), num contexto em que as
expectativas jogam um importante papel no desenvolvimento, financiamento e apoio
das pesquisas científicas.
No modo de reprodução biomédico as expectativas estão condensadas nas células
estaminais e nos embriões, que constituem a base de uma nova cadeia de valor
ligando o presente e o futuro da biologia (Thompson, 2005). A criação de expectativas
na contemporaneidade radica em valores como a crença na promoção do bem-estar
do doente e do bem comum (Chapman, Frankel e Garfinkel, 1999), as quais giram à
volta de exercícios de imaginação de futuros possíveis e de imagens de um mundo
desejado (Borup et al., 2006; Nunes et al., 2008), gerando “expectativas solidárias”, ou
seja, expectativas que as pessoas depositam no prognóstico, diagnóstico, tratamento
e prevenção da doença e da morte que afetam outras pessoas.
Ron McKay (2000) aponta duas razões que justificam o interesse nas células
estaminais embrionárias de origem humana: o facto de elas poderem ser usadas para
investigar características que são específicas do desenvolvimento embrionário
humano e o de gerarem tipos de células somáticas – o tipo de células não
reprodutivas que integram o corpo humano, cujo estudo permite ganhar um
conhecimento mais profundo do processo de substituição celular. Burns (2009) mostra
que as células estaminais representam um novo “super-herói” ao prometer uma lógica
exclusiva de salvação, na medida em que não se propõem apenas a eliminar a doença
(como o fazem os antibióticos), mas também (e sobretudo) a regenerar, beneficiando
de quatro características fundamentais: 1) as células estaminais têm uma capacidade
“mágica” para combater virtualmente qualquer doença, assumindo poderes sem
precedentes; 2) não existe outra maneira para enfrentar esse mal; 3) todos os que se
alinhem com a busca por melhores soluções terapêuticas são aliados deste superherói; 4) os oponentes à investigação em células estaminais aliam-se ao mal,
causando involuntariamente sofrimento.
A concretização destas promessas e expectativas exige que o conhecimento e
princípios científicos oriundos da investigação em embriões sejam traduzidos em
instrumentos e ferramentas que possam ser usados nas práticas clínicas e em
9
estratégias de intervenção na saúde comunitária e sejam desdobrados em evidência,
o que reclama um investimento avultado e sustentado na investigação científica
(Chapman, Frankel e Garfinkel, 1999; Pompe, Bader e Tannert, 2005); assim como o
apoio da opinião pública à medicina regenerativa e personalizada (Mauron e Jaconi,
2007). Trata-se de um percurso para a medicina translacional (Azevedo, 2009: 81),
que visa integrar as descobertas das ciências básicas, sociais e políticas para
optimizar o tratamento dos doentes e instituir medidas preventivas conducentes à
melhoria do estado de saúde das populações, utilizando os avanços da ciência na
prática clínica por intermédio da produção de investigação relevante (Neves, 2010).
Ora, as expectativas depositadas na investigação em embriões são frequentemente
criticadas por serem sobrestimadas, exageradas, irrealistas e, eventualmente,
perniciosas e contraproducentes ao potenciarem decisões de investimento e
alterações na hierarquia de prioridades que descuram o conhecimento disponível
sobre a prevenção de doenças (Nightingale e Martin, 2004). Esta opinião é reforçada
por Brown (2007: 586), que entende que as promessas de investigação em outras
áreas da medicina podem ser esquecidas e o potencial de fontes alternativas às
células estaminais pode não ser devidamente explorado, gerando custos sociais e
financeiros.
A crescente centralidade dos embriões e das células estaminais embrionárias na
disseminação e implementação de inovações científicas e tecnológicas na saúde
suscita ainda outras questões científicas e éticas, nomeadamente: aceitabilidade
social da investigação em embriões de origem humana e legitimidade da destruição
dos mesmos (Serrão, 2003); “turismo científico”; potencial mercadorização de tecidos
humanos; e instrumentalização das mulheres e dos homens como fontes de embriões
(Haimes e Luce, 2006; Scully e Rehmann-Sutter, 2006).
Gaspar (2004: 10), por exemplo, alerta para o risco de a criação de embriões
excedentários se tornar uma prática deliberada para contornar as proibições relativas
à criação de embriões especificamente para fins de investigação, uma prática
científica controversa. A favor da produção de embriões para propósitos científicos
encontram-se os seguintes argumentos: a provisão de embriões excedentários
resultantes da aplicação de técnicas de procriação medicamente assistida é
insuficiente; os embriões criados por transferência de células nucleares somáticas
podem oferecer um caminho mais promissor para obter tecidos autogénicos para
transplante; e o estatuto jurídico e moral dos embriões não impede a experimentação
10
nem fere a sua dignidade (Orts, 2004: 80). Os críticos desta prática entendem que a
produção de embriões para fins exclusivos de experimentação instrumentaliza e
manipula o embrião de origem humana, privando-o do seu valor intrínseco (Nunes,
2005; Nogueira-Filho, 2009). A coisificação do embrião traduz-se no seu tratamento
como um bem que pertence aos progenitores, os quais são responsáveis por decidir
os seus destinos.
Neste contexto, a regulação da investigação em embriões é fundamental e tem-se
caracterizado por autorizar a pesquisa com embriões criopreservados remanescentes
em clínicas de reprodução assistida; proibir a comercialização de embriões e a sua
produção com fins exclusivos de pesquisa; exigir que os projetos de pesquisa sejam
avaliados por organismos específicos antes da realização dos estudos; e obrigar à
obtenção de consentimento informado por parte da mulher e do homem que
contribuíram com os seus gâmetas para a criação dos embriões previamente ao seu
uso científico (Diniz e Avelino, 2009: 547).
Até 2006, ano em que foi publicada a lei da procriação medicamente assistida (Lei
n.º32/2006, de 26 de Julho), não existia em Portugal uma regulação específica da
investigação em embriões de origem humana. Desde então, os embriões sem
possibilidade de envolvimento num projeto parental podem ter como destino a
investigação científica. Prevê-se que a produção de embriões in vitro só possa
acontecer para tratamentos de infertilidade ou evitamento de transmissão de doença
grave, proibindo a sua criação deliberada para fins de investigação.
Os principais organismos que produzem documentação de cariz ético em torno da
investigação em embriões de origem humana em Portugal são o Conselho Nacional
de Procriação Medicamente Assistida, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências
da Vida e a Associação Portuguesa de Bioética, os quais tendem a atuar em resposta
a solicitações de instituições políticas, médicas e científicas. Para que a participação
de todos os cidadãos neste debate se materialize, é fundamental que os mesmos
conheçam os tópicos em discussão, assim como os usos científicos e médicos da
investigação em embriões.
11
2. OBJETIVOS
Este estudo tem os seguintes objetivos:
(1) Mapear os projetos de investigação em embriões financiados pela Fundação para
a Ciência e a Tecnologia entre 2000 e 2009, de acordo com o ano de candidatura, a
área científica, as instituições proponentes e participantes, o financiamento atribuído, o
investigador responsável, a dimensão da equipa de investigação e a temática de
saúde estudada.
(2) Analisar as questões éticas discutidas nos documentos produzidos pelo Conselho
Nacional de Procriação Medicamente Assistida, Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida e Associação Portuguesa de Bioética quanto à investigação em
embriões de origem humana desde 2006.
12
3. MÉTODOS
3.1. Projetos de investigação em embriões
O mapeamento dos projetos de investigação em embriões financiados pela Fundação
para a Ciência e a Tecnologia foi realizado através de uma pesquisa no conjunto dos
concursos abertos a todos os domínios científicos disponíveis na base de dados desta
instituição2, num total de sete concursos entre 2000 e 2009. Esta base de dados não
permite a pesquisa simultânea dos projetos homologados em todas as áreas
científicas e em todos os concursos, estando cada projeto alojado apenas na respetiva
área científica dentro do concurso em que foi aprovado. Atendendo a esta
organização, selecionaram-se num primeiro momento as áreas científicas a pesquisar,
escolhidas de acordo com a proximidade com o tema em estudo, as quais estão
descritas na tabela 1.
No âmbito desta dissertação selecionaram-se para análise os projetos que incluíam
nas palavras-chave e/ou no resumo pelo menos um dos seguintes termos: “embrião”;
“embriões”;
“desenvolvimento
embrionário”;
“embrionário”;
“embrionária”;
“embrionários”; “embrionárias”; ou “embriogénese”.
Reuniram-se 34 projetos, os quais foram classificados de acordo com as seguintes
características: 1) ano do concurso (categorizado em 2000-2002, 2004-2006, 20082009); 2) área científica
(ciências da
saúde, ciências biológicas,
ciências
agrárias/agronómicas e florestais; ciência animal e ciências veterinárias; ciências da
engenharia e tecnologia; ciências sociais); 3) instituições proponentes; 4) instituições
participantes (categorizadas em nacionais e estrangeiras); 5) financiamento atribuído
(categorizado em 0€-49.999€, 50.000€-99.999€; 100.000€-149.999€; 150.000€199.999€); 6) sexo do investigador responsável; 7) dimensão da equipa de
investigação (categorizada em ≤3, 4-6, 7-9 e ≥10); e 7) temática de saúde estudada
(categorizada em fenómenos e
processos; anatomia; organismos; doenças;
compostos químicos e drogas; técnicas analíticas, diagnósticas e terapêuticas e
2
Disponível em <http://alfa.fct.mctes.pt/apoios/projectos/consulta/projectos>, último acesso a
13 de maio de 2011.
13
equipamentos; psiquiatria e psicologia; saúde pública; disciplinas e ocupações;
antropologia, educação, sociologia e fenómenos sociais; assistência à saúde)3.
Tabela 1. Áreas científicas pesquisadas na base de dados da Fundação para a Ciência e a Tecnologia nos
concursos para todos os domínios científicos, 2000-2009
Ciências exatas
Ciências naturais e
do ambiente
Ciências biológicas
Ciências da saúde
Ciências da
engenharia e
tecnologia
Ciências
agrárias/agronómicas
e florestais
Ciência animal e
ciências veterinárias
Ciências sociais e
humanas
Outras áreas
Química
Química e bioquímica
Ciências e engenharia do ambiente / Ciências e tecnologias do ambiente
Ciências da terra, do mar e da atmosfera / Ciências e tecnologias do mar
Biologia molecular e estrutural / Biologia celular e integrativa / Biologia celular e
molecular / Proteínas e biologia estrutural
Biologia de sistemas, biologia marinha e ecologia / Biologia de sistemas e ecologia
/ Biodiversidade e ecologia
Biologia microbiana
Qualificação e organização em rede das coleções biológicas
Biodiversidade, ecologia e conservação
Genómica
Evolução e filogenética
Ecossistemas
Medicina molecular e genética e imunologia / Medicina molecular
Genética médica e genómica funcional
Ciências biomédicas de órgãos e sistemas e oncologia / Oncologia e biopatologia
de órgãos e sistemas / Oncobiologia e biologia do desenvolvimento
Neurociências e sistemas endócrinos / Neurociências / Neurociências molecular e
celular / Neurociências – sistemas, clínica e comportamento
Farmacologia, ciências farmacêuticas e biomateriais / Biomateriais e engenharia
biomédica / Biomateriais / Engenharia biomédica / Farmacologia e toxicologia
Infeção e microbiologia / Microbiologia, infeção, imunologia e inflamação
Microbiologia, epidemiologia, medicina das populações e saúde pública /
Epidemiologia e saúde pública / Epidemiologia, saúde pública e ambiente / Saúde
pública e fatores ambientais
Órgãos e sistemas, metabolismo, nutrição e toxicologia / Órgãos e sistemas –
mecanismos das doenças
Engenharia bioquímica e biotecnologia
Engenharia biológica e biotecnologia – engenharia biológica / Biotecnologia
Ciência e engenharia dos materiais - biomateriais, processamento e caracterização
Ciências agrárias e florestais / Ciências florestais
Agro-indústrias, tecnologias dos produtos florestais e proteção de plantas
Genómica de plantas
Investigação geral
Agricultura e ambiente / Produção agrícola
Ciência e tecnologia dos alimentos
Ciência animal e ciências veterinárias
Ciências jurídicas
Ciência política
Sociologia / Sociologia e demografia
Antropologia
Psicologia / Psicologia clínica / Psicologia cognitiva / Psicologia social / Psicologia
aplicada
Filosofia / Ética
Religião
Estudos sobre ciência e sociedade
Área interdisciplinar – história da ciência e da técnica
Políticas do ensino superior e da ciência / Políticas de educação e de ciência
3
As categorias usadas para classificar a temática de saúde estudada basearam-se nos
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), uma ferramenta que visa uniformizar a terminologia
usada no âmbito das ciências da saúde ao definir os conceitos e enquadrá-los em categorias
hierárquicas. O DeCS é atualizado anualmente; a versão de 2011 está disponível em
<http://decs.bvs.br/P/visaogeral2011.htm>, ultimo acesso a 25 de maio de 2011.
14
3.2. Documentação ética
O mapeamento dos documentos éticos produzidos no âmbito da investigação em
embriões de origem humana no nosso país foi realizado através de uma pesquisa nos
pareceres disponíveis nas bases de dados do Conselho Nacional de Procriação
Medicamente Assistida4, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida5 e
Associação Portuguesa de Bioética6, utilizando para o efeito as palavras-chave
“embrião” ou “embriões”.
No âmbito desta dissertação selecionaram-se para análise os pareceres emitidos entre
janeiro de 2006 e dezembro de 2010, data de início escolhida por coincidir com o ano
em que foi publicada a primeira lei que regula a procriação medicamente assistida em
Portugal, autorizando a investigação em embriões de origem humana (Lei n.º 32/2006,
de 26 de Julho). Incluíram-se todos os documentos que discutiam aspetos
relacionados com a investigação em embriões de origem humana, excluindo-se
aqueles que apesar de contemplarem o termo “embrião” ou “embriões” apenas os
descreviam (encontram-se nesta situação os documentos relativos aos requisitos e
parâmetros de funcionamento dos centros de PMA ou os pareceres sobre pedidos de
licenciamento e autorização de entidades para ministrar técnicas de PMA).
Analisaram-se 12 documentos, os quais foram classificados de acordo com os
seguintes elementos: 1) emissor (Conselho Nacional de Procriação Medicamente
Assistida, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e Associação
Portuguesa
de
Bioética);
2)
tipo
de
documento
(parecer,
deliberação
e
recomendação); 3) e ano de emissão. Procedeu-se ainda a uma análise de conteúdo
destes documentos, donde emergiram os seguintes temas: 1) classificação do estatuto
do embrião de origem humana; 2) princípios éticos mobilizados na discussão sobre a
investigação em embriões de origem humana; 3) e benefícios e incertezas associados
à investigação em embriões de origem humana.
4
Disponível em <http://cnpma.org.pt>, último acesso a 25 de maio de 2011.
5
Disponível em <http://cnecv.pt>, último acesso a 25 de maio de 2011.
6
Disponível em <http://www.sbem-fmup.org>, último acesso a 25 de maio de 2011.
15
4. RESULTADOS
4.1. Projetos de investigação em embriões
Na tabela 2 apresentam-se as características dos projetos de investigação em
embriões financiados pela FCT entre 2000 e 2009. Observa-se um acréscimo no
número total de projetos, evidenciando-se o peso de duas áreas científicas: as
ciências da saúde (n=11) e as ciências biológicas (n=11), responsáveis por 65% dos
projetos analisados. O número de projetos desenvolvidos no âmbito das ciências da
saúde tem aumentado ao longo deste período, enquanto as ciências biológicas têm
cada vez menos projetos financiados. O financiamento total atribuído pela FCT a
projetos em embriões ascende aos 3.682.184,88€, sendo que 2.265.162,22€ (61,5%)
foram aplicados nas ciências da saúde e nas ciências biológicas. As propostas
submetidas na área das ciências da saúde tendem a colocar as ciências biológicas
como área científica secundária, mas o inverso não acontece (dados não
apresentados), num contexto em que apenas 23,5% (n=8) dos projetos incluem uma
área científica secundária.
A maioria dos projetos são coordenados por mulheres (64,7%) e têm menos de 6
elementos na equipa de investigação (73,5%). A área da ciência animal e ciências
veterinárias é a única com maior proporção de investigadores responsáveis do sexo
masculino. De realçar que 2 dos 3 projetos que contam com mais de 10 elementos na
equipa de investigação foram propostos pela mesma entidade - o Instituto de Biologia
Experimental e Tecnológica e incluem a participação de uma instituição sueca (dados
não apresentados).
Nas instituições proponentes salienta-se o peso das universidades públicas
localizadas na região norte e centro do país, em particular a Universidade de Lisboa
(n=9), a Universidade do Porto (n=6) e a Universidade do Minho (n=4), e da Fundação
Calouste Gulbenkian (n=6). A participação de instituições estrangeiras nestes projetos
acontece em 11,8% (n=4) dos casos, as quais são oriundas da Suécia, Reino Unido,
França, Canadá e Estados Unidos da América e incluem universidades e respetivas
16
unidades de investigação7, um museu8 e uma empresa privada de biotecnologia e
medicina regenerativa9.
Num contexto em que a maioria dos projetos de investigação em embriões financiados
pela FCT decorrem no âmbito das ciências da saúde e das ciências biológicas, as
temáticas de saúde mais estudadas dizem respeito aos fenómenos e processos,
anatomia e organismos (tabela 3). Os temas relacionados com a assistência à saúde,
a antropologia, educação, sociologia e fenómenos sociais, saúde pública e psiquiatria
e psicologia, entre outros, raramente são estudados. De realçar que apenas 30
(22,1%) das 136 palavras-chave analisadas constam como descritores em ciências da
saúde.
O conhecimento dos mecanismos envolvidos nos processos de somitogénese e
embriogénese ou no desenvolvimento embrionário, ainda que não humano,
patrocinado pelas ciências agronómicas e florestais e sobretudo pelas ciências
veterinárias, constitui um aspecto fulcral na compreensão de diversos problemas da
saúde humana e de saúde pública. Deste modo, os projetos que estudam os embriões
de bovinos, galinhas, peixes, moscas ou dinossauros, ou da cenoura-brava, pinheirobravo e sobreiro, são apresentados como propostas que visam sobretudo a promoção
geral dos conhecimentos e da saúde humana.
O financiamento mais recente de projetos nas ciências da engenharia e tecnologia
(n=3) e nas ciências sociais e humanidades (n=1), ainda que minoritários
(representam 12% do total dos projetos analisados), pode contribuir para alargar o
espectro dos temas de investigação (incluindo, por exemplo, a análise das questões
sociais e éticas envolvidas na investigação em embriões); assim como para mobilizar
7
Trata-se das seguintes universidades e unidades de investigação: (1) INRA, Pôle
d’Hydrobiologie, Unité Mixte de Research Nutrition Aquaculture Génomique (INRA-UMR
NUAGE), o primeiro instituto de pesquisa agronómica em França e décimo segundo do mundo,
representando uma unidade associada de pesquisa para os estudos de nutrição e genómica
entre o INRA – Institut national de la recherce agronomique, o IFREMER – Institut français de
recherche pour l'exploitation de la mer e a Universidade de Bordéus; (2) Swedish University of
Agricultural Sciences (SLU), uma das principais universidades suecas na área das ciências
agronómicas que apresenta como forças motrizes e estratégicas a produção sustentável, a
saúde humana e animal e os recursos genéticos e biotecnologia; (3) e a Universidade de
Calgary, uma das maiores universidades canadianas líder em investigação.
8
Trata-se do National Museum of Natural History, Smithsonian Institution - MNH/SI, o maior
complexo de museus e centros de investigação do mundo, situado em Washington.
9
Trata-se da Cellartis AB, uma empresa sueca e britânica focalizada na produção e
investigação em células estaminais e na descoberta de novos fármacos, testes de toxicologia e
medicina regenerativa.
17
investigadores com abordagens alternativas e complementares às propostas no
domínio da investigação biomédica, numa progressiva coprodução entre biologia,
tecnologia, saúde e sociedade. De fato, é nestas áreas científicas que se desenvolvem
os três projetos de investigação focalizados nos embriões de origem humana,
financiados a partir de 2006: o objeto de estudo dos dois projetos desenvolvidos no
âmbito das ciências da engenharia e tecnologia são as células estaminais
embrionárias humanas, preocupando-se com a criopreservação e o comportamento
das mesmas; enquanto o projeto conduzido nas ciências sociais e humanidades visa
analisar as decisões dos casais envolvidos em técnicas de PMA em torno dos destinos
dos embriões.
18
Tabela 2. Caracterização dos projetos de investigação em embriões financiados pela FCT, por área científica (2000-2009)
Ciências da
saúde
Ciências
biológicas
Ciências
agrárias/
agronómicas
e florestais
Ciência
animal e
ciências
veterinárias
Ciências da
engenharia e
tecnologia
Ciências
sociais e
humanidades
n=11
n=11
n=4
n=4
n=3
n=1
8
12
14
1
4
6
5
4
2
1
2
1
1
1
2
1
2
1
1
17
11
5
1
4
4
2
8
3
-
3
1
-
1
3
3
-
1
-
22
12
7
4
6
5
4
-
1
3
3
-
1
-
8
17
6
3
3
7
1
-
3
6
1
1
1
2
1
1
2
1
1
2
-
1
-
9
6
6
4
3
2
1
1
1
1
3
2
3
2
1
-
4
4
1
2
-
2
2
-
1
1
1
1
1
1
1
-
1
-
8
26
4
7
1
10
1
3
1
3
1
2
1
30
4
11
-
10
1
3
1
3
1
2
1
1
-
TOTAL
n=34
Ano do concurso
2000-2002
2004-2006
2008-2009
Financiamento atribuído
0€-49.999€
50.000€-99.999€
100.000€-149.999€
150.000€-199.999€
Sexo do/a investigador/a responsável
Feminino
Masculino
Número de elementos da equipa de investigação
≤3
4-6
7-9
≥ 10
Instituição proponente
Universidade de Lisboa
Fundação Calouste Gulbenkian
Universidade do Porto
Universidade do Minho
Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica
Universidade de Aveiro
Universidade de Coimbra
Universidade de Évora
Universidade do Algarve
Instituto Nacional de Recursos Biológicos
Área científica secundária
Sim
Não
Âmbito territorial das instituições participantes
Nacional
Nacional e estrangeiro
19
Tabela 3. Temáticas de saúde estudadas nos projetos de investigação em embriões financiados pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (2000-2009), de acordo com a classificação dos Descritores em Ciências da Saúde
Temáticas de saúde
n
Fenómenos e Processos
16
Descrição das palavras-chave
Desenvolvimento embrionário (n=4); Dor (n=2); Desenvolvimento muscular; Caronte;
Polaridade celular; Mitose; Embriogénese; Migração celular; Hematopoiese; Expressão
Génica; Termorregulação; Organogénese
Sistema nervoso; Medula espinal; Embrião de galinha (n=3); Extremidades; Matriz extracelular
Anatomia
13
Organismos
4
Drosophila (n=2); Drosophila melanogaster; Bovinos
Doenças
2
Dor
Compostos Químicos e Drogas
2
Somatostatina; Cálcio
Técnicas Analíticas, Diagnósticas e Terapêuticas e Equipamentos
2
Criopreservação; Engenharia de tecidos
Psiquiatria e Psicologia
2
Dor
Saúde Pública
2
Cálcio; Bovinos
Disciplinas e Ocupações
1
Proteomica
Antropologia, Educação, Sociologia e Fenómenos Sociais
1
Consentimento informado
Assistência à Saúde
1
Consentimento informado
(n=2); Embrião (n=2); Corpo lúteo; Endométrio; Coração
20
4.2. Documentação ética
O CNPMA (n=6) e o CNECV (n=5) são os organismos que publicaram mais
documentos sobre as questões éticas envolvidas na investigação em embriões de
origem humana. Em consonância com as respetivas competências, o CNECV e a APB
emitiram pareceres, enquanto o CNPMA produziu 4 deliberações e 2 recomendações.
Estes organismos são constituídos por 33 membros permanentes, distribuídos da
seguinte forma: CNECV (n=18); CNPMA (n=10); APB (n=5). Com uma composição
maioritariamente masculina (21 homens e 12 mulheres), os seus elementos são
sobretudo profissionais e/ou investigadores na área da medicina (n=16), direito (n=5),
filosofia (n=3), psicologia (n=2), ciências farmacêuticas (n=2), sociologia (n=1), biologia
(n=1), microbiologia (n=1), física (n=1) e gestão de empresas (n=1)10. Somando os
representantes das ciências da saúde e das ciências biológicas stricto sensu, estes
representam 54,5% (n=18) do total dos elementos.
De acordo com os documentos emitidos por estes organismos, o debate ético em
torno da investigação em embriões de origem humana focalizou-se em três temas
principais: a classificação do estatuto do embrião de origem humana, acentuando a
sua dimensão biológica e alinhando com a perspetiva concepcionista do embrião
(tabela 4). Os outros temas prendem-se com os princípios que devem orientar o
equilíbrio entre as expectativas e os riscos associados à investigação em embriões de
origem humana (tabela 5) e os princípios que sustentam a discussão ética neste
domínio (tabela 6).
Os resultados mostram a diversidade de posições e argumentos usados neste debate,
quer entre organismos, quer entre os elementos de um mesmo organismo. A
discussão baseia-se na potencial instrumentalização dos embriões de origem humana,
sobretudo quando estes podem ser criados para fins de investigação científica, e na
definição dos princípios que devem orientar o controlo e a regulação das práticas de
investigação em embriões de origem humana. Ao mesmo tempo, alerta para a
avaliação das expectativas da opinião pública, num contexto em que a escassez de
comprovação empírica dos resultados prometidos pela investigação com células
10
No anexo 1 listam-se os nomes e a formação académica dos elementos que compõem o
CNECV, o CNPMA e a APB em outubro de 2011, por organismo.
21
estaminais embrionárias deve ser complementada por pesquisas de soluções médicas
que utilizem fontes e tecnologias alternativas.
Tabela 4. Classificação do estatuto do embrião de origem humana
Artefacto
laboratorial

“O juízo ético sobre o uso da clonagem depende da natureza que for
atribuída ao produto da transferência nuclear somática (…); se for
considerado um embrião não pode ser usado porque tal constituiria uma
violação da sua intrínseca dignidade (…); se for considerado um artefacto
laboratorial pode ser usado em investigação biomédica.” (CNECV, 2006: 3)
Neo-estrutura
biológica

“A investigação na reprogramação celular (…) poderá permitir a
prossecução da investigação em curso com células estaminais sem a
produção de qualquer neo-estrutura biológica susceptível de ser identificada
como embrião humano.” (CNECV, 2006: 4)
Ser humano

“(…) todo o «ser humano» merece existir e exige o respeito pela sua
vida ainda que principiante ou embrionária.” (CNECV, 2007, declaração de
Michel Renaud)

Será aqui [clonagem humana] aplicável o mesmo princípio da
proibição da investigação destrutiva com embriões (…) porquanto a
experimentação em seres humanos incapazes de consentir é admissível
somente em seu benefício terapêutico directo. (CNECV, 2006, declaração
de Ramos Ascensão)

“Um diploma a adoptar deverá definir um estatuto jurídico para o
embrião humano (…) qualquer solução legislativa na matéria terá de
compreender um conjunto coerente e articulado de normas que, de uma
forma global, assegurem a protecção que o legislador entenda dever
conceder no plano do Direito positivo ao ser humano embrionário.” (APB,
2006: 4)
Pessoa

“Ou se opta por atribuir o estatuto de pessoa ao embrião e não será,
em regra, lícito destruí-lo, ou se opta por não lhe atribuir esse estatuto e
essa destruição poderá ser considerada perfeitamente lícita.” (APB, 2006: 9)

“Não existe um único conceito de pessoa na sociedade portuguesa,
mas sim múltiplos, valorizando uns a pertença à espécie humana, outros a
capacidade para sentir o sofrimento, outros a racionalidade… consoante o
estatuto de pessoa de que se parta no plano filosófico, diferente será a
solução proposta, no plano jurídico, para o estatuto do embrião in vitro.”
(APB, 2006: 8)
22
Tabela 5. Princípios orientadores do equilíbrio entre as expectativas e os riscos associados à
investigação em embriões de origem humana
Ladeira
escorregadia

“A admissão da selecção de embriões para benefício de terceiros
abre (…) um precedente que considero irreversível e facilmente
transportável para situações diversas com finalidades eticamente
duvidosas.” (CNECV, 2007, declaração de Pedro Fevereiro)
Hierarquização
de prioridades

“As células estaminais não-embrionárias (…) para além de não
oferecerem problemas éticos de maior, são as únicas que conhecem já
aplicações terapêuticas, sendo a sua colheita menos dispendiosa, pelo
que aflora aqui também a questão da justiça na afectação dos recursos
para a saúde.” (CNECV, 2006, declaração de Ramos Ascensão)

“O valor ético dos embriões [é] claramente superior ao dos
gâmetas.” (CNPMA, 2010)

“Existem outras modalidades de diagnóstico e tratamento
claramente prioritárias, nomeadamente o tratamento do cancro ou
esquemas de vacinação obrigatória. Assim, somos de parecer que estas
técnicas devem ser incluídas no âmbito da prestação pública de saúde
apenas e tão só no limite dos recursos humanos, materiais e tecnológicos
existentes”. (APB, 2006: 15)
Intencionalidade

“Se se admite a investigação em embriões excedentários, in vitro,
descongelados, não implantados nem implantáveis (…) por que motivo
não seria legítimo investigar em clones produto de TNS? A diferença só
pode aqui residir na intencionalidade e finalidade com que uns são feitos e
outros não: enquanto que os embriões excedentários de FIV ou ICSI não
são, a priori, intencionalmente feitos para depois virem a ser alvo de
investigação, já com o produto de TNS assim se trata.” (CNECV, 2006,
declaração de Miguel Oliveira da Silva)

“Enquanto existirem embriões criopreservados não é eticamente
aceitável a criação de novos embriões.” (CNPMA, 2010)
Consenso geral

“O uso de células estaminais embrionárias para fins de
investigação ou de eventual tratamento médico não encontra ainda um
largo consenso na comunidade científica e na sociedade em geral.”
(CNECV, 2007: 5)
23
Tabela 6. Princípios usados no debate ético sobre a investigação em embriões de origem humana
Não
comercialização
Não
instrumentalização

“[Um dos] problemas éticos (…) inerentes à utilização de material biológico humano (…) [é] o da não comercialização.” (CNECV, 2006: 3)

“O CNPMA (…) recomenda: a não atribuição de qualquer compensação nos casos de doação de embriões.” (CNPMA, 2010)

“A produção intencional de embriões por PMA para aplicação do DGPI e visando a sua selecção a fim de tratar doença de um familiar
corresponde à instrumentalização da vida humana embrionária em prol da sobrevivência de uma outra vida humana mais desenvolvida.” (CNECV, 2007,
declaração de Maria do Céu Patrão Neves)

“Constituirá esta selecção [de embriões para compatibilidade imunológica com um irmão doente] uma instrumentalização da criança a nascer,
que não é desejada em si mesma, mas como meio para salvar a vida do irmão? Parece-nos que não, uma vez que pelo facto de ser “útil” o seu
nascimento à saúde e vida do irmão, tal não significa que a criança não seja também desejada em si mesma.” (APB, 2006: 10)
Mal menor

“E é um mal menor (…) que este [o embrião] se integre num projecto de procriação em vez de ser aniquilado.” (CNECV, 2007, declaração de
José de Oliveira Ascensão)

“Nos casos em que (…) possa já ser determinada a descongelação e eliminação de embriões, o Conselho não vê motivo para que esses
embriões não possam, no decurso do processo de eliminação, ser utilizados em práticas de técnicas e de procedimentos de PMA.” (CNPMA, 2010: 1)
Melhor
interesse do
embrião

“Um embrião não pode ser nem solidário nem insolidário, posto que não possui ainda a capacidade de dispor de si mesmo para um fim
determinado; são outros que dispõem dele – que o usam – para um fim alheio ao seu próprio bem.” (CNECV, 2007, declaração de Marta Mendonça)

“O melhor interesse do embrião é assegurado (…) [ao prever] a possibilidade da sua ulterior implantação uterina. Outras não o asseguram: por
exemplo, a que permite a sua utilização para fins de investigação, com frequência destrutiva. (APB, 2006: 14)
Precaução

“Na (…) situação de ausência de unanimidade (…) científica e filosófica acerca da natureza do produto de transferência nuclear somática,
considera-se dever aplicar o princípio ético da precaução.” (CNECV, 2006: 3)

“Discordo em particular da utilização do princípio ético da precaução para tentar desincentivar a experimentação, neste caso na transferência
nuclear somática.” (CNECV, 2006, declaração de Pedro Fevereiro)
Consentimento

“Só pode haver utilização para fins de investigação científica de embriões criopreservados excedentários, em relação aos quais não exista
projecto parental, com o consentimento prévio, expresso, informado e consciente dos casais aos quais se destinavam e quando essa utilização estiver
enquadrada em projecto de investigação aprovado pelo Conselho.” (CNPMA, 2010)
Altruísmo

“Presume-se que, se já tivesse capacidade para expressar a sua vontade, a futura criança ou adolescente se voluntarisaria com satisfação para,
solidariamente, dar as suas células estaminais ao familiar doente.” (CNECV, 2007, declaração de Miguel Oliveira da Silva)
Dignidade

“A selecção embrionária, que tem como consequência a morte deliberada de embriões, lesa o valor ético da dignidade destes.” (CNECV, 2007,
declaração de Michel Renaud)

“É a pertença à espécie humana condição necessária e suficiente para a atribuição, no plano jurídico, da inclusão na esfera protectora da
dignidade humana? Respondemos afirmativamente a esta questão.” (APB, 2006: 9)
Direito à vida

“Todo o embrião tem direito à vida e ao desenvolvimento.” (CNECV, 2007, declaração de Jorge Biscaia)
24
5. DISCUSSÃO
O alinhamento entre as potencialidades do embrião “super-herói” (Burns, 2009) e a
genetização e molecularização das ciências da saúde e das ciências biológicas
afigura-se como um dos exemplos mais recentes que ilustra o esforço ontológico na
existência de um mundo natural ou biológico (Franklin, 2006). Este esforço ontológico
reflete-se no perfil dos projetos de investigação em embriões financiados pela FCT ao
privilegiarem o estudo de fenómenos e processos de patogenia e ao procurarem
soluções biogenéticas para a cura de doenças, mesmo quando utilizam modelos
animais. De facto, o objetivo do projeto genoma humano é tentar compreender a base
genética não apenas das doenças unigénicas raras, mas virtualmente de todas as
doenças humanas, partindo do princípio de que todas as doenças humanas têm uma
base genética (Parreira, 2003: 105).
O embrião encontra-se numa “terra de ninguém” (Novaes e Salem, 1995: 88) com
redes cada vez mais complexas de protagonistas que o elegem como símbolo da
confiança que pode ser depositada na ciência, tecnologia e medicina para eliminar a
doença e o sofrimento humano através da regeneração, num percurso para uma visão
genética pós-molecular, que Sarah Franklin (2006) designa de transbiologia. A crença
nas suas potencialidades terapêuticas, enquanto fonte de células estaminais,
configura âncoras de reserva e esperança no prolongamento da vida em boa saúde
(Mauron e Jaconi, 2007: 332). O futuro prometido pela investigação em embriões é
apresentado pelos seus apoiantes não apenas como realisticamente possível, mas
também como moralmente necessário e um imperativo terapêutico de mobilização
coletiva (Mieth, 2000), pois representa um salto de qualidade: a busca mais profunda
de causas de doenças; a possibilidade de realizar diagnósticos mais específicos; e
desenvolvimento de terapêuticas mais eficazes (Corrêa, 2002: 278).
Porém, a investigação em embriões é também percepcionada como um elemento que
pode reforçar as iniquidades em saúde, nomeadamente na distribuição de riscos e
benefícios e no desenvolvimento de terapias. No que concerne à sua utilização em
doenças associadas ao envelhecimento, por exemplo, Kitzinger (2008: 4) salienta que
em muitas partes do mundo tais doenças não constituem ameaça à saúde humana.
O conhecimento dos mecanismos envolvidos nos processos de diferenciação e
integração celular constitui um aspecto crucial para a compreensão de diversas
25
anomalias congénitas humanas, que envolvem propedêuticas ligadas ao tratamento
essencialmente voltadas para a detecção e intervenção precoces. O estudo molecular
permite ainda antever algumas das razões pelas quais as pessoas não respondem da
mesma forma ao mesmo medicamento, objeto de investigação da farmacogenómica
(Antunes, 2009: 154), auxiliando na prevenção e gestão da doença de forma
personalizada. Daqui tem resultado a consolidação da medicina e biologia preditivas e
a afirmação de ambas como “ciências da vida”, enunciando as ciências da saúde
como ciências da vida e as ciências biológicas como ciências da saúde.
Nestes interstícios, a compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos no
desenvolvimento da doença abre portas a uma saúde pública molecular (Castiel,
1994) e a uma “molecularização da epidemiologia” (Castiel, 1996: 249), enquadradas
numa “política molecular” (Wright, 1994, cit. Costa, Nunes e Machado, 2000). A
relevância que a biologia celular e molecular, biologia celular e integrativa, biologia
molecular e estrutural, medicina molecular e biomateriais e engenharia biomédica
adquirem no conjunto dos projetos de investigação em embriões financiados pela FCT
ilustra bem este processo de molecularização.
Estas novas direções nas ciências da saúde enunciam uma mudança de paradigma:
trata-se agora de prever e prevenir, em vez de diagnosticar e tratar, permitindo
identificar genes causadores de doenças hereditárias ou que tornam algumas pessoas
susceptíveis a doenças comuns, como a diabetes ou Alzheimer (Marques, 2009: 150).
A materialização da investigação científica no domínio da saúde passa cada vez mais
pela prevenção e regeneração, que se associam à vigilância e minimização de riscos e
anomalias detetados precocemente por intermédio do conhecimento genético
detalhado de cada paciente, permitindo personalizar a “medicina à medida de cada
um” (Antunes, 2009: 154).
O debate público sobre os benefícios, incertezas e riscos implicados nestas mudanças
exige o exercício de uma cidadania cognitiva de base científica e tecnológica, que usa
o conhecimento como meio de capacitação e empoderamento de todos os cidadãos
para avaliar as práticas científicas. Na esteira de Erving Goffman (1988), entende-se
que a tarefa do homem pós-moderno é fazer o acontecimento e não ser apenas um
mero espectador.
Um dos temas em discussão diz respeito ao estatuto do embrião, em particular o
estatuto moral (Mulkay, 1993; King, 1997), com repercussões na esfera jurídico-legal e
26
científica, uma questão tributária de sistemas de valores e representações cognitivas e
sociais. As posições tendem a dicotomizar-se: num dos extremos encontra-se o
argumento de que o embrião é moralmente equivalente a um ser humano e, como tal,
beneficia de todos os direitos de qualquer pessoa; nos antípodas desta posição está a
que defende que o embrião de origem humana é pouco mais do que uma mercadoria
e um aglomerado de células susceptível de ser sujeito a qualquer experiência
científica (Gaspar, 2004; Orts, 2004), não havendo necessidade de o tratar de maneira
diferenciada de outras células do corpo humano (Knowles, s/d: 1), o que
consubstancia a proposta de substituição do conceito de embrião pelo de “human
generative material or tissue” (Johnson, 2006).
À discussão sobre o estatuto do embrião de origem humana subjazem teorizações
sobre a vida humana. Para a teoria concepcionista, o embrião é uma pessoa humana
distinta e com autonomia genético-biológica desde a concepção, recusando a
anexação de expressões de “potencialidade” e/ou “probabilidade” a este estatuto
(Gallian, 2005; Pussi e Pussi, 2005). Nesta perspetiva, qualquer ação que interrompa
a divisão celular e impeça o desenvolvimento embrionário é considerada um atentado
à vida e à dignidade da pessoa humana (Diniz e Avelino, 2009), como é o caso da
investigação em embriões de origem humana (Leite, 1996). Esta abordagem alinha
com posições teológicas ortodoxas (Lo e Parham, 2009), na medida em que a
atribuição de dignidade e direitos humanos a embriões ecoa valores sociais vinculados
à sacralidade da vida como um dom de Deus (Rickard, 2002). Também a teoria
personalista entende que o carácter transcendente do embrião de origem humana
advém do facto de este ser portador de um valor sagrado - a vida humana, pelo que
não pode ser usado para fins de investigação científica (Serrão, 2003: 41). Já a teoria
genético-desenvolvimentista considera que o embrião de origem humana não pode ser
reconhecido como uma pessoa humana, pelo menos nos primeiros tempos da sua
existência (Leite, 1996: 126), motivo que justifica a sua utilização em pesquisas
científicas (Pussi e Pussi, 2005: 69).
Existe, contudo, uma posição intermédia que utiliza o argumento de que o estatuto do
embrião de origem humana se altera com o seu desenvolvimento, propondo marcos
de cariz biológico para definir o momento em que o embrião adquire o estatuto de
pessoa, por exemplo: quando se implanta no útero (5.º/6.º dia); quando se forma a
linha primitiva (14.º dia); ou quando se fecha o tubo neural e se forma o esboço do
cérebro (por volta do 28.º dia); ou no momento do nascimento. Esta abordagem
gradualista (Ormerod, 2003; Pussi e Pussi, 2005) advoga atualmente a possibilidade
27
de investigar em embriões com menos de 14 dias, altura em que surge a linha
primitiva (McGleenan, 2000: 11; Gaspar, 2004: 7; Ramos, 2008: 31). Este critério foi
usado pela Comissão Warnock, responsável pela produção do primeiro relatório oficial
sobre a investigação em embriões de origem humana no Reino Unido, em 1984, a
qual propôs o conceito de pré-embrião para representar o conjunto de células
humanas até 14 dias de desenvolvimento, contribuindo para que este país fosse o
primeiro a autorizar a pesquisa com células estaminais embrionárias e clonagem
terapêutica, em 2001 (Diniz e Avelino, 2009: 544). Nesta perspetiva, os embriões não
têm os mesmos direitos das pessoas, mas merecem um respeito especial, o que exige
o estabelecimento de restrições ao seu uso na investigação científica (Knowles, s/d:
1), nomeadamente a impossibilidade destes serem criados para esse propósito,
conforme proclamado pela Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina.
Neste sentido, a corrente utilitarista e/ou consequencialista defende a utilização de
embriões de origem humana para fins de investigação se esta prosseguir fins
beneficentes superiores, como seja o tratamento de doenças graves (Serrão, 2003:
42), à qual subjaz uma bio-legitimidade (Caselas, 2009: 88) frequentemente usada
pelas associações de doentes na sustentação do apoio à investigação em embriões
de origem humana (Abellán, 2004; Orts, 2004; Cesarino, 2007) - o corpo que sofre
invoca um reconhecimento do seu sofrimento, numa sociedade cada vez mais voltada
para a quantificação de ganhos em saúde. De acordo com esta abordagem, a
investigação em embriões é moralmente aceite se esta beneficiar uma maioria de
pessoas ou uma quantidade imensa de doentes (Gomes, 2007: 79). A classificação do
estatuto do embrião de origem humana não depende apenas de questões ontológicas,
mas também de princípios éticos e utilitaristas (Ruiz-Canela, 2002: 23). Lachmann
(2001) salienta ainda que as terapias com células estaminais podem contribuir para a
redução dos sobrecustos de saúde num número considerável de patologias.
Considerada como um útil diamante em bruto (Zurriaráin, 2008: 16-17), a legitimidade
social
e
ética
da
investigação
em
embriões
tende
a
ser
reconhecida
internacionalmente (Diniz e Avelino, 2009: 543), como atestam os resultados obtidos
pelo barómetro europeu das biotecnologias, que mostram que a maioria dos cidadãos
da União Europeia é favorável ao desenvolvimento das biotecnologias aptas a tratar
doenças humanas (Fagot-Largeault, 2004: 234-235).
Acresce a esta discussão a afirmação de que é possível realizar pesquisas com
células estaminais que não derivem de embriões de origem humana (Arante et al, s/d).
Este posicionamento é reforçado por estudos que mostram que a maioria das pessoas
28
que se opõem à investigação com células estaminais embrionárias aprova a utilização
de células adultas, como as derivadas do sangue do cordão umbilical (Sheremeta,
2005). As tentativas de obter células estaminais embrionárias evitando a destruição do
embrião ilustram uma tendência de concertação entre a agenda científica e ética
(Carvalho, 2010: 47), de entre as quais se destacam: a partenogénese (Hao et al.,
2009); o uso de embriões inviáveis a partir dos quais é possível obter células
estaminais normais (Alikani et al., 2005); a obtenção de células estaminais do embrião
após morte embrionária, o método de transferência de blastócito e a reprogramação
genética de células estaminais de adultos (Carvalho, 2010: 49-50).
Os argumentos a favor e contra a investigação em embriões são tributários de
sistemas de valores e parecem corroborar a polarização entre os defensores do
tecnologicamente possível e os do eticamente indispensável. Os argumentos
favoráveis podem sintetizar-se da seguinte forma: 1) O argumento utilitarista - os
benefícios da pesquisa superam os custos com a perda da vida embrionária; os custos
sociais, económicos e pessoais das doenças que as células estaminais embrionárias
têm o potencial de tratar são maiores do que os custos associados à destruição de
embriões. 2) O argumento do potencial humano – o valor dos embriões não é
equivalente ao da vida humana, uma vez que estes são incapazes de existir fora do
útero. 3) O argumento consequencialista - os fins (novos fármacos, tratamentos,
curas) justificam os meios (a destruição de embriões). 4) O argumento da eficiência –
o uso de embriões em investigação significa aproveitar um recurso que, caso
contrário, seria desperdiçado. 5) O argumento da superioridade das células estaminais
embrionárias sobre as células estaminais adultas para finalidades terapêuticas. 6) O
argumento do início da vida - a vida de um indivíduo só começa com a formação da
linha primitiva. Sumariam-se de seguida os argumentos desfavoráveis: 1) Os embriões
são vidas humanas, inerentemente valiosas e não devem ser destruídas. 2) A
existência de alternativas, como por exemplo as células adultas. 3) Os erros científicos
da investigação com células estaminais embrionárias. 4) Exagero na comunicação do
potencial de pesquisa e terapêutico.
As organizações de doentes e a comunidade médica e científica são quem mais
argumenta a favor da investigação em embriões de origem humana, envolvendo-se
numa variedade de estratégias para o mostrar, tais como fóruns, mobilização de
ativistas e divulgação junto da opinião pública (Downey e Geransar, 2008: 76).
Carvalho (2010: 50) entende que acenar com as vantagens terapêuticas previstas
resultantes da investigação em embriões constitui, neste momento, uma fraude
29
científica, atendendo à ausência de resultados práticos (Serrão, 2003: 41), por
oposição a resultados promissores oriundos das pesquisas com células estaminais
adultas vários (Gomes, 2007: 78).
Esta divisão entre apoiantes e opositores passa por políticas de linguagem (Serrão,
2003: 20). Mensagens de autoridade, perspicácia, espírito de aventura, racionalidade
e masculinidade parecem alinhar no apoio à investigação em embriões, contrastando
com vozes de medo ou anti ciência, de feminilidade (Harding & O’Barr, 1987),
configuram-se como biofantasias (Petersen, 2001) com influência moral e social sobre
as opiniões e decisões dos indivíduos (Lacadena, 2008).Transformados numa questão
de saúde pública, os benefícios da investigação em embriões passarão a dizer
respeito à sociedade como um todo. A título de exemplo, a implantação apenas de
embriões
saudáveis
poderia
prevenir
o
nascimento
de
crianças
social
e
economicamente pesadas para os governos (Cesarino, 2007: 368). Neste sentido,
quem restringir as utilizações da investigação em embriões pode ser chamado a
assumir responsabilidades perante os doentes que aparentemente decidiram não
ajudar, dando origem ao que Juengst e Fossel (2000: 3181) chamam de “custos éticos
de omissão”. O risco de “slippery slope”, também designado de “inclinação
escorregadia” ou “caminho sem volta”, é utilizado pelos apoiantes da investigação em
embriões: mais vale que a investigação seja permitida e regulamentada do que criar
uma situação de descontrolo na utilização de embriões excedentários (Orts, 2004: 80).
A argumentação em torno dos usos sociais do embrião evidencia os seguintes
princípios éticos: o respeito pela dignidade humana; o princípio da autonomia
individual (implicando o consentimento informado e o respeito da privacidade e
confidencialidade dos dados pessoais); o princípio da justiça e beneficência
(nomeadamente em matéria de melhoria e de proteção da saúde); o princípio da
liberdade de investigação (a ponderar contra outros princípios fundamentais); o
princípio da proporcionalidade (entre outros aspectos, que os métodos de investigação
sejam necessários para os fins em vista e que não existam métodos alternativos mais
aceitáveis) (Gomes,
2007: 84).
Pode
também deslindar-se
o princípio da
subsidiariedade, que sustém que se houver alternativas que produzam os mesmos
efeitos essas alternativas devem ser utilizadas com a menor intervenção e danos
possíveis.
Os discursos éticos produzidos em Portugal em torno da investigação em embriões de
origem humana têm-se afastado do seu carácter de guardião das práticas científicas,
30
tornando-se num estímulo à reflexão e à procura de soluções que potenciam o
progresso científico, mas também moral (Carvalho, 2010: 46). Esta nova ética tem
vindo a ser designada por bioética laica e bioética interventiva (Garrafa, 2005: 126), a
qual parece alinhar com os mundos científico-médico e biotecnológico atuais e com
investimentos em soluções de ciência e tecnologia no âmbito das promessas,
expectativas, limitações, riscos e incertezas deste “novo mundo” potenciado por uma
nova entidade tecnocientífica – o embrião de origem humana.
31
6. CONCLUSÕES
A centralidade das ciências da saúde e das ciências biológicas nos projetos de
investigação em embriões financiados pela FCT traduz-se no investimento em
conhecer a etiopatologia e fisiopatologia de genes, mutações, sequenciações
genéticas de organismos e doenças, sustentando a molecularização da investigação e
o interesse dominante na análise de fenómenos e processos biomédicos. A escassez
de projetos em áreas externas à saúde e à biologia sublinha a patologização e
medicalização das temáticas de saúde abordadas na investigação em embriões.
O debate ético em torno da investigação em embriões de origem humana focaliza-se
na classificação do estatuto do embrião, na discussão sobre a legitimidade e
aceitabilidade da mesma, bem como na gestão das fronteiras entre expetativas,
limitações, potencialidades e riscos. Três tendências principais subjazem aos
posicionamentos éticos registados em Portugal nesta matéria: o imperativo
tecnocientífico; a regulação social dos usos da investigação; e a participação das
esferas públicas. A produção ético-argumentativa é palco de tensões, contradições e
ausência de consensos. A dominação dos peritos e de pareceres médicos nos
processos de decisão é notória, o que pode restringir as virtualidades de um debate
plural e democrático.
Na investigação em embriões usa-se a saúde pública como um argumento que
justifica o financiamento e as expectativas depositadas sobretudo na investigação em
células estaminais embrionárias e terapias celulares. A discussão dos aspetos éticos
associados à investigação em embriões de origem humana centra-se nos princípios
morais e socioculturais que devem ser usados para regulamentar tal prática científica.
32
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outubro 2011.
41
Anexo 1.
Identificação da formação académica dos elementos que compõem o Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida, o Conselho Nacional de Procriação
Medicamente Assistida e a Associação Portuguesa de Bioética, por organismo
(Outubro de 2011)
42
CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA
Miguel Oliveira da Silva
Medicina e Filosofia (doutoramento em Obstetrícia)
Michel Renaud
Filosofia e Teologia
Francisco Carvalho Guerra
Medicina (Ginecologia)
Jorge Sequeiros
Medicina (especialista genética médica)
José Germano de Sousa
Medicina (Patologia Clínica)
Maria do Céu Patrão Neves
Filosofia (pós-doutoramento em Bioética)
Isabel Santos
Medicina (doutoramento clínica geral)
Jorge Reis Novais
Direito
Lígia Amâncio
Psicologia e Ciências da Educação (doutoramento em Sociologia)
Maria de Sousa
Medicina
Rosalvo Almeida
Medicina
Ana Sofia Carvalho
Microbiologia (mestrado em bioética e doutoramento em Biotecnologia)
Carolino Monteiro
Biologia (doutoramento em genética molecular)
Duarte Nuno Vieira
Medicina
José Lebre de Freitas
Direito
Lucília Nunes
Filosofia
Pedro Nunes
Medicina
Raquel Seruca
Medicina
CONSELHO NACIONAL DE PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA
Eurico José Marques dos Reis
Direito
Salvador Massano Cardoso
Medicina
Carlos Calhaz Jorge
Medicina (doutoramento ginecologia)
Domingos Pinto Henrique
Ciências Farmacêuticas
Sérgio Jorge Castedo
Medicina (doutoramento genética)
Alberto Barros da Silva
Medicina (doutoramento patologia)
Alexandre Quintanilha
Física
Anália Torres
Sociologia
Ana Maria Silva Henriques
Medicina
Carlos Andrade Miranda
Direito
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE BIOÉTICA
Rui Manuel Lopes Nunes
Medicina
Guilhermina Rego
Gestão de Empresas
Helena Melo
Direito
Cristina Nunes
Ciências Farmacêuticas
Miguel Ricou
Psicologia
Nota: O destaque respeita à identificação dos presidentes. A ordem de apresentação dos elementos
corresponde à apresentada nos sítios oficiais de cada uma das instituições analisadas.
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