HIPERSENSIBILIDADE À PICADA DE INSETOS EM EQUINO: RELATO DE CASO HYPERSENSIBILITY DUE TO INSECT BITE IN A HORSE: CASE REPORT Karina Calciolari1; Nara Saraiva Bernardi2; Deborah Penteado Martins Dias3; José Corrêa de Lacerda Neto4 RESUMO A hipersensibilidade à picada de moscas é um dermatopatia comum em equinos, porém pouco diagnosticada por ser confundida com outras doenças de pele mais conhecidas pelos veterinários. A doença resulta em lesões crostosas, com perda dos pelos principalmente da crina e cauda, gerando aparência desagradável. O tratamento indicado é a prevenção da picada de mosca, com repelentes e capas mosquiteiras, e a administração de anti-inflamatórios esteroidais. O presente trabalho reporta o caso de um equino com comportamento e lesões características da hipersensibilidade a picada de moscas. O leucograma mostrou eosinofilia, fato ainda não relatado na literatura e condizente com a doença, uma vez que a mesma tem caráter alérgico. O equino foi tratado com sucesso mediante aplicação de produtos tópicos e administração de anti-histamínico intramuscular nos períodos mais agudos da doença, evitando-se o uso de corticosteróides sistêmicos. Palavras-chave: Culicoides, equino, dermatologia veterinária, prurido. SUMMARY Insect bite hypersensibility is commonly observed in horses, however poorly diagnosed. The lesions presented crusted, and hair loss is observed in the mane and tail. Prevention is indicated by the use of repellents, a cover to avoid insect’s contact, and corticosteroids administration. This report presents a horse with characteristic lesions and behavior of insect bite hypersensibility. Leucogram showed eosinofilia indicating the allergic component of the disease. The horse was successfully treated using topical agents and anti histaminic drugs, avoiding the risks of corticosteroids systemic administration. Keywords: Culicoides, horse, pruritus, veterinary dermatology. A hipersensibilidade à picada de moscas, também conhecida como hipersensibilidade aos Culicoides ou Coceira doce equina, é uma das causas mais frequentes de prurido em equinos. Outras causas de prurido incluem doenças sistêmicas, reações de hipersensibilidade ou enfermidade cutânea primária (WHITE & YU, 2006). Trata-se de enfermidade pouco diagnosticada no Brasil, sendo comumente confundida pelos proprietários e veterinários com lesões causadas por fungos e/ou bactérias (micoses, dermatofilose, esporotricose ou dermatites). Devido à dificuldade no diagnóstico diferencial, a hipersensibilidade por picada de inseto é erroneamente tratada com antifúngicos e antibióticos, não havendo resultado satisfatório. Os animais apresentam os sintomas ainda jovens, tornam-se inquietos e mutilamse devido ao intenso prurido, acarretando uma aparência desagradável. Dependendo da gravidade das lesões, a enfermidade pode prejudicar o desempenho e a concentração durante a atividade atlética diária e a participação dos equinos em competições e exposições, gerando perdas econômicas (WHITE & YU, 2006). 1 Acadêmica / Graduação em Medicina Veterinária, FCAV/Unesp.*Autor para Correspondência: Via de acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n, Jaboticabal – SP, 14884-900. [email protected] 2 Mestranda em Medicina Veterinária, FCAV/Unesp. 3 Pós-Doutoranda junto ao Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, FCAV/Unesp 4 Professor Livre Docente do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, FCAV/Unesp As lesões começam com pequenas pápulas que se distribuem dorsalmente ou ventralmente, ou ainda a combinação dos dois (REES, 2005). A lesão progride para alopecia, formação de crostas amareladas que drenam soro (favorecendo a infecção bacteriana secundária), hipopigmentação e lignificação em estados crônicos. Os pelos da crina e da cauda apresentam-se quebrados e emaranhados como resultado do auto-traumatismo. Uma lesão característica dos animas com essa doença é a “cauda de rato”. O animal perde grande porcentagem dos pelos da cauda, sendo comum a cauda curta e em constante movimento para afastar os insetos (WHITE & YU, 2006). O diagnóstico é baseado na sazonalidade, no histórico de exposição à insetos, na distribuição das lesões e na resposta ao tratamento (SMITH, 2006). A biópsia e análise histopatológica das lesões, logo que estas aparecem, podem auxiliar no diagnóstico. Dentre as alterações sugestivas da enfermidade encontram-se a dermatite perivascular superficial ou mais profunda, a presença de eosinófilos e/ou linfócitos, vasculite eosinofílica ou linfocítica. Tais alterações, sem a associação dos sinais clínicos não diagnosticam a doença. A literatura cita ainda o teste intradermal com diferentes antígenos para identificar o agente causador da alergia. Recomenda-se a utilização de antígenos de diferentes insetos, além de outros agentes que podem ser novos ao cavalo, observando-se o surgimento de reações cruzadas (WHITE & YU, 2006). O tratamento, e também a profilaxia para os equinos diagnosticados com hipersensibilidade a picada de moscas, é reduzir a exposição dos animais ao agente causador. Estabular os cavalos principalmente nos horários de pico de alimentação das moscas, principalmente durante o amanhecer e entardecer, também auxilia no tratamento e na prevenção. A baia deve ser preparada especialmente para esses cavalos, sendo fechada com tela fina contra insetos e aspergida frequentemente com repelentes. Produtos que contenham piretrinas com sinergistas e repelentes devem ser aplicados no fim da tarde antes do pico de alimentação dos insetos. A aspersão frequente das regiões acometidas, auxilia a diminuir a formação de caspas e crostas e, fornece alívio do prurido. Por fim, o tratamento mais agressivo, porém que tem bons resultados é a utilização de anti-inflamatórios esteroidais, que levam ao completo alívio dos equinos acometidos pela hipersensibilidade à Culicoides. Prioriza-se os corticóides de curta ação como prednisona na dose de 1 mg/kg/dia, até que o prurido cesse ou diminua substancialmente (geralmente entre 7 a 10 dias), sendo então a dose diminuída lentamente e ajustada para a mais baixa possível em manhãs alternadas, controlando os sintomas (SMITH, 2006). Um equino, da raça quarto de milha, 14 anos de idade e 400 kg, foi encaminhado para atendimento medico veterinário apresentando uma lesão granulomatosa e sanguinolenta do lado direito da base da cauda, além de várias outras feridas e crostas no pescoço e inserção da crina. Durante o exame físico, observou-se a presença de pústulas e sangramento na ferida da cauda e nas lesões na região da crina. Observou-se ainda lesões lignificadas. O equino apresentava-se inquieto, com movimentos de cauda e cabeça frequente e, intenso prurido nas áreas afetadas, procurando constantemente paredes e mourões de cerca para se coçar. Observou-se ainda auto-mutilação intermitente. Foi realizado acompanhamento hematológico periódico, principalmente nos períodos de maior gravidade das lesões, observando-se eosinofilia. O proprietário relatou tratamento periódico com anti-helminticos, alternando o princípio ativo bimestralmente e, acompanhamento com exame coprológico. Um primeiro exame revelou OPG igual a 300 pelo método de Mac Master e ovos de estrongilos pelo método de Willis. Nove meses depois, o resultado do exame apresentou-se negativo para ambos os métodos, concluindo-se que a eosinofilia não estaria relacionada à presença de verminose. O raspado das lesões foi realizado em todos os períodos agudos, havendo ausência de fungos e bactérias. Diferentemente do descrito na literatura para o tratamento das lesões (SMITH, 2006), 2 foi indicado a limpeza diária com sabonete anti-séptico a base de clorexidina 2% e secar o local com compressa estéril. Para auxiliar a cicatrização e diminuir o prurido foi indicado alternar a aplicação de dois diferentes produtos. O primeiro foi spray a base de cloridato de oxitetraciclina 6,8% e hidrocortisona 2 % (Terra Cortril Spray®, Pfizer), que tem ação antimicrobiana evitando contaminações secundárias e alívio do prurido devido a presença do anti-inflamatório esteroidal. O segundo tratou-se de pomada a base de alantoina 2%, ácido tânico 2% e óxido de zinco 2% (Alantol®, Vetnil) que tem ação cicatrizante, antimicrobiana e repelente, a qual levou à cicatrização rápida da lesão e cessou o sangramento, quando presente. A aspersão com repelentes também foi indicada, sendo utilizado spray para equinos contendo citronela (Karflae Citronela®, Winner Horse), óleo de cravo ou repelentes humanos (Off®, Johnson e Repelex®, Reckitt Benckiser) não havendo efeitos colaterais. Ainda, como método preventivo, o proprietário também utilizou capa “mosquiteira” feita com fina tela perfurada que deve ser aspergida com repetente. No caso de recidivas mais agudas, quando o animal mostrava-se extremamente irritado e se auto-mutilando, administrou-se cloridrato de prometazina (Fenergan®, Aventis) na dose de 0,5 mg/kg por via intramuscular, uma vez o dia, por 5 dias. Apesar de não haver estudos em equinos, indica-se que a administração de prometazina sempre seja realizada após a atividade diária do animal, pois o fármaco pode promover leve sedação (sonolência) em humanos, o que pode comprometer o desempenho no esporte e trabalho. Entretanto, no caso apresentado, não observou-se nenhum efeito colateral. Apesar de não ter sido realizado exame histopatológico, as lesões apresentadas e o comportamento do equino, juntamente com os exames complementares realizados, condizem com o diagnóstico de hipersensibilidade a picada de moscas. A literatura consultada cita que distúrbios pruriginosos respondem fracamente a anti-histamínicos administrados terapeuticamente ou profilaticamente e, que há necessidade de terapia com corticosteróides (SMITH, 2006). O presente relato comprova que há resultado satisfatório com o tratamento tópico associado à terapia com anti-histamínico para hipersensibilidade à picada de moscas, evitando-se assim o uso de anti-inflamatórios esteroidais sistêmicos, visando preservar a saúde equina. REFERÊNCIAS REES C.A. Diagnosing and Managing Equine Pruritus: Insect Hypersensitivity. Compendium Equine, v.27(8), 2005. SMITH B.P. Tratado de Medicina Interna de Grandes Animais. 3.ed. São Paulo:Manole, 1728p., 2006. WHITE S.D.; YU A.A. Equine Dermatology, In-Depth: Selected topics in Dermatology, v.52, p.463-466, 2006. 3