• Hipertensão arterial refratária e de difícil controle • Caso clínico: hipertensão arterial refratária • Hipertensão arterial não-controlada Causas e condutas • Diabetes & Hipertensão (refratária) Fatores de risco prevalentes em complicações cardiovasculares • A hipertensão refratária e o fenômeno do avental branco • Terapêutica na hipertensão resistente • Hipertensão arterial refratária ■ ■ VOLUME 8 o N 2 ■ 2005 REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO http://www.sbh.org.br EDITORIAL EDITORIAL Hipertensão Arterial Refratária um problema em busca de solução Como está bem estabelecido em trabalhos inseridos na presente edição, a Hipertensão Arterial Refratária é conceituada como a hipertensão resistente (considerando-se o uso do termo resistente com o mesmo significado de refratária) que evolui com valores pressóricos acima de 140/90 mmHg em pacientes utilizando regularmente doses plenas ou máximas de pelo menos três ou mais agentes de classes terapêuticas antihipertensivas distintas, incluindo-se entre eles diuréticos em doses igualmente adequadas. Entre as causas mais freqüentemente citadas, incluem-se desde a tomada da PA de forma inadequada até a presença de certas comorbidades (obesidade e resistência à insulina, por exemplo) até situações mais específicas, como hipervolemia e formas secundárias de hipertensão. Os dados sobre a prevalência do problema não são definitivos, mas os resultados do estudo ALLHAT – “Antihypertensive and Lipid Lowering Treatment to Prevent Heart Attack” (Am J Hypertens, 1998, 11: 17A), mostraram que entre 14.722 pacientes, com mais de 55 anos, 47% permaneciam resistentes ao tratamento, cerca de um ano após a randomização. Trata-se certamente de uma informação restrita a uma faixa da população em idade mais avançada, mas que revela a grandeza do desafio, sobretudo por se referir a um subgrupo de indivíduos que quase sempre evolui com comorbidades que acentuam o risco de complicações cardiovasculares. O diabetes, entre outros, constitui um fator de risco de extrema importância, uma vez que sua concomitância com quadros hipertensivos multiplica o risco de eventos cárdio e cerebrovasculares, aumentando significativamente as taxas de morbimortalidade. Controlar a hipertensão arterial resistente ou refratária constitui, portanto, uma tarefa a ser bem executada, a despeito dos fatores adversos e das dificuldades que possam ser encontradas. Daí a importância maior das diversas matérias que compõem o número atual de nossa revista HIPERTENSÃO. Dra Maria Helena Catelli de Carvalho Editora Volume 8 / Número 2 / 2005 43 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ÍNDICE ÍNDICE ○ ○ ○ ○ ○ ○ Hipertensão arterial refratária e de difícil controle ...................................................................................... 46 ○ ○ ○ ○ ○ ○ Caso clínico: Hipertensão arterial refratária .................................................................. 52 ○ ○ ○ ○ Hipertensão arterial não-controlada Causas e condutas ..................................................................................... 56 Diabetes & Hipertensão (refratária): Fatores de risco prevalentes em complicações cardiovasculares ................................................................. 59 A hipertensão refratária e o fenômeno do avental branco ...................................................................... 62 HIPERTENSÃO Terapêutica na hipertensão resistente ........................................................ 67 Hipertensão arterial refratária .................................................................... 72 Revista da Sociedade Brasileira de Hipertensão EDITORA DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO EDITORES SETORIAIS Referência Internacional em resumo ................................................................................................. 78 Agenda 2005 ............................................................................................. 82 MÓDULOS TEMÁTICOS DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO CASO CLÍNICO DR. DANTE MARCELO A. GIORGI EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA DR. FLÁVIO D. FUCHS DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM FATORES DE RISCO DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN DR. FERNANDO NOBRE DR. WILLE OIGMAN EXPEDIENTE Produção Gráfica e Editorial - BestPoint Editora Rua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SP Telefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: [email protected]. Médico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668. Assessoria Editorial: Marco Barbato. Revisão: Márcio Barbosa. As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. TERAPÊUTICA DR. OSVALDO KOHLMANN JR. BIOLOGIA MOLECULAR DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER DR. AGOSTINHO TAVARES DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS PESQUISA BIBLIOGRÁFICA CARMELINA DE FACIO 44 HIPERTENSÃO SBH Sociedade Brasileira de Hipertensão DIRETORIA Presidente Dr. Robson A. Souza dos Santos Vice-Presidente Sociedade Brasileira de Hipertensão Tel.: (11) 3284-0215 Fax: (11) 289-3279 E-mail: [email protected] Home Page: http://www.sbh.org.br Dr. Artur Beltrame Ribeiro Tesoureiro Dr. José Márcio Ribeiro Secretários Dr. Dante Marcelo A. Giorgi Dr. Elisardo C. Vasquez Presidente Anterior Dr. Ayrton Pires Brandão Conselho Científico Dra. Andrea Araujo Brandão Dra. Angela Maria G. Pierin Dr. Armênio Costa Guimarães Dr. Artur Beltrame Ribeiro Dr. Ayrton Pires Brandão Dr. Carlos Eduardo Negrão Dr. Celso Amodeo Dr. Dante Marcelo A. Giorgi Dr. Décio Mion Jr. Dr. Eduardo Moacyr Krieger Dr. Elisardo C. Vasquez Dr. Fernando Nobre Dr. Hélio César Salgado Dr. Hilton Chaves Dr. José Eduardo Krieger Dr. José Márcio Ribeiro Dra. Lucélia C. Magalhães Dra. Maria Claudia Irigoyen Dra. Maria Helena C. Carvalho Dr. Osvaldo Kohlmann Jr. Dr. Robson A. S. Santos Dr. Wille Oigman Volume 8 / Número 2 / 2005 45 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Hipertensão arterial refratária e de difícil controle Bases fisiopatológicas da terapêutica Resumo Autores: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ MÓDULO TEMÁTICO ○ Heitor Moreno Júnior* ○ ○ Cardiologista e Farmacologista, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP, SP, Coordenador do Ambulatório de Hipertensão Refratária – HC-UNICAMP Juan Carlos Yugar Toledo Cardiologista do Setor de Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão do HC – FCM-UNICAMP Samira Ubaid Giriogi Cardiologista do Setor de Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão do HC – FCM-UNICAMP Pelas Diretrizes do VII JNC – 2002 (EUA), a hipertensão arterial refratária (HAR) ou resistente é definida quando os níveis pressóricos permanecem acima de 140 mmHg (PAS) e 90 mmHg (PAD), mesmo sob uso de três ou mais classes de anti-hipertensivos em doses plenas, sendo um diurético, a despeito de boa adesão ao tratamento. Devem ser descartadas ainda “hipertensão do avental branco”, não-adesão ao tratamento, influência do uso concomitante de fármacos ou drogas, condições associadas, além de pseudo-hipertensão e pseudo-refratariedade. As bases farmacológicas para o tratamento da HAR devem ser assentadas nos conhecimentos fisiopatológicos da síndrome e de cinética e dinâmica dos antihipertensivos. Mesmo em face das frustrações impostas pelo diagnóstico, devemos considerar que, sem êxito total no controle da PA, pressupõe-se que a ocorrência de eventos cardiovasculares, sobrevida e mortalidade seja favoravelmente alterada. “O impossível, fizemos ontem. Podemos repetir hoje”. Leoní Adriana de Souza Barbosa Farmacêutica do Setor de Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão do HC – FMC-UNICAMP Introdução *Endereço para correspondência: Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão Departamento de Farmacologia – HC/FCM-UNICAMP Cidade Universitária “Zeferino Vaz” Distrito de Barão Geraldo, Campinas, SP 13081-550 – Campinas – SP Tels.: (19) 3788-9538/40/50 (Lab. de Farmacologia Cardiovascular), (19) 3788-7283 (HC/FCM-UNICAMP) E-mail: [email protected] Site: http://www.farmacocv.com 46 HIPERTENSÃO O controle adequado da pressão arterial é imprescindível à manutenção da pressão de perfusão tecidual nos diversos órgãos e sistemas em mamíferos, colaborando para a homeostase cardiovascular. No entanto, a refratariedade ao tratamento da hipertensão permanece como grande desafio na prática médica. Apesar da otimização terapêutica com medidas não-farmacológicas, adesão rigorosa, exclusão de possíveis causas associadas e causas secundárias de hipertensão arterial, cerca de 3 - 10% (assistências primária e secundária) e até 30% (assistência terciária) dos hipertensos são considerados refratários ou resistentes. Embora seja possível que esses números, pela difícil uniformidade de definição, superestimem a prevalência dessa síndrome, pacientes com pressão arterial elevada de difícil controle ou refratária ao tratamento freqüentemente buscam assistência do especialista. Para padronização e com fim didático, nesta revisão consideraremos ambas as condições hipertensão arterial refratária (HAR). Definição TABELA 1 De acordo com as diretrizes do “VII Joint National Committee” (JNC-VII, EUA), a hipertensão arterial refratária (HAR) ou resistente é definida quando os níveis pressóricos permanecem acima de 140 mmHg para pressão arterial sistólica (PAS) e 90 mmHg para pressão arterial diastólica (PAD), mesmo sob uso de três ou mais classes de anti-hipertensivos em doses plenas, sendo um diurético, a despeito de boa adesão ao tratamento não-farmacológico e farmacológico1. Fisiopatologia CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS l Não-redução da PA (sistólica < 140 e/ou diastólica < 90)* l Pacientes aderentes ao tratamento l Uso de dois ou mais anti-hipertensivos de classes diferentes e um diurético em doses adequadas * VII Joint National Committee on Prevention, Detection and Treatment of High Blood Pressure e IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão As alterações fisiopatológicas da HAR estão relacionadas especialmente aos seguintes mecanismos, que, entre outros, regulam a pressão arterial: n tono do músculo liso vascular e volemia aumentados; n exacerbação da atividade do sistema simpático; n hiperatividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona. A sensibilidade aumentada ao sódio pode ser a pedra angular na compreensão da fisiopatologia dessa síndrome não só por integrar os mecanismos anteriores, mas também por justificar, em parte, a variabilidade da resposta terapêutica em pacientes com HA refratária ou de difícil controle2. O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) é primordial para o sistema regulatório de controle do sódio corporal total, bem como os fatores peptídeo atrial natriurético e receptores atriais e renais de pressão. A retenção de sódio e água pode levar a refratariedade a fármacos anti-hipertensivos. Nos últimos dez anos, também a disfunção endotelial tem sido vista como importante fator fisiopatológico nessa síndrome. Sabe-se que indivíduos com predisposição genética ao desenvolvimento de HA apresentam disfunção endotelial e menor biodisponibilidade vascular de óxido nítrico (NO) como provável gênese do processo hipertensivo. Padrão semelhante de disfunção endotelial é encontrado em hipertensos de difícil controle3. Assim, ao lado de outros mecanismos já discutidos anteriormente, a disfunção endotelial contribui para o desequilíbrio do tono nos territórios de resistência vascular (arteríolas e meta-arteríolas) induz hipertrofia e hiperplasia da musculatura lisa vascular e aumento da matriz extracelular com conseqüente redução da complacência vascular, perpetuando e agravando o quadro hipertensivo. Simultaneamente, a biodisponibilidade miocárdica reduzida de NO é responsável pela exacerbação dos mesmos fenômenos proliferativos que causam aumento de volume dos cardiomiócitos, resultando em remodelamento cardiovascular. FIGURA 1 FISIOPATOLOGIA DA HA REFRATÁRIA OU DE DIFÍCIL CONTROLE Volume 8 / Número 2 / 2005 47 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ n dosagem de renina e aldosterona para hiperaldosteronismo primário; Diagnóstico Diagnóstico diferencial n dosagem de matanefrinas urinárias para feocromocitoma; n dosagem de eletrólitos, uréia, creatinina, “clearance” de creatinina e proteinúria de 24 horas para doenças parenquimatosas renais; n Doppler de artérias renais, cintilografia renal com captopril e arteriografia renal para hipertensão renovascular. Quando descartadas a não-adesão e as causas conhecidas de resistência ao tratamento com persistência dos níveis elevados da pressão arterial (PA > 140/90 mmHg), diagnostica-se hipertensão arterial refratária. ○ ○ ○ ○ ○ Poe outro lado, o vasto conhecimento científico adquirido nas últimas duas décadas criou a expectativa de que variações genéticas (polimorfismos) possam afetar as respostas a fármacos. Assim, a expressão de determinados polimorfismos genéticos relacionados a sistemas enzimáticos ou a receptores de superfície celular poderia explicar a dificuldade individual no controle da pressão arterial. Desta forma, sabe-se que polimorfismos de enzimas do citocromo P450 mudam a resposta da pressão arterial (farmacodinâmica) por modificarem a cinética dos anti-hipertensivos. Em particular, polimorfismos da CYP 2C9 afetam as respostas aos antagonistas de receptores do tipo I da angiotensina II; polimorfismos da CYP 2D6 e da CYP 3A4, a metabolização de betabloqueadores e dos bloqueadores de canais de cálcio respectivamente. Recomenda-se o encaminhamento de pacientes com alto grau de suspeição de hipertensão refratária a serviços terciários somente após a realização de investigação diagnóstica básica. A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) proporciona importantes dados diagnósticos e terapêuticos sobre o comportamento da pressão arterial em hipertensos resistentes e permite: n descartar a hipertensão do avental branco; n avaliar a eficácia da terapia; n identificar indivíduos potencialmente pseudo-resistentes; n identificar causas secundárias, como a apnéia do sono; n identificar e estratificar os pacientes quanto ao risco cardiovascular. Com relação a esse último aspecto, pacientes com pressão arterial diastólica (medida pela MAPA) com níveis > 97 mmHg apresentam maior progressão de dano em órgãos-alvo quando comparados a outros com níveis diastólicos mais baixos. As principais limitações para seu uso são arritmias cardíacas, hipercinesia, braços que não permitam o perfeito ajuste do manguito e hiato auscultatório. Além da importância diagnóstica, a MAPA também é útil para detectar ausência de queda de pressão arterial no período noturno em pacientes com hipertensão refratária, achado que implica maior risco cardiovascular e reavaliação posológica dos anti-hipertensivos em uso4. Descartadas a hipertensão do avental branco e a pseudoresistência deve-se investigar hipertensão secundária por meio de: Pseudo-hipertensão e hipertensão do avental branco Pseudo-hipertensão é a condição clínica em que ocorre discrepância entre os valores pressóricos obtidos na avaliação com manguito braquial (os quais de encontram elevados) e os registrados de forma invasiva, através de cateterismo intraarterial (invariavelmente menores). As causas mais comuns associadas a essa situação são ateromatose arterial difusa e/ou hiperplasia da camada média das artérias. A hipertensão do avental branco é identificada quando a pressão arterial medida no consultório é maior que a obtida fora do ambiente médico-hospitalar e deve ser suspeitada na ausência de lesões em órgãos-alvo. Esse efeito pode levar o médico a aumentar o número de anti-hipertensivos ou sua dosagem, podendo ocasionar aumento dos efeitos colaterais e dos custos. Recomenda-se para a confirmação diagnóstica a MAPA e as medidas domiciliares5. TABELA 2 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL l Pseudo-hipertensão • Hipertensão do avental branco • MAPA • Medidas domiciliares • Idosos com aterosclerose l Não-adesão ao tratamento l Uso concomitante de fármaco e drogas n avaliação da função tireoidiana; l Patologia e condições associadas n dosagem de insulina plasmática para síndrome metabólica; l Hipertensão arterial secundária n testes funcionais para síndrome de Cushing; 48 HIPERTENSÃO l Urgências e emergências hipertensivas Não-adesão ao tratamento É uma das maiores dificuldades no controle da hipertensão arterial e as razões alegadas por pacientes são “normalização da pressão arterial”, efeitos colaterais, uso irregular e/ou alto custo do medicamento, receio de uso concomitante de álcool, ignorância da necessidade da continuidade do tratamento, terapias alternativas, receio de intoxicação ou hipotensão e de associação com outras drogas ou fármacos. Algumas medidas simples podem ser utilizadas na avaliação da adesão, como a contagem de comprimidos auto-relatos. É necessário otimizar a adesão ao tratamento utilizando-se anti-hipertensivos com o menor efeito colateral possível, terapia combinada de baixa dose, diminuindo o número de tomadas diárias, controlando precocemente a pressão arterial, evitando a polifarmácia, diminuindo o custo do tratamento e educando o paciente a respeito de sua doença e seu tratamento5. Uso concomitante de outros fármacos O uso concomitante de anti-hipertensivos com outros fármacos pode contribuir para elevar os níveis pressóricos. Como, por exemplo, aqueles metabolizados pela mesma isoforma 3A4 do citocromo CYP 450, podem sofrer diminuição da meia vida plasmática e redução do efeito anti-hipertensivo, como ocorre com uso de anticonvulsivantes e rifampicina, que são indutoras da atividade enzimática hepática. A hipertensão arterial é duas a três vezes mais freqüente em mulheres que tomam contraceptivos orais, especialmente em obesas e tabagistas. A suspensão do uso desses medicamentos normaliza a pressão arterial em alguns meses. O uso das aminas simpatomiméticas (fenilpropanolamina) e outras drogas vasoativas (efedrina e anfetamina) aumentam a resistência vascular periférica por aumento da excitação direta de receptores adrenérgicos e liberação de noradrenalina, elevando a pressão arterial. O uso de antiinflamatórios não-esteroidais e esteroidais dificultam o controle da pressão sangüínea por promoverem retenção de água e sódio5. A cocaína pode elevar a pressão arterial por sua ação no sistema nervoso simpático por inibir a resposta barorreflexa vagal e induzir vasoconstrição coronariana6. Condições clínicas associadas n Etilismo e tabagismo O consumo de álcool é considerado uma causa de aumento da pressão arterial, quando consumido em doses superiores a 30 mL de etanol/dia. Os efeitos diretos do álcool sobre a pressão arterial são mediados por alterações vasculares funcionais reversíveis com a participação do sistema nervoso simpático e substâncias vasoativas, bem como pelo transporte celular de eletrólitos5. O aumento dos níveis pressóricos e da freqüência cardíaca que acompanham o tabagismo é proporcional aos índices de nicotina consumidos por dia, mesmo na vigência de tratamento anti-hipertensivo adequado e em condições ideais. Esse aumento está relacionado com a liberação de catecolaminas responsáveis pela vasoconstrição sistêmica e do aumento da contratilidade miocárdica, com conseqüente aumento do volume sistólico e do fluxo nos músculos esqueléticos. A nicotina também é responsável por disfunção endotelial, pela diminuição da disponibilidade de óxido nítrico em artérias e veias7. Níveis elevados de tromboxano são observados em hipertensos leves tabagistas comparados com fumantes normotensos e não-tabagistas8. Outros componentes gasosos da fumaça do cigarro causam efeitos vasculares semelhantes por mecanismos pró-oxidantes. O tabagismo passivo, a terapia de reposição de nicotina e o uso da bupropiona (coadjuvantes na cessação do hábito) devem ser consideradas como possíveis causas de pseudo-refratariedade, embora o uso de nicotina transdérmica (NT, 21 mg) em hipertensos leves fumantes seja seguro9. Efeitos de doses maiores do fármaco, e em hipertensos classificados em outros graus da doença, não foram totalmente investigados. Assim, apesar do uso seguro da terapia de reposição de nicotina, os efeitos do fármaco sobre a pressão arterial podem levar a falsos diagnósticos de HA e de HA refratária. n Obesidade, resistência insulínica e apnéia do sono A obesidade é quase sempre acompanhada de resistência à insulina, principalmente a obesidade centrípeta. A hiperinsulinemia aumenta a atividade do sistema nervoso simpático, promovendo vasoconstrição, elevação da pressão arterial, da freqüência cardíaca e por estímulo direto dos receptores α-adrenérgicos do aparelho justaglomerular aumentam a secreção de renina e aldosterona. Tanto o aumento da concentração de insulina, a hiperatividade adrenérgica e a elevação dos níveis de renina e aldosterona promovem reabsorção renal de sódio e elevação da pressão arterial10. A apnéia obstrutiva do sono está presente em cerca de 40% dos pacientes hipertensos refratários e freqüentemente não-diagnosticada. Por esse motivo, é importante a realização de anamnese dirigida na presença de sintomas de sonolência e cansaço excessivo durante o dia. A solicitação do exame polissonográfico confirma o diagnóstico, assim como determina o grau de severidade. Vários mecanismos foram propostos para explicar a relação entre apnéia do sono e hipertensão refratária: aumento do tono simpático com elevação das catecolaminas séricas, aumento da angiotensina II e aldosterona plasmáticas devido a hipoxia e hipercapnia, elevação da pressão negativa intratorácica durante o esforço inspiratório contra vias aéreas fechadas, interrupções constantes do sono, diminuição reversível da responsividade vascular à bradicinina e diminuição da sensibilidade barorreceptora5, 11, 12. Associada à terapia medicamentosa anti-hipertensiva, a “Nasal Continuous Positive Airway Pressure” (CPAP) tem mostrado bons resultados na diminuição dos níveis pressóricos13. Hipertensão arterial secundária Causas secundárias de hipertensão incluem hiperaldosteronismo primário, hipertensão renovascular, feocromocitoma, doenças da tireóide e doença parenquimatosa renal5. Volume 8 / Número 2 / 2005 49 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ orientação utilizada para a hipertensão de outros graus, não havendo bases científicas para seu emprego preferencial na HA de difícil controle ou refratária. ○ ○ TABELA 3 n A abordagem racional é efetuada considerando o perfil hemodinâmico e os níveis de atividade da renina plasmática, que permite dividir esse grupo de pacientes em volume-dependente e renina-dependente, podendo-se assim, direcionar melhor a escolha dos anti-hipertensivos para cada subgrupo. Ressalte-se que a idade é um indicador de diminuição da atividade da renina a ser considerado durante a escolha de fármacos anti-hipertensivos. Predomínio de hiperatividade simpática encontrada em hipertensos jovens e elevação dos níveis de atividade da renina orientam para a utilização preferencial de betabloqueadores em associação com tiazídicos15, 16. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ INVESTIGAÇÃO E ACOMPANHAMENTO Abordagem terapêutica Uma boa relação médico–paciente–equipe multidisciplinar deve ser a base não-farmacológica da terapêutica, pois tem reflexos evidentes na melhora da qualidade de vida do paciente e adesão ao tratamento proposto. Além da conscientização sobre a doença e a importância do tratamento farmacológico, a valorização da auto-estima é fundamental na abordagem desses pacientes. Algumas medidas não-farmacológicas devem ser adotadas: reeducação alimentar com dieta hipossódica, redução do peso, cessação do tabagismo, limitação de bebidas alcoólicas e prescrição de atividades físicas por profissional habilitado, além de apoio psicoterápico, freqüentemente necessário14. É importante salientar que a não-adoção rigorosa dessas medidas pode implicar diagnóstico de pseudo-refratariedade. O esquema terapêutico deve ser otimizado com as diferentes classes dos anti-hipertensivos que forem necessários, incluindo um diurético, todos em doses plenas e não-tóxicas. Duas estratégias diferentes podem ser utilizadas na tentativa de encontrar o esquema terapêutico mais apropriado para cada paciente, além de se basear nos conhecimentos fisiopatológicos expostos anteriormente: n A abordagem empírica baseada na rotatividade sistemática de fármacos anti-hipertensivos com a utilização de associações de dois, três ou quatro classes farmacológicas diferentes juntamente com diuréticos tiazídicos em dose plena. A utilização de diuréticos de alça segue a mesma 50 HIPERTENSÃO Se disponível, a quantificação de renina plasmática pode direcionar o tratamento medicamentoso. Caso o paciente apresente atividade plasmática de renina elevada (> 0,65 ng/mL/h), inicia-se o tratamento com medicamentos que inibem o sistema renina-angiotensina-aldosterona como os inibidores da enzima conversora (IECA), os bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II e os betabloqueadores. Se a atividade plasmática de renina for baixa (< 0,65 ng/mL/h), o paciente é classificado como volume-dependente e deverá ser tratado preferencialmente com diuréticos e bloqueadores dos canais de cálcio. Entretanto, durante o curso terapêutico, a associação de várias classes de anti-hipertensivos é necessária5. Assim, podem ser associados alfabloqueadores, como a prazosina e a doxazosina; drogas de ação central, como a alfametildopa e a clonidina; vasodilatadores diretos, como a hidralazina e o minoxidil. Em pacientes com índices plasmáticos elevados de aldosterona, o uso associado de antagonista desse mineralocorticóide (em especial, a espironolactona) pode ser eficaz na redução da pressão arterial, além de retardar as alterações estruturais que caracterizam o remodelamento cardiovascular17. Os efeitos adversos desses fármacos sugeridos como alternativos limitam o seu uso18. Em nosso serviço, a subdivisão dos hipertensos refratários em renina-dependente (87%) e volume-dependente (13%), associada à individualização do tratamento por especialista em hipertensão, determinaram os seguintes percentuais de prescrição de anti-hipertensivos: diuréticos tiazídicos (89%); inibidores da ECA (34%); bloqueadores de receptores AT1 (50%); betabloqueadores (54%); bloqueadores dos canais de cálcio (73%); antagonistas de aldosterona (9%); bloqueadores centrais (18%); e vasodilatadores diretos (5%). Esses procedimentos reduziram, após oito meses, a pressão arterial nesse grupo (n = 87) de forma significativa (PAS 172,5 ± 24 e PAD 106,4 ± 16 mmHg vs. PAS 159,2 ± 21 e PAD 99,5 ± 10 mmHg; p < 0,001), com normalização da função endotelial avaliada através do estudo da reatividade vascular da artéria braquial com ultra-som de alta resolução. Estudo realizado na Clínica Mayo (EUA) com 104 pacientes hipertensos refratários demonstrou haver melhor controle da pressão arterial e redução da resistência vascular quando o tratamento farmacológico foi baseado em medidas hemodinâmicas não-invasivas (bioimpedância torácica; tabela 2). quando comparado com a escolha empírica de classes de anti-hipertensivos e ajustes de doses a critério do especialista em hipertensão arterial19. Em nosso ambulatório, adotamos a escolha de fármacos a critério médico, porém baseada na fisiopatologia e no perfil hemodinâmico do paciente com diagnóstico clínico de hipertensão arterial de difícil controle ou refratária. TABELA 4 PERFIL HEMODINÂMICO EM HA RESISTENTE E RECOMENDAÇÕES TERAPÊUTICAS MEDIDAS HEMODINÂMICAS E HUMORAIS RECOMENDAÇÕES ↑ Débito cardíaco Betabloqueadores Antagonista de Ca++ (não-diidropiridínicos) ↑ Resistência periférica Inibidores da ECA, ARAII Antagonista de Ca++ (diidropiridínicos) Minoxidil Hidralazina ↑ Volume plasmático Diuréticos Considerações finais Restrição rígida de sódio Exames complementares de alto custo, às vezes indisponíveis em servi↑ Catecolaminas plasmáticas Clonidina ços de assistência médica primária e seα-bloqueadores cundária, justificam o encaminhamen↑ Renina plasmática ativa Inibidores da ECA, ARA II to de hipertensos de difícil controle ou β-bloqueadores refratários a centros especializados. No ↑ Aldosterona urinária/plasmática Espironolactona entanto, isso deve ocorrer apenas após Amilorida a identificação diagnóstica “de certeza”. Parece-nos razoável considerar que, mesmo sem êxito na obtenção de níveis adequados e desejáveis de pressão arterial, a ocorrência de ciente como passível de controle, “o impossível, fizemos oneventos cardiovasculares, a sobrevida e a mortalidade sejam fatem. Podemos repetir hoje”. voravelmente alteradas a médio e longo prazos. Agradecimentos: Alunos e funcionários (Farmacologia Finalmente, a nosso ver, a melhor postura profissional Cardiovascular e Hipertensão – HC-FCM, UNICAMP); em face da hipertensão refratária deve ser considerar todo paFAPESP, CNPq, CAPES e FAEP-UNICAMP. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. The Seventh Joint National Committe on Prevention, Detection, Evaluation And Treatment Of High Blood Pressure. JAMA, v. 289, n. 19, p. 2560–2572, 2003. REINHARDT HW, SEELIGER E. 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Volume 8 / Número 2 / 2005 51 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Relato de caso ○ ○ ○ ○ ○ LÍNICO ○ C ASO Hipertensão arterial refratária Comentários: Leoní Adriana de Souza Barbosa, Samira Ubaid-Girioli, Juan Carlos Yugar-Toledo, Heitor Moreno Jr. Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão HC/FCM UNICAMP Identificação Exame físico M.J.B.S., feminino, branca, 53 anos, casada, natural de Leme e procedente de Pirassununga, SP. • História da moléstia atual: paciente refere hipertensão arterial iniciada após gestação, há 31 anos, sem controle, tendo apresentado freqüentes episódios de crises hipertensivas, acompanhadas de tontura, dispnéia paroxística noturna e dispnéia aos grandes esforços. Relata já ter feito uso de várias associações de antihipertensivos, sem sucesso. Foi encaminhada em 2003 ao Ambulatório de Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão do HC/FCM-UNICAMP por apresentar níveis pressóricos elevados e dificuldade no controle da pressão arterial, após ter sido acompanhada durante 29 anos em centros primários e secundários. Antecedentes familiares: pai era hipertenso, falecido por AVE. Mãe, um irmão e uma irmã hipertensos. *Endereço para correspondência: Farmacologia Cardiovascular e Hipertensão, HC/FCM-UNICAMP. Departamento de Farmacologia Cidade Universitária “Zeferino Vaz” Distrito de Barão Geraldo 13081-550 – Campinas – SP Tels.: (19) 3788 9538 / 40 / 50 (Lab. de Farmacologia Cardiovascular), (19) 3788 7283 (HC/FCM-UNICAMP) E-mail: [email protected] Site: http://www.farmacocv.com 52 HIPERTENSÃO Antecedentes pessoais: nega diabetes, dislipidemia, tabagismo e etilismo. Sedentária. • • • • • • • • Avaliação no Ambulatório HAR – HC/FCM-UNICAMP A paciente deu entrada em nosso ambulatório referindo mal-estar geral, cefaléia constante, insônia, náuseas, tensão nervosa, dor precordial atípica e visão turva, em uso de: hidroclorotiazida 50 mg/ dia, captopril 25 mg 8/8 h, propranolol 40 mg 8/8 h e nifedipina 20 mg 12/12h. Paciente em REG, corada, hidratada, acianótica, anictérica, afebril e eupnéica. Peso: 78 kg; Altura: 1,60m; IMC: 30,4; Cintura: 112 cm; Quadril: 118 cm; C/Q: 0,95; Prega cutânea: 12 cm; Circ. Braquial: 32 cm. Cabeça e pescoço: Simétrico, ausência de ptose palpebral, tireóide palpável sem aumento de volume e consistência elástica. Ap. cardiovascular: Ritmo cardíaco regular em 2 tempos com A2 hiperfonética e B4 presente. FC: 80 bpm. PA: MSD: 180/120 mmHg e 190/120 mmHg; MSE: 180/120 mmHg e 180/ 110 mmHg. Ap. respiratório: Murmúrio vesicular preservado sem ruídos adventícios. Abdome: Ausência de visceromegalias, massas sólidas ou pulsáteis e sopros. SNC: Paciente consciente, contactuante e eutímica. Sem déficits motores. FO: Artérias com reflexo luminoso aumentado (retinopatia hipertensiva leve). Membros inferiores: Pulsos periféricos presentes e simétricos. Edema +/ 4+ bilateral, mole e indolor. Exames complementares • • • • Laboratoriais Glicose: 95 mg/dL; HbGlic: 4,8%; Hb: 15,5g%; Ht: 46,7%; FIGURA 1 TABELA 1 INVESTIGAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL l Pseudo-hipertensão • Hipertensão do avental branco • MAPA • Medidas domiciliares • Idosos com aterosclerose l Não-adesão ao tratamento l Uso concomitante de fármaco e drogas l Patologia e condições associadas l Hipertensão arterial secundária l Urgências e emergências hipertensivas • • • • • • • • • • • Colesterol total: 189 mg/dL; LDL: 110 mg/dL; HDL: 53 mg/dL; VLDL: 26 mg/dL; Triglicérides: 86 mg/dL; Sódio: 142 mEq/L; Potássio: 4,1 mEq/L; Ácido úrico: 4,3 mg/dL; Uréia: 31 mg/dL; Creatinina: 0,77 mg/dL; Urina I: Normal Eletrocardiograma: Rítmo sinusal, freqüência 76 bpm, alterações na repolarização ventricular. Raio X tórax: aorta alongada, tortuosa, com calcificações. Traquéia e mediastino centrados. Seios costofrênicos livres. iniciou-se o acompanhamento da paciente. Outras condições foram abordadas para o diagnóstico diferencial (tabela 1). Primeiro retorno • • • PA consultório: MSD: 220/120 mmHg e 218/118 mmHg; MSE: 220/ 122 mmHg e 216/120 mmHg. MRPA: 180/120 mmHg. MAPA: PAS-24h: 181; PAD-24h: 116; PAS-durno: 182; PAD-diurno: 119; PASn: 179; PAD-noturno:109; PPulso-24h: 65; PPulso-diurno: 63; PPulso-noturno: 70; PAM-24h: 141; PAM-diurno:142; PAM-noturno: 137. Seguimento O processo de triagem para exclusão de causas secundárias, correção de co-morbidades, ajuste inicial da terapia não farmacológica e medicamentosa foi realizado no período de seis meses (figura 1). Descartadas a pseudo-resistência, a síndrome do avental branco, a hipertensão secundária e as causas associadas, • • • • Relação Aldosterona/APR: 13; VMA: 10,8 mg/24h; Insulina: 7,3 µUI/mL; ECO: AE: 51 mm; AO: 37 mm; SIV: 16 mm; PP: 16 mm; FE(T): 63%; HVE concêntrica importante. Doppler de artérias renais: dentro da normalidade, baixa probabilidade de hipertensão renovascular. Cintilografia Miocárdica: negativa para isquemia. Pesquisa da função endotelial (Vasodilatação Mediada pelo Fluxo – VMF; vasodilatação independente do endotélio/nitroglicerina - NTG): VMF – 11,0%; NTG – 13,0%. Espessura Íntima-Média (EIM) das carótidas: CIE 0,7 ± 0,1 mm; CID 0,68 ± 0,09mm. Terminada a fase de triagem primária, iniciou-se protocolo de adesão não farmacológica e farmacológica. Evolução após seis meses Exames complementares especializados (HA Refratária) • • • • • Sódio urinário: 223 mEq/24h; Potássio urinário: 71 mEq/24h; Cortisol: 16,7 µg/dL; TSH: 1,34 µUI/mL; T4: 1,46 ng/dL; Atividade plasmática de renina 1,2 ng/ml/h; Aldosterona plasmática: 15,2 ng/ml; A paciente apresentou melhora dos sintomas iniciais, exceto a turvação visual. • • • PA consultório: MSD: 160/100 mmHg e 158/98 mmHg; MSE: 150/ 90 mmHg e 152/88 mmHg. MRPA: 171/100 mmHg. MAPA: PAS-24h: 180; PAD-24h: Volume 8 / Número 2 / 2005 53 122; PAS diurna: 181; PAD diurna: 123; PAS noturna: 181; PAD noturna:121; PP 24h: 66; PP diurna: 58; PP noturna: 60; PAM 24h: 145; PAM diurna: 145; PAM noturna: 147. Balanço da ingestão de sódio e potássio • • • Sódio: 141 mEq/L; potássio: 4,1 mEq/L; Sódio urinário: 115 mEq/24h; potássio urinário: 69 mEq/24h. Ajuste terapêutico: hidroclorotiazida 25 mg/dia, atenolol 50 mg 12/12h, olmesartana 20 mg/dia, amlodipina 10 mg 12/12h, AAS 100 mg/dia, oxazepan 2 mg/dia. n descartar a síndrome do avental branco; n avaliar a eficácia da terapia; n identificar indivíduos potencialmente pseudo-resistentes; n identificar e estratificar os pacientes quanto ao risco cardiovascular; n identificar causas secundárias, mediante: • avaliação da função tiroidiana; • dosagem plasmática de insulina para síndrome metabólica; • dosagem plasmática de cortisol para síndrome de Cushing; • dosagem plasmáticas de renina e aldosterona para hiperaldosteronismo primário; • dosagem de metanefrinas urinárias para feocromocitoma e ácido vanilmandélico; • dosagem de eletrólitos, uréia, creatinina, “clearance” de creatinina e proteinúria de 24 horas para doenças parenquimatosas renais; Adesão farmacológica • A paciente obteve um índice de adesão de retornos de 100%, e 89,5% de adesão ao tratamento farmacológico. Discussão O quadro clínico dessa paciente, o diagnóstico e a evolução refletem as complicações tardias de lesão em órgãos-alvo observadas em pacientes com hipertensão arterial, refratária ou não. No entanto, chamamos a atenção para a necessidade do rigor no diagnóstico preciso (inclusive diferencial) dessa síndrome. A necessidade da caracterização da síndrome de HA refratária é fundamental, pois a freqüente não-adesão às medidas não-farmacológicas e farmacológicas constituem obstáculos para a complexa e dispendiosa investigação de hipertensão secundária, pseudo-refratariedade e condições de hiperreatividade pressórica. O conceito da síndrome de hipertensão arterial refratária adotado por nosso grupo difere da definição preconizada por diretrizes e consensos (IV Diretrizes SBH; VII JCN Report, 2003), à medida que, além das cifras pressóricas estipuladas, utilizamos critérios mais rígidos para afastar pseudo-hipertensão arterial refratária e falta de adesão. O processo de triagem visa a: 54 HIPERTENSÃO • Doppler de artérias renais, cintilografia renal com captopril e arteriografia renal para hipertensão renovascular (Yugar-Toledo, 2003). Os pacientes triados como possíveis hipertensos refratários são, então, submetidos ao protocolo de adesão não-farmacológica e farmacológica, avaliando- se a qualidade de vida, a ingestão de sódio e a adesão ao tratamento sob orientação farmacêutica. Cessação do tabagismo, limitação de bebidas alcoólicas e prescrição de atividades físicas por prof issional habilitado, além de apoio psicoterápico, freqüentemente são necessários. É importante salientar que a não-adoção rigorosa dessas medidas pode implicar diagnóstico de pseudorefratariedade. Por outro lado, o diagnóstico de HA refratária exige o acompanhamento por período mínimo de seis meses. Os níveis pressóricos são avaliados por enfermeira especializada, durante as consultas médicas, registro domiciliar diário da PA com esfigmomanômetro aneróide e avaliação ambulatorial da PA (MAPA) semestral. A abordagem do paciente deve ser multidisciplinar, porém mantendo-se empatia médico–paciente– equipe para o estabelecimento do diagnóstico definitivo de HA refratária (tabela 2). Tratamento farmacológico O esquema terapêutico deve ser otimizado com as diferentes classes de anti-hipertensivos, incluindo um diurético, todos em doses plenas e não-tóxicas. Duas estratégias, teoricamente diferentes, podem ser utilizadas no esquema terapêutico mais apropriado para cada paciente: n A abordagem empírica baseada na rotatividade sistemática de fármacos anti-hipertensivos, TABELA 2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS l Não-redução da PA (sistólica < 140 e/ou diastólica < 90)* l Pacientes aderentes ao tratamento l Uso de dois ou mais anti-hipertensivos de classes diferentes e um diurético em doses adequadas * VII Joint National Committee on Prevention, Detection and Treatment of High Blood Pressure e IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. com a utilização de associações de duas, três ou quatro classes farmacológicas diferentes, juntamente com diuréticos tiazídicos em dose plena. A utilização de diuréticos de alça segue a mesma orientação utilizada para a hipertensão de outros graus, não havendo bases científicas para seu emprego preferencial na HA de difícil controle ou refratária. n A abordagem racional considerando o perfil hemodinâmico e os níveis de atividade da renina plasmática que permite dividir este grupo de pacientes em volume-dependente e renina-dependente, podendo assim, direcionar melhor a escolha dos anti-hipertensivos para cada subgrupo (Taller S, 2002). Se disponível, a quantificação de renina plasmática pode direcionar o tratamento medicamentoso. Caso o paciente apresente atividade plasmática de renina elevada (> 0,65 ng/mL/h), inicia-se o tratamento com medicamentos que inibam o sistema renina-angiotensina-aldosterona como os inibidores da enzima conversora (IECA), os bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II e os beta-bloqueadores. Se a atividade plasmática de renina for baixa (< 0,65 ng//mL/h), o paciente é classi- ficado como volume-dependente devendo ser tratado, preferencialmente, com diuréticos e bloqueadores de canais de cálcio. Ressalte-se que a idade é um indicador de diminuição da atividade da renina a ser considerado durante a escolha de fármacos anti-hipertensivos. Predomínio de hiperatividade simpática encontrada em hipertensos jovens e elevação dos níveis de atividade da renina orientam para utilização preferencial de betabloqueadores em associação a tiazídicos. Entretanto, como exposto acima, a associação de várias classes de anti-hipertensivos é freqüentemente necessária. Assim, podem ser associados: n alfa-bloqueadores, como a prazosina e a doxazosina; n drogas de ação central, como a alfa-metildopa e a clonidina; n vasodilatadores diretos, como a hidralazina e o minoxidil. Freqüentemente, efeitos colaterais e desenvolvimento de tolerância a estas classes de fármacos limitam o seu uso no tratamento crônico. Em pacientes com índices plasmáticos elevados de aldosterona, o uso associado de antagonista desse mineralocorticóide (em especial, a espirono- lactona) pode ser eficaz na redução da pressão arterial, além de retardar as alterações estruturais que caracterizam o remodelamento cardiovascular. Recentemente, demonstramos que a disfunção endotelial presente em pacientes caracterizados como refratários pode ser revertida pela otimização do tratamento farmacológico, não necessariamente pelo acréscimo de classes de antihipertensivos. A disfunção endotelial, avaliada pelo estudo da reatividade vascular (ultra-som de alta resolução da artéria braquial) pode ser normalizada após seis meses com a proposta terapêutica supracitada (Yugar-Toledo e col., 2004). Outros marcadores bioquímicos de disfunção endotelial também podem ser normalizados por combinações de anti-hipertensivos mesmo sem que se atinja valores ideais de PA (Cittadino, 2003) A hipertensão refratária, por definição, não é passível de controle, e embora sem sustentação científica adequada ainda, certamente a hipótese de que reduzir os níveis pressóricos mesmo não os normalizando, é razoável supor que a diminuição dos eventos cardiovasculares, a sobrevida e a mortalidade sejam positivamente alteradas. Interferir ainda na evolução da disfunção endotelial que acompanha a síndrome com fármacos ou outras medidas (Sousa e col., 2005) também parecer ser uma vertente factível. “O impossível fizemos ontem”. Referências bibliográficas 1. 2. 3. YUGAR-TOLEDO JC, TANUS-SANTOS JE, SABHA M, SOUSA MA, CITTADINO M, TACITO LHB, MORENO H JR. Uncontrolled hypertension, uncompensated type II diabetes and smoking have different patterns of vascular dysfunction. 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Volume 8 / Número 2 / 2005 55 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Hipertensão arterial não-controlada Causas e condutas Autores: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ EPIDEMIOLOGIA ○ ○ ○ Sandro Cadaval Gonçalves, Erlon Oliveira de Abreu Silva, Carolina Bertoluci, Waldomiro Manfroi, Flávio Danni Fuchs* Unidade de Hipertensão Arterial, Serviço de Cardiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre Hipertensão arterial sistêmica (HAS) está na raiz das doenças cardiovasculares. Quando definida por valores iguais ou superiores a 140/90 mmHg explica 25% das mortes por doença arterial coronariana (DAC) e 40% daquelas decorrentes de doença cerebrovascular1. O risco cardiovascular duplica para cada aumento em 20 mmHg na PA sistólica (acima de 115 mmHg) e 10 mmHg na diastólica (a partir de 75 mmHg)2. Pressão arterial acima de 115/75 mmHg explica 49% dos eventos coronarianos e 65% dos cérebro-vasculares. A prevalência de HAS chega a 25% a 30% dos indivíduos adultos, e esta é uma das causas mais freqüentes de consultas ambulatoriais3-5. Estima-se que existam cerca de um bilhão de hipertensos no mundo1. A redução da pressão arterial é certamente o principal mecanismo pelo qual se promove a prevenção da doença cardiovascular6. O tratamento pode reduzir a incidência de infarto do miocárdio, acidentes vasculares encefálicos e insuficiência cardíaca em, respectivamente, 25%, 40% e 50%7. A mag- *Endereço para correspondência: Serviço de Cardiologia – Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos, 2350 90035-903 – Porto Alegre-RS Telefax: (51) 2101-8420 E-mail: [email protected] 56 HIPERTENSÃO nitude deste benefício é proporcional à intensidade de elevação da pressão arterial e ao risco basal dos indivíduos6. Apesar dessas considerações, a prevalência de HAS nãocontrolada, definida como a manutenção da PA em níveis superiores a 140/90 mmHg em vigência de tratamento, é muito elevada. Em estudos observacionais nos quais foram verificados registros de atendimentos ambulatoriais8-12 ou em ensaios clínicos randomizados13-15, a prevalência de HAS não-controlada situou-se em torno de 40%. No estudo ALLHAT13 dentre 14.722 participantes acima de 55 anos randomizados para diferentes esquemas terapêuticos escalonados, visando um adequado controle pressórico, 47% deles ainda apresentavam HAS não-controlada ao final de um ano em acompanhamento. Dentre os casos de HAS não controlada, define-se como HAS resistente aqueles em que não se atinge níveis pressóricos inferiores a 140/90 em vigência de três ou mais fármacos anti-hipertensivos em doses plenas, incluindo-se um diurético1. Estima-se uma prevalência de HAS resistente em torno de 15 a 20% dos casos de HAS não-controlada16 . Motivos para o mau controle pressórico Inércia Berlowitz et al.8 avaliaram o atendimento a 800 homens hipertensos durante dois anos nos ambulatórios de atendimento a veteranos americanos. Verificou que 40% apresentavam PA superior a 160/90 mmHg a despeito de terem feito em média seis visitas médicas para o manejo da HAS e que em apenas sete por cento das visitas houve alteração na conduta médica adotada. Oliveria S et al.17 avaliaram em Detroit, nos Estados Unidos, registros de 270 visitas médicas de hipertensos com PA superior a 140/90 mmHg há pelo menos seis meses. Em apenas 38% dessas consultas houve recomendação médica de alteração no tratamento. Foram enviados questionários aos médicos responsáveis e, dos 86% que responderam, 46% informaram estar satisfeitos com aqueles valores pressóricos. Estes estudos sugerem que um importante fator na alta prevalência de HAS não controlada deva-se à inércia dos médicos, que por diferentes razões, não alteram o tratamento dos pacientes nessa situação. Má adesão Uma das causas mais citadas de hipertensão não-controlada é a má-adesão do paciente ao tratamento3,8,12. Trata-se de uma situação que se apresenta com várias causas, como a márelação médico-paciente, a complexidade do esquema terapêutico prescrito, o aparecimento de efeitos adversos do tratamento, limitações financeiras ou de acesso aos serviços de saúde18,19. O grande problema da má adesão ao tratamento consiste na sua identificação, pois costuma ser facilmente confundida por resistência ao tratamento. Um estudo avaliou 41 pacientes com HAS resistente, com PA em média de 156/106 mmHg, durante dois meses20. Foram mantidas as mesmas medicações em uso, porém, passaram a ser administradas em dispositivos eletrônicos que registravam a abertura do frasco. Apenas com essa medida isolada, um terço dos pacientes passou a apresentar níveis satisfatórios de PA, enquanto a má adesão ficou documentada (pelos registros do dispositivo eletrônico) em outros 20%. Em uma análise de 945 hipertensos da coorte ambulatorial do Hospital de Clínicas,, identificou-se que 533 (56%) interromperam o tratamento. Os principais fatores associados à interrupção foram: tabagismo atual, escolaridade inferior a cinco anos de estudo e diagnóstico de HAS há menos de cinco anos. Os autores sugerem que medidas para o aumento da adesão sejam dirigidas principalmente a esses pacientes21. Causas secundárias de HAS Várias diretrizes recomendam a investigação de causas “identificáveis” de HAS em determinadas situações como nos casos de HAS não controlada. Conforme o JNC-71, as causas identificáveis de HAS são: apnéia do sono, HAS induzida ou relacionada a fármacos, doença renal crônica, hiperaldosteronismo primário, doença renovascular, corticoterapia crônica e síndrome de Cushing, feocromocitoma, coartação da aorta, doença da tireóide ou paratireóide. Tais situações devem ser apropriadamente avaliadas na presença de HAS não controlada. Duas destas situações tem merecido destaque recente, a apnéia do sono e o hiperaldosteronismo primário. Apnéia do sono é uma síndrome caracterizada pela interrupção do fluxo aéreo devido ao colapso da via aérea superior, gerando episódios repetidos de apnéia e hipopnéia durante o sono (síndrome da apnéia-hipopnéia do sono, SAHOS)22. A associação entre SAHOS e HAS é bastante clara23. Alguns estudos observacionais encontraram alta prevalência de SAHOS em pacientes com HAS resistente24. Além disso, estudos com o emprego de C-PAP para o tratamento da SAHOS produziram redução da PA, sugerindo que possa haver benefício na investigação e tratamento dessa síndrome25. Recentemente tem-se atribuído um papel maior do hiperaldosteronismo primário na origem da HAS e da HAS não controlada. Alguns estudos encontraram prevalência de até 32% deste diagnóstico em hipertensos26-27, indicando que esta possa ser a mais freqüente das situações de HAS com causa identificável. Situações associadas Algumas situações podem dificultar o manejo da hipertensão, devendo ser ativamente investigadas, como a síndrome do avental branco e a má adesão a medidas não-farmacológicas. A síndrome do avental-branco, caracterizada pela ocorrência de HAS apenas quando aferida a PA por médico, pode ser diagnosticada pela MAPA (monitorização ambulatorial da PA em 24 horas) ou por aferições de PA pelo próprio paciente em seu domicílio. A proporção de pacientes com o diagnóstico de HAS em consultório e com MAPA com valores normais varia em torno de 30% até 40%28-31, indicando que esta situação deva ser considerada no manejo da HAS não controlada, porém, apenas nos pacientes sem lesão em órgão-alvo1. O consumo exagerado de sal é o desencadeante ambiental mais importante na HAS. Embora vários pequenos estudos sobre o efeito da restrição salina sobre a PA tenham produzindo resultado apenas discreto6,32. A ingestão de bebidas alcoólicas pode ser outro fator importante na ocorrência de HA nãocontrolada. A partir do consumo diário médio de 30 g de etanol há claro e exponencial aumento da PA33. O controle da obesidade é uma orientação baseada em ensaios clínicos e estudos observacionais que demonstraram importante eficácia na perda de peso sobre a redução da PA. Porém, o grande problema reside na efetividade desta medida, uma vez que a manutenção do peso em longo prazo apresenta dificuldades peculiares6,34. Alternativas para mudanças Este cenário de mau controle pressórico se mantém há algum tempo, apesar de diferentes estratégias já terem sido estudadas na tentativa de manejar a hipertensão não-controlada. Bogden et al.35 e Denver et al.36 demonstraram a efetividade de uma equipe multidisciplinar no manejo de hipertensos não-controlados. O primeiro formou uma equipe de médicos e farmacêuticos, enquanto que o segundo compôs um grupo de médicos e enfermeiros que trabalhou junto a pacientes hipertensos com diabetes melito tipo-2. Ainda que em ambos os estudos os grupos com manejo multidisciplinar tenham realizado mais consultas e recebido mais medicações anti-hipertensivas, não permitindo a avaliação da eficácia isolada desta intervenção, ficou sugerida a possível efetividade desta abordagem para se atingir o controle pressórico.Talvez, em regime multidisciplinar, seja mais fácil identificar e combater a má adesão e a inércia no manejo da HAS. Conclusões Muitos pacientes com hipertensão têm controle inadequado dos valores pressóricos, o que os coloca em um patamar de risco mais elevado. Um melhor tratamento da HAS exige uma melhora no entendimento e na avaliação do manejo desta situação. A equipe assistencial deve: n estar atenta ao diagnóstico de HAS não-controlada; n informar o paciente sobre a importância do tratamento e os seus valores-alvo da PA; n buscar a identificação dos casos de má adesão para melhor manejá-los; n identificar casos de síndrome do avental branco ou outras situações associadas ao mau controle pressórico; n identificar casos de HAS secundária para manejo específico. Volume 8 / Número 2 / 2005 57 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Além disso, deve-se evitar a “inércia” quando em frente a um caso de HAS não controlada. Recomenda-se: Referências bibliográficas 1. 2. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ n não desperdiçar consultas sem ajuste no tratamento; n evitar o subtratamento; n não atrasar o ajuste farmacológico aguardando por várias visitas o resultado de intervenções não-farmacológicas. Independentemente da terapia utilizada, é necessário entender que a individualização do tratamento é parte crucial no manejo de níveis pressóricos não-controlados, já que os motivos do mau controle variam em cada indivíduo. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 58 THE SEVENTH REPORT OF THE JOINT NATIONAL COMMITTEE ON PREVENTION, Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure. JAMA, v. 289, p. 2560–2572, 2003. Prospective Studies Collaboration. Age-specific relevance of usual blood pressure to vascular mortality: a meta-analysis of individual data for one million adults in 61 prospective studies. Lancet, v. 360, p. 1903–1913, 2002. HYMAN DJ, PAVLIK VN. 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Maria Helena Catelli de Carvalho Departamento de Farmacologia, Laboratório de Hipertensão Arterial – Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo No decorrer da programação científica da 65a Sessão Científica Anual da Associação Americana de Diabetes, realizada em San Diego, Ca, EUA, em junho/2005, as implicações associadas de diabetes e hipertensão como fatores de risco de complicações cardiovasculares foram amplamente valorizadas por muitos estudos clínicos (Temas Livres) apresentados no evento. Eles reúnem, em conjunto, uma série de informações que podem justificar, pelo menos em parte, as dificuldades encontradas no manejo de hipertensos que respondem mal ou até não respondem às medidas anti-hipertensivas instituídas. n HISTÓRIA DO IMPACTO DE HIPERTENSÃO E DIABETES NO RISCO DE INCIDÊNCIA E MORTALIDADE POR ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL • Pekka Jousilathi, GaNG Hu, Markku et al. Helsink, Finlândia A hipertensão e o diabetes são comprovadamente fortes preditores do risco de acidente vascular cerebral (AVC), mas somente poucos estudos têm avaliado seu efeito associado sobre o risco de AVC. O objetivo da presente pesquisa foi avaliar a presença de hipertensão e diabetes já na fase basal e sua subseqüente repercussão tanto na incidência como na mortalidade por AVC. Endereço para correspondência: Departamento de Farmacologia, Laboratório de Hipertensão Arterial – Instituto de Ciências Biomédicas Av. Prof. Dr. Lineu Prestes, 1.524 - 2o andar, sala 213 Cidade Universitária – Butantan 05508-000 – São Paulo – SP Telefax: (11) 3091-7433 E-mail: [email protected] A casuística considerada foi um grupo de 49.680 finlandeses, de ambos os sexos, entre 25 e 74 anos, sem história prévia de AVC, doença arterial coronária e diabetes do tipo 1, no período basal. História de diabetes com o uso concomitante de agentes anti-hipertensivos, hipertensão e outros parâmetros de interesse foram determinados antes do início do estudo. Dados adicionais sobre a ocorrência de diabetes e o uso de anti-hipertensivos foram obtidos do registro nacional do país por meio de recursos computadorizados. Um evento vascular cerebral incidente foi definido como o primeiro quadro de AVC ou de óbito, fundamentado em registro de alta hospitalar ou do registro de mortalidade. Durante o período médio de acompanhamento de 17,2 anos, foram documentados 2.564 eventos cerebrais incidentes, 812 fatais. As relações ajustadas de risco para AVC em relação a sexo e fatores variados (idade, ano de estudo, índice de massa corporal, nível de colesterolemia, atividade física e tabagismo) foi de 1,28 Volume 8 / Número 2 / 2005 59 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 2,75 (IC 95%, 2,19 – 3,47), 277 (IC 95%, 1,02 – 7,55), 5,49 (IC 95%, 2,93 – 10,3) e 8,64 (IC 95%, 5,92 – 12,6), respectivamente. Conclusões principais Hipertensão arterial e diabetes aumentam o risco de AVC, de forma independente. Uma proporção significante de risco de AVC diretamente relacionado à hipertensão é, na verdade, decorrente da presença concomitante de diabetes. (Resumo 985-P). ○ ○ ○ ○ ○ ○ (IC 95%, 1,13 – 1,44) em relação com hipertensão arterial I (PA > 140/90 < 160/95 mmHg), 1,90 (IC 95%, 1,70 – 2,13) para indivíduos com hipertensão arterial II (> 160/95 mmHg, ou utilizando anti-hipertensivos), de 2,52 (IC 95%, 1,55 – 4,09) com apenas diabetes, de 3,30 (IC 95%, 2,22 – 4,91) para pacientes com hipertensão I e diabetes, e de 4,06 (IC 95%, 3,20 – 5,16) entre indivíduos com hipertensão II e diabetes. As relações de risco em relação à mortalidade por AVC nos subgrupos assinalados, foram: 1,59 (IC 95%, 1,24 – 2,04), ○ ○ ○ ○ ○ n RESISTÊNCIA À INSULINA E FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR EMERGENTES SÃO MODIFICADOS PELA PRESENÇA DE DOENÇA RENAL ○ • Ana de Prado, Rosa Toll, M. Angels Ortiz et al. Barcelona, Espanha A doença cardiovascular (DCV) é sabidamente a causa principal de morbidade e mortalidade em pacientes já na fase terminal da insuficiência renal. Assim, o objetivo do presente trabalho de pesquisa foi avaliar o efeito da nefropatia em quatro fatores considerados de risco cardiovascular: • hiperinsulinismo, • resistência à insulina, • função endotelial, • índice de massa corporal, • fatores inflamatórios. • circunferência da cintura, • tipo de diálise, mas não com os diferentes estágios da nefropatia. Os pacientes não-diabéticos foram estratificados pela classificação K-DOQI: • Estágio 5:55: pacientes em hemodiálise (n = 27) ou em diálise peritoneal (n = 28). • Estágio 4:66 • Estágio 3:45. Foram também avaliados 57 casos controle. Em termos laboratoriais, foram determinados: • resistência à insulina, • secreção insulínica (Métodos de HOMA e Cederholm), • fatores inflamatórios, endoteliais e de coagulação (níveis plasmáticos de Proteína C-Reativa, Fibrinogênio, PAI-1 e TGF-beta1). Foram igualmente analisados todos os fatores de risco de natureza aterosclerótica. O tempo de seguimento foi de 29 meses e durante tal período foi também estudada a ocorrência de novos eventos cardiovasculares. 60 O hiperinsulinismo e a resistência à insulina foram constados não somente em pacientes no estágio 5, mas também em enfermos nos estágios 3 e 4. Pacientes sob diálise peritoneal apresentaram sensibilidade mais baixa à insulina do que os nefropatas em hemodiálise. O índice de sensibilidade insulínica foi também correlacionado com: HIPERTENSÃO Altos níveis plasmáticos de proteína C-reativa, PAI-1 e de fibrinogênio foram observados em todos os estágios da insuficiência renal. Baixos níveis de TGF - beta1 foram registrados somente entre pacientes em estágio 5. A prevalência de doença cardiovascular foi relacionada a: • idade, • tempo de diálise • dislipidemia, • níveis de albumina, • circunferência da cintura, • hipertensão. Altos níveis de proteína C-reativa, de PAI-1 e de fibrinogênio constituíram fatores de risco cardiovascular relevantes nos três grupos estudados da classificação K-DOQI, mas níveis baixos de TGF-beta1 e resistência insulínica também representaram fatores de risco para a saúde cardiovascular nos pacientes em estágio 5 (sob diálise). No decorrer do estudo, somente os níveis basais de proteína C-reativa (em todos os grupos) e os de TGF-beta1(nos pacientes em estágio 5) foram significativamente relacionados a novos eventos cardiovasculares como fatores de risco independentes. Conclusões objetivas A resistência à insulina pode ser envolvida nos mecanismos etiopatogênicos da doença cardiovascular. Entretanto, os níveis plasmáticos basais de proteína C-reativa e de TGF-beta1 também se comportaram como fatores de risco independentes para o desenvolvimento de complicações cardiovasculares. (Resumo 644-P). n RELAÇÃO DO 5-HT PLAQUETÁRIO E A OCORRÊNCIA DE COMPLICAÇÕES CÁRDIO E CEREBROVASCULARES EM PACIENTES COM DIABETES DO TIPO 2 E HIPERTENSÃO ARTERIAL • Shaoda Lin, Meiyn Guo, Chujia Lin e Xingcai Liu Shantou, Guangdong, China Nos dois subgrupos, o nível de 5-HT revelou-se mais O nível plasmático de 5-hidroxitriptamina (5-HT) mosbaixo nos pacientes com complicações cárdio-cerebrovascutra-se em geral aumentado em pacientes com hipertensão arlares do que no subgrupo sem tais complicações. terial e/ou doença arterial coronária. Isso ocorre porque a A liberação de 5-HT plaquetário promoveu elevação das plaqueta ativa libera 5-HT endógeno, o que leva a menor concifras pressóricas e aumentou o risco de complicações cárdiocentração de 5-HT nas plaquetas e maior no plasma. cerebrovasculares em pacientes com diabetes + hipertensão. Diante de tal constatação, procuramos estudar a relação (Resumo 2254-PO). de alterações metabólicas do 5-HT plaquetário com os fatores de risco cardiovascular de pacientes com diabetes do tipo 2 e hipertensão. QUADRO Foram considerados: 1 • grupo controle: 35 indivíduos sadios, • 59 pacientes com diabetes do tipo 2, • 57 diabéticos com hipertensão arterial. Todos os candidatos selecionados foram submetidos a determinação do 5-HT plaquetário e da concentração plasmática de seu subproduto 5hidroxindoles/5-HIS (envolvendo 5-HIAA e 5-HT), por técnica de fluoroespectrofotometria – quadro 1. Os números obtidos em relação à ocorrência de complicações cárdio-cerebrovasculares ou não estão registrados no quadro 2. Os níveis de 5-HT plaquetário em pacientes com diabetes do tipo 2 ou com diabetes do tipo 2 + hipertensão arterial mostraram-se significativamente diminuídos, parecendo se relacionar com a ativação de plaquetas e a liberação endógena de 5-HT. As alterações plasmáticas de 5-HIS foram ambíguas, sugerindo que a ativação de plaquetas e a liberação de 5-HT foram mais importantes do que a ação do 5-HT no plasma. Ao que parece, a redução dos níveis de 5-HT plaquetário foi mais significativa no subgrupo de pacientes com DM2 + Hipertensão do que no subgrupo de pacientes que apresentava apenas diabetes do tipo 2. NÍVEIS DE 5-HT PLAQUETÁRIO E DE 5-HIS (MÉDIA ± DP) GRUPO n 5-HT(ng 10 –9) 5-HIS (ng/ml) Controles 35 618,36 ± 194,06 183,67 ± 41,33 DM2 59 514,86 ± 153,69* 168,01 ± 52,79 DM2 + hipertensão 57 323,09 ± 180,38** 177,36 ± 5,09 Em comparação aos controles normais: *P < 0,05, **P < 0,01; em comparação com DM2: ***P < 0,001 QUADRO 2 COMPARAÇÃO DE COMPLICAÇÕES CÁRDIO-CEREBROVASCULARES (CC) GRUPO DM2 CC(n = 20) 5-HT(ng/10-9) 5-HIS (ng/mL) 545,87 ± 161,69 169,91 ± 49,03 Não-CC (n = 39) 454,39 ± 118,30* 164,33 ± 60,66 DM2 + Hipertensão CC (n = 29) 374,81 ± 169,71 161,00 ± 39,80 Não-CC (n = 28) 269,46 ± 178,33** 194,34 ± 62,18 Comparação entre os subgrupos CC e Não-CC em DM2: *< 0,05. Comparação entre os subgruposCC e Não-CC em DM2 + hpertensão: **P < 0,05 Volume 8 / Número 2 / 2005 61 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A hipertensão refratária e o fenômeno do avental branco A hipertensão refratária: conceito e prevalência Autora: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL ○ ○ Angela Maria Geraldo Pierin Professora Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Endereço para correspondência: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 419 05403-000 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3066-7564 E-mail: [email protected] 62 HIPERTENSÃO A hipertensão arterial refratária, também denominada hipertensão resistente, caracteriza-se pela obtenção de níveis da pressão arterial não-controlados (> 140/90 mmHg) na vigência de tratamento medicamentoso com três ou mais agentes anti-hipertensivos de classes farmacológicas distintas, sendo um deles representado por diurético e todos em dose máxima ou submáxima1,2. Em termos práticos pode ser definida como a condição de uso concomitante de três ou mais medicamentos anti-hipertensivos prescritos em doses farmacologicamente eficazes. Essa definição possui vantagens de não excluir pacientes intolerantes aos diuréticos, não requerer o emprego de doses máximas que podem acarretar efeitos indesejáveis e permite a avaliação da prevalência em estudos recentes3. Considerando a definição do uso concomitante de três ou mais agentes anti-hipertensivos verifica-se que a hipertensão refratária é bastante freqüente, afetando em torno de 20% a 30% dasa populações de diferentes estudos. No estudo ALLHAT (“Antihypertensive and Lipid-LoweringTreatment to Prevent Heart Attack Trial”) que envolveu mais de 33 mil hipertensos, após cinco anos de seguimento 34% não tinham atingido o controle da hipertensão, e do total 27% estavam sob tratamento com três ou mais anti-hipertensivos4. No estudo LIFE (“Losartan Intervention for Endpoint Reduction”) realizado com hipertensos com hipertrofia de ventrículo esquerdo, somente 46% a 49% dos participantes atingiram valores de pressão arterial abaixo de 140/90 mmHg após cinco anos de tratamento intensivo5. Também confirmando que a hipertensão refratária é freqüente, o estudo CONVINCE (“Controlled Onset Verapamil Investigation of Cardiovascular End Points Trial”) mostrou que 33% dos participantes não atingiram o controle almejado da pressão arterial e 17% a 18% receberam três ou mais medicamentos anti-hipertensivos6. Desse modo verifica-se que a hipertensão refratária é freqüente e merece atenção por parte dos profissionais de saúde na identificação adequada desses hipertensos a fim de que eles tenham assistência específica. Várias causas são apontadas para justificar a hipertensão refratária e dentre elas destaca-se o fenômeno do avental branco, que na realidade seria uma pseudo-refratariedade e não uma causa propriamente dita, e o presente artigo se propõe discutir esse aspecto. O fenômeno do avental branco: hipertensão do avental branco e efeito do avental branco A medida indireta da pressão arterial está sujeita a possibilidades de erro ligadas a equipamento, paciente, procedimento, ambiente e observador. O local, o consultório médico e o observador podem gerar elevação na pressão arterial, levando à situação descrita como hipertensão do avental branco e efeito do avental branco. Essa situação não é um fato novo dentre os profissionais da área da saúde. Em 1738 e 1756 Christoph Hellwig e Théophile de Bordeu, respectivamente, observaram alteração do pulso na presença do médico e naquela época já recomendavam para o médico sentar e conversar com o paciente antes de avaliar o pulso e realizar o procedimento mais de uma vez. Riva Rocci, considerado o pai da esfigmomanometria moderna, em seu artigo publicado em 1896 dizia: “O estado mental do paciente tem um efeito transitório, mas considerável, na pressão sangüínea. Falar com o paciente, convidá-lo a ler ou olhar de repente para ele, assim como um barulho repentino, fazem a pressão subir”7. A definição mais aceita para hipertensão do avental branco é quando há hipertensão na medida da pressão arterial pelo médico no consultório, com valor da pressão sistólica acima ou igual a 140 mmHg e/ou pressão diastólica maior ou igual a 90 mmHg, e normotensão na média do período de vigília pela monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou medida domiciliar, com valores geralmente definidos por pressão sistólica menor que 135 mmHg e pressão diastólica menor que 85 mmHg. O efeito do avental branco se caracteriza pela elevação dos níveis pressóricos quando a medida da pressão é realizada pelo médico no consultório e os valores são comparados com os registrados pela MAPA ou na medida domiciliar, independentemente do diagnóstico de normotensão ou hipertensão. Desse modo, no efeito do avental branco não há mudança no diagnóstico do paciente. O critério mais presente na literatura para caracterizar o efeito do avental branco considera diferenças entre a pressão de consultório e MAPA acima de 20 mmHg para a pressão sistólica e 10 mmHg para a pressão diastólica. Os reais determinantes da hipertensão do avental branco não são conhecidos. Pickering8 levanta a hipótese de que a hipertensão do avental branco ocorre devido a uma reação de alerta. Porém, a persistência do fenômeno em visitas subseqüentes não poderia ser explicada somente por este mecanismo. A medida da pressão arterial não é simplesmente um ato mecânico, reveste-se de características especiais, dentre as quais a presença do médico; e talvez outros aspectos relativos ao ambiente do consultório e às reações provocadas pelo procedimento de medida estejam associados ao medo e à ansiedade, gerando estímulos com resposta condicionada de elevação tensional. Entretanto, é interessante enfatizar que Siegel et al.9 demonstraram que traços de personalidade não são determinantes da hipertensão do avental branco. Nessa mesma linha Cardillo et al.10 verificaram que hipertensos do avental branco não apresentaram comportamento distinto dos normo- tensos e hipertensos em testes de reatividade ao estresse mental e físico. Com o advento da monitorização ambulatorial da pressão arterial, a prevalência da hipertensão do avental branco pode ser melhor estudada. Verdecchia et al.11 compararam quatro diferentes limites adotados para caracterizar a hipertensão do avental branco: 136/87, 134/90, 146/91, 150/95 mmHg, e verificaram prevalências de 12,1%, 16,5%, 28,9%, 53,2% respectivamente. Os achados na literatura12–15 de um modo geral indicam prevalência em torno de 20%, inclusive para estudo realizado em nosso meio16. Além da prevalência de efeito e hipertensão do avental branco, estudiosos do assunto também têm procurado elucidar melhor esse fenômeno, associando-o a diversas variáveis. Com relação a sexo e idade, estudos têm apontado que a hipertensão do avental branco é mais freqüente em mulheres do que em homens e nas faixas etárias mais elevadas17–21. A história familiar para hipertensão arterial também apresenta relação positiva para a hipertensão do avental branco22–24. A gravidade da hipertensão relacionada à hipertensão do avental branco também tem sido estudada. Verdecchia et al.25 verificaram que a prevalência da hipertensão do avental branco diminuiu acentuadamente à medida que os níveis de gravidade da doença aumentaram, enquanto o efeito do avental branco aumentou com os níveis de gravidade da doença. A relação entre a hipertensão do avental branco e lesão em órgãos-alvo também tem sido muito estudada. Alguns estudos mostraram que a hipertensão do avental branco estaria associada a maiores índices de hipertrofia de ventrículo esquerdo e alterações lipídicas, enquanto outros não chegaram às mesmas conclusões. Gosse et al.12 verificaram correlação significativa da massa de ventrículo esquerdo com elevações da pressão sistólica diurna em hipertensos, independentemente do efeito do avental branco. Da mesma forma, Cavallini et al.13 verificaram índice de massa de ventrículo esquerdo mais elevado em hipertensos, não havendo diferença entre os normotensos e os pacientes com hipertensão do avental branco. Por outro lado, Kuwajima et al.26 verificaram que pacientes idosos com hipertensão do avental branco apresentam índice de massa de ventrículo esquerdo significativamente maior do que os normotensos e similar aos hipertensos propriamente ditos. Verdecchia et al.21 verificaram maior prevalência de hipertrofia ventricular esquerda em hipertensos do avental branco do que em relação aos normotensos. Em relação à lesão renal, Hoegholm et al.27 identificaram que os pacientes com hipertensão do avental branco tinham menor envolvimento renal do que os hipertenso, porém maior do que os normotensos. Quanto ao metabolismo lipídico, Julius et al.28 mostraram que tanto os hipertensos sustentados quanto os do avental branco tinham elevação nos níveis de triglicérides, insulina plasmática e índice de hipertrofia vascular. Esses achados estão na mesma linha dos de Weber et al.29 que mostraram que os pacientes com hipertensão do avental branco apresentaram mais alterações lipídicas do que os normotensos. Karter et al.30 avaliaram extensamente lesão de órgãos- alvo, alterações metabólicas e hemodinâmicas em hipertensos do avental branco comparados com grupos de normotensos e hipertensos e conVolume 8 / Número 2 / 2005 63 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ cluíram que os hipertensos se colocavam em uma condição intermediária entre os outros dois grupos. Por outro lado, Pierdomenico et al.31 não verificaram diferença no perfil lipídico dos normotensos e dos hipertensos do avental branco, o que também foi verificado por Del Rey et al.32, com exceção do colesterol total, que se apresentou mais elevado nesses últimos. Em um estudo de coorte que acompanhou hipertensos do avental branco por dez anos, os pesquisadores concluíram que os achados indicaram condição de relativa benignidade para esses pacientes, quando comparados com os hipertensos33. Nessa mesma linha outra investigação que acompanhou uma amostra de homens por duas décadas verificou que aos 70 anos tanto os hipertensos do avental branco quanto os hipertensos sustentados apresentaram aumento de resistência à insulina, elevação da glicemia e nível sérico de insulina em comparação com os normotensos, mas a massa de ventrículo esquerdo e a excreção de albumina urinária estavam aumentadas só nos hipertensos sustentados34. Em nosso meio, um estudo sobre hipertensão e efeito do avental branco mostrou valor médio de espessura de parede posterior de ventrículo esquerdo, evidenciado pelo ecocardiograma, significativamente maior (p < 0,05) nos pacientes que apresentaram efeito do avental branco (10,4 ± 1,9 vs. 9,7 ± 1,7 mm). A análise multivariada mostrou que os melhores preditores da existência do efeito do avental branco foram a presença da hipertensão arterial, média do período de vigília da pressão sistólica na MAPA, pressão sistólica de consultório e espessura de parede posterior do ventrículo esquerdo16. Diante do exposto conclui-se que a hipertensão do avental branco seria uma condição intermediária entre a situação de normotensão e hipertensão propriamente dita e que esses pacientes devem ser seguidos. Inclusive existe grande possibilidade de se tornarem hipertensos verdadeiros, pois estudo mostrou que 37% de um grupo de hipertensos do avental branco tornaram-se hipertensos35. Outro aspecto que merece destaque é o fato de que pode ocorrer tratamento medicamentoso desnecessário nos hipertensos do avental branco e hipertratamento na vigência do efeito do avental branco36. Avaliação do fenômeno do avental branco: papel da monitorização ambulatorial da pressão arterial Parati et al.37 mostraram que o efeito do avental branco pode ser confirmado pelo método de fotopletismografia, método indireto de medida da pressão arterial. Mostraram ainda que o efeito medido com esse método tem magnitude muito maior do que aquele medido pela diferença entre a monitorização ambulatorial da pressão arterial e a pressão de consultório. Os autores concluem que a monitorização ambulatorial da pressão arterial subestima a magnitude do efeito do avental branco; o valor do efeito do avental branco obtido considerando esse método foi 30% menor do que o realizado por fotopletismografia. Na prática clínica o que se usa para avaliar tanto o efeito quanto a hipertensão do avental é um desfecho substituto ao se comparar a pressão arterial de consultório com a 64 HIPERTENSÃO medida pela MAPA ou medida residencial realizada com aparelho automático pelo paciente. A presença do médico determina maiores elevações do que o desfecho substituto, porém, não se verificaram diferenças significativas, entre os dois métodos de avaliação do efeito com relação à presença de lesão em órgãos-alvo ou outros fatores de risco cardiovascular38-39. A monitorização ambulatorial da pressão arterial, por possibilitar a medida intermitente da pressão arterial durante 24 horas, é utilizada para detectar a hipertensão e o efeito do avental branco porque permite avaliação da pressão arterial na ausência do médico, enquanto o paciente realiza as suas atividades rotineiras. Dentre as indicações da MAPA destacase ainda, a avaliação do tratamento em hipertensos resistentes. Nesse aspecto a MAPA tem grande utilidade, pois diante do desenvolvimento tecnológico e aplicabilidade da MAPA atuais não se deve avaliar a hipertensão refratária considerando-se somente a medida da pressão arterial em consultório. Outro ponto que merece consideração é que esse método provê dados que apresentam correlação com lesão de órgãos-alvo mais consistentes do que a mensuração da pressão em consultório, além de evitar erros do observador, como a preferência por dígitos terminais com o uso de técnica auscultatória de medida da pressão arterial40. A hipertensão refratária e o efeito do avental branco A avaliação da literatura sobre esse assunto resultou em poucos trabalhos, porém com resultados que merecem consideração por evidenciar a importância da avaliação da pressão arterial em pacientes com hipertensão refratária para distinção dos reais níveis tensionais e eliminação do efeito do avental branco. Mezzetti et al.41 estudando um grupo de 250 hipertensos, verificaram que 27 mantinham a pressão elevada apesar do tratamento medicamentoso. Após avaliação da MAPA verificaram que apenas sete eram hipertensos refratários e os demais apresentavam efeito do avental branco. Muxfeld et al.42 usaram a MAPA para avaliar em 286 pacientes com hipertensão refratária, o efeito do avental branco e os resultados mostraram que 43,7% deles apresentaram efeito do avental branco. Nessa linha de estudo, Brown et al.43 além de realizarem a MAPA nos pacientes, estabeleceram que a pressão arterial fosse avaliada também pela enfermeira. Os resultados evidenciaram que o efeito do avental branco esteve presente em 28% dos hipertensos refratários e outro achado interessante foi que, no grupo desses pacientes, a medida feita pela enfermeira ocasionou efeito do avental branco menos acentuado em comparação com a medida do médico, com magnitude para a pressão sistólica/distólica variando de 16 – 26/ 12 – 14 mmHg vs. 9 – 17/4 mmHg, p < 0,05. Na tentativa de se identificarem características que pudessem distinguir a refratariedade da hipertensão em relação ao efeito do avental branco, Veglio et al. realizaram estudo com 49 hipertensos que, apesar da terapêutica anti-hipertensiva com três drogas próxima à dose máxima havia pelo menos três meses, mantinham-se não-controlados. Desse grupo de pacientes, 19 tinham efeito do avental branco e apresentavam idade mais elevada (p < 0,05). Os reais hipertensos resistentes (n = 20) em relação aos que apresentaram efeito do avental branco mostraram significância estatística (p < 0,05) para as seguintes características: nível mais elevado de sódio, ingestão de bebida alcoólica, atividade de renina plasmática, aldosterona, média da vigília e do período de sono da MAPA e da freqüência cardíaca. Os autores concluem que os dados encontrados permitem supor que o aumento da atividade simpática pode ser responsável pela situação de refratariedade da hipertensão e que a MAPA é uma forte aliada na identificação dos hipertensos refratários. Em outra investigação, Hernandez DelRey44 et al. também avaliaram hipertensos resistentes por meio de MAPA, além da realização de ecocardiograma. Os resultados mostraram que do total de 1.200 hipertensos, 60 apresentaram hipertensão resistente (pressão > 160/95 mmHg), e destes 32% tinham efeito do avental branco. A hipertensão refratária se associou com múltiplos fatores de risco cardiovascular (diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, hipoalfalipoproteinemia) e hipertrofia ventricular esquerda e a proporção de pacientes com lesão de órgãos-alvo foi maior nos hipertensos refratários do que naqueles com efeito do avental branco. Considerando que a caracterização do efeito do avental branco é realizada pela MAPA pelo fato de o método possibilitar avaliação da pressão arterial longe da influência do observador e do ambiente onde se realiza a medida da pressão arterial, a monitorização residencial da pressão arterial seria um recurso a ser usado com a mesma finalidade? A busca na literatura não identificou investigação que tenha utilizado a medida residencial em hipertensos refratários como método de avaliação tensional. Porém, em publicação de 1999 Pickering45 já falava sobre a importância de avaliar a pressão arterial fora do consultório e aponta como alternativas, além do uso da MAPA, a medida residencial. Diante de tais considerações acredita-se que nesse contexto a medida residencial poderá ser de grande utilidade para caracterizar hipertensos refratários e a resposta ao tratamento medicamentoso. Conclusão Apesar de o diagnóstico da hipertensão arterial basear-se quase exclusivamente na medida de consultório, não se pode ignorar o fenômeno do avental branco, que também é freqüente na condição da hipertensão refratária. A adoção de recursos para avaliar a pressão arterial fora do ambiente do consultório como a MAPA e a medida residencial pode ser útil nesse sentido. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. Diretrizes de Hipertensão Arterial, 4. Campos do Jordão, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, SSociedade Brasileira de Nefrologia, 2002. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. JAMA, v. 289, p. 2560–2572, 2003. CALHOUN DA. Resistant hypertension. In: Oparil S, Weber MA. Hypertension. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2 ed, p. 616–623, 2005. 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A otimização do uso de diuréticos é particularmente indicada na HR, é prevalecente a sobrecarga volumétrica mediada por diversos mecanismos, e em grupos selecionados de pacientes, como os obesos, diabéticos, idosos e portadores de disfunção renal. Embora não tão freqüentes, a hipertensão renovascular, a doença renal e o hiperaldosteronismo figuram como as causas mais prevalecentes de hipertensão secundária resistente. Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia – UNIFESP/EPM Introdução Trabalho realizado junto ao Setor de Hipertensão e Diabetes da Disciplina de Nefrologia da UNIFESP- Hospital do Rim e Hipertensão. Resumo A hipertensão resistente (HR) é condição relativamente comum, na medida em que os alvos pressóricos almejados e tidos como ideais para proteção cardiovascular têm sido mais estreitos, em particular para com os pacientes de alto risco. A terapêutica da HR requer inicialmente a identificação dos pacientes não-aderentes às medicações, assim como a exclusão do efeito do avental branco, da pseudo-hipertensão e de drogas que interfiram no controle pressórico. A partir daí, a estratégia de tratamento visa a otimizar o regime terapêutico habitual, empregando drogas de primeira e segunda linha, de *Endereço para correspondência: Hospital do Rim e Hipertensão – Ambulatório de Hipertensão Rua Borges Lagoa, 960 04038-002 – São Paulo – SP Telefax: (11) 5087-8039 E-mail: [email protected] A hipertensão resistente, definida pela falha em se obter um controle pressórico adequado mediante o uso de três ou mais agentes anti-hipertensivos, incluindo um diurético, é um problema clínico relativamente freqüente, chegando a acometer até 30% de populações selecionadas1. Estudos recentes, entre eles o NHANES, têm mostrado que uma parcela significativa de hipertensos (50% – 80%) não atingem adequadamente o controle pressórico, e parte desses indivíduos serão classificados como portadores de hipertensão resistente2. Tal tendência parece refletir, em parte, a falha em se atingir alvos pressóricos preconizados mais estreitos, potencialmente mais favoráveis à redução de risco cardiovascular2. Isso é particularmente relevante nas populações de mais alto risco, como diabéticos e nefropatas, nos quais a necessidade média de anti-hipertensivos, de acordo com dados recentes, ultrapassa três drogas3, 4. A hipertensão resistente é na maioria das vezes multifatorial e o seu manuseio adequado requer a habilidade clínica do especialista, a fim de determinar a melhor estratégia terapêutica no intuito de reduzir o risco cardiovascular inerente a essa situação5. Embora não existam estudos amplos acerca da prevalência de cada um dos fatores responsáveis pela manutenção do quadro de hipertensão resistente, dados recentes apontam que, na maioria das vezes, o problema recai sobre a subotimização do regime terapêutico com as drogas administradas6. Nesse contexto, o conhecimento da fisiopatologia do quadro em questão, mediante eventuais condições clínicas associadas, assim como a escolha adequada e otimizada do regime de drogas, são fundamentais para o sucesso terapêutico. Volume 8 / Número 2 / 2005 67 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Identificação de não-aderência, efeito do avental branco e pseudo-hipertensão ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ No entanto, antes que se proceda o “melhor ajuste terapêutico“, é necessário que sejam identificadas prontamente outras possíveis causas implicadas no descontrole pressórico, como a não aderência ao esquema terapêutico, o efeito de avental branco, a pseudohipertensão e o uso inapropriado de substâncias pró-hipertensoras7. Qualquer que seja o esquema terapêutico proposto, o mesmo não será válido caso as medicações não sejam tomadas adequadamente. Custos elevados de medicações, regimes terapêuticos complicados, baixo nível intelectual e socioeconômico, déficits cognitivos, assim como a ocorrência de efeitos colaterais subjetivos, são causas freqüentes de não aderência aos esquemas terapêuticos. Em estudo recente, a não-aderência foi responsável por cerca de 16% dos casos de hipertensão resistente e aparece com segunda principal causa desta condição6. Portanto, a identificação destes pacientes através de interrogatório apropriado na consulta, é fundamental, pois apresenta um valor preditivo positivo adequado8. A identificação de pacientes com hipertensão de consultório, ou portadores de efeito do avental branco, também é fundamental para que se prossigam as etapas subseqüentes no tratamento da hipertensão resistente. Tal condição, também apropriadamente chamada de “hipertensão resistente do avental branco”9, tem sido relatada em 6% a 28% dos casos de hipertensão resistente6, 10, a depender das populações selecionadas. A suspeita recairá sobre pacientes com relatos de medidas “normais” a nível ambulatorial, indivíduos ansiosos, estressados, sem evidências de lesões de órgãos alvo e que em geral, não se beneficiam da otimização do regime de drogas10. A avaliação requer visitas sucessivas para avaliação dos níveis pressóricos, envolvendo outros profissionais de saúde, aliada à utilização de diagnóstico complementar com a MRPA e MAPA. A correta mensuração dos níveis pressóricos, através da escolha de manguitos adequados à circunferência braquial ou uso de tabelas de correção, também evita erros de interpretação da resposta clínica ao tratamento anti-hipertensivo. A possibilidade de pseudo-hipertensão também deve ser considerada, particularmente nos pacientes mais idosos, com hipertensão sistólica isolada e que não apresentem evidências de lesões de órgãos alvo. Eventuais sintomas de hipotensão na ausência de redução da pressão mensurada também poderão estar presentes11. Identificação do uso de substâncias hipertensoras Embora o uso de substâncias que possam interferir com o controle pressórico não seja causa prevalente de hipertensão resistente6, a identificação e suspensão temporária das mesmas, pode auxiliar no controle pressórico. A tabela 1, ilustra as principais medicações e substâncias exógenas implicadas neste contexto. Os antiinflamatórios não hormonais apresentam um impacto maior em relação às demais, dados o número prevalente das prescrições e seu potencial em antagonizar o efeito dos demais anti-hipertensivos, com resultante aumento médio nos níveis pressóricos em torno de 5 mmHg7. TABELA 1 HIPERTENSÃO ARTERIAL INDUZIDA POR AGENTES EXTERNOS FÁRMACOS • Esteróides • Estrógenos - Contraceptivos - TRH • Antiinflamatórios não-hormonais • Antidepressivos - Tricíclicos - IMAO • Venlafaxina • Descongestionantes nasais (PPA) • Anoréticos – anfepramona • Ciclosporina / Tacrolimus • Eritropoetina • Carbamazepina • Bromocriptina • Metoclopramida • Buspirona 68 DROGAS Otimização da terapia farmacológica ALIMENTOS / METAIS • Cocaína • Sal • Anfetaminas • Alcaçuz • Anabolizantes • Tiramina na alimentação • Erva de São João de usuários de IMAO • Retirada de narcóticos • Cobre • Álcool • Mercúrio • Lítio HIPERTENSÃO Além disso, é importante destacar o uso de álcool, como causa importante e comum de quadros de hipertensão mantida, estando sua retirada associada à melhora dos níveis pressóricos12. Avaliação do regime anti-hipertensivo A avaliação do regime anti-hipertensivo requer a revisão cuidadosa do número de anti-hipertensivos utilizados, da posologia administrada, do sinergismo entre as drogas em questão, da inclusão de diuréticos e dos efeitos colaterais relacionados. De forma geral, observa-se que não é o número de medicações, mas sim a escolha correta das mesmas, que oferecerá um controle adequado da pressão arterial. Neste sentido, a participação médica é fundamental, pois a “inércia” em se alterar os regimes terapêuticos é altamente responsável pela refratariedade aos esquemas empregados13. Dados recentes, apontam que a otimização da terapia com três ou mais drogas no paciente com hipertensão resistente, têm mostrado seus benefícios em prover controle pressórico em mais de 50% dos pacientes6. As mudanças mais freqüentes (administração e posologia) foram com os diuréticos (> 70%), seguidos dos BRAII, IECA e ACC6. O racional na hipertensão resistente, é que se sejam usadas drogas de primeira e segunda linha em combinações sinérgicas. No geral, estes pacientes terão vários mecanismos implicados na gênese da sua hipertensão e assim, deve-se equacionar a combinação de drogas que atuam simultaneamente bloqueando o SRAA (IECA; BRAII; BBloq), com aquelas envolvidas na regulação da sobrecarga hidrossalina e reatividade vascular subjacente, (diuréticos e ACC)14. Eventualmente simpatolíticos de ação central e periférica, assim como vasodilatadores, serão necessários na complementação terapêutica. A otimização do uso de diuréticos em pacientes com hipertensão resistente, têm sido amplamente debatida e recomendada5-7, visto que tais pacientes, na grande maioria das vezes, tem seus mecanismos de natriurese prejudicados, em vista de uma série de condições que discutiremos a seguir. Portanto, a não ser que haja uma contra-indicação formal ao uso dos mesmos (ex: gota; intolerância), é fundamental que num esquema de três drogas esteja presente um diurético, cuja dosagem ou classe, será ajustada de acordo com a condição clínica do paciente. Além disso, é importante salientar que na maioria das vezes os diuréticos são sinérgicos (IECA; BRAII) ou necessários para aliviar a retenção hidrossalina causada por alguns anti-hipertensivos (vasodilatadores; simpatolíticos). Partindo destes conceitos, teríamos de forma lógica, num esquema tríplice de drogas, as seguintes opções preferenciais: diurético + IECA + ACC ; diurético + BRAII + ACC; diurético + BBloq + ACC. É importante salientar que o uso de combinações fixas no paciente que necessitará de três ou mais drogas para seu controle pressórico tem se mostrado superior em relação ao uso das drogas utilizadas de forma isolada15. Eventualmente, determinadas situações clínicas permitirão a utilização de combinações não tradicionais, como é o caso do uso de IECA+ BRAII e dos diuréticos tiazídicos + alça em pacientes com insuficiências renal e cardíaca16. A utilização de ACC cardioseletivos + dihidropiridínicos também têm sido relatada17. Além disso, a utilização da espironolactona, em doses baixas, adicionais ao uso de IECA, BRAII e diuréticos, tem se mostrado útil no bloqueio do “escape de aldosterona” que ocorreria com estas medicações, e portanto, eficaz no ajuste pressórico18. Avaliação da sobrecarga volumétrica Conforme já mencionado, a sobrecarga de volume é um mecanismo fisiopatológico importante, freqüente e geralmente não aparente nos quadros de hipertensão resistente19, embora não único. Na maioria das vezes, estarão sendo avaliados pacientes com hipertensão de mais longa duração, idosos, negros, obesos, diabéticos, com algum grau de disfunção renal ou usuários de simpatolíticos/ vasodilatadores, todas estas condições subjacentes (ver a seguir) que corroboram com o desvio da natriurese pressórica, e estabelecimento de um “set point” em níveis mais altos de pressão arterial20. Tal fato, implica no aumento na sensibilidade ao sal, com conseqüente expansão do intravascular e aumento do reatividade vascular. Assim, medidas como a restrição de sal, monitorada através na excreção de sódio em urina de 24 horas, bem como a otimização do emprego de diuréticos e antagonistas dos canais de cálcio2, 21, são extremamente úteis para contrapor estes mecanismos. A avaliação complementar destes pacientes, através de medidas hemodinâmicas não invasivas (bioimpedância)19 ou através da análise do perfil de renina e sódio urinário22, podem ser eventualmente úteis para a condução destes pacientes, mas não necessariamente superiores ao bom senso clínico. Avaliação das condições clínicas subjacentes A avaliação das diversas condições subjacentes que predispõe à hipertensão resistente é de importância na individualização do tratamento empregado. Obesidade e apnéia do sono A obesidade aparece como causa freqüente de hipertensão resistente , em particular a obesidade visceral, onde os mecanismos hipertensores relacionados à ativação dos sistemas neurohormonais (simpático, SRAA), a hiperinsulinemia e a conseqüente retenção hidrossalina, encontram-se exacerbados20, 23. O entendimento destes mecanismos na obesidade passam assim, a ser importantes do ponto de vista preventivo e terapêutico. A atuação no sentido de orientação na perda ponderal, através da reeducação alimentar e programas de exercícios físicos, apresentam impacto direto sobre a redução dos fatores de risco e controle pressórico24. A esta, devem somar-se ações no sentido de controle dos distúrbios metabólicos, assim como o tratamento da hipertensão, que deve incluir preferencialmente as drogas bloqueadoras do SRAA, diuréticos e ACC. Além disso, evidências adicionais suportam que os mecanismos de apnéia do sono, prevalentes nesta população, possam estar altamente implicados na ocorrência da hipertensão em obesos, incluindo os quadros de hipertensão resistente. A ausência do descenso noturno à MAPA é indicador de alerta para a investigação de apnéia25 e confirmado o diagnóstico, o emprego de medidas corretivas, como CPAP nasal, assim como a eventual associação de simpatolíticos ao esquema terapêutico serão úteis no auxílio do controle pressórico. Diabetes A hipertensão resistente é condição prevalente na população de diabéticos, dada a associação dos componentes fisiopatológicos presentes na obesidade visceral20, 23 e da maior dificuldade em se atingir um controle pressórico mais estreito nesta população (<130/80 mmHg), controle este, potencialmente capaz de diminuir a ocorrência de eventos cardiovasculares3. Volume 8 / Número 2 / 2005 69 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ No geral, todas as drogas de primeira linha podem ser utilizadas nos diabéticos tipo I e II, não parecendo haver superioridade de uma droga em relação à outra sobre os desfechos cardiovasculares3. A maioria certamente necessitará em média de três ou mais drogas para ter a pressão sob controle. Os IECA/ BRAII em vista dos seus efeitos favoráveis sobre a hemodinâmica glomerular e proteção cardiovascular em indivíduos de alto risco, têm sido recomendados para indivíduos com risco cardiovascular mais elevado, como os portadores de nefropatia4 (ver a seguir). Os diuréticos poderão ser utilizados e a associação com os bloqueadores do SRAA é sinérgica e recomendável. O uso dos beta-bloqueadores, particularmente os agentes cardioseletivos terão sua indicação no paciente diabético com doença coronariana. A piora na sensibilidade à insulina não é contra-indicação absoluta. Os ACC também têm demonstrado diminuir os eventos cardiovasculares em populações diabéticas e podem fazer parte da terapia combinada, em vista da dificuldade em se atingir alvos pressóricos almejados nesta população. Doença renal O declínio da função renal em hipertensos apresenta correlação contínua com os níveis pressóricos e com o tempo de hipertensão. Além disso, distúrbios metabólicos e neuro-hormonais parecem predispor ao prejuízo dos mecanismos de filtração glomerular. Assim, populações de pacientes idosos, negros, obesos e diabéticos estarão mais sujeitas à disfunção renal e às repercussões negativas vinculadas à retenção hidrossalina26, 27, com conseqüente predisposição a quadros de hipertensão resistente. Soma-se a isto, o fato de estudos recentes apontarem repercussões favoráveis sobre nefroproteção quando instituída a terapia anti-hipertensiva almejando-se alvos pressóricos mais estreitos (PAS < 130 mmHg e PAD < 80 mmHg), tanto em populações de hipertensos, quanto em populações de diabéticos4. Haverá portanto, necessidade freqüente de maior número de drogas utilizadas e para tal, os IECA, os BRAII, os diuréticos tiazídicos e eventualmente os diuréticos de alça (clearence de creatinina < 30 ml/min), associados ou não aos tiazídicos, estarão recomendados21. Hipertensão secundária A investigação de hipertensão secundária nos pacientes com hipertensão resistente deverá ser realizada quando excluídas as outras possíveis causas, a não ser que hajam evidências clínicas contundentes que levem à suspeita sobre determinada etiologia (tabela 2). Embora a prevalência de casos de hipertensão secundária seja baixa nas séries de pacientes com hipertensão resistente6, os diagnósticos de doença renovascular e doença parenquimatosa renal primária7 devem ser particularmente considerados, em especial a primeira condição, que muitas vezes aparece em sobreposição à hipertensão essencial, em grupos de indivíduos predispostos, como idosos, diabéticos e arteriopatas. TABELA 2 HIPERTENSÃO SECUNDÁRIA SUSPEITA EXAMES DIAGNÓSTICO Mapeamento renal; USG doppler renal; Tomografia helicoidal; Angiorresonância; Angiografia Doença renovascular Relação aldosterona/renina; Teste supressão com fludocortisona; Tomografia; Ressonância supra renal Aldosteronismo Elevação da creatinina; sedimento urinário alterado Clearance de creatinina Doença renal parenquimatosa Obesidade de tronco; intolerância à glicose; estrias Cortisol (urina 24h); Teste de supressão com dexametasona Síndrome de Cushing Diminuição da pressão arterial em membros inferiores; ausência de pulsos femorais Tomografia helicoidal; Angiorresonância Coarctação da aorta HAS lábil; paroxismos de cefaléia, palpitações; palidez cutânea e perspiração Catecolaminas/metanefrinas (urina 24h) Teste de glucagon; Teste clonidina Feocromocitoma Início HAS < 30 anos ou > 55 anos; sopro abdominal; HAS acelerada; HAS resistente; edema pulmonar; insuficiência renal; etiologia não determinada; insuficiência renal precipitada por IECA ou BRA II Hipocalemia 70 HIPERTENSÃO Afora isto, o diagnóstico de hiperaldosteronismo, tem sido relatado como mais prevalente em populações selecionadas de hipertensos mal controlados, com relatos chegando a até 20% dos casos28, quando o diagnóstico não é apenas presumi- do com base no achado de hipocalemia. O tratamento destes pacientes com espironolactona em doses acima das convencionais têm mostrado êxito terapêutico. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. CALHOUN DA, ZAMAN MA, NISHIZAKA MK. Resistant hypertension. Curr Hypertens Reports, v. 4, p. 221–228, 2002. CHOBANIAN AV, BAKRIS GL, BLACK HR, CUSHMAN WC, GREEN LA, IZZO JL JR et al. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 Report. JAMA, v. 289, p. 2560–2572, 2003. ZANCHETTI A, RUILOPE LM. Antihypertensive treatment in patients with type 2 diabetes mellitus: what guidance from recent controlled randomized trials? J Hypertens, v. 20, p. 2099–2110, 2002. BAKRIS GL, WILLIAMS M, DWERKIN L, ELLIOTT WJ, EPSTEIN M, TOTOR P et al. Preserving renal function in adults with hypertension and diabetes: a consensus approach. National Kidney Foundation Hypertension and Diabetes Executive Committees Working Group. 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Hyperaldosteronism among black and white subjects with resistant. Hypertension, v. 40, p. 892–896, 2002. Volume 8 / Número 2 / 2005 71 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Hipertensão arterial refratária ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ BIOLOGIA MOLECULAR ○ ○ ○ ○ ○ Definição e prevalência Autores: ○ ○ Luiz Aparecido Bortolotto* ○ Médico Assistente da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração do HC-FMUSP Fernando Almeida Titular de Nefrologia da Faculdade de Medicina da PUC-Sorocada, SP Introdução O controle pressórico inadequado é possivelmente o fator de maior impacto sobre a alta prevalência de complicações clínicas da hipertensão arterial, daí o grande interesse pelo assunto1. Os dados mais recentes nos Estados Unidos da América (EUA) indicam que, embora tenha havido progressos consideráveis nas últimas décadas, o controle pressórico adequado só é alcançado por 34% dos indivíduos portadores de hipertensão arterial2. Em recente avaliação realizada em pacientes portadores de hipertensão arterial, atendidos no programa de hipertensão das Unidades Básicas de Saúde (UBS), identificamos que apenas 39% dos indivíduos tinham a pressão arterial controlada (PA < 140/90 mmHg) e que 33% dos pacientes, apesar de estarem em tratamento, tinham valores pressóricos nos estágios 2 ou 3 (PA > 160/100 mmHg)3. Várias são as causas desta dificuldade de controle adequado da pressão arterial, desde a má aderência ao tratamento até a existência das raras formas secundárias de hipertensão arterial. Neste artigo abordaremos os aspectos principais da hipertensão resistente ou refratária, destacando a sua prevalência, as principais causas e a melhor abordagem terapêutica para o controle adequado. *Endereço para correspondência: InCor – Unidade de Hipertensão Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo – SP E-mail: [email protected] 72 HIPERTENSÃO De acordo com as últimas diretrizes americanas de hipertensão arterial (JNC VII) conceitua-se a hipertensão resistente (o termo resistente é habitualmente utilizado com o mesmo significado de refratária) como a presença de valores pressóricos > 140/90 mmHg em pacientes utilizando regularmente doses máximas de pelo menos três ou mais classes terapêuticas de anti-hipertensivos, incluindo dose adequada de diuréticos2, 4. Estudos mais antigos estimaram a prevalência de hipertensão refratária em centros de referência terciária entre 5% e 18%5. Em um estudo de coorte com grande número de indivíduos, Alderman6 encontrou uma prevalência de 2,9% de hipertensão resistente ao tratamento, mas ensaios clínicos recentes têm mostrado que a hipertensão resistente é mais comum7, 8. No estudo Syst-Eur (“Systolic Hypertension in Europe Study”)7, observou-se 43% de resistência, enquanto no estudo ALLHAT8, entre 14.722 pacientes acima de 55 anos 47% permaneciam resistentes ao tratamento um ano após a randomização. Cabe ressaltar que esses resultados podem estar superestimando a prevalência de hipertensão resistente na população hipertensa geral, pois eles estão limitados a pacientes idosos e de risco mais elevado. Causas de hipertensão resistente As causas mais comuns de refratariedade ao tratamento anti-hipertensivo são apresentadas no quadro 1. Yakovlevitch e Black9 relataram que o regime subótimo de medicações foi a causa mais comum (43%), seguido por intolerância a medicação (22%), má aderência (10%), e hipertensão secundária (11%). Embora sejam apresentadas em tópicos, o mais comum é que estejam associadas. Medida inadequada da pressão arterial A pressão arterial deve ser determinada com a técnica correta, respeitando-se todos os passos descritos nas IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial10. Além disso, devese utilizar o tamanho do manguito adequado para a circunferência do braço, principalmente em indivíduos mais obesos, nos quais a dificuldade do controle pressórico é mais freqüentemente observada. Por fim, deve-se averiguar rotineiramente se o esfigmomanômetro está calibrado. Causas relacionadas ao tratamento anti-hipertensivo Uma das principais causas de hipertensão resistente é a utilização de regimes terapêuticos subótimos. Isso pode ser resultado do uso inadequado da medicação anti-hipertensiva pelo paciente ou falta de manipulação adequada da medicação pelo médico. Freqüentemente a medicação não é modificada ou associações não são feitas pelo médico, a despeito de falha em se atingir os níveis de pressão-alvo. Um estudo realizado em um serviço de atenção terciária identificou que o uso inadequado dos agentes anti-hipertensivos, na seleção ou nas doses, era responsável por 43% dos casos de hipertensão refratária9. É lógico que a não-aderência, intencional ou inadvertida, aumenta em proporção à complexidade e aos custos do regime farmacológico11. Regimes que envolvem múltiplas drogas deveriam incluir drogas de diferentes classes, e com uma delas sendo sempre um diurético. Mais da metade dos pacientes “refratários” pode ser controlada por ajuste cuidadoso do regime anti-hipertensivo ou pela adição de um diurético, se este não estiver sendo usado. Também deve ser questionado se o paciente segue adequadamente uma dieta com restrição de sódio, pois a maior ingestão de sal dificulta a ação da maioria dos anti-hipertensivos, sobretudo dos diuréticos. QUADRO 1 CAUSAS MAIS COMUNS DE HIPERTENSÃO ARTERIAL REFRATÁRIA l Medida inadequada da pressão arterial l Relacionadas ao tratamento antihipertensivo (Má adesão ao tratamento, doses inadequadas não considerando a duração de ação de cada medicamento, combinação de drogas inapropriadas, uso inapropriado ou falta de uso de diuréticos) l Uso de medicamentos com efeito hipertensor (AINE, inibidores COX-2, pílula anticoncepcional, corticóides, anfetaminas → anorexígenos, antidepressivos, ciclosporina, tacrolimus, eritropoetina, descongestionantes, cocaína) l Obesidade e resistência insulínica l Ingestão excessiva de álcool l Efeito do avental branco l Pseudo-hipertensão l Distúrbios do sono (apnéia obstrutiva e ronco) l Hipervolemia (ingestão excessiva de sódio ou retenção de volume pela insuficiência renal) l Hipertensão arterial secundária Uso de medicamentos com efeito hipertensor Durante a anamnese, o uso concomitante de medicamentos com efeito hipertensor, que contribui com freqüência para elevar a pressão arterial e promover resistência aos agentes anti-hipertensivos, deve ser questionado. As drogas que mais freqüentemente podem ter tal efeito estão listadas no quadro 1, em ordem de importância. Os antiinflamatórios nãoesteróides (AINE) não-seletivos e os inibidores da cicloxigenase 2 (COX-2), pelo uso indiscriminado, sejam prescritos por médicos ou utilizados por iniciativa dos próprios pacientes ou oferecidos em farmácias, constituem os medicamentos de maior risco para os pacientes portadores de hipertensão arterial, pois provocam retenção de sódio e água com evidentes efeitos adversos para o sistema cardiovascular12. Mesmo o uso intermitente dos antiinflamatórios, principalmente quando o paciente tem dor crônica, pode provocar a inibição da produção de prostaglandinas e a manifestação dos efeitos adversos12. Todos os AINEs, mesmo os seletivos (inibidores da COX2), paralelamente à ação antiinflamatória e analgésica apresentam os mesmos efeitos adversos: retenção de sódio e água, elevação da pressão arterial, predominantemente sistólica, sobrecarga cardíaca (aumento da pré-carga e pós-carga), nefrotoxicidade, hiperpotassemia e inúmeras outras alterações digestivas12. Estudos recentes sugerem que os indivíduos que estão usando agentes anti-hipertensivos que bloqueiam o SRAA (inibidores da ECA, bloqueadores dos receptores da angiotensina – BRA e betabloqueadores) são os que apresentam maiores elevações da pressão arterial durante o uso de AINEs13,14. Já os pacientes que utilizam bloqueadores dos canais de cálcio (BCCa) ou diuréticos apresentam elevações pressóricas de menor intensidade quando utilizam os AINEs13,14. Os autores especulam que tal diferença decorre de retenção de sódio e água e conseqüente redução da atividade do SRAA13,14. O uso de pílula anticoncepcional pode também ser um fator determinante de refratariedade ao tratamento antihipertensivo4. Outras medicações que podem ter como possível efeito adverso a elevação da pressão arterial são os corticosteróides, derivados de anfetaminas (anorexígenos), ciclosporina, tacrolimus, eritropoetina, descongestionantes, antidepressivos e cocaína. Sempre que possível devem ser retirados do esquema terapêutico. Quando a interrupção não for possível, deve-se tentar reduzir a dose administrada para minimizar o efeito hipertensor 4. Obesidade e resistência insulínica A obesidade e a resistência insulínica são certamente fatores de grande importância na resistência ao tratamento medicamentoso. Um estudo muito elegante realizado recentemente na Espanha observou que os pacientes com hipertensão arterial refratária “verdadeira” (excluídos os indivíduos com hipertensão secundária e com efeito do avental branco) apresentam maiores valores de insulina plasmática e índices mais elevados de resistência insulínica15. Na figura 1 apresentamos o exemplo de uma paciente de 55 anos com hipertensão grave e refratária que vinha recebendo três agentes anti-hipertensivos de forma regular e em doses adequadas. Identificou-se que a provável causa da resistência ao tratamento deve ser a obesidade (IMC = 36,5 kg/m2). A orientação adequada (dieta hipossódica, hipocalórica e exercícios físicos regulares) e a motivação da paciente fizeram com que apresentasse redução Volume 8 / Número 2 / 2005 73 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ EFEITO DA PERDA DE PESO EM UMA PACIENTE COM HIPERTENSÃO REFRATÁRIA E OBESIDADE IMPORTANTE liares significativamente mais baixos que os valores medidos no consultório. Como essa entidade é relativamente comum, todos os pacientes com hipertensão devem ser encorajados a medir a sua pressão em casa ou fora do ambiente hospitalar. Nessa situação, a monitorização ambulatorial de pressão arterial (MAPA) de 24 horas e a residencial são úteis em estabelecer o diagnóstico. Embora as diferentes diretrizes de tratamento não tenham definido a conduta mais adequada para esses pacientes, um seguimento cuidadoso associado a modificações do estilo de vida é recomendado. Em casos particulares, principalmente na presença de lesão de órgãos-alvo, o tratamento farmacológico é recomendado. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ FIGURA 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ Pseudo-hipertensão IECA = inibidores da enzima conversora; BCCa = bloqueadores de canais de cálcio. de aproximadamente 14 kg de peso ao final de nove meses de acompanhamento. Isto foi suficiente para se alcançar o adequado controle pressórico, mantendo-se a mesma medicação que utilizava anteriormente. No estudo em que avaliamos uma amostra de 232 indivíduos com hipertensão arterial atendidos nas UBS observamos que 81,5% deles têm índice de massa corporal superior a 25 kg/m2 e, na maior parte, a pressão arterial não está controlada3. Ingestão excessiva de álcool A ingestão excessiva de álcool (mais de duas doses diárias) pode dificultar o controle pressórico e deve ser desencorajada4. Efeito do avental branco O efeito do avental branco ocorre quando os valores de pressão arterial medidos pelo profissional de saúde no consultório ou no hospital são significativamente elevados comparados com os valores obtidos em outros locais fora do ambiente médico hospitalar (por exemplo, por MAPA ou medida domiciliar)16. Esse efeito tem sido relatado em 21% a 39% dos pacientes com hipertensão não-tratada16. Estudos prospectivos não tem definido a história natural ou morbi-mortalidade associadas com hipertensão do avental branco não-tratada, mas estudos seccionais cruzados17 sugerem que, quando comparados com indivíduos normotensos, os pacientes com hipertensão do avental branco têm maior hipertrofia ventricular, índices mais altos de LDL-colesterol e maior rigidez arterial, podendo ser considerados potencialmente de maior risco cardiovascular. A hipertensão do avental branco deve ser suspeitada em pacientes que permanecem resistentes ao tratamento na ausência de lesões de órgãos-alvo, que manifestam sintomas de supermedicação (sintomas ortostáticos, fadiga persistente) e/ou que relatam valores de pressão arterial domici- 74 HIPERTENSÃO É uma pressão arterial falsamente elevada obtida por medida indireta pelo esfigmomanômetro, secundária a perda de complacência arterial, necessitando uma maior pressão de insuflação do manguito para comprimir a artéria18. Essa perda da complacência arterial é geralmente secundária a aterosclerose e encontrada em pacientes idosos. O estudo SHEP determinou que 7% dos idosos selecionados para o estudo tinham pseudo-hipertensão19. Diagnosticar hipertensão resistente, quando o paciente tem na verdade pseudo-hipertensão, pode levar a uma supermedicação desnecessária e eventualmente prejudicial ao paciente. A pseudo-hipertensão deve ser suspeitada em pacientes mais idosos cujos níveis de pressão arterial permanecem elevados a despeito da terapia adequada, e que apresentam pouca ou nenhuma evidência de lesão de órgãosalvo, ou que manifestam sintomas de supermedicação. No entanto, o diagnóstico dessa situação é problemático. A manobra de rastreamento mais utilizada, a manobra de Osler, que consiste na palpação da artéria radial ou braquial quando o manguito está insuflado acima da pressão sistólica auscultada, tem um valor diagnóstico discutível20. O diagnóstico definitivo de pseudo-hipertensão requer medida direta da pressão intra-arterial, mas como é um procedimento muito invasivo, pode-se medir alternativamente a pressão arterial no dedo com um equipamento pletismográfico como o Finapres, que tem mostrado uma correlação significativa com a pressão intra-arterial21. Distúrbios do sono (apnéia obstrutiva e ronco) A pressão arterial (PA) em pacientes com distúrbios de sono está elevada durante o dia e à noite. Porém, a maior variabilidade noturna da PA e da freqüência cardíaca podem representar um indício de apnéia obstrutiva do sono22. Os distúrbios do sono, em particular a apnéia obstrutiva e o ronco, têm sido responsabilizados por um grande número de casos de hipertensão refratária, como revisto por Silverberg e cols.23. Do ponto de vista clínico, a anamnese detalhada com o paciente e seus familiares sobre a qualidade do sono, a presença de cansaço excessivo no decorrer do dia e a ocorrência freqüente de sonolência ou cochilos em situações passivas do cotidiano (lendo, assistindo televisão, em espetáculos, conversando, no carro ou em lugares públicos) são fortes indicativos de distúrbios do sono e, quando presentes, o estudo do sono deve ser realizado23. Hipervolemia (ingestão excessiva de sódio ou retenção de volume pela insuficiência renal) A hipervolemia é um importante componente da resistência aos agentes anti-hipertensivos, particularmente os que têm em seu mecanismo de ação o bloqueio do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) pois, na presença de hipervolemia, a atividade do SRAA está reduzida4, 24. A hipervolemia é observada com freqüência em pacientes que ingerem quantidades excessivas de sal ou que têm déficit de função renal e, por conseqüência, apresentam dificuldade em excretar mesmo uma ingesta normal de sódio. Nem sempre a hipervolemia é expressa clinicamente pela presença de edema, por isso, o médico deve estar atento às pequenas variações de peso que podem indicar o acúmulo de volume extra-celular. Nestes casos a restrição de sódio ou o uso de doses apropriadas de diuréticos tiazídicos ou de alça (quando houver déficit de função renal) é a abordagem adequada. Lembrar que em idosos a função renal está reduzida mesmo com valores normais de creatinina plasmática (fórmula a seguir), pois a massa muscular, matéria prima para a produção da creatinina, está reduzida. Avaliação da função renal, através da creatinina plasmática, e de possível lesão estrutural renal (urina tipo I) é indispensável. Com o valor da creatinina plasmática é muito útil podermos determinar o clearance de creatinina calculado por uma série de fórmulas, sendo mais utilizada a de CrockroftGault, que leva em consideração a idade, sexo e peso, apresentada abaixo25. Em mulheres o resultado deve ser multiplicado por 0,85 que corrige para a menor massa muscular no sexo feminino. Clearance de creatinina = (140 – idade) X Peso (Kg) / creatinina plasmática (mg/dL) X 72 Hipertensão arterial secundária Formas secundárias de hipertensão, incluindo hipertensão renovascular, nefropatia primária, aldosteronismo primário e feocromocitoma, tem sido apontadas como causas importantes de refratariedade ao tratamento antihipertensivo2,15. Em estudo espanhol citado anteriormente, onde os indivíduos com hipopotassemia ou com sinais clínicos ou exames complementares sugestivos de hipertensão renovascular tinham sido previamente excluídos, observou-se a presença de hiperaldosteronismo com valores de potássio normais em 14% dos pacientes e de feocromocitoma em 4%15. Em outro estudo, envolvendo 91 pacientes com hipertensão resistente, os autores detectaram hipertensão renovascular em 6% e aldosteronismo primário em 4% dos pacientes. Os principais indícios de hipertensão secundária além da hipertensão resistente são: início de hipertensão antes dos 30 anos e após os 50 anos, tríade de feocromocitoma (palpitações, sudorese e cefaléia em crises), fácies ou biotipo de doenças endócrinas, presença de sopros ou massas abdominais, assimetria de pulsos femorais, aumento de creatinina sérica, hipopotassemia espontânea, exame de urina anormal. Um rastreamento básico para paciente com hipertensão resistente poderia incluir ultra-som de rins, doppler de artérias renais ou cintilografia renal com DTPATc, dosagem de atividade de renina plasmática, aldosterona plasmática e metanefrinas urinárias. Abordagem do paciente e esquemas terapêuticos A “verdadeira hipertensão resistente” deveria ser diagnosticada apenas após a eliminação dos fatores contribuintes mencionados acima. Deveria ser lembrado que múltiplos fatores exógenos podem coexistir com uma causa secundária. O tratamento da hipertensão resistente inclui eliminação dos fatores exógenos e o uso de máximas doses toleradas de múltiplos agentes incluindo um diurético de longa ação, além de realizar todas as medidas necessárias para melhorar a aderência do paciente ao tratamento. A terapia mais efetiva prescrita pelos médicos mais cuidadosos irão controlar a pressão arterial apenas se o paciente estiver motivado para tomar as medicações prescritas e para realizar e manter um estilo de vida mais saudável. A empatia é um importante motivador e a motivação melhora quando os pacientes têm experiências positivas e confiam em seus médicos. Os médicos , por sua vez devem levar em conta as diferenças culturais, crenças e prévias experiências com o sistema de saúde para estabelecer uma boa relação médicopaciente e atingir a melhor aderência, e consequentemente o melhor controle da pressão arterial. A figura 2 apresenta um fluxograma para a avaliação do paciente com hipertensão resistente baseado nas possíveis causas já discutidas acima. Após identificar e corrigir as eventuais causas da resistência ao tratamento anti-hipertensivo, e mesmo enquanto as causas estão sendo identificadas, o tratamento farmacológico mais adequado deve ser instituído. A figura 3a sugere uma abordagem terapêutica inicial para o uso de uma combinação lógica para atingir os níveis de pressão arterial alvo. Como tem sido descrito, o controle ótimo de pressão arterial pode requerer o uso de múltiplas drogas, principalmente em populações especiais como diabéticos hipertensos com insuficiência renal. Neste esquema o paciente inicia com uma das quatro principais classes de drogas. Quando há intolerância aos inibidores da enzima conversora, os bloqueadores de receptores da angiotensina podem ser usados. Quando uma segunda droga é necessária, o que ocorre na maioria dos pacientes com hipertensão resistente, as combinações mais úteis devem ser utilizadas (conectadas por linhas sólidas – figura 3). Se com este esquema da Etapa inicial, o controle não for atingido, sugere-se o esquema apresentado na figura 3b, com a combinação de bloqueadores de canais de cálcio dihidropiridínicos (amlodipina) com não dihidropiridinicos (verapamil, diltiazem), ou o uso de alfa beta bloqueadores (labetalol, carvedilol), ou associação de antagonistas centrais (clonidina), ou mesmo a espironolactona, especialmente útil em pacientes com níveis de aldosterona plasmática elevada. Um recente estudo26 mostrou que espironolactona adicionado a terapia tripla ou quádrupla em pacientes com hipertensão resistente, foi segura e efetiva, havendo redução significativa do número Volume 8 / Número 2 / 2005 75 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ FIGURA 2 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ FLUXOGRAMA PARA AVALIAÇÃO E CONDUTA EM HIPERTENSÃO ARTERIAL RESISTENTE de drogas utilizadas. No entanto estes achados necessitam ser confirmados em estudos com maior numero de indivíduos. Em casos muito resistentes a estas abordagens, vasodilatadores periféricos, incluindo o potente vasodilatador direto minoxidil (5 a 20 mg/dia) podem ser adicionados. Em um artigo recentemente publicado24 os autores sugerem um tratamento de hipertensão resistente baseado em valores hemodinâmicos obtidos através da bioimpedância (tabela 1). Assim, os ajustes da medicação e o uso de diferentes classes são baseados nas medidas de débito cardíaco, resistência vascular sistêmica e na bioimpedância corpórea total. Apoiados nesta abordagem hemodinâmica, os autores conseguiram um controle muito melhor dos pacientes com hipertensão resistente do que aqueles sob os cuidados de tratamento apenas especializado. TABELA 1 ALGORITMO DE TRATAMENTO DE HIPERTENSÃO RESISTENTE BASEADO EM VARIÁVEIS HEMODINÂMICAS E DE BIOIMPEDÂNCIA INDICE CARDÍACO ÍNDICE DE RESISTÊNCIA VASCULAR SISTÊMICA ESCOLHAS DE MEDICAÇÃO Baixo Alto 1. Adicionar ou aumentar bloqueador de canais de cálcio dihidropiridínicos 2. Reduzir beta-bloqueadores 3. Avaliar variação TBI: se reduzido, intensificar ou adicionar doses de diuréticos Alto Baixo 1. Adicionar beta-bloqueador ou agonista central 2. Reduzir vasodilatadores 3. Avaliar variação TBI: se reduzido, intensificar ou adicionar doses de diuréticos Normal Normal 1. Avaliar variação TBI: se reduzido, intensificar ou adicionar doses de diuréticos TBI = impedência fluído torácico Adaptado ref. 11. FIGURA 3 ESQUEMA DE TRATAMENTO SUGERIDO PARA CONTROLE DE PRESSÃO ARTERIAL NA HIPERTENSÃO RESISTENTE Etapa 1 (a) e Etapa 2 (b). IECA = inibidores da enzima conversora da angiotensina; 76 HIPERTENSÃO BRAs = bloqueadores dos receptores da angiotensina II; BCC = bloqueadores de canais de cálcio; Tiaz = tiazídicos; SNC = sistema nervoso central Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. HYMAN DJ, PAVLIK VN. Characteristics of patients with uncontrolled hypertension in the United States. N Engl J Med, v. 45, p. 479–486, 2001. 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