A educação no "século do cérebro: estudo sobre a

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 A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Resumo O trabalho analisa, sob a perspectiva dos estudos da ciência, de que forma as neurociências têm se aproximado da educação no Brasil, conhecendo alguns argumentos utilizados para justificar essa aproximação e investigando se têm se estabelecido relações entre pressupostos teóricos e metodológicos de ambas as áreas. Foram analisados dez artigos que tratam desse tema, nos quais é reiterada a necessidade de atribuir cientificidade à pesquisa educacional, como forma de aprimorar os processos de ensino‐aprendizagem e superar mazelas da educação brasileira. O conhecimento neurocientífico é utilizado como fundamento para a criação de tecnologias educacionais e para explicar – com base na autoridade da ciência – fatos já sabidos no campo da educação por outras vias. Nenhum artigo defende que as neurociências constituam uma panaceia para problemas educacionais do país, da mesma forma que é reconhecida a necessidade de diálogo com outras áreas envolvidas com a pesquisa educacional. A proposta de aproximar a educação das neurociências é aqui compreendida como parte de um contexto social mais amplo, marcado pela crescente importância atribuída ao cérebro e aos saberes neurocientíficos, bem como pela crise das ciências humanas diante do atual estágio de desenvolvimento das ciências biológicas. Palavras‐chave: Educação; neurociências; biologia; cérebro; estudos da ciência. Jonathan Henriques do Amaral [email protected] Circe Jandrey UFRGS [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey Introdução Em artigo publicado originalmente em 1997, os geneticistas Craig Venter e Daniel Cohen afirmaram que, assim como o século XX fora o “século da física”, o século XXI seria o “século da biologia” (VENTER & COHEN, 2004). Essa expressão sintetiza a crescente importância que vem sendo atribuída ao conhecimento biológico na compreensão e administração dos fenômenos da vida humana. Dentre as diferentes áreas que compõem as ciências biológicas, provavelmente são as neurociências1 que têm recebido maior destaque. Não à toa, o mesmo “século da biologia” também vem sendo adjetivado de “século do cérebro”, assim como a década de 1990 fora proclamada pelo governo norte‐americano como a “década do cérebro”. Para Francisco Ortega e Fernando Vidal (2011), esses gestos serviram, por um lado, como um incentivo para que fossem revelados os segredos do órgão que é tido como o mais complexo do universo; por outro, adjetivar uma década ou um século como sendo “do cérebro” demonstra que esse órgão se tornou um ícone da cultura contemporânea. Alvo de investimentos vultosos, as neurociências têm recebido grande atenção, tanto no meio acadêmico quanto fora dele. De acordo com Rogerio Azize (2010), passamos a falar uma “linguagem da serotonina”, graças à disseminação, entre o público leigo, de expressões relacionadas ao sistema nervoso (e.g., neurônios, neurotransmissores, sinapses). Em sua pesquisa de doutorado, o autor mostra que essa popularização vem ocorrendo nos mais diversos espaços – de produções cinematográficas a desfiles de escolas de samba, de revistas de divulgação científica a peças publicitárias, de livros infantis a programas de televisão. As noções de “estilo de pensamento” (FLECK, [1935] 2010) e “estilo de pensamento neuromolecular” (ROSE; ABI‐RACHED, 2013) são bastante úteis para a compreensão desse fenômeno. Ao enfatizar o caráter fundamentalmente social da ciência, Ludwik Fleck ([1935] 2010) afirma que a produção de conhecimento está sempre atrelada a um estilo de pensamento – i.e., a uma disposição para perceber o mundo de 1 As neurociências constituem uma área interdisciplinar, formada por distintas abordagens e tendências teóricas. Os objetos de pesquisa desse campo também são diversos, embora todos mantenham relação com o estudo do sistema nervoso (cf. ROSE, 2006; 2012; EHRENBERG, 2009; ORTEGA; ZORZANELLI, 2010). X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey determinada forma e para processar o que é percebido, a partir de certos pressupostos. O estilo de pensamento está vinculado a um contexto histórico e social específico, referindo‐se não apenas à forma como o conhecimento é produzido mas também ao que pode, efetivamente, ser conhecido – o que é passível de se tornar objeto de estudo em dada época e lugar. Por sua vez, o estilo de pensamento pressupõe a existência de um coletivo de pensamento – um conjunto de pessoas que compartilham certa forma de pensar. Esse coletivo é composto pelo círculo esotérico (formado por especialistas em uma área) e pelo círculo exotérico (formado por leigos). Inspirados em Fleck, Nikolas Rose e Joelle Abi‐Rached (2013) caracterizam o atual modo de produção de conhecimento das neurociências com a expressão “estilo de pensamento neuromolecular”. Nessa perspectiva, a compreensão de fenômenos ligados ao sistema nervoso se dá muito menos na escala molar – de órgãos, tecidos e demais estruturas físicas, passíveis de visualização a olho nu –, do que na escala molecular, o que ocorre, e.g., por meio da utilização de complexas tecnologias de imageamento cerebral. Rose (2007) ressalta que esse estilo de pensamento consiste em mais do que um novo discurso, na medida em que ele fundamenta o surgimento de técnicas que permitem a intervenção em nossos corpos e o gerenciamento de nossas vidas. O estilo de pensamento neuromolecular tem se expandido e formado círculos exotéricos cada vez maiores, possibilitando que até mesmo pessoas leigas recorram a saberes neurocientíficos para compreenderem e narrarem a si próprias (cf. AZIZE, 2010). Entretanto, a expansão desse estilo de pensamento não está ocorrendo apenas no âmbito da cultura de massa: ele tem se disseminado por outros campos do conhecimento, implicando a constituição de áreas híbridas, situadas na interface entre neurociências e ciências humanas. Exemplo disso é a emergência da neuroeducação, foco do presente estudo. Conforme Francisco Ortega e Rafaela Zorzanelli (2010), essa nova área parte do princípio de que a aprendizagem pode ser aprimorada por meio do conhecimento de suas bases neurobiológicas. Valendo‐se de contribuições das ciências cognitivas, da educação e das neurociências, a neuroeducação postula, dentre outros aspectos, a adoção de novos métodos de ensino, embasados no conhecimento das formas pelas quais o cérebro aprenderia mais facilmente. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey Conquanto seja inegável a implicação desse órgão nos atos de aprender e ensinar, Ortega e Zorzanelli (2010) afirmam que há algumas conclusões problemáticas que podem ser inferidas a partir das premissas da neuroeducação. Uma dessas conclusões é a ideia de que o cérebro seria o único elemento em jogo em processos de aprendizagem: quem aprenderia seria um cérebro, e não um indivíduo que possui uma história e está inserido em um contexto social. No mesmo caminho, Valéria Hartt (2008) alerta que a neuroeducação poderia suscitar um novo tipo de determinismo biológico, além da proliferação nos meios educacionais de mitos que carecem de sustentação científica (e.g., a utilização de brinquedos ou outros artefatos que supostamente estimulariam o cérebro e trariam ganhos para a aprendizagem). Com base nas considerações expostas anteriormente, o presente trabalho tem por objetivo analisar de que modo vem ocorrendo a aproximação entre neurociências e educação no Brasil, conhecendo alguns argumentos utilizados para justificar essa aproximação e investigando se há um diálogo entre pressupostos metodológicos e teóricos das neurociências e de áreas que, tradicionalmente, integram o campo da educação (e.g., filosofia, psicologia, sociologia). Para atingir o objetivo proposto, foram analisados dez artigos2, produzidos por pesquisadores brasileiros, que abordam a relação entre educação e neurociências. A metodologia utilizada para a realização do estudo é explicitada na seção a seguir. Posteriormente, são apresentados os resultados da pesquisa e algumas considerações sobre os artigos analisados. Metodologia Para o levantamento do material a ser analisado, foi feita uma busca no Portal de Periódicos da CAPES3 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) 2 Temos ciência de que se trata de um número pouco expressivo; porém, conforme será demonstrado a seguir, esse número revela uma informação importante para esta pesquisa. Ademais, o presente estudo está em fase inicial e prevê a posterior utilização de outras técnicas de coleta de dados (e.g., observação participante em espaços de formação inicial e continuada de professores e entrevistas com pesquisadores envolvidos com a temática em questão), o que aprofundará a discussão aqui realizada. 3 Biblioteca virtual que disponibiliza a instituições de ensino e pesquisa de todo o Brasil o acesso a X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey com as seguintes palavras‐chave: “neuroeducação”, “neuropedagogia”, “neurociências e educação” e “neurociências e pedagogia”. Uma vez que essa busca inicial possibilitou o acesso a mais de 80 artigos, foi realizado um refinamento dessa seleção, sendo excluídos os artigos que não fossem de autoria de pesquisadores brasileiros e que não tratassem da relação entre neurociências e educação4. Desse modo, foram selecionados dez artigos, publicados entre os anos de 2001 e 2013. A análise desses artigos foi realizada desde a perspectiva dos estudos da ciência – campo multidisciplinar que reconhece e afirma o caráter fundamentalmente social do conhecimento científico, buscando analisar como a ciência é constituída por aspectos sociais, econômicos, culturais, políticos e como esses aspectos são, em contrapartida, constituídos por premissas científicas. Trata‐se de uma perspectiva teórica segundo a qual ciência e sociedade são consideradas indissociáveis, de modo que, para se compreender adequadamente a constituição do conhecimento científico, é necessário levar em conta o contexto histórico e social em que ele é produzido (cf. WORTMANN; VEIGA‐NETO, 2001). A próxima seção apresenta uma caracterização geral dos artigos analisados e dos principais argumentos neles contidos. Em seguida, esses argumentos são compreendidos como parte de um contexto histórico e social mais amplo, marcado pelo estilo de pensamento neuromolecular que perpassa as relações sociais na contemporaneidade, bem como pela crise das ciências humanas diante do atual estágio de desenvolvimento das ciências biológicas. produções acadêmicas nacionais e internacionais, de todas as áreas do conhecimento. O acervo do Portal conta com mais de 35 mil títulos com texto completo, dentre vários outros tipos de materiais bibliográficos (informação disponível em http://www.periodicos.capes.gov.br/index.php?option=com_pcontent&view=pcontent&alias=missao‐
objetivos&mn=69&smn=74. Acesso em 20 de fevereiro de 2014). 4 Necessário ressaltar que os descritores permitiram recuperar inúmeros artigos que não tinham relação alguma com o propósito deste trabalho, mas nos quais apareciam, de forma dispersa e descontextualizada (e.g., no nome da unidade de atuação profissional do autor de algum texto ou no título de algum periódico), alguma das palavras‐chave utilizadas na busca. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey A incipiente aproximação entre neurociências e educação no Brasil Embora pouco expressivo, o número de dez artigos selecionados revela que as discussões sobre a relação entre neurociências e educação ainda são incipientes no Brasil. Além disso, trata‐se de uma discussão bastante recente, cujo surgimento coincide com o início do “século do cérebro”: dos artigos analisados, oito foram publicados entre os anos de 2010 e 2013; um foi publicado em 2007 e outro em 2001. A partir de consulta aos curricula vitae dos autores dos artigos5, foi constatado que suas áreas de formação e atuação profissional possuem, na maior parte das vezes, caráter interdisciplinar. A grande maioria é graduada nas áreas de ciências biológicas e da saúde ou nas áreas de informática e engenharia; o contato com a área de educação é verificado ou em cursos de pós‐graduação, ou em projetos de pesquisa relacionados a esse campo do conhecimento (e.g., investigações sobre ensino de engenharia ou processos de formação em saúde). Essa interdisciplinaridade encontra ressonância no próprio hibridismo da neuroeducação. No que tange a experiências concretas de articulação entre neurociências e educação, foram encontrados dois relatos sobre o uso de tecnologias educacionais (mais especificamente, jogos psicopedagógicos) formuladas com base em conhecimentos neurocientíficos (GOMES; MOTTA; CRUZ, 2010; MARQUES et alli, 2010). Nos demais casos, os autores apenas reconhecem a necessidade de estabelecer o contato entre as duas áreas, utilizando o recorrente argumento de que urge prover cientificidade6 à pesquisa educacional e ao trabalho docente. Assim, seria possível superar “limitações” de teorias tradicionalmente utilizadas no campo da educação, as quais – segundo a perspectiva de análise de alguns autores – estariam alijadas da chancela da comprovação científica. Nessa direção, Milton Zaro et alli (2010: 199) afirmam que o fundamento da neuroeducação é “prover caráter científico à pesquisa educacional, estabelecendo um framework teórico e metodológico para que possam ser testadas as melhores práticas 5 Consulta feita por meio da Plataforma Lattes, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A Plataforma possibilita o acesso a currículos de pesquisadores brasileiros e a informações acerca de grupos e instituições de pesquisa (informação disponível em http://lattes.cnpq.br/. Acesso em 23 de fevereiro de 2014). 6 O que, de acordo com a lógica dos artigos, equivale a adotar o modelo “dominante” de ciência. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey pedagógicas”. É pela mesma linha de raciocínio que seguem Eduardo Vieira (2012) e Sidarta Ribeiro (2013): Os numerosos fatores que contribuem em nosso desempenho educacional, tais como os econômicos e sociais, são relevantes, contudo, enfatizo particularmente neste texto a necessidade […] de que profissionais da educação e de currículos escolares devem levar em consideração avanços científicos da neurociência cognitiva para que se produza melhoria na eficácia do processo pedagógico (VIEIRA, 2012: 32). No que diz respeito ao confronto entre os diferentes tipos de ensino, constata‐se que a escola ensina ciências, matemática e línguas de modo nada científico. Abundam métodos pedagógicos discordantes, mas inexiste a prática de confronto experimental entre suas distintas eficácias. O ensino é quase sempre fundado em opções teóricas, tradições, ideologias ou opiniões qualitativas. Ainda está por se construir uma ciência educacional capaz de ser testada e continuamente melhorada de forma empírica e quantitativa (RIBEIRO, 2013: 10). Outros pesquisadores enfatizam que as neurociências podem possibilitar uma maior compreensão dos processos de aprendizagem, fundamentando, assim, a escolha do professor pelas melhores estratégias metodológicas a serem adotadas em sala de aula. Esse é um argumento encontrado, e.g., em artigo de Fernanda Carvalho (2011: 546): Quantos professores sabem que um simples trabalho de memorização de diferentes tipos de textos exige diferentes níveis de oxigenação do cérebro? Que quanto mais complexa a atividade proposta e à medida que se eleva o grau de raciocínio, o fluxo sanguíneo no cérebro é mais intenso? O professor tem noção de que sua ação pedagógica desencadeia no organismo do aluno reações neurológicas e hormonais que podem ter influência na motivação para aprender? Como pode o professor desconhecer a dinâmica mente/cérebro? Basta a análise dessas questões para que se compreenda a importância desse tipo de informação na adequação de metodologias de ensino. Ideia similar é defendida por Maria Isabel Timm et alli (2007), quando argumentam que a produção de conhecimento em educação no Brasil padece da “falta de rigor metodológico” e não corresponde ao ideal científico de neutralidade, na medida em que muitas vezes está atrelada “a ideais sociológicos ou pedagógicos” (TIMM et alli, 2007: 15). Na visão dos autores, o rigor e a isenção das neurociências possibilitariam superar essa lacuna, fornecendo propostas aplicáveis em sala de aula: X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey Pesquisas educacionais que associam aprendizagem exclusivamente à ação direta, mecânica, dos alunos, deixam de lado o fantástico movimento cerebral que está ocorrendo no momento em que estaria assistindo a uma palestra, ou a um vídeo. […] A pesquisa educacional feita no Brasil, possivelmente, ainda se ressente da falta de instrumentos metodológicos que garantam sua isenção diagnóstica e sua transferibilidade à prática educacional (TIMM et alli, 2007: 15). As neurociências também são acionadas para explicar fatos que provavelmente já eram sabidos por aqueles que atuam no campo da educação – seja por meio do conhecimento tradicionalmente produzido nessa área, seja por meio da experiência profissional de cada professor. Informações sobre o cérebro aparecem, e.g., como recurso para justificar a necessidade de aumento salarial para docentes da educação básica ou para explicar que a forma como os professores se relacionam com seus alunos pode facilitar ou dificultar a aprendizagem: Outro dado neurocientífico relevante para a melhoria da educação diz respeito ao modo como reagimos a recompensas. A relação entre incentivo e motivação obedece a uma função sigmoide, de forma que incentivos muito pequenos ou muito grandes, quando aumentados, pouco afetam a motivação […]. Uma política salarial capaz de aumentar a motivação dos professores precisa acontecer na faixa intermediária, bem acima dos atuais patamares mínimos, região em que incrementos nos incentivos acarretam aumentos proporcionais de motivação (RIBEIRO, 2013: 10). Ao se adiantar nos processos dos alunos e pensar estratégias que diminuam o medo e aumentem a autoestima, os docentes proativos recorrem à competência relacional, servindo ao processo de aprender do aluno. Em uma articulação interna do cérebro, esses docentes utilizam‐se da ativação das estruturas dos lobos pré‐frontais que, intermediados pela amígdala, os ajuda a fazer a “gestão das emoções” necessária ao aprendizado dos alunos. […] Evidencia‐se, também, que o cérebro é capaz de contornar as dificuldades para aprender, quando estimulado e preparado para isso, e que os professores podem interferir e desenvolver estratégias que estimulem e facilitem a aprendizagem, o que depende da empatia e identificação com o objeto de trabalho e com as pessoas com as quais se interage no cotidiano de ensino (PEREIRA et alli, 2013: 5‐6). Todavia, nenhum autor defende que as neurociências sejam uma panaceia para os problemas educacionais brasileiros ou que elas possam substituir o conhecimento produzido por outras áreas que constituam o campo educacional. Em cinco artigos os X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey autores explicitam a necessidade de diálogo com outras áreas do conhecimento, reconhecendo que a aprendizagem humana envolve tanto aspectos biológicos quanto psicológicos e socioculturais. A despeito das críticas encontradas à pesquisa em educação (provavelmente por falta de compreensão dos estilos de pensamento que a embasam), é evidente a abertura para o diálogo com as ciências humanas. A neuroeducação enquanto expressão do “século do cérebro”: algumas considerações finais É possível dizer que as tentativas de aproximar as neurociências da educação constituem expressões da época em que vivemos. A emergência desse campo pode ser considerada, por um lado, como consequência do “cerebrocentrismo” do mundo contemporâneo; por outro, ela pode contribuir para endossar a importância que tem sido crescentemente atribuída ao cérebro e aos conhecimentos neurocientíficos. O uso de informações neurocientíficas para justificar fatos já sabidos de longa data no campo educacional – e.g., a necessidade de oferecer melhor remuneração a professores da educação básica – pode ser compreendido por meio do que Ortega e Vidal (2011) chamam de “eficácia simbólica do cérebro”. Essa eficácia é simbólica não por ser irreal, mas porque deriva menos de características intrínsecas ao conhecimento neurocientífico do que de certos significados atribuídos ao cérebro. Graças a essa eficácia simbólica, utilizar informações neurocientíficas irrelevantes em um argumento ou explicação pode torná‐los mais convincentes. Seguindo o mesmo raciocínio, Rose e Abi‐Rached (2013) afirmam que as neurociências têm sido evocadas em determinadas explicações para garantir‐lhes um lastro de objetividade – i.e., para assentá‐las em fatos, e não em ideais ou outras convicções que careceriam de comprovação científica. Para os autores, se o cérebro tem sido acionado para atribuir veracidade a uma afirmação, isso expressa, em alguma medida, a importância que esse órgão assumiu na forma como as pessoas se compreendem e narram na sociedade contemporânea7. Logo, por mais que algumas 7 Isso não significa que outros referenciais (e.g., o psicanalítico) tenham perdido completamente sua X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey explicações neuroeducacionais não apresentem nenhuma informação nova, o fato de elas se valerem de saberes neurocientíficos poderia garantir, no contexto atual, sua maior confiabilidade e legitimidade. As ideias contidas nesses artigos também podem ser entendidas como sintomáticas da crise pela qual passam as ciências humanas. Para Renato Ribeiro (2003), o crescente avanço na pesquisa biológica coloca essas ciências diante de uma ameaça, visto que suas teorias – que se focam nos conceitos de “cultura” e “educação”, advogando que o ser humano é constituído pelas relações sociais de que faz parte – podem ser suplantadas por explicações “biologizantes”. O filósofo acredita que estamos presenciando uma “hiperbiologização do ser humano”, de maneira que é prioritário que as ciências humanas explorem esse cenário social e descubram os desafios que ele lhes impõe (RIBEIRO, 2003). Analisando essa crise de forma menos pessimista, Rose (2013) defende que, no atual século da biologia, é necessário que as humanidades repensem sua compreensão a respeito do conhecimento biológico, pois não é possível negar os avanços e as descobertas desse campo a respeito de diversos fenômenos também estudados pelas ciências humanas. O autor alerta que não existe uma única biologia, mas várias, e a proliferação de novos estilos de pensamento nessa área compõe um cenário profícuo para o estabelecimento de uma relação mais produtiva com as ciências biológicas. Em vez de se limitar à troca mútua de críticas ou denúncias, Rose argumenta que essa nova relação deve conjugar o potencial analítico da biologia com o das humanidades, evitando reducionismos ligados tanto ao determinismo biológico quanto ao construcionismo social. Seguramente as neurociências podem trazer contribuições significativas para o campo educacional. Todavia, seguindo o alerta de Rose (2013), o estabelecimento de um diálogo não deve prescindir da crítica; logo, a educação não deve se apropriar influência; pelo contrário, há uma coexistência de diferentes estilos de pensamento, que são utilizados pelos indivíduos para atribuir sentido a suas vidas, suas relações, etc. (cf. ROSE; ABI‐RACHED, 2013). Além disso, as pessoas são atingidas de formas diversas (ou nem mesmo são atingidas) nos processos de disseminação de estilos de pensamento para além dos círculos esotéricos, de maneira que é preciso ter cautela ao fazer afirmações generalizantes. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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A educação no "século do cérebro: estudo sobre a aproximação entre neurociências e educação no Brasil Jonathan Henriques do Amaral ‐ Circe Jandrey irrefletidamente dos estilos de pensamento neurocientíficos, preterindo as contribuições de outras áreas em nome de uma fé cega nas ciências biológicas. Ademais, as próprias neurociências têm de compreender melhor os estilos de pensamento das ciências humanas, reconhecendo que os modos de produzir conhecimento dessa área são diferentes dos seus, o que não compromete sua legitimidade; do contrário, todo o conhecimento acumulado até agora no campo da educação seria inócuo. Referências AZIZE, Rogerio Lopes. A nova ordem cerebral: a concepção de 'pessoa' na difusão neurocientífica. Tese de doutorado (Programa de Pós‐Graduação em Antropologia Social). Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2010. EHRENBERG, Alain. O sujeito cerebral. Tradução de Marianna Oliveira e Monah Winograd. Psicologia clínica, v.21, n.1, p.187‐213, 2009. FLECK, Ludwik. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Tradução de Georg Otte e Mariana Camilo de Oliveira. Belo Horizonte: Fabrefactum, [1935] 2010. HARTT, Valéria. Febre de cérebro. Educação, n.129, p.22‐31, jan. 2008. ORTEGA, Francisco; VIDAL, Fernando. Approaching the neurocultural spectrum: an introduction. IN: Neurocultures: glimpses into an expanding universe. Frankfurt: Peter Lang, 2011. ______; ZORZANELLI, Rafaela. Corpo em evidência: a ciência e a redefinição do humano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. RIBEIRO, Renato Janine. Novas fronteiras entre natureza e cultura. IN: NOVAES, Adauto (Org.). O homem máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. ROSE, Nikolas. The human sciences in a biological age. Theory, culture & society, n.30, v.1, p.3‐34, 2013. ______. The politics of life itself: biomedicine, power, subjectivity in the twenty‐first century. Princeton: Princeton University Press, 2007. ______; ABI‐RACHED, Joelle. Neuro: the new brain sciences and the management of the mind. Nova Jersey: Princeton University Press, 2013. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11
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