Marcos Evangelho de Marcos O “Evangelho de Marcos”

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Caro amigo , bem-vindo ao ESTUDO BÍBLICO CONTEXTUAL da Umbet !
Juntos iniciaremos o nosso trabalho, pela primeira obra literária que
encontramos no Novo Testamento a respeito da pessoa de Jesus, o Nazareno:
o “Evangelho de Marcos”.
Será um estudo que procura abordar as questões que, hoje, de fato intrigam o
leitor. Procuraremos responder às perguntas, muitas vezes sem resposta, nos estudos
tradicionais. Queremos que Deus fortifique a sua
fé em Jesus através destes estudos.
Observaremos a seguinte ordem:
Parte I
o autor
a obra
Parte II
o Evangelho
Se você recebe uma carta ou relatório, o documento em suas mãos revela muito
de seu autor. Se você o conhece, você consegue tirar muitas lições porque associa
a mensagem à personalidade de seu autor. Não sabendo, porém, quem escreveu,
digamos uma carta, esta lhe dirá pouco, porque lhe são desconhecidos tanto a
motivação quanto os reais interesses do autor.
Sendo assim, é de suma importância saber primeiro quem é o autor do Evangelho
que estudaremos. Apresentar-lhe-emos, então, na primeira parte, a pessoa do
escritor e a fonte, isto é, o Evangelista MARCOS.
Num segundo passo olharemos a obra em si. A obra de Marcos é singular e temos
que olhá-la como um todo para poder captar como ele entendeu a sua missão. Ele
foi o primeiro que ousou definir, por escrito, os acontecimentos que “transformaram o
mundo” e dos quais fora testemunha. Não existia um padrão a ser seguido. Marcos,
assim, criou uma nova e até então desconhecida forma de literatura.
Somente após estes dois passos iniciais é que começaremos a ler juntos este livro
que deu ao mundo a primeira narração escrita da obra de Deus, em Jesus Cristo.
No decorrer dos séculos, a tradição tem atribuído a cada um dos quatro
Evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João) um simbolismo. O Evangelista João, em
sua obra Apocalipse, viu quatro “seres viventes” surgindo (cap 4,6.7). Desde os
tempos de Constantino (aprox. ano 400 da nossa época), a tradição cristã atribui ao
Evangelista Marcos a figura do Leão (Apoc.5.5), o Leão de Judá. Em muitas
catedrais da Europa encontramos a figura do Evangelista (veja a foto acima)
ouvindo atentamente a voz do “Leão de Judá” e anotando aquilo que “ultrapassa
a compreensão humana”, assim dando forma ao seu Evangelho: o primeiro da
história.
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I. O AUTOR
O autor deste Evangelho, cujo nome hebraico era João, ficou para a história
com seu nome em latim: (Markus) Marcos. O jovem João Marcos foi educado pela
sua mãe Maria, parente distante do apóstolo Pedro. Do pai nada sabemos. Maria
provavelmente era uma viúva de posses. Ela morava numa casa grande e teve
pelo menos uma empregada (Atos 12,13), de nome Rode. Foi na casa da mãe de
João Marcos que Jesus celebrou a última ceia (12,13.14).
O jovem Marcos já sabia, talvez através de informações do próprio Pedro,
sobre os acontecimentos envolvendo seu parente e seu mestre. Na noite em que
Jesus foi traído, o jovem Marcos, secretamente, seguiu de longe o grupo dos
discípulos quando este deixou a casa, para ver o que aconteceria. A maioria dos
estudiosos atribui a figura do jovem que fugiu, deixando sua túnica para trás
(14,51.52), ao próprio Marcos. Após a ressurreição, Jesus apareceu aos angustiados
apóstolos, pela primeira vez, também na casa da mãe de Marcos, lugar em que
alguns dias mais tarde se daria Pentecoste(Atos 2,1). Foi nesta mesma casa que
Pedro bateu à porta, quando milagrosamente foi libertado da prisão (Atos 12,12). O
jovem João Marcos, sobrinho de Barnabé, assim vivenciou à certa distância (pois
ainda era um jovem imaturo e inseguro), toda a dinâmica dos primeiros dias da
Igreja.
Como seu tio Barnabé, ele pertencia à tribo de Levi, responsável pelo serviço
no Templo. Impressionado pelo que viu e fascinado com a ascensão do novo
movimento, Marcos pensou em como fugir da responsabilidade de um eventual
serviço no Templo. Ocorreu-lhe a idéia da auto-mutilação, pois assim escaparia do
serviço sagrado. Portanto, (num momento em que só o entendemos se
considerarmos sua vacilação entre entusiasmo e omissão), mutilou-se, cortando o
próprio dedão. Entrou na história como o “sem dedão” (Hipólito e Orígenes).
Acompanhou entusiasmado o envolvimento do seu tio Barnabé com o recémconvertido e futuro apóstolo: Paulo. Com possíveis aventuras em vista, aceitou o
convite de seu tio para acompanhar os dois apóstolos (Paulo e Barnabé) em sua
primeira viagem missionária (Atos 13,5). Sendo, porém, testemunha do mau
tratamento que estes dois receberam, das privações e lutas que foram passando,
das marchas longas, pouco tempo depois resolveu voltar para casa.(Atos 13,13).
Voltou como fracassado para a casa da mãe.
A tradição conta que Marcos ficou tão envergonhado pelo seu fracasso, que
por um bom tempo, nem ousou aparecer diante do apóstolo Paulo, depois que este
voltou da primeira viagem. Quando os dois, Paulo e seu tio, partiram para a
segunda viagem, pediu em três sábados seguidos, ajoelhado, perdão perante
Paulo, rogando que novamente o aceitassem como companheiro. Como Barnabé
tomou posição em favor do sobrinho e Paulo - que já estava bastante irritado com a
atitude deste em Antioquia (Gal.2,11-13) - houve um atrito tão violento entre os dois
apóstolos que Paulo e Barnabé chegaram a separar-se (Atos 15,36-39). A igreja
“primitiva” não era isenta de conflitos, mas ela soube superá-los.
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Por algum tempo as Escrituras não relatam mais nada acerca do Marcos, pois
o livro de Atos continua acompanhando Paulo e seu novo companheiro, Silas, na
segunda viagem.
Pela tradição sabemos que Marcos, por sua vez, voltou-se para Pedro, seu
parente distante. Ele o conheceu desde a adolescência, mas, agora, tendo passada
a fascinação do “grande e importante” Paulo, que tão duramente julgou a falha do
jovem Marcos, Pedro com sua origem humilde lhe deu mais segurança. Pedro,
apesar de vir da desprezada Galiléia, também era de uma personalidade forte, mas,
diferentemente de Paulo, tinha errado muito por precipitação e aprendido a
arrepender-se. Paulo por sua vez, ex-fariseu, era duro e um intelectual de difícil trato,
pelo menos no início de sua carreira. Assim, o apóstolo Pedro se tornou o pai
espiritual de Marcos. Era decisiva a influência deste discípulo maduro na formação
da personalidade de Marcos (aliás, sempre é importante a fonte onde os nossos
jovens procuram seus padrões e valores). Marcos foi batizado por Pedro não muito
após a páscoa e juntou-se a este tornando-se seu intérprete. Pedro, Galileu, não
sabia falar grego fluentemente e então tomou Marcos como tradutor e intérprete. A
partir daí ficaram juntos. Foi assim que Marcos teve a oportunidade de ouvir inúmeras
vezes Pedro relatar às igrejas, dentro e fora da terra natal, as suas experiências junto
ao Salvador. Ainda não existia nenhum testemunho escrito e a única fonte das boas
Novas eram os apóstolos ainda vivos.
Na primeira carta de Pedro (1Pe. 5,13) este, de Roma, (denominada
“Babilônia”) saúda os crentes e menciona “meu filho Marcos” como companheiro .
Foi na Itália que, anos mais tarde, Marcos anotaria tudo o que de Pedro ouviu e viu e
escreveria o que viria a ser o Evangelho segundo Marcos, também chamado por
Tertuliano: o “Evangelho de Pedro” (200 d.C.).
Não sabemos como, mas o livro de Atos registra que houve posterior
reconciliação entre Paulo e Marcos, pois em Col.4,10, o grande apóstolo
recomenda, anos mais tarde, à igreja de Colosso que “recebam bem Marcos,
sobrinho de Barnabé”. Em Filemon 24, Paulo manda (da prisão em Roma?)
saudações “de Marcos, cooperador” e na última notícia que temos do grande
apóstolo, em 2.Tim. 4,11, provavelmente da segunda prisão em Roma, Paulo pede a
Timóteo que lhe traga logo o “Marcos, útil no ministério”. Esta é a última informação
que o Novo Testamento nos dá a respeito de Marcos: voltou a trabalhar com o
apóstolo Paulo.
A tradição nos conta que, posteriormente, Marcos mudou-se (estando já Paulo
e Pedro martirizados), de Roma à Alexandria, metrópole do Egito. Nesta metrópole,
com sua cultura grega, Marcos acaba fundando a primeira Igreja cristã, na qual
mais tarde se destacaram os pais da Igreja Clemente de Alexandria e Orígenes. Dela
se originou a Igreja Copta dos dias de hoje. Como primeiro superior da Igreja, Marcos
resistiu, firme, quando a perseguição aos cristãos se iniciou. Negou-se a fugir. Foi por
ocasião das festividades de páscoa, que Marcos foi pego pelos pagãos e arrastado
com uma corda pelo pescoço pelas ruas da capital. “Vamos levar o búfalo para o
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pasto!” Sobre este acontecimento encontramos uma pintura de Fra Angélico no
mosteiro de São Marcos em Firenze, Itália. Ainda com vida, Marcos em seguida foi
jogado no cárcere e no dia seguinte arrastado novamente pela rua, onde expirou
como mártir.
Uma lenda conta que seus ossos, tidos como relíquias para proteção dos
ataques dos bárbaros, foram levados no século nono para Veneza, Itália, onde antes
do século décimo foi iniciada a construção da “Igreja em memória do mártir”. A
cidade de Veneza até hoje tem no seu brasão “República de São Marco”. Dizem
que ali as relíquias foram escondidas tão bem que nunca mais foram encontradas.
Marcos não falhou na segunda prova, não mais fugiu, ao contrário, deu sua vida
testemunhando seu Senhor.
Você conhece agora algo da vida do autor do “Evangelho segundo Marcos”. Na
próximas lições olharemos a obra em si, antes de partirmos para o estudo da
mesma.
II. A OBRA
Conforme Eusébio, Irineu e Clemente de Alexandria, o Evangelho de Marcos
foi escrito em Roma. Segundo uma lenda posterior foi composto na cidade de
Aquileja (Udine), na própria Itália, e destinado para uso dos cristãos de Roma. Por
volta do ano 63, tanto Pedro quanto Paulo, acredita-se, estavam em Roma. Este
período parece ser a ocasião mais plausível da composição do Evangelho. Eusébio
relata: “...o grande e poderoso Pedro, cujo seguidor, por nome de Marcos, a pedido
dos ouvintes de Pedro, compôs um registro dos ensinos do apóstolo”, que veio a ser
conhecido como o Evangelho segundo Marcos.
Antes de iniciar esta obra monumental - o passo da evidência do Espírito de
Deus entre os homens para essa escrita e para um novo tipo de literatura, do qual
não havia modelo literário -, Marcos consultou seu pai espiritual, Pedro. Assim diz
Eusébio. Pedro teria mantido silêncio. Após muita oração, Marcos sentou-se e
escreveu a primeira frase de seu relato: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho
de Deus”. Parece que ouvimos o profundo suspiro do Evangelista após terminar esta
frase e o vemos meditando em como ele iria colocar aquilo no papel; as palavras
deviam-lhe faltar, por tão importante ser a narrativa. Segundo Papias, uma única
preocupação se fez presente no escritor: em “nada deixando de relatar do que
ouviu e não tornar-se culpado por mentir “. Conforme Eusébio, concluída a obra,
esta foi aceita por Pedro e assim liberada para leitura nas reuniões dos crentes.
Devemos sempre lembrar que Marcos era “o intérprete de Pedro”. Dele ele
aprendeu, ouviu e passou as experiências do apóstolo junto a Jesus para seus
ouvintes. Numa comparação com os demais Evangelhos, que são posteriores, a obra
não mostra o grande Pedro como herói, não. Todos os seus momentos de fracasso
são mencionados, enquanto a declaração de Jesus “Tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei...” falta e não é usada em favor daquele que mais poderia fazer valê-la.
Momentos de glória para o apóstolo estão ausentes, apenas o vemos dormindo
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quando era para vigiar, e em seguida negar seu Senhor. Pedro não se vangloria, ele
deixa toda a honra para seu Senhor. Pedro sabia do mistério que envolve o Divino
Salvador. A inúmeros cristãos, a palavra de Jesus por ocasião da última ceia,
relatada por Marcos, tem apontado para o segredo da esperança que encontramos
na ceia do Senhor: “...vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até aquele dia
em que o hei de beber, novo, no Reino de Deus” (14.25). O Evangelista sentiu o peso
do que ali, na sua casa materna, foi celebrado. Marcos é realista. Desde a triste
ocasião em que a família do Salvador queria “interná-lo” por o acharem louco (3.21)
até ao grito de desespero de Jesus, “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?” (15.34) e “o grande brado, com que expirou“, o Evangelho de
Marcos é realista. A morte de Jesus é real, tudo em Marcos é real.
As três características mais óbvias deste Evangelho são sua brevidade, sua
intensidade e sua organização. É o mais curto dos quatro.
O Evangelho de Marcos apresenta uma infinidade de pequenos detalhes, que
não encontramos em nenhum outro. São próprios de uma testemunha ocular, de
Pedro, transmitidos oralmente inúmeras vezes através de Marcos a seus ouvintes.
Estes pequenos acréscimos dão vida ao relato. Alguns exemplos: “com os
empregados” (1.20);; ”tomou pela mão”(1.31);; “toda cidade estava reunida à
porta”(1.33) ;; “nem mesmo junto à porta” (2.2) ; “assim como estava” (4.35);; “estava
na popa, dormindo sobre o travesseiro”(4.38); “como é que não tendes fé?”(4.40)
etc.
As anotações revelam intimidade com o mestre: “Vinde repousar um pouco, à
parte, num lugar deserto”(6.30,31);; “(Jesus) tendo entrado numa casa, queria que
ninguém o soubesse” (7.24); quando os fariseus pediram-lhe um sinal do céu
“arrancou do íntimo do seu espírito um gemido”(8.12) ou, “Jesus, fitando-o, o
amou”(10.21) e “(Jesus) olhando ao redor”(10.23,24). Até a observação das mulheres
perante o túmulo: “elas diziam umas às outras: Quem nos removerá a pedra da
entrada do túmulo?”(16.3) Todos esses detalhes transmitem realidade. A vivacidade
de Pedro ao testemunhar sua convivência com o Salvador, nas palavras de Marcos
é impressionante.
Os cuidados com detalhes e o interesse para com seus ouvintes evidenciados
na informação, única, de que Simão Cirineu (15.2), que levou a cruz do Senhor, era o
pai de Alexandro e Rufo, cristãos conhecidos em Roma.
Outra característica deste evangelho é a grande quantidade de datas,
oportunidades e locais definidos. Somente do cap.10 em diante encontramos: caps.
10.32,46; 11.1,11,12,15,19,20,27; 13.1,3; 14.1,3,12,17,22,26,32,43; 15.1,22,33,42; 16.1-2.
Como esta obra foi escrita para romanos, tornou-se necessário explicar costumes
judaicos (7,3.4;14.12;15,42), e Marcos substitui o grego pelo latim.
O evangelho de Marcos ainda é relato, isento de doutrina. Não demonstra
preocupação com o cuidado de gerações posteriores em não mencionar certos
situações delicadas (por exemplo: Jesus chorou) para evitar que a Divindade de
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Jesus seja questionada e não apresenta um Jesus acima do que toca a todos nós;
não, Jesus é representado como ele era, como Pedro o conheceu, homem e Deus
ao mesmo tempo, mistério e real.
Segundo Marcos, que prioriza as obras do Rei em detrimento das palavras,
tudo o que Jesus realizou deixou as pessoas admiradas, perplexas, assustadas.
“Jamais vimos coisas assim”(2.12), as pessoas diziam. Este espanto é característico
para Marcos.
Ele descreve Cristo como um Rei ativo, energético, que se move rapidamente;
conquistador; vitorioso sobre as forças destrutivas da natureza, da doença, dos
demônios e mesmo da morte. Parece este ter sido isto de um interesse especial para
os romanos, que eram um povo que, na sua busca de poder, tinha conquistado o
mundo. Agora, Marcos apresenta um Rei que ultrapassa todos os conquistadores da
terra, vitorioso que não se delicia (como os romanos) com o sofrimento dos
conquistados, mas sofre no lugar deles, criando condições para o bem-estar eterno
dos mesmos.
Para Pedro, Jesus é, para começar, completamente humano. Ele come,
bebe, tem fome, toca nas pessoas, é tocado por elas, fica angustiado, indignado,
adormece por causa da fadiga, tem irmãos e irmãs, é limitado (13.32), chora; ele
tem um corpo e um espírito humanos. Ele até realmente morre (15,37).
No entanto, o mesmo Jesus é completamente divino. “Filho de Deus”, “Filho do
Homem”(confira Daniel 7.13,14), cura todo tipo de doenças, expulsa demônios, cura
cegos, surdos etc., ressuscita mortos. Tem domínio sobre as forças da natureza,
multiplica pães, tem autoridade tal que declara uma pessoa perdoada, o que
somente Deus pode fazer. Vence a morte por meio de sua gloriosa ressurreição.
O relato de Marcos é interrompido abruptamente em 16.8 após as palavras
“...fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temores e de assombro; e, de
medo, nada disseram a ninguém”. Houve e há discussão acerca do “por quê”. Os
versos 9 a 19 foram acrescentados posteriormente e parecem um breve resumo
redigido por mãos desconhecidas, não consistente com o todo. A voz do
evangelista é cortada repentinamente... será que ele não teve oportunidade de
terminar o relato, ou as últimas anotações do Evangelho se perderam? Nós não o
sabemos e muito provavelmente nunca o saberemos.
Este Jesus apresentado no Evangelho de Marcos é objeto de fé para você; seu
sangue é resgate pago por você (10.45; 14.24). Este Jesus é quem batiza com o
Espírito Santo. Este Jesus tem autoridade para convidar você para que acorde e
entenda quem Ele é e o que isso significa para sua vida, e o siga.
Convidamos você a nos acompanhar no estudo deste grandioso Evangelho!
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O Evangelho de Marcos – cap.1.1-8 (NVI)
(1) Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus. (2,3) Conforme está escrito no profeta
Isaías: “Enviarei à tua frente o meu mensageiro;; ele preparará o teu caminho – voz que clama no
deserto: Preparem o caminho para o Senhor, façam veredas retas para ele. Enviarei à tua frente meu
mensageiro;; ele preparará o teu caminho !” (4) Assim, surgiu João, batizando no deserto, pregando
um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados. (5) A ele vinha toda a região da Judéia
e todo o povo de Jerusalém. Confessando os seus pecados, eram batizados por ele no rio Jordão.
(6)João vestia roupas feitas de pêlos de camelo, usava um cinto de couro e comia gafanhotos e mel
silvestre. (7) E esta era sua mensagem: “Depois de mim vem alguém mais poderoso do que eu, tanto
que não sou digno nem de curvar-me e desamarrar as correias das suas sandálias”. (8) “Eu os batizo
com água, mas ele batizará com o Espírito Santo.”
(1) ”Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Princípio não do livro, mas da Boa Nova (euanggelion), termo que indicava
inicialmente recompensa para aquele que traz “boas novas” e, mais tarde, “Boa
Nova” em si. A Boa Nova começa com Jesus, o Cristo, e não com uma religião. Ao
Nazareno JESUS, Marcos aplica o título CRISTO em grego e Messias em hebraico (isto
é O UNGIDO). Na pessoa de Jesus, Marcos reconhece o FILHO DE DEUS, Deus
encarnado.
(2,3) “Conforme está escrito no profeta Isaías: ‘Enviarei à tua frente o meu
mensageiro;; ele preparará o teu caminho’ – voz que clama no deserto: Preparem o
caminho para o Senhor, façam veredas retas para ele.” Aos cristãos em Roma,
Marcos demostra que há centenas de anos o aparecimento do CRISTO estava
previsto pelos profetas. Jesus não veio do nada. O Rei envia um mensageiro antes
dEle. O profeta Malaquias (3.1) disse a respeito da esperança de Israel que Deus
assegurará ao seu Ungido: “Enviarei à tua frente meu mensageiro; ele preparará o
teu caminho! “Depois, Marcos cita Isaías (650-700 antes de Cristo): este previu que a
chegada do Ungido ia ser anunciada através de uma voz no deserto: “voz que
clama no deserto: Preparem o caminho para o Senhor, façam veredas retas para
ele.”(Is.40.3). Esta voz que clama no deserto aparece na pessoa de João.
(4,5) “Assim, surgiu João, batizando no deserto, pregando um batismo de
arrependimento para o perdão dos pecados. A ele vinha toda a região da Judéia e
todo o povo de Jerusalém. Confessando os seus pecados, eram batizados por ele no
rio Jordão.” – Do nada, do deserto, aparece um homem que convoca o povo ao
arrependimento. Preparar o caminho para Jesus consiste em tirar os obstáculos, em
permitir que Ele tenha caminho livre. Jesus vem ao encontro daquele que lhe abre a
porta. João foi chamado “o batista” porque pregava o batismo como sinal de
perdão àqueles que estão dispostos a mudar de vida. Muitos vão ao encontro dEle.
Jesus virá! Você está disposto a encontrá-lo? Prepare então o caminho do Senhor!
Tire os obstáculos que o impedem de ter este encontro! O novo em João Batista, o
“escândalo”, é que ele chama judeus para o batismo. Batizado era somente o
prosélito, aquele que entrava na fé judaica. Os filhos de Abraão... se
arrependendo?! “Mudem radicalmente de vida!”, João exorta. “A vossa
descendência de Abraão não é suficiente!”
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Permita-me a pergunta: a sua descendência religiosa lhe é suficiente?
(6) “João vestia roupas feitas de pêlos de camelo, usava um cinto de couro e comia
gafanhotos e mel silvestre”. As roupas do grande profeta Elias (2 Rei 1.8) são sinal de
autoridade; a alimentação denuncia independência de favores humanos. É a voz
de autoridade Divina. Deus se pré-anuncia também na sua vida! Você já percebeu?
(7) “E esta era sua mensagem: ‘Depois de mim vem alguém mais poderoso do que
eu, tanto que não sou digno nem de curvar-me e desamarrar as correias das suas
sandálias”. O Anunciado será mais poderoso, alguém de quem João Batista, “o
maior dos nascidos de mulher”, conforme Jesus, nem será digno de prestar o serviço
reservado aos escravos: “Curvar-se e desamarrar sandálias dos pés de seus
senhores”. Marcos é o único que menciona “curvar-se”. Curvar-se é necessário para
quem quer encarar a Jesus, o Filho de Deus. Você coloca João Batista no mesmo
nível de Jesus? Preste atenção na reverência que o Batista presta ao que “virá
depois dele”. Há uma diferença qualitativa entre o infinito e o finito, o Eterno e o
temporal, entre a Luz do sol e a luz refletida da lua. Como você tem encarado
Jesus? Você tem consciência de quem é Este anunciado, Jesus, Filho de Deus?
(8) “Eu os batizo com água, mas ele batizará com o Espírito Santo.” O Batista
somente podia clamar ao arrependimento. O problema consiste em que batismo
com água não transforma ninguém. É mera demonstração de um coração que
“quer”, que está disposto a “curvar-se”, mas consciente de que sozinho não será
capaz. Batizar com o Espírito Santo, tocar o que é humano e carnal com o que é
espiritual, receber o selo de propriedade de Deus, isso nem religião, nem batismo nas
águas, nem sermão clamando ao arrependimento, nem vigília, nem bênção da
Igreja conseguem realizar: Somente ELE, o anunciado por João Batista, tem este
poder e esta missão. Nestes dois mil anos que passaram, Jesus não se aposentou,
não ficou menor, não delegou seu poder nem sua autoridade. Por isso, também
você para ter vida precisa urgentemente reconhecer a autoridade que Jesus tem,
prestando atenção nas palavras do Batista e depois, curvando-se, ter um encontro
com ELE.
O Evangelho de Marcos – cap.1.9-13 (NVI)
(9) Naquela ocasião, Jesus veio de Nazaré da Galiléia e foi batizado por João no rio Jordão. (10)
Assim que saiu da água, Jesus viu os céus se abrindo e o Espírito descendo como pomba sobre ele.
(11) Então veio dos céus uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado;; em ti me agrado’. (12) Logo após, o
Espírito O impeliu para o deserto. (13) Ali esteve quarenta dias, sendo tentado por Satanás. Estava
com os animais selvagens, e os anjos o serviam.
(9) “Naquela ocasião, Jesus veio de Nazaré da Galiléia e foi batizado por João no
rio Jordão.” – Jesus, ouvindo falar sobre o ministério de João, saiu com idade de
aproximadamente 30 anos da Galiléia, que fica ao norte, e vai ao encontro do
Batista, referendando a missão deste. O foco de Marcos agora volta-se para Jesus.
Com poucas palavras, o Evangelista notifica o fato do batismo de Jesus, da forma
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com que lhe foi apresentada nos relatos de Pedro. Nenhum escrúpulo teológico –
“por que Jesus teve que ser batizado, sendo Filho de Deus - e outros semelhantes
questionamentos” preocupam o Evangelista. Jesus se identifica com o pecador que
necessita de perdão; isto é o que importa saber.
(10) “Assim que saiu da água, Jesus viu os céus se abrindo e o Espírito descendo
como pomba sobre ele. (11) Então veio dos céus uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado;;
em ti me agrado’.” Em poucas palavras o Evangelista relata o momento em que o
Pai nomeia Jesus mediador divino e humano:
quando Jesus recebe do Pai a
vocação e a confirmação para o que, no seu íntimo, já havia tomado forma e que
com ninguém havia compartilhado: Sua missão.
Marcos não deixa explícito se o que relata foi visto e ouvido somente por Jesus
– o que parece ser o caso – ou se outros, como o Batista, também foram
testemunhas. O que importa é que Jesus viu, ouviu e entendeu. O Pai lhe tinha
dado seu selo. “Tu és o meu Filho amado”;; com estes termos Jesus relatou mais
tarde o momento do seu batismo a Pedro e este o passou a Marcos. A pesada
certeza da vocação Divina caiu sobre o Nazareno. “Eu sou” porque Deus disse: “Tu
és”. Daqui em diante, nada mais seria como antes. Os laços de família serão outros.
O Pai o reconheceu e o chamou. O Espírito de Deus o tornou dependente do Pai e
UM só com Ele. Daqui vem o termo “Filho de Deus”, o termo mais apropriado,
expressando igualdade em dependência. Hoje, este “Tu és” confortador não é
somente para O Filho, mas para cada filho de Deus.
(12) “Logo após, o Espírito O impeliu para o deserto. (13) Ali esteve quarenta dias,
sendo tentado por Satanás. Estava com os animais selvagens, e os anjos o serviam.”
Não podia ser diferente. O peso do “Tu és” o fez fugir das pessoas e procurar a
solidão, em luta consigo mesmo e com aquele que entendeu que seu reinado seria
contestado e anulado: Satanás. Repentinamente após a aprovação do Pai, Jesus
está sendo empurrado para a escuridão, para as ciladas do diabo. Você notou que
o verbo no verso 12 está no presente (no original está no “indicativo presente
ativo”)? Em todos os séculos da Igreja cristã o verbo está no presente;; para todos os
filhos de Deus esta tentação está no presente: A proposta do inimigo de Deus,
oferecendo caminhos mais fáceis, atalhos que prometem tornar a obediência
menos custosa.
Quarenta dias são simbólicos, sinônimo de “espera”. Quarenta dias e noites
choveu por ocasião do dilúvio; quarenta anos o povo de Israel vagou no deserto;
quarenta dias Moisés ficou no monte quando recebeu a lei, e durante quarenta dias
os discípulos, mais tarde, esperariam pela descida do Espírito Santo. “Quarenta dias”
quer dizer: Até o tempo determinado por Deus, quando o homem por si só desistir.
Jesus está sendo tentado por Satanás com propostas que aparentemente
facilitariam a missão do Filho (confira em Lucas 4). “Se Tu és...” eu te ajudo! “Se Tu
és”, então as riquezas deste mundo serão tuas! “Se Tu és , use sua força espiritual
para iludir” ! “Se Tu és”, atenda à voz do povo que clama por pão e assim o terás
nas suas mãos! (Leia em Dostoiewski;; “Os irmãos Karamazov, O grande Inquisidor”, se
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você quer entender melhor este momento crucial da vida de Jesus, onde ele
dispensa meios humanos provindos do inimigo de Deus, para facilitar seu ministério).
Até hoje, o mundo oferece muitos atalhos, principalmente aos assim
chamados “ministros de Deus”;; caminhos mais fáceis para poder realizar seu
trabalho “para Deus”. E ele usa a mesma argumentação: “Se tu és, então fazes ...”
Na frase “estava com os animais selvagens, mas os anjos o serviam”, podemos
perceber a intensidade deste questionamento, por parte de Satanás, do chamado
Divino e que se dava em um cenário de abandono e perigo. Diferentemente de
Adão, Jesus sai do deserto após ter rejeitado as propostas do inimigo. Ao contrário
de Adão, Ele escolheu a obediência na dependência Àquele que O tinha
comissionado.
O nosso desafio hoje é o mesmo, embora não na mesma
intensidade. Temos que escolher entre pragmatismo religioso e dependência e
obediência ao Pai.
O Evangelho de Marcos – cap.1.14- 20 (NVI)
(14) Depois que João foi preso, Jesus foi para Galiléia, proclamando as boas novas de Deus, (15) “O
tempo está chegado”, dizia Ele. “O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas
novas“. (16) Andando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e seu irmão André lançando redes
ao mar, pois eram pescadores. (17) E disse Jesus: “Sigam-me, e eu vos farei pescadores de homens”.
(18) No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram. (19) Indo um pouco mais adiante,
viu num barco Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, preparando as suas redes. (20) Logo os
chamou e eles o seguiram, deixando seu pai, Zebedeu, com os empregados no barco.
(14) Depois que João foi preso, Jesus foi para Galiléia, proclamando as boas novas
de Deus, (15) “O tempo está chegado”, dizia Ele. “O Reino de Deus está próximo.
Arrependam-se e creiam nas boas novas“. - Passou-se um ano desde o batismo de
Jesus. Marcos não considera esta lacuna, da qual temos relato no Evangelho de
João, pois não lhe foi transmitida por Pedro. Quando Jesus vai da Judéia ao norte, é
que o próprio Pedro, ainda de nome Simão, entra na história. Nesse momento
Marcos reinicia a narração.
O Batista foi encarcerado por Herodes (confira no cap.6.14-29) e Jesus, com
seus seguidores, dando continuidade ao ministério de João, batiza mais pessoas do
que o próprio João. Isso o tornou suspeito aos olhos do clero (Ev.João 4.1-3). Para
evitar um confronto antes do tempo, Jesus retorna à região de onde ele veio, à
Galiléia. Leva a mesma mensagem do Batista, porém com maior ênfase: O tempo,
o Kairós (“tempo” não no sentido de horas, anos, mas de época, oportunidade), é
chegado. O reino de Deus, a manifestação de Sua Soberania está para ser
revelado. (confira Isaías 9.1,2 e Gálatas 4.4).
Agora não é somente “arrependei-vos”!; a conotação não é somente
negativa. O termo aqui usado tanto significa olhar para trás como para frente. Ser
convertido significa “passar por uma mudança radical de vida;; experimentar uma
completa reviravolta”. O lado positivo da conversão é enfatizado no “creiam nas
boas novas do Evangelho”. Esse “crer” implica em conhecimento, concordância e
confiança. Uma pessoa aceita uma mensagem quando esta age sobre ela.
Somente “concordar” não pode ser considerado “ter fé”. Jesus convida a mudar de
11
vida no sentido mais absoluto! Se você quer entender melhor o alcance do
“Evangelho” repare em Mateus 19.25,26: O impossível para os homens é o possível
para Deus.
(16) Andando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e seu irmão André
lançando redes ao mar, pois eram pescadores. (17) E disse Jesus: “Sigam-me, e eu
vos farei pescadores de homens”. (18) No mesmo instante eles deixaram as suas
redes e o seguiram. Desde os tempos dos grandes filósofos gregos, até ao tempo de
Jesus, grandes Rabis têm em volta de si um grupo de seguidores, ou discípulos. Estes
deveriam levar adiante os ensinamentos a eles confiados. Assim, Jesus também
chama determinadas pessoas para serem suas testemunhas. Este não foi o primeiro
encontro de Simão (Pedro) e André com Jesus. Um ano antes desse convite de
Jesus, André levou, correndo, Simão a Jesus, com a espantosa notícia: “achamos o
Messias!; vem e vê!” (Ev.João 1.4-42). Foi naquela oportunidade, que Jesus encarou
Pedro e lhe disse: “Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas, isto é, Pedro”.
Agora, reencontrando os dois na sua terra nativa, Jesus os convida para seguilo. Marcos conta que atenderam “imediatamente” ao chamado. Simão Pedro e
André estavam dispostos a tomarem esta decisão pois receberam de Jesus uma
promessa: “Farei de vocês pescadores de homens”.
(19) Indo um pouco mais adiante, viu num barco Tiago, filho de Zebedeu, e João,
seu irmão, preparando as suas redes. (20) Logo os chamou e eles O seguiram,
deixando seu pai, Zebedeu, com os empregados no barco. A atitude destes dois, ao
deixarem para trás seu pai (Marcos esclarece que “com os empregados”) pode ser
melhor compreendida, considerando-se que também este encontro foi preparado
há um ano atrás. Parece que naquela época, o jovem João, filho de Zebedeu, por
algum tempo seguiu João Batista e foi ali que este, quando o Batista viu Jesus passar,
O apontou aos que o seguiam, dizendo: “Eis o cordeiro de Deus” (João 1.35). Em
seguida “os dois discípulos” queriam saber de Jesus - “onde assistes?”, isto é, “onde
você está radicado?” e “ficaram com ele aquele dia, sendo mais ou menos a hora
décima” (João 1.39).
Um ano mais tarde, após Tiago e João terem retornado à profissão do pai,
aquele Jesus aparece e os chama para segui-lo. Foi requerido um alto grau de
coragem para se tornarem seguidores de Jesus e enfrentarem a oposição de muitos
e o escárnio dos mais próximos. Os futuros apóstolos não eram santos; eram homens
do povo com todas as suas superstições, revelando constantemente sua
imperfeição, tais como: Falta de entendimento (4.10,13); falta de humildade
(9.33,34); falta de espírito perdoador (10.41); falta de coragem (14.50) e outras mais.
Grandes transformações estavam para acontecer sob a liderança do mestre.
Ninguém mais que o próprio Pedro, fonte do relato de Marcos, será testemunha
delas.
A decisão deles de se unirem a Jesus vem da força de Sua influência sobre
corações humanos, de tal maneira que, quando os chama, eles imediatamente O
seguem. Não nos tornamos discípulos do Senhor por nossa própria decisão, mera
iniciativa nossa. É Ele que chama.
12
Foi Ele quem lhe falou, tempos atrás. Você se lembra? Àquela hora, você
ainda não estava pronto. Será que hoje, você atende ao seu chamado para seguilo?
O Evangelho de Marcos – cap.1.21 (NVI)
(21) “Eles foram para Cafarnaum...”
Antes de continuarmos o nosso estudo, é importante olharmos ao redor.
Entendemos as Escrituras melhor se olharmos determinados acontecimentos no seu
contexto mais amplo. No nosso caso, vimos que Jesus voltou do sul ao norte, após
ter ficado lá por aproximadamente um ano. Foi no sul que Ele foi batizado. Ao
retornar, Ele conclama quatro homens a abandonarem seus ofícios e a segui-lo. E é
então que Jesus, com seu grupo de cinco pessoas, entra na cidade de Cafarnaum.
Esta pequena cidade à beira noroeste do “mar da Galiléia” parece ter sido o
lugar onde Jesus teve sua “sede”. Os Evangelistas a chamam “sua própria cidade”
(Mat. 9.1 e 4.13). Aqui encontramos a casa da família de Pedro e de André - os dos
dois discípulos que Jesus chamou primeiramente. Nas escavações científicas dos
últimos dez anos, no local em questão, acredita-se ter localizado os restos da casa
de Pedro, junto ao mar. As ruínas da sinagoga, datadas do século dois, identificam
o lugar da sinagoga na qual Jesus pregou.
Sinagogas são, até hoje, locais de ensino e oração para o judeu, impedido de
ir ao templo em Jerusalém. Nelas, se guarda respeitosamente a “Torá”, livro da Santa
Lei de Deus, em um armário cuidadosamente ornamentado. Na sinagoga de
Cafarnaum, dando continuidade ao nosso estudo, Jesus libertaria o homem
possesso. Nela também curaria mais tarde, num sábado, o homem com a mão
atrofiada (Lucas 6.6-11), dando assim origem à polêmica questão de se poder curar
ou não doentes em dia de sábado. Ainda neste local Jesus falaria do “pão da vida”,
que desceu do céu (João 6,59).
Foi no pequeno porto da cidade de Cafarnaum que Jesus, empurrado pela
multidão, teve que retirar-se num barco e dali falar-lhes das coisas de Deus
(Mat.13.1,2). Foi em Cafarnaum, novamente preso pela multidão dentro de uma
casa, onde quatro amigos desceram um homem paralítico pelo teto, trazendo-o,
deste modo, à presença de Jesus (Marcos 2.3).
Em Cafarnaum, o filho de um oficial do rei, gravemente doente, ficou são com
uma só palavra de Jesus, estando este longe dali (João 4.46-54). A pequena vila
possuía uma “coletoria de impostos”, cujo funcionário, de nome Mateus, se tornaria
outro discípulo de Jesus (Marcos 2.14ss). Foi nesta ocasião, que o odiado fiscal
convidou Jesus com seus seguidores a um banquete na sua casa (Marcos 2.14-17).
Uma guarnição de cem soldados romanos, sob comando de um centurião
romano, tinha seu quartel nesta cidade. O filho de um centurião ficou curado com
uma palavra de conforto de Jesus, dirigida ao pai angustiado (Mat 8.5-13).
Cafarnaum, refúgio para Jesus, no entanto, apesar de testemunhar tantas
evidências da presença de Deus no seu meio, não O reconheceu como Messias;
13
não mudou, não se converteu. No fim de seu ministério, Jesus teria que avisar a
cidade sobre o julgamento futuro (Mat.11.23-24), o que de fato aconteceu quando
a vila foi totalmente destruída na Idade Média. Somente no século passado,
escavações perto da atual cidade, Ginnosar, trouxeram à luz restos de casas e
ruínas da sinagoga, hoje em dia visitadas por milhares de turistas estrangeiros
interessados na história bíblica.
Nesta cidade Jesus agora entrará.
O Evangelho de Marcos – cap.1.21-28 (NVI)
(21) Eles foram para Cafarnaum e, logo que chegou o sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou
a ensinar. (22) Todos ficaram maravilhados com o seu ensino, porque lhes ensinava como alguém
que tem autoridade e não como os mestres da lei. (23) Justo naquele momento, na sinagoga, um
homem possesso de um espírito imundo gritou: (24)“O que queres conosco, Jesus de Nazaré? Vieste
para nos destruir? Sei quem tu és: O Santo de Deus!” (25) “Cale-se e saia dele!” repreendeu-o Jesus.
(26) O espírito imundo sacudiu o homem violentamente e saiu dele gritando. (27) Todos ficaram tão
admirados que perguntavam uns aos outros: “Que é isto? Um novo ensino - e com autoridade! Até
aos espíritos imundos ele dá ordens, e eles lhe obedecem!” (28) As notícias a seu respeito se
espalharam rapidamente por toda a região da Galiléia.
(21) Eles foram para Cafarnaum e, logo que chegou o sábado, Jesus entrou na
sinagoga e começou a ensinar. (22) Todos ficaram maravilhados com o seu ensino,
porque lhes ensinava como alguém que tem autoridade e não como os mestres da
lei.
Como judeu piedoso, Jesus “logo que chegou o sábado”, entrou na sinagoga.
Como de costume, depois que a parte prescrita da lei, em hebraico, lida pelo
sacerdote responsável e traduzida para o idioma das pessoas que lá se
encontravam (o aramaico, idioma de Jesus e seus contemporâneos), os visitantes
foram convidados a ler uma parte do texto profético. Tratando-se de pessoas
conhecidas, estas recebem autorização para explicar o texto lido, aplicando-o às
necessidades de seus ouvintes. Recebendo esta liberdade, entendemos que Jesus, a
esta altura, já era conhecido na cidade. Como de costume, Jesus, antes de pegar o
rolo da “Santa Lei de Deus” nas mãos, cobriu sua cabeça como sinal de respeito e
leu-o. Depois explicou aquilo que acabara de ler. Quando Jesus discursava, conta
Marcos, “todos ficaram maravilhados”. Os ouvintes, acostumados aos sermões
cansativos e às trivialidades dos sacerdotes, ficaram literalmente “fora de si”.
Sabemos que Jesus, nos seus sermões, costumava falar a verdade sem
subterfúgios e fazendo uso constante de ilustrações, tratando de assuntos de vital
interesse do povo. No entanto, o que impressionou os presentes foi “a autoridade”
com que Jesus ensinava. Todos nós notamos quando alguém nos fala com
autoridade. Não se trata de “ter muitos conhecimentos”, que é algo que qualquer
pessoa pode adquirir. A autoridade de Jesus, vinda do Pai, imediatamente O
destacou dos mestres religiosos. “De onde este carpinteiro de Nazaré recebe sua
sabedoria e de onde vem esta autoridade?”, esta pergunta pairava no ar, quando
(23) Justo naquele momento, na sinagoga, um homem possesso de um espírito
imundo gritou: (24) “O que queres conosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos
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destruir? Sei quem tu és: O Santo de Deus!” Ao contrário de seus ouvintes
espantados, este espírito sabia de onde vinha sua autoridade.
É contrário aos fatos dizer que a possessão demoníaca é simplesmente um
outro nome para insanidade mental. Possessão demoníaca descreve uma condição
na qual um ser, distinto e maligno (conforme Marcos: um espírito imundo), estranho à
pessoa possessa, assume o controle sobre ela. Tampouco pode ser confundida com
casos onde, nitidamente, há indícios de epilepsia (Marcos 9.14).
Nos dias atuais, a superstição religiosa acerca deste assunto, promovida até
por certas igrejas, está sendo explorada. No entanto, importa-nos fazer a distinção
entre “influência” e “possessão demoníaca”. Na Igreja Católica Romana, antes que
um sacerdote receba a permissão para fazer um exorcismo, ele tem de fazer uma
análise completa do caso, para garantir que está tratando com um caso real de
possessão demoníaca e, mesmo assim, deve receber uma autorização especial, da
parte do bispo, para executar o exorcismo (W.Hendiksen. Marcos, Ed.Cultura Cristã).
Muitos casos de “possessão” hoje nada mais são do que histeria.
Segundo uma autoridade em Psiquiatria, de Brasília, não se pode negar que
ainda nos dias atuais exista, sim, em determinados casos, uma nítida “influência
maligna” sem que haja explicação médica satisfatória. Após muitos anos de
trabalho na profissão, esse profissional acredita porém, que casos reais de
“possessão demoníaca”, onde uma entidade maligna assume o controle da pessoa,
são muito raros; não podem ser confundidos com o transe de um médium, embora
ali também haja manifestação de terceiros. As Igrejas Reformadas têm o seguinte
posicionamento a respeito: “Enquanto, ainda hoje, testemunhamos casos de nítida
influência maligna, os reais casos de “possessão demoníaca” são um fenômeno
limitado, quase que exclusivamente referente ao período de manifestação Divina
especial durante o qual a Igreja do Novo Testamento nasceu”.
(25) “Cale-se e saia dele!”, repreendeu-o Jesus. (26) O espírito imundo sacudiu o
homem violentamente e saiu dele gritando. Comparando com o que vemos hoje
em dia, o que chama a nossa atenção é a autoridade de Jesus. Uma ordem clara e
o demônio sai, usando uma última vez as cordas vocais do homem para gritar. Ao
contrário do acontecimento em Mat.17.15, onde há conotação epiléptica, aqui o
corpo é sacudido violentamente, mas sem lhe fazer mal (como Lucas, o médico,
relata em Luc.4.35). Não vemos Jesus aceitando informações do maligno. Ele
ordena, silencia e é obedecido imediatamente. Jesus não admite reconhecimento
público da boca do maligno (mas sobre este assunto falaremos nos próximos
estudos).
(27) Todos ficaram tão admirados que perguntavam uns aos outros: “Que é isto? Um
novo ensino - e com autoridade! Até aos espíritos imundos ele dá ordens, e eles lhe
obedecem!”
Tanto quanto a autoridade com que Jesus ensinava, quanto seu
poder frente ao maligno, nunca se viu igual em Cafarnaum. Quem era esse Jesus?
(28) As notícias a seu respeito se espalharam rapidamente por toda a região da
Galiléia.
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O Evangelho de Marcos – cap.1.29-39 (NVI)
(29) Logo que saíram da sinagoga, foram com Tiago e João à casa de Simão e André. (30)A sogra de
Simão estava de cama, com febre, e falaram a respeito dela a Jesus. (31) Então ele se aproximou
dela, tomou-a pela mão e ajudou-a a levantar-se. A febre a deixou, e ela começou a servi-los. (32)
Ao anoitecer, depois do pôr do sol, o povo levou a Jesus todos os doentes e os endemoninhados. (33)
Todos se reuniram à porta da casa, (34) e Jesus curou muitos que sofriam de várias doenças. Também
expulsou muitos demônios; não permitia, porém, que estes falassem, porque sabiam quem ele era.
(35) De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar
deserto, onde ficou orando. (36) Simão e seus companheiros foram procurá-lo (37) e, ao encontrá-lo,
disseram: “Todos estão te procurando!” (38) Jesus respondeu: “Vamos para outro lugar, para os
povoados vizinhos, para que também lá eu pregue. Foi para isso que eu vim”. (39) Então Ele percorreu
toda a Galiléia, pregando nas sinagogas e expulsando os demônios.
(29) Logo que saíram da sinagoga, foram com Tiago e João à casa de Simão e
André. “foram”, quer dizer, “eles”;; quem? Possivelmente Jesus, levando consigo
Tiago e João. Pedro era casado. Na casa dele morava também sua sogra. André
morava junto com eles.
(30) A sogra de Simão estava de cama, com febre, e falaram a respeito dela a
Jesus. No caminho para casa, Jesus foi informado do ataque de febre alta
(Luc.4.38). Chegando em casa, (31) Então ele se aproximou dela, tomou-a pela mão
e ajudou-a a levantar-se. Interessante notar que Pedro observou e contou ao seu
intérprete, Marcos, que “Jesus se aproximou dela”. Jesus tomou a iniciativa de
procurá-la no seu leito. Mais tarde, doutor Lucas, no seu relato “cuidadosamente
elaborado, baseado em notícias de testemunhas”, acrescenta: “e inclinando-se
sobre ela” (Lucas 4.39), como um médico costuma fazer. Identificando-se com a
mulher, Jesus a toma pela mão e ajuda-a a levantar-se. Parece que a simples
presença dEle mudou o quadro. Nenhuma ordem a supostos “demônios de
doença” foi dada. Na presença do Doador da vida, a doença, mensageira da
finidade da vida, recua.
A febre a deixou, e ela começou a servi-los. Vemos como na presença de
Jesus “a febre a deixou” natural e imediatamente. Ela, ao invés de se reservar um
período de convalescença, imediatamente põe mãos à obra e, junto com a dona
da casa, começa a servir aos presentes, que são pelo menos sete adultos. A notícia
da repentina melhora da mulher, junto com os boatos acerca do que ocorreu na
sinagoga pouco antes, se espalharam rapidamente pela cidade. (32) Ao anoitecer,
depois do pôr do sol, o povo levou a Jesus todos os doentes e os endemoninhados .
(33) Todos se reuniram à porta da casa, “depois do pôr do sol”. Como Marcos
cuidadosamente especifica, o “ao anoitecer” é importante, pois ao pôr do sol, o
sábado termina. Durante o dia de sábado, ninguém podia fazer obra alguma,
tampouco carregar doentes. Com a casa lotada, o povo se ajuntava na porta, do
lado de fora mesmo.
Aqui começa o que não deixou mais de ser uma das preocupações do
Senhor durante a primeira parte de Seu ministério: o povo, sempre à procura de
“alguma coisa”, persegue-O. (34) E Jesus curou muitos que sofriam de várias
doenças. Também expulsou muitos demônios; não permitia, porém, que estes
falassem, porque sabiam quem ele era.
16
Depois de um dia longo e cansativo, Jesus ainda se compadeceu de muitos.
Por que será que Jesus fez questão de não permitir aos demônios que falassem? Por
que estes declaram quem Jesus é? Não seria favorável a Jesus ter o
reconhecimento da parte dos demônios, a fim de servir isso de testemunho ao povo,
para que este tomasse conhecimento de quem Jesus era? Na presença de “Deus
encarnado”, o demônio é obrigado a confessar e reconhecer o poder maior. Uma
explicação possível é a seguinte: A propagação da identidade do Salvador
prejudicaria a missão dEle, pois o povo esperava no Messias um libertador político,
mas Jesus veio com outra missão. A conscientização deste abismo entre a vocação
do Pai e aquilo que interessava ao povo, fez Jesus sentir todo o peso da sua missão.
Assim, (35) de madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se,
saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando. Em todas as orações de
Jesus e das quais temos notícia, Ele clama: “Pai, ...” e em seguida derrama seu
coração na presença do Pai (João 11.41,42/ Mat. 11.25/Mat. 26.39,42/ Luc. 23.34,46
e outras). Ele dependia somente do Pai, seu sustento veio do Pai somente; assim
como o consolo também. Vez ou outra, encontraremos Jesus fugindo da multidão,
indo sozinho a um lugar deserto, à procura da presença, do consolo e da
orientação do Pai (Mat.14.13/14.23/17.8; Luc.5.16/6.12/9.28; João 6.15 e outras).
(36) Simão e seus companheiros foram procurá-lo (37) e, ao encontrá-lo,
disseram: “Todos estão te procurando!” Ao acordarem, não o encontrando, os
quatro discípulos, assustados o procuraram. O verbo no original, significa “caçar,
descobrir, procurar com grande esforço”, talvez já estivessem desesperados porque
o mestre sumiu. Para os discípulos, o fato de “todos estão procurando a Jesus”, era
anúncio de uma possível carreira, de fama que os esperaria da companhia do
mestre. No entanto, (38) Jesus respondeu: “Vamos para outro lugar, para os
povoados vizinhos, para que também lá eu pregue. Foi para isso que eu vim”. (39)
Então Ele percorreu toda a Galiléia, pregando nas sinagogas e expulsando os
demônios.
“Vamos!” quer dizer: Venham comigo! Não vamos ficar aqui, onde já me
procuram com outros propósitos, ainda que justos e bons, mas não é para isso que
eu vim. Vim para anunciar as boas Novas do Evangelho! As demais cidades também
terão de ouvir o que Deus lhes quer falar!
A facilidade que as sinagogas ofereciam para qualquer judeu considerado
habilitado, em trazer uma mensagem, permitia a Jesus levar a Boa Nova pela
Galiléia (uma região que corresponde aproximadamente à Grande São Paulo).
Permite-me uma pergunta: “Você está interessado em Deus? Por que razão?
Você está interessado em receber algo dEle?”
Antes de tudo, Deus quer falar com você! No decorrer deste estudo, talvez
você, e eu também, poderemos ouvi-lo e entender melhor a Boa Nova que Ele nos
trouxe.
17
O Evangelho de Marcos – cap.1.40-45 (NVI)
(40) Um leproso aproximou-se dele e suplicou-lhe de joelhos: “Se quiseres, podes purificar-me!”
(41)Cheio de compaixão, Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Quero. Seja purificado!” (42)
Imediatamente a lepra o deixou, e ele foi purificado. (43) Em seguida Jesus o despediu, com uma
severa advertência: (44) “Olhe, não conte isso a ninguém. Mas vá mostrar-se ao sacerdote e ofereça
pela sua purificação os sacrifícios que Moisés ordenou, para que sirva de testemunho”. (45) Ele,
porém, saiu e começou a tornar público o fato, espalhando a notícia. Por isso Jesus não podia mais
entrar publicamente em nenhuma cidade, mas ficava fora, em lugares solitários. Todavia, assim
mesmo vinha a ele gente de todas as partes.
(40) Um leproso aproximou-se dele e suplicou-lhe de joelhos: “Se quiseres, podes
purificar-me!”
A lei de Moisés, em Levítico 13.45,46, ordena ao leproso o seguinte: “Quem
ficar leproso, apresentando quaisquer (desses) sintomas, usará roupas rasgadas,
andará descabelado, cobrirá a parte inferior do rosto e gritará: ‘Impuro, impuro!’.
Enquanto tiver a doença, estará impuro. Viverá separado, fora do acampamento”.
Lucas, em outra ocasião, nos conta sobre dez leprosos que clamaram por Jesus “a
certa distância, de longe” (Lucas 17.12).
Quebrando a lei que o obriga a manter-se à distância, este homem,
desesperado e reconhecendo na oportunidade a sua chance de ser curado (pois a
fama de Jesus já corria), aproximou-se e se ajoelhou. Parecia seguro do poder
curador de Jesus. “Se quiseres”(no entanto, ele não estava certo sobre essa
disposição do mestre em cura´-lo, mas submeteu-se à aprovação do Mestre). Os
estudiosos não estão de acordo, se o termo “lepra” usado na Bíblia, principalmente
no Antigo Testamento, como doença de pele e presente desde os quarenta anos
do povo no deserto, realmente coincide com o que hoje conhecemos como
“hanseníase”, pois os sintomas descritos não condizem. Possivelmente se trata de
“leucodermia”, um tipo de doença que deixa o paciente com a pele branca,
popularmente conhecida como “vitiligo”. Mas isso não importa. O homem quebrou
uma lei que o condenou, não só física, mas moralmente também.
(41) Cheio de compaixão, Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Quero.
Seja purificado!” (42) Imediatamente a lepra o deixou, e ele foi purificado. O livro de
Números, cap.5.2, proíbe a uma pessoa sã tocar em “coisa” impura, como é o caso
numa pessoa com doença de pele. Jesus, “cheio de compaixão”(o termo usado
aqui literalmente significa “tocado em suas entranhas”), estabelece contato físico. É
o toque que cura, não é a “ciência de que...”. Quem for tocado por Deus, nunca
mais será o mesmo. O milagre aconteceu imediatamente: a pele visivelmente ficou
boa. Imagine o espanto do homem e o dos que se tinham ajuntado em volta!
A todos que Jesus curava, costumava dar uma orientação, pois, num
momento assim, toda a estrutura de vida do curado se altera. Neste caso, o que
Jesus queria era a reintegração do homem na sociedade. (43) Em seguida Jesus o
despediu, com uma severa advertência: (44) “Olhe, não conte isso a ninguém. Mas
vá mostrar-se ao sacerdote e ofereça pela sua purificação os sacrifícios que Moisés
ordenou, para que sirva de testemunho”. A lei de Moisés determina o que o leproso
18
curado deve fazer(Levítico 14.1-7): o curado deve levar a oferta requerida (duas
aves limpas, em geral pombas), ao templo em Jerusalém onde se apresentaria ao
sacerdote, sendo examinado por este. Uma vez reconhecida a cura, uma das aves
será sacrificada e a outra imersa no sangue da que serviu de oferenda. Logo em
seguida, a ave, ainda com sangue, seria liberta em campo aberto. O sangue da
primeira também seria aspergido, sete vezes, sobre o curado; então ele seria
declarado curado.
Então nos perguntamos: “por que esta cerimônia?” Lembremos de que não
havia médicos. Cabia aos sacerdotes tanto o examinar como determinar o que
fazer. Em casos de doenças contagiosas, como o da lepra, restava a quarentena, já
determinada na Lei de Moisés e cumprida rigorosamente. O sacerdote que ordenou
o isolamento do homem, o declararia novamente aceito na comunidade. O
sacrifício o testificaria perante Deus. Jesus queria que a cura servisse de testemunho
do poder de Deus perante a autoridade eclesiástica.
Se reconhecíamos no homem doente uma atitude nobre ao se apresentar,
veremos agora sua reação egoísta, uma vez curado.
(45) Ele, porém, saiu e começou a tornar público o fato, espalhando a notícia. Por
isso Jesus não podia mais entrar publicamente em nenhuma cidade, mas ficava
fora, em lugares solitários. Todavia, assim mesmo vinha a ele gente de todas as
partes. Ao invés de priorizar sua reintegração na sociedade, tão entusiasmado o
homem ficou que andou espalhando a notícia do milagre.
Não é também assim hoje em dia? Quando Deus opera um milagre,
imediatamente este é comercializado, principalmente pela religião e usado para
auto-promoção da mesma. Vimos como esta atitude de desobediência dificultou o
ministério de Jesus. Não mais lhe foi possível andar de cidade em cidade; Ele teve
que fugir “da mídia” para não ser perseguido pelas multidões em procura de ajuda.
Com pouco resultado, no entanto, como Marcos relata.
O Evangelho de Marcos – cap.2.1-12 (NVI)
(1)Poucos dias depois, tendo Jesus entrado novamente em Cafarnaum, o povo ouviu que ele estava
em casa. (2) Então muita gente se reuniu ali, de forma que não havia lugar nem junto à porta; e ele
lhes pregava a palavra.
(3) Vieram alguns homens, trazendo-lhe um paralítico, carregado por quatro deles. (4) Não podendo
levá-lo até Jesus, por causa da multidão, removeram parte da cobertura do lugar onde Jesus estava
e, pela abertura no teto, baixaram a maca em que estava deitado o paralítico. (5) Vendo a fé que
eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Filho, os teus pecados estão perdoados”. (6) Estavam sentados
ali alguns mestres da lei, raciocinando em seu íntimo: (7)“Por que este homem fala assim? Ele está
blasfemando! Quem pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” (8) Jesus percebeu logo em
seu espírito que era isso que eles estavam pensando e lhes disse: “Por que vocês estão remoendo
essas coisas em seu coração?” (9) “Que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão
perdoados’, ou: ‘Levante-se, pegue a sua maca e ande?’ (10) Mas, para que vocês saibam que o
Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados” – disse ao paralítico – (11) “eu lhe
digo: ‘Levante-se, pegue a sua maca e vá para casa!’ ”. (12) Ele se levantou, pegou a maca e saiu à
vista de todos, que, atônitos, glorificaram a Deus, dizendo: “Nunca vimos nada igual!”
19
(1) Poucos dias depois, tendo Jesus entrado novamente em Cafarnaum, o povo
ouviu que ele estava em casa. (2) Então muita gente se reuniu ali, de forma que não
havia lugar nem junto à porta; e ele lhes pregava a palavra. Logo que Jesus voltou e
se hospedou na “sua casa” (possivelmente na casa de Pedro), a multidão voltou a
se aglomerar de forma que “nem junto à porta havia mais lugar”, enquanto Jesus,
no interior da casa, estava anunciando as Boas Novas do Evangelho (compare
Lucas 4.17-22).
Você não acha importante, ao invés de discursar e muitas vezes discordar a
respeito de algumas doutrinas de Igreja, procurar com mais cuidado saber em que
basicamente consiste essa “Boa Nova” de Deus? Não falamos da tradição religiosa,
portanto humana, mas da Boa Nova de Deus. Descubra o que acontece no relato
de Marcos a respeito.
(3) Vieram alguns homens, trazendo-lhe um paralítico, carregado por quatro
deles. (4) Não podendo levá-lo até Jesus, por causa da multidão, removeram parte
da cobertura do lugar onde Jesus estava e, pela abertura no teto, baixaram a maca
em que estava deitado o paralítico. Você usa trem ou metrô? Imagine alguém
querendo passar com um doente em cima de uma maca pela multidão
aglomerada! Os nossos quatro amigos, após considerarem a impossibilidade de
poder chegar à presença de Jesus, revelaram-se extremamente criativos. Na época,
as casas em Cafernaum tinham cobertura plana: vigas de um lado para o outro,
madeiras transversais, entrelaçadas com caibros, no topo dos quais se colocava
uma fina camada de barro, misturada com palha tratada. Após verificarem o lugar
onde Jesus mais provavelmente estivesse, os quatro amigos subiram (como?) com o
homem aleijado em cima da casa, onde começaram a remover a cobertura. Você
consegue imaginar a situação? Jesus discursando no interior e alguém abrindo o
teto, acompanhado naturalmente pelo devido ruído, raios de luz entrando e poeira
caindo. Abaixando a maca com o paralítico presa por quatro cordas à presença
de Jesus, estes amigos completaram a surpresa. Imagine a coragem e a habilidade
dos quatro e a sua confiança no sucesso da empreitada e, em particular, a sua fé
em Jesus, digna de menção. Agora repare no homem na maca, seu olhar, sua
condição miserável. Provavelmente incapaz de falar, exposto aos olhares de todos.
Ninguém disse uma só palavra, nem o paralítico, nem seus amigos, que estavam no
teto.
(5) Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Filho, os teus pecados
estão perdoados”. Por que será que Jesus menciona pecados? A questão não era
doença e cura? Vencido pela confiança deles, olhando o homem encurvado na
maca, chamou-o de “Filho” e declarou seus pecados perdoados.
O que os pecados desse homem têm a ver com o seu problema? Jesus
combateu, em várias ocasiões, a crença profundamente arraigada na cultura
judaica (leia Lucas 13.1-5) de que doença seria sinal de pecado (compare livro de
Jó 22.5-10 e Evangelho de João 9.2). Provavelmente, esse homem paralítico estava
demasiado preocupado com o seu estado. As pessoas não lhe diziam que devia ter
sido grande pecador por encontrar-se nesta condição lamentável? Como poderia
se justificar sem poder falar? A psicologia reconhece que saber-se perdoado “é a
maior força curadora do mundo”. A procura desesperada pela presença dEle
revelou a Jesus uma imensa necessidade, maior do que a paralisia em si. Por isso,
20
Jesus tira do homem este peso que o tem esmagado na sua condição de culpado.
Uma Boa Nova de Jesus é, por exemplo, que não pagaremos com sofrimento por
pecados cometidos, pois o Filho veio para nos perdoar “em vida”, excluindo até
cobrança posterior. O auditório todo estava olhando. Era a oportunidade para Jesus
libertar um homem do peso de sua consciência. “Filho, os teus pecados estão
perdoados”.
(6) Estavam sentados ali alguns mestres da lei, raciocinando em seu íntimo:
(7)“Por que este homem fala assim? Ele está blasfemando! Quem pode perdoar
pecados, a não ser somente Deus?” Eles estavam certos, pois somente Deus pode e
quer perdoar. O homem pode tomar a decisão de não se vingar, não mais levantar
um assunto contra seu “devedor”, mas “perdoar” no seu sentido básico, somente
Deus pode. O problema desses mestres consistia em não conseguir e nem querer
reconhecer o “Deus encarnado”, Filho de Deus, neste simples galileu “de Nazaré”,
lugarejo desprezado na época. Muitos de nós também preferem ver em Jesus “o
Mestre”, “o fundador de uma religião”, ao invés de, pelo menos, dar-lhe uma
chance de abrir-nos os olhos (leia Atos 26.15-18). Sentimos no nosso íntimo que este
“abrir dos olhos” nos comprometeria profundamente, e por isso preferimos deixar
para depois.
(8) Jesus percebeu logo em seu espírito que era isso que eles estavam
pensando e lhes disse: “Por que vocês estão remoendo essas coisas em seu
coração?” Enquanto Jesus por um breve momento, em silêncio, olhou em redor,
perguntamos: você percebe, que a esta altura a decisão nos corações dos
representantes do clero já estava tomada? Eles nunca iriam aceitar que este galileu
conturbasse a ordem religiosa, mantida a tanto custo. A reação deles às palavras
de Jesus, dirigidas ao homem, antes angustiado e em seguida com nova esperança,
não ficou oculta ao Senhor. “É muito simples para este galileu dizer ‘os teus pecados
estão perdoados’, mas será que ele provaria com uma ação Divina seu poder?”
Esta argumentação pairava no ar. Agora era a hora para comprovar que Jesus não
era somente blasfemo como também impertinente. Só que Jesus continuou sua fala
assim: (9) “Que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os teus pecados estão perdoados’,
ou: ‘Levante-se, pegue a sua maca e ande?’ (10) Mas, para que vocês saibam que o
Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados” – disse ao paralítico
– (11) “eu lhe digo: ‘Levante-se, pegue a sua maca e vá para casa!’ ”. (12) Ele se
levantou, pegou a maca e saiu à vista de todos, que, atônitos, glorificaram a Deus,
dizendo: “Nunca vimos nada igual!”
Pela primeira vez em Marcos, Jesus se auto-denomina “Filho do Homem”,
dando a entender o “mistério” de sua missão (confira em Daniel cap 7.13,14). À
vista de todos, o homem se levantou, pegou sua maca e saiu. As pessoas,
assustadas, abriram caminho. Os outros Evangelistas mencionam em sua narração
que o auditório ficou “possuído de temor... admirado...” e “dando Glória a Deus”,
reconhecendo, por um breve momento, a luz da ação Divina.
O que vai ser decisivo na sua vida é sua resposta hoje a esta pergunta, feita
há 2000 anos e em todas as gerações: “Quem, então, é o Filho do Homem?” (João
13.24).
21
O Evangelho de Marcos – cap.2.13-17 (NVI)
(13) Jesus saiu outra vez para beira-mar. Uma grande multidão aproximou-se, e ele começou a
ensiná-los. (14) Passando por ali, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na coletaria, e disse-lhe: “Siga-me”.
Levi levantou-se e O seguiu. (15) Durante uma refeição na casa de Levi, muitos publicanos e
“pecadores” estavam comendo com Jesus e seus discípulos, pois havia muitos que O seguiam. (16)
Quando os mestres da lei, que eram fariseus, o viram comendo com “pecadores” e publicanos,
perguntaram aos discípulos de Jesus: “Por que ele come com publicanos e “pecadores”? (17)
Ouvindo isso, Jesus lhes disse: “Não são os que tem saúde que precisam de médico, mas sim, os
doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores”.
Antes de continuarmos o nosso estudo, gostaríamos de chamar a sua atenção
à crescente oposição que começa a levantar-se contra “este Jesus de Nazaré”.
Vimos no incidente do estudo anterior, que os escribas ainda simplesmente
“arrazoavam no próprio coração” contra Jesus. No estudo de hoje, eles já
reclamam dEle para seus discípulos (2.16). Logo, tornando-se mais ousados,
reclamam diretamente com Jesus pelo que, não Ele, mas seus discípulos estavam
fazendo (2.24) e, no capitulo três, eles começam a discutir sobre como poderiam
destruí-lo, acusando-o de estar compactuando com o diabo (3.22). O conflito entre
lei, tradição e liberdade, que se baseia na pureza do coração e não em atos
exteriores, está programado.
(13) Jesus saiu outra vez para beira-mar. Uma grande multidão aproximou-se,
e ele começou a ensiná-los. Onde Jesus andou, pessoas vinham se aglomerando
para ouvi-lo. Jesus sabia que a prioridade do seu ministério, a partir daquele
momento, era alcançar corações, procurar mudar mentes, abrir olhos; era isso o
que realmente importava para Deus. (14) Passando por ali, viu Levi, filho de Alfeu,
sentado na coletaria, e disse-lhe: “Siga-me”. Levi levantou-se e O seguiu. Judeus
que assumissem sentar-se na coletaria de impostos (uma versão de “pedágio”,
determinado pelos odiados romanos e onde eram cobrados impostos por toda
mercadoria que ali passava), eram desprezados como traidores. “Publicano”
significa “general da fazenda”. Como estes publicanos (que eram como certos
atuais servidores públicos) costumavam cobrar o máximo possível, vinham
adquirindo fama de extorquistas. Havia somente três “pedágios” na Palestina inteira:
em Cesaréia (mar), Jericó (sul) e em Cafarnaum (norte). Notáveis romanos, que, por
grande soma compraram a licença para poder cobrar taxas, depois sublocaram
estes postos a funcionários judeus, como o nosso Levi. O termo “publicano” adquiriu
assim uma conotação pejorativa. Nos Evangelhos ele sempre aparece junto com
“outros pecadores”. Jesus, no entanto, viu neste homem sentado na coletoria algo
que lhe chamou a atenção. “Siga-me”, Ele disse, e “imediatamente” o homem se
levantou (como os outros Evangelistas também destacam), abandonando seu bom
emprego público.
Será que a proposta de Jesus, (que aparentava ser um simples Rabi com
alguns seguidores não muito confiáveis), era tão atraente? Esta pergunta sabem
responder somente aqueles que também foram chamados, não por Jesus de
Nazaré, mas pelo Cristo ressurreto. Este homem, Levi, é mais conhecido como
22
“Mateus”, provavelmente seu segundo nome. A ele se atribui o primeiro Evangelho
no Novo Testamento.
À noite, Levi, comemorando a virada na sua vida, oferece um banquete em
sua casa. Pelo que entendemos, o “público” que freqüentava a casa do
funcionário público não era daquele do qual se pode dizer que “se cheirava bem”,
pelo menos na opinião dos religiosos, que atentamente observavam o
acontecimento.
(15) Durante uma refeição na casa de Levi, muitos publicanos e “pecadores”
estavam comendo com Jesus e seus discípulos, pois havia muitos que O seguiam.
(16) Quando os mestres da lei, que eram fariseus, o viram comendo com
“pecadores” e publicanos, perguntaram aos discípulos de Jesus: “Por que ele come
com publicanos e “pecadores”? Pelo que entendemos, a casa estava lotadíssima,
“pois havia muitos que o seguiam”. Parece que pessoas, até então descartadas
pelos religiosos, começaram ver em Jesus um amigo. Quando os mestres da lei
(fariseus) notaram que Jesus tinha-se misturado com a “plebe pecadora”, ficou-lhes
patente que Jesus também era pecador. Como “pecador” eles tachavam cada
pessoa que não se submetia à interpretação farisaica da Santa Lei de Deus. Jesus e
os seus discípulos, por exemplo, não lavavam as mãos antes das refeições...
pecador! Em João 7.49, lemos o que os fariseus pensavam do povão: “Quanto a
esta plebe que nada sabe da Lei, é maldita!”. Os fariseus não eram desonestos, eles
se esforçavam ao extremo, em guardar a Lei de Deus em tempos de decadência e
forte influência helenista na Palestina, mas o que para eles importava era a
manutenção do “status quo”, temendo desagradar a Deus com qualquer
mudança. Esta atitude os tornou cegos para com a Boa Nova de Deus em Jesus.
Você, mesmo consciente de seu conhecimento, de sua doutrina, de sua
prática religiosa, ainda está aberto para coisas novas que Deus, talvez, lhe quer
ensinar? Medo? O medo nunca foi um bom conselheiro!
(17) Ouvindo isso, Jesus lhes disse: “Não são os que tem saúde que precisam
de médico, mas sim, os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores”.
Na sua resposta curta e precisa, Jesus deixa claro aos mestres da lei que Ele se vê
não como mero participante, mas como Salvador que está perante pessoas que
precisam de Deus. Aos que se declaram “justos” (e quantas há hoje em dia), Deus
nada pode ministrar; eles se ministram a sua própria justiça. Mas aos que sabem que
necessitam e não merecem a misericórdia, a estes, Deus tem Boas Novas a
transmitir.
Que tipo de pessoa você é? Felizes os que sabem que, perante Deus, nada
merecem, mas que ouvindo as suas palavras: “Filho, os teus pecados estão
perdoados!”, sabem que são aceitos e amados por Ele.
O Evangelho de Marcos – cap. 2.18-22 (NVI)
(18) Os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando. Algumas pessoas vieram a Jesus e lhe
perguntaram: “Por que os discípulos de João e os dos fariseus jejuam, mas os teus não?” (19) Jesus
respondeu: “Como podem os convidados do noivo jejuar enquanto este está com eles? Não podem,
enquanto o têm consigo”. (20) Mas virão dias em que o noivo lhes será tirado;; e nesse tempo
23
jejuarão. (21) Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa,
tornando pior o rasgo. (22) E ninguém põe vinho novo em vasilha de couro velha; se o fizer, o vinho
rebentará a vasilha, e tanto o vinho quanto a vasilha se estragarão. Ao contrário, põe-se vinho novo
em vasilha de couro nova”.
(18)Os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando.
A lei de Deus, em Levítico 16.29-34, prescreve ao seu povo somente um jejum
anual por ocasião do dia da expiação (festa de Yom Kippur). É desse jejum que fala
Atos 27.9. No entanto, a prática religiosa judaica, desde cedo, havia criado os mais
diversos jejuns: do nascer ao pôr do sol (Juizes 20.26); por sete dias (1.Samuel 31.13);
três semanas (Deuteronômio 10.3); quarenta dias (Êxodo 34.2,28); e outros. O clímax
era a observância de um jejum voluntário, “duas vezes por semana”, às segundas e
quintas, sendo este hábito o orgulho dos fariseus (Lucas 18.12).
Em Isaías 58.3-8 o profeta já havia reclamado da prática do jejum voluntário,
aquele que Deus não pediu: “...no dia de seu jejum vocês fazem o que é do agrado
de vocês e exploram seus empregados... vocês não podem jejuar como fazem hoje,
e esperar que a sua voz seja ouvida no alto. Será esse o jejum que escolhi, que
apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como junco e se deite sobre
pano de saco e cinzas? ... O jejum que desejo não é este: desatar as cordas do jugo,
pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo...?”.
Marcos relata que os discípulos de João (Batista) costumavam jejuar. Como
João era um asceta, jejuavam como exercício de tristeza pelo pecado. Depois que
o Batista foi preso, aproximadamente em 27 d.C., seus seguidores praticavam jejuns
como expressão de tristeza e lamento pelo encarceramento, e mais tarde pela
morte do mestre.
Os fariseus, melhor, os escribas entre os fariseus (compare 2.16) também
tinham discípulos e estes jejuavam, procurando imitar seus mestres. Um provérbio diz:
“Onde o mestre dá um passo, o discípulo dará dois”. O jejum deles era
caracterizado pela demonstração de mal-estar, por roupas rasgadas e semblantes
caídos. A prática do jejum deles não demonstrava tristeza pelo pecado presente,
mas consistia num exercício de religiosidade.
Algumas pessoas vieram a Jesus e lhe perguntaram: “Por que os discípulos de
João e os dos fariseus jejuam, mas os teus não?” (19) Jesus respondeu: “Como
podem os convidados do noivo jejuar enquanto este está com eles? Não podem,
enquanto o têm consigo”.
O jejum dos dois grupos de discípulos era diferente. Sabemos por Mateus 11.2,3
e 14.12 que havia certa amizade e cooperação entre os dois grupos. Não andaram
João e André, antes de serem chamados pelo Senhor, também com o Batista?
(João 1.35-37). Parece que aqui houve um honesto pedido de informação por parte
de alguns, preocupados com a questão dos jejuns.
Por diversas vezes, Jesus compara o relacionamento de Deus com seu povo
com uma festa de núpcias (Mat.25.1ss e João 3.29). “Como podem os convidados
do noivo jejuar?”, pergunta Jesus. Eles, pelo contrário, são responsáveis pela festa, e
o noivo está no meio deles. Jesus se compara com “o noivo” e considera de “festa”
o presente momento. Deus está anunciando a Boa Nova; isso não é razão para
festa? Enquanto o noivo estava com eles, enquanto estava sendo proclamada a
Boa Nova, não havia motivo para tristeza e contemplação.
24
Não havia de ser sempre assim. Jesus continuou, dizendo: (20) Mas virão dias
em que o noivo lhes será tirado; e nesse tempo jejuarão. Jesus estava consciente do
futuro e inevitável desfecho de sua missão. Ele sabia que sua violenta morte traria
dias de lamentação para seus seguidores (confira Marcos 9.12 e 15.4). Tanto Isaías
(cap 53), como o profeta Daniel (9.25-27), há séculos viram seu sofrimento. Mas
“hoje”, disse Jesus, “hoje” ainda há motivo para alegria, tão espetacular, que não
somente dispensava jejuns, mas anunciava coisas novas, nunca ouvidas, nunca
antes conhecidas. Jesus usava uma metáfora para ilustrar como o novo, que Ele
trouxe, não era compatível com o que havia. (21) Ninguém põe remendo de pano
novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo. Pano
novo! Não procure consertar o velho com um pedaço do novo! Estragará tudo! Não
há como acomodar o novo no meio das práticas religiosas convenientes,
(comparado a “roupas velhas e odres podres”). É mister dispensar o velho afim de
não perder a oportunidade do novo. Uma mensagem desafiadora, portanto,
altamente suspeita aos defensores do “status quo” religioso. (22) E ninguém põe
vinho novo em vasilha de couro velha; se o fizer, o vinho rebentará a vasilha, e tanto
o vinho quanto a vasilha se estragarão. Ao contrário, põe-se vinho novo em vasilha
de couro nova”. Vinho Novo! Vinho ainda fermentando, vivo, que exige um
recipiente novo!
No Evangelho de João, capítulo 3, Jesus diz a um religioso: “...quem não
nascer de novo, do alto, não pode ver o Reino de Deus”. Nem ver, muito menos
entrar! Nada menos do que uma “nova criatura” Jesus nos anuncia. Nada de velha
criatura melhorada, remendada com pedaços de pano novo.
Essa não é uma boa Nova? (compare com Jeremias 31.33,34).
Continue conosco no Evangelho de Marcos, descobrindo mais a respeito
desse “Novo”, para que, junto com “os convidados do noivo”, você também se
alegre!
O Evangelho de Marcos – cap.2.23-28 (NVI)
(23) Certo sábado Jesus estava passando pelas lavouras de cereal. Enquanto caminhavam, seus
discípulos começaram a colher espigas. (24) Os fariseus lhes perguntaram: “Olha, por que eles estão
fazendo o que não é permitido no sábado?” (25) Ele respondeu: “Vocês nunca leram o que fez Davi
quando ele e seus companheiros estavam necessitados e com fome? (26) Nos dias do sumo
sacerdote Abiatar, Davi entrou na casa de Deus e comeu os pães da Presença, que apenas aos
sacerdotes era permitido comer, e os deu também aos seus companheiros”. (27) E então lhes disse:
“O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. (28)Assim, pois, o
Filho do homem é Senhor até mesmo do sábado”.
(23) Certo sábado Jesus estava passando pelas lavouras do cereal. O ponto
de partida da nossa leitura é a menção “certo sábado...”. Para o contemporâneo
de Jesus, a menção de “sábado” imediatamente levantou questões importantes. A
guarda do sábado, declarado santo (Êxodo 31.14) era uma questão de vida ou
morte. Morreria quem o profanasse. A lei de Moisés declara um número de
atividades proibidas em dia de sábado, uma vez que este foi criado para o gozo e
25
alegria, para contemplação e louvor a Deus. Sendo assim, era rigorosamente
proibido, por exemplo, ascender fogo para cozinhar (Êxodo 35.3), ou apanhar lenha
(Deut.15.32-36); a comida do sábado tinha que ser preparada no dia anterior (Êxodo
16.23). Era proibido viajar em terra (Êxodo 16.29), assim como vender e comprar
(Amós 8.5) ou carregar fardos (Jeremias 17.21,22). A lista que os rabinos no tempo de
Jesus tinham elaborado, lei em cima de lei, alistava 39 atividades principais,
subseqüentemente divididas em seis categorias menores para cada uma delas,
todas proibidas de serem praticadas no sábado; um verdadeiro amontoado de
tradições humanas, que ultrapassavam aquilo que Deus lhes tinha ordenado.
Vigiando a Jesus e seus discípulos, os rabinos e os fariseus, obsecados em guardar
toda a lei, procuravam encontrar uma contradição que lhes desse razão para exigir
a pena de morte para o Senhor, uma vez que profanar o sábado era pecado pago
com a morte. Dentro deste contexto podemos agora continuar com a nossa leitura.
Enquanto caminhavam, seus discípulos começaram a colher espigas. (24) Os
fariseus lhes perguntaram: “Olha, por que eles estão fazendo o que não é permitido
no sábado?” Colher espigas constava na lista elaborada pelos Rabis como
profanação sabática. O pecado era evidente.
Por que será que os discípulos (não Jesus), ao passar, apanharam espigas,
debulhando-as com as mãos (Lucas 6.1)? Estavam famintos, diz Mateus no seu
Evangelho (Mat.12.1). Em Levítico 19.9 e 23.22 era assegurado ao pobre e ao
estrangeiro o direito de apanhar espigas nos cantos do campo. Não era o simples
fato de apanhar, mas sim o apanhar em dia de sábado, que os fariseus aqui
apontam como pecado. Tudo é uma questão de interpretação; ninguém sabia isso
melhor do que os próprios fariseus. Assim como alguns advogados em dias de hoje,
eles sabiam como ultrapassar as proibições sem pecar: Como era proibido viajar
montado em um burro, mas não sobre a água, costumavam colocar uma bolsa de
água em cima da sela do animal e, sentado nela, “viajavam sobre água”. Fizeram
compras e vendas, sim, mas não mencionavam dinheiro ou palavras como venda e
assim por adiante. A lei de Deus, há muito, tinha perdido seu sentido real: santificar o
dia para o SENHOR.
(25) Ele respondeu: “Vocês nunca leram o que fez Davi quando ele e seus
companheiros estavam necessitados e com fome? (26) Nos dias do sumo sacerdote
Abiatar, Davi entrou na casa de Deus e comeu os pães da Presença, que apenas
aos sacerdotes era permitido comer, e os deu também aos seus companheiros”.
Lemos em Juízes 18.31, como Daví, faminto, entrou na “casa de Deus”, santuário em
Nobe, onde encontrava-se a arca e a mesa com os “pães da proposição”, pães
designados somente para a alimentação dos sacerdotes. Na resposta que Jesus
dirige aos fariseus, Ele declara a autoridade que Ele, como o “Filho do homem”, tem.
De um lado, Ele os confronta com a sua insensibilidade para restrições cerimoniais
em caso de necessidade, fazendo-nos entender que Ele, assim como Davi na
época, naquela hora estava com fome. O outro, mais importante, porém, aquilo
que os fariseus não podiam aceitar, era que Ele alegou ter autoridade para permitir
a colheita de espigas, quando se comparou a Davi, que comeu aquilo que era
reservado somente aos sacerdotes. O “Filho do Homem” tem autoridade, sim, de
deixar de lado regulamentos sabáticos, feitos pelo homem.
26
(27) E então lhes disse: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o
homem por causa do sábado. (28) Assim, pois, o Filho do homem é Senhor até
mesmo do sábado”. O homem foi criado antes da instituição do sábado. Este foi
instituído para ser uma bênção para o homem, para mantê-lo saudável, útil, alegre
e santo, dando-lhe melhores condições de meditar calmamente nas obras do seu
Criador.
Através de inúmeros detalhes, requerimentos absurdos e restrições vexatórias e
massacrantes, incluindo a que proibia os homens de saciar a sua fome, colhendo
espigas nesse dia, os rabinos estavam transformando o sábado num tirano e o
homem em um escravo do sábado, como se a intenção Divina tivesse sido a de
fazer o “homem para o sábado” e não o “sábado para o homem”.
Permita-me fazer uma pergunta. Você, na sua religiosidade, é movido por leis
eclesiásticas que regem seu comportamento como fiel ou você entendeu que as
leis, realmente vindas de Deus, nos foram dadas para nos proteger e facilitar a
adoração? A tradição religiosa nem sempre condiz com a santa vontade Divina,
revelada na Palavra de Deus. Isso vale tanto para os fieis católicos como para os
evangélicos com as suas módicas tradições.
O Evangelho de Marcos – cap.3.1-8 (NVI)
(3.1) Noutra ocasião ele entrou na sinagoga, e estava ali um homem com uma das mãos atrofiada.
(2) Alguns deles estavam procurando um motivo para acusar Jesus; por isso o observavam
atentamente, para ver se ele iria curá-lo no sábado. (3)Jesus disse ao homem da mão atrofiada:
“Levante-se e venha para o meio”. (4)Depois Jesus lhes perguntou: “O que é permitido fazer no
sábado:o bem ou o mal, salvar a vida ou matar?” Mas eles permaneceram no silêncio. (5)Irado,
olhou para os que estavam à sua volta e, profundamente entristecido por causa do coração
endurecido deles, disse ao homem: “Estenda a mão!” Ele a estendeu, e ela foi restaurada. (6)Então os
fariseus saíram e começaram a conspirar com os herodianos contra Jesus, sobre como poderiam
matá-lo.
(3.1) Noutra ocasião ele entrou na sinagoga, e estava ali um homem com uma
das mãos atrofiada. Novamente, em dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga,
provavelmente na de Cafarnaum, ou então, de outra região. As sinagogas
costumavam ficar repletas. Lucas 6.6. menciona que, nesta oportunidade, Jesus
ensinou. Ele, a esta altura, já era famoso perante o povo. O livro apócrifo do
“Evangelho de Hebreu”, menciona que o homem teria pedido a Jesus sua cura, pois
era pedreiro, e com a mão atrofiada estava condenado a ser pedinte.
Seguramente Jesus notou a presença desse homem. Lucas, o médico, acrescenta
no seu Evangelho (Lucas 6.6), que era a mão direita a atrofiada.
(2) Alguns deles estavam procurando um motivo para acusar Jesus; por isso o
observavam atentamente, para ver se ele iria curá-lo no sábado. Por alguma razão
desconhecida para nós, a questão da cura desse homem era levantada.
Possivelmente o assunto era um texto profético lido, como por exemplo, Isaías 58.614. Os mestres presentes observam atentamente a atitude de Jesus. Não duvidaram
mais do seu poder de cura; o que os interessava era ter uma prova concreta da
27
violação do sábado. Havia opiniões diferentes entre as duas escolas teológicas da
época. Os seguidores de Shamai, com sua interpretação restrita a respeito da
observância do sábado, contra os de Hillel, mais liberal e dominante na Galiléia. Em
Jerusalém, na corte religiosa, porém, a de Shamai prevalecia. As duas escolas
concordavam, no entanto, que trabalho médico, por exemplo, aos sábados
somente podia ser realizado quando a vida do paciente corria risco. Não era esse o
caso. A oportunidade de apanhar Jesus em profanação sabática era única! Assim,
observavam atentamente a Jesus. Queriam ver se Ele ousaria curar o homem num
sábado. Se fizesse isso, teriam a condição ideal para acusá-lo de prática médica
neste dia, e sua condenação certa em Jerusalém.
(3) Jesus disse ao homem da mão atrofiada: “Levante-se e venha para o meio”.
Segundo Mateus, no seu Evangelho, os fariseus, preparando-lhe uma cilada,
perguntam-lhe: “É lícito, curar no sábado?” Antes de responder, Jesus convida o
homem a vir para frente, à vista de todos. Assim, todo auditório será testemunha do
que houver e o homem certamente contava com a simpatia de todos. Todos
silenciam, olhando para Jesus.
(4) Depois Jesus lhes perguntou: “O que é permitido fazer no sábado:o bem ou
o mal, salvar a vida ou matar?” Mas eles permaneceram no silêncio. Jesus toma a
iniciativa. Os fariseus, aqueles que sabiam tudo a respeito da lei, deverão tomar
posição. Eles se vêem, de repente, em posição de risco. Como eles responderão,
perante todo o auditório, sem correr o risco de perder sua autoridade? Por que será
que Jesus não lhes responde a respeito do sábado, mas fala do fazer o bem e
acrescenta à pergunta a questão de matar? Será que Ele quer denunciá-los?
Embora a sua intenção seja acabar com Jesus, não podem se posicionar sem correr
risco perante o povo. Eles conhecem o texto em Isaías 58, onde o profeta clama por
tirar o jugo do oprimido como jejum agradável a Deus. Eles fazem o que lhes parece
menos arriscado: permanecem em silêncio.
(5) Irado, olhou para os que estavam à sua volta e, profundamente entristecido
por causa do coração endurecido deles. O homem com a mão atrofiada
permanecia em pé na frente com Jesus ao lado dele e todo auditório segurando a
respiração. Parece que passam minutos, enquanto Jesus olha, com profunda tristeza
e revolta (Lucas diz: “fitando os olhos neles”) ao redor. A hipocrisia daqueles
ritualistas, seu ódio mal disfarçado, fazem doer o coração de Jesus, quando Ele disse
ao homem: “Estenda a mão!” Ele a estendeu, e ela foi restaurada. A cura é imediata,
a mão “ficou igual à outra”, como diz Mateus (12.13). Ninguém pode negar que
Deus interveio. A derrota dos fariseus, porém, é humilhante.
(6) Então os fariseus saíram e começaram a conspirar com os herodianos
contra Jesus, sobre como poderiam matá-lo. No tumulto que se segue, os fariseus se
retiram para se aconselhar. Marcos observa que a partir deste acontecimento foi
que os religiosos foram atrás da ajuda dos “herodianos”, um partido político judeu,
amigos do clã da família de Herodes Agripa I, (Rei dos judeus), interessado na
manutenção do “status quo”. Estes bem entenderam que Jesus, com seu carisma e
as multidões o seguindo, representava um perigo crescente para a estabilidade
entre religião e política, que os beneficiava.
Mais adiante, Marcos menciona, outra vez, o grupo dos herodianos, quando
estes procuram apanhá-lo em uma palavra contra a ordem política (12.13).
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O Evangelho de Marcos – cap. 3.7-12 (NVI)
(3.7) Jesus retirou-se com seus discípulos para o mar, e uma grande multidão vindo da Galiléia o
seguia. (8) Quando ouviram a respeito de tudo o que ele estava fazendo, muitas pessoas procedentes
da Judéia, de Jerusalém, da Iduméia, das regiões do outro lado do Jordão e dos arredores de Tiro e
de Sidom foram atrás dele. (9) Por causa da multidão, ele disse aos seus discípulos que lhe
preparassem um pequeno barco, para evitar que o comprimissem. (10) Pois ele havia curado a
muitos, de modo que os que sofriam de doenças ficavam se empurrando para conseguir tocar nele.
(11) Sempre que os espíritos imundos o viam, prostravam-se diante dele e gritavam: “Tu és o Filho de
Deus”. (12) Mas ele lhes dava ordens severas para que não dissessem quem ele era.
(3.7) Jesus retirou-se com seus discípulos para o mar, e uma grande multidão vindo
da Galiléia o seguia. Mais uma vez (compare versos 12,13), Jesus, após um confronto
aberto, se retira para “o mar”, isto é, à margem do lago da Galiléia, à procura de
descanso. Mantenha sempre em mente que Marcos nos conta aquilo que ele, por
inúmeras vezes, ouviu da boca de Pedro. Como intérprete deste, até que os dois
chegassem a Roma, ouviu, cada vez que Pedro testemunhou perante cristãos, os
relatos de uma testemunha ocular, de uma pessoa que estava junto com Jesus
desde o início. O que o impressionava, era o assédio das pessoas. Marcos não se
cansa de relatar como elas, afluindo de todos os lados, não deram descanso ao
Senhor. Por onde Ele andava, estavam atrás dEle. Você pode ter uma idéia da
situação, quando acompanha na TV as procissões religiosas do interior, onde
milhares, empurrando-se um ao outro, procuram, ao mesmo tempo, chegar mais
perto de algum “santo”. Não foi diferente nessa fase inicial do ministério de Jesus.
(8) Quando ouviram a respeito de tudo o que ele estava fazendo, muitas
pessoas procedentes da Judéia, de Jerusalém, da Iduméia, das regiões do outro
lado do Jordão e dos arredores de Tiro e de Sidom foram atrás dele. Da Judéia
(região a mais de 100 km no sul), e da Iduméia (Edom), de uma região abaixo do
mar morto, ainda mais afastada e conquistada por João Hircano, onde por força as
leis judaicas foram introduzidas, chegaram pessoas em busca de algum socorro. Isso
nos dá uma idéia da fama de Jesus, que corria através de viajantes, peregrinos e
negociantes ambulantes (não havia outros meios de comunicação). Do outro lado
do Jordão, região de Decápolis e da costa mediterrânea, hoje pertencente ao
Líbano, afluíram pessoas necessitadas para ver e ouvir a Jesus. Havia uma
expectativa imensa no ar. Não havia o profeta João, o Batista, anunciado a
chegada do Reino de Deus? A expressão que Marcos usa - “foram atrás Dele” - nos
faz compreender melhor a situação.
(9) Por causa da multidão, ele disse aos seus discípulos que lhe preparassem
um pequeno barco, para evitar que o compromissem. O empurra-empurra era
tamanho, que Jesus, por várias vezes, teve que retirar-se num barco e ficar afastado
alguns metros da praia, como único meio de não ser comprimido pela multidão que
queria tocar nEle. Naquele tempo não havia médicos, nem remédios, como hoje.
Doenças assustavam e nenhum doente sabia se o era por castigo de Deus; e ali
apareceu alguém, do qual correu a fama: “Ele cura pelo simples toque de mão!”
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(10) Pois ele havia curado a muitos, de modo que os que sofriam de doenças
ficavam se empurrando para conseguir tocar nele. Na multidão que se exprimia em
volta Dele, havia pessoas, que, chegando perto, revelaram a presença do inimigo.
(11) Sempre que os espíritos imundos o viam, prostravam-se diante dele e gritavam:
“Tu és o Filho de Deus”. Se nós confessamos Jesus ser “Deus conosco”, “Filho de
Deus”, compreendemos que ali o confronto entre luz e trevas era inevitável. Em
Jesus, o próprio Deus, em forma humana, estava presente. As forças malignas eram
desmascaradas, assim que chegavam à Sua presença. Confessaram reconhecer
que aquele que os aniquilava tinha chegado, enviando-os de volta.
Se ainda não entendemos quem, na pessoa de Jesus Nazareno, está vindo ao
nosso encontro, teremos muita dificuldade em acreditar no relato de Marcos. Pedro
era testemunha ocular e o que ele não cansou de apontar nas suas pregações era
a autoridade de Jesus, Filho do homem, o “Ungido” (Daniel cap.9). (12) Mas ele lhes
dava ordens severas para que não dissessem quem ele era. O povo chegava em
busca de ajuda, em busca de cura e libertação. O Messias que eles esperavam,
pelo que ansiavam debaixo do humilhante jugo romano, era um Messias libertador,
alguém que lhes trouxesse de volta a liberdade política, perdida há centenas de
anos. Pedro bem notou e Marcos lembra, que Jesus terminantemente proibiu aos
espíritos malignos que O revelassem (compare 1.25). Se houvesse um movimento
que O declarasse Messias, sua missão falharia. As projeções do povo quanto ao seu
“Messias” eram contrárias à visão de Jesus. O que Ele precisava, era ouvir o Pai e
obedecer às ordens do Pai. No deserto, o maligno já lhe havia oferecido o apoio
das massas para assumir o reinado e Jesus havia rejeitado a insinuação. Sendo
assim, não é de se admirar, que no texto que segue, Jesus procure solidão.
O Evangelho de Marcos – cap. 3.13-19 (NVI)
(13) Jesus subiu a um monte e chamou a si aqueles que ele quis, os quais vieram para junto dele. (14)
Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem junto com ele, os enviasse a pregar
(15) e tivessem autoridade para expulsar demônios . (16) Estes são os doze que ele escolheu: Simão,
a quem deu o nome de Pedro; (17) Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais deu o nome
de Boanerges, que significa “filhos do trovão”;; (18) André;; Filipe;; Bartolomeu;; Mateus;; Tomé, Tiago,filho
de Alfeu; Tadeu; Simão, o zelote; (19) e Judas Iscariotes, que o traiu.
(13)
Jesus subiu a um monte e chamou a si aqueles que ele quis, os quais vieram
para junto dele. Lucas, o médico, no seu relato, é mais explícito. Vimos que uma
grande multidão vinha atrás de Jesus, não lhe permitindo descanso. Jesus sente
necessidade da proximidade do Pai e a procura no silêncio e na solidão. Lucas narra
o mesmo episódio assim: “Num daqueles dias, Jesus saiu para o monte a fim de orar,
e passou a noite orando a Deus. Ao amanhecer, chamou os seus discípulos e
escolheu doze...” (Lucas 6.12,13).
Dos dois relatos consultados por nós entendemos que grande multidão não
somente de pessoas em procura de ajuda, mas também de “seguidores” estavam
atrás dEle. O mestre, que chamou a atenção de todos tanto pela sua palavra “com
autoridade, não como os mestres da lei” (Marcos 1.22), quanto pelas curas que O
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destacaram, atraiu muitos admiradores. As pessoas sempre estão à procura de um
líder. Hoje em dia vemos o mesmo. Nas Igrejas onde atua um líder com carisma,
sempre há muita gente. Muitos estão simplesmente fascinados pela personalidade
do líder. Eles não querem se comprometer, mas, sim, ter parte no espetáculo.
Vemos que acontece o mesmo com Jesus. Só que Ele resolve fugir da
multidão e procurar a orientação do Pai a respeito do seu ministério. “... e chamou a
si aqueles que ele quis, os quais vieram para junto dele”. Da multidão, Jesus escolhe
doze, os quais Ele quer ter consigo para, como veremos, ajudá-lo na sua missão.
Cinco deles já tinham sido chamados antes: Pedro, André, João, Tiago e Levi.
Faltaram sete. Doze tribos representavam o antigo Israel; doze discípulos agora
representarão o novo Israel. (14) Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que
estivessem junto com ele, os enviasse a pregar (15) e tivessem autoridade para
expulsar demônios . Nesta lição, olharemos de mais perto a personalidade dos
discípulos que Jesus, a essa altura, já tinha escolhido. Na próxima, enumeraremos os
demais que Jesus, após uma noite de oração no monte, ainda escolheu dentre a
multidão dos que O seguia. Lembramos que Pedro, André, Tiago, João e Mateus
(Levi), de acordo com Marcos, já estavam acompanhando a Jesus. Veja o que hoje
sabemos deles:
Simão era pescador profissional, junto com seu irmão André, que o tinha
levado a Jesus. Este lhe deu um novo nome: Pedro, isto é, “Rocha”. Simão não se
revelou logo uma rocha; não era um bom modelo de firmeza e equilíbrio, pois
mudava de um extremo para outro: da confiança para a dúvida (Mat.14.28,29); da
profissão de fé para a idéia de fuga (Mat.16.16,22); da lealdade para a negação
(Mc.14.29,31);; de “nunca me lavará os pés” para “me lava mãos e cabeça
também” (João 13.8,9). Pedro viveu uma grande transformação após a morte de
Jesus e se tornou coluna da Igreja, juntamente com João e Tiago. Precisou ainda ser
duramente advertido por Paulo, quando caiu na hipocrisia, junto com Barnabé
(Gálatas cap.2). Após Atos 15 não ouvimos mais falar sobre Pedro. Segundo a
tradição, foi martirizado em Roma, em 64 ou 68 d.C. Uma interpretação equivocada
do relato de Eusébio, feita por Jerônimo, levou à crença de que Pedro teria sido
fundador e primeiro bispo da igreja de Roma. No entanto, Pedro parece ter sido
sepultado nesta cidade, onde chegou quando já havia igreja cristã. Segundo a
tradição, foi martirizado, crucificado (a seu pedido com a cabeça para baixo), para
demonstrar que era menor que Cristo. Escavações arqueológicas, nos anos 1940-49,
levaram a restos mortais em um túmulo situado abaixo do “Confessio” da Basílica de
São Pedro, em Roma, e que provavelmente é o de Pedro.
André, irmão de Pedro, pescador profissional, levou Pedro a Jesus com as
palavras: “Achamos o Messias!” (João 1.41,42). Parece ter morado junto com a
família de Pedro (Marcos 1.29). André, junto com Filipe, levou o pedido de gregos,
interessados para ver Jesus (João 12.22) e, juntamente com Pedro, Tiago e João,
perguntou a Jesus a respeito do “quando” aconteceria a destruição do templo
(Marcos 13.3,4). Foi André quem informou a Jesus sobre a existência de cinco pães e
dois peixinhos, quando cinco mil pessoas famintas estavam perante eles (João 6.8),
por ocasião da multiplicação dos pães. Nada mais sabemos, pela Bíblia, de André.
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Tiago, filho de Zebedeu e Salomé, é irmão de João (Evangelista). Jesus deu
aos dois, Tiago e João, o nome de “Boanerges” (aramaico) que significa “filhos do
trovão” (bene reghesh, em hebraico), provavelmente devido a suas naturezas
emotivas. Tiago, filho de Zebedeu foi o segundo cristão a ser martirizado, por ordem
do rei Agripa I, em 44 d.C. (Atos 12.2) e logo após Estevão (Atos 7.54). Junto com
Pedro e João ele formou o grupo em que Jesus mais confiava.
João, irmão de Tiago, é geralmente identificado com “o discípulo a quem
Jesus amava” (João 13.23). Provavelmente por João identificar-se mais com a
pessoa do Mestre, era unido a Jesus por um laço de afeição mais terno do que o
dos demais apóstolos. Más línguas de nosso século têm levantado a tese de
homosexualismo entre Jesus e João assim como fizeram com a relação entre Rute e
sua sogra Noemi (livro de Rute, no Antigo Testamento) e onde dizem ver sinais de
lesbianismo. Na verdade, essa interpretação nada mais é do que uma evidência de
nossa própria decadência (“a boca fala do que o coração está cheio”). Junto com
Tiago, seu irmão, foi testemunha ocular da ressurreição da filha de Jairo (Marcos
5.37). Enquanto seu irmão Tiago fora o primeiro dos discípulos a ser chamado à
presença de Deus, João fora o último. Chegou à idade de aproximadamente cem
anos. Segundo a tradição, por causa de sua fé passou um tempo no exílio na ilha de
Patmos, onde ele escreveu o livro do Apocalipse. Como ancião da Igreja de Éfeso
travou muitas lutas contra o gnosticismo (um tipo de ‘espiritualismo’), ao qual se
refere na segunda carta de João, verso 7. Atribui-se a João estes cinco livros no
Novo Testamento: o seu Evangelho, três Cartas e o Apocalipse.
Mateus, cujo nome original é Levi, era “publicano” (que quer dizer “general da
fazenda”) quando foi chamado por Jesus (veja estudo M 16). Quando após
pentecoste foram designadas áreas de atuação para cada discípulo, conforme a
tradição, Mateus recebeu a Etiópia como seu campo de atuação. Ele já tinha
elaborado uma lista de palavras autênticas de Jesus, as “lógias” do Senhor, em
hebráico. Ainda antes de partir, como relata Eusébio (III,4) na sua história da Igreja,
Mateus redigiu em hebraico, também, um “Evangelho”. Nele ele deu prioridade ao
cumprimento das profecias do Antigo Testamento, confirmando Jesus como Rei.
Conforme Clemente de Alexandria, o apóstolo teve na Etiópia uma morte natural,
contrariando outras lendas de morte violenta, menos confiáveis. A lenda aponta a
cidade italiana de Salermo como lugar de seu túmulo final.
O Evangelho de Marcos – cap. 3.16-19 (NVI)
(16) Estes são os doze que ele escolheu: Simão, a quem deu o nome de Pedro; (17) Tiago, filho de
Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais deu o nome de Boanerges, que significa “filhos do trovão”;;
(18) André; Filipe; Bartolomeu; Mateus; Tomé, Tiago,filho de Alfeu; Tadeu; Simão, o Zelote; (19) e Judas
Iscariotes, que o traiu.
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Estes são os sete homens que Jesus ainda escolheu: ...Filipe; Bartolomeu; Tomé,
Tiago,filho de Alfeu; Tadeu; Simão, o zelote; (19) e Judas Iscariotes, que o traiu. Na
lição anterior conhecemos os cinco discípulos que Jesus já tinha escolhido
anteriormente. Agora, veremos quem são e o que hoje sabemos dos demais
escolhidos pelo Senhor. São:
Filipe de Betsaida, cidade de onde Pedro e André também procedem. Foi
Filipe quem informou a Natanael, quando encontrou Jesus, com as palavras:
“achamos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e a quem se referiram os
profetas, Jesus, o Nazareno, filho de José” (João 1.45). Foi Filipe, a quem Jesus
questionou diante da multidão faminta: “Onde compraremos pães para lhes dar a
comer?” (João 6.5). Foi Filipe que, não entendendo as palavras de Jesus e querendo
encurtar a discussão, disse: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” (João 14.8) e a
quem Jesus responde: “Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens
conhecido?” Segundo a tradição, Filipe residiu durante seus últimos anos em
Hierápolis, hoje “Pambuk kalessi” (Turquia). Não deve ser confundido com Filipe, o
evangelista (Atos 8.26).
Bartolomeu, em alguns manuscritos também é chamado “filho de Tholmai”. No
Evangelho de João aparece com o nome de Natanael. Supõe-se que seu primeiro
nome, pelo qual era chamado, fosse Natanael e seu segundo nome Bartolomeu. Foi
ele quem questiona a Filipe, em João 1.45, quando este lhe comunica ter
encontrado Jesus: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?”. Quando Jesus o avista
pela primeira vez, com suas palavras passa-nos a impressão que Natanael lhe
causou: “Eis um verdadeiro israelita, em que não há dolo” (João 1.47). Natanael faz
parte do grupo ao qual Jesus, após sua ressurreição, aparece às margens do lago
de Tiberíades (João cap 21). A tradição nos conta que Natanael pregou, após
outros lugares, também na Índia.
Tomé, chamado também Dídimo (isto é “gêmeo”), parece ter sido uma
pessoa crítica, pessimista. Quando resolveram visitar a casa do falecido Lázaro, ele
diz aos demais discípulos: “Vamos nós também para morrermos com ele” (João
11.16). Após a ressurreição, Tomé duvida até poder colocar seu dedo na ferida da
mão de Jesus (João 20.26,27). Em Nag Hammadi (Síria), foi encontrado em 1945 um
texto kopta, apócrifo, com palavras de Jesus, denominado o “Evangelho de Tomé”.
Enquanto uma tradição nos aponta Edessa (Grécia) como lugar de seu túmulo,
outra mais confiável, aponta a Índia como lugar de sua atuação missionária. Ainda
hoje existe na Índia uma igreja cristã “Mar Thoma”, cuja raiz remonta a este apóstolo.
Tiago, filho de Alfeu, talvez idêntico a Tiago citado em Marcos 15.40, denominado “o
menor”, filho da “outra Maria”, identificada como “mãe de Tiago” em Mat.27.55/
Marcos 16.1 e Lucas 24.10. Essa Maria acompanhou Jesus perto da cruz e estava
entre as mulheres, primeiras testemunhas da ressurreição. Do Tiago, “o menor”,
nada sabemos além disso.
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Tadeu aparece em Mat.10.3 e Marcos 3.18. Em João, ele tem o nome de
“Judas”. Em João 14.22, Judas (“não o Iscariotes”) pergunta a Jesus: “Senhor, mas
por que te revelerás a nós e não ao mundo?” Ele não podia entender porque Jesus
não se colocava em evidência perante o mundo. Em Atos 1.13 ele, como “Judas,
filho de Tiago”, consta entre os que estavam reunidos, esperando pelo Espírito Santo.
Outro nome com que aparece é “o lebeu”. Nada mais sabemos dele.
Simão, o Zelote, pertencia ao partido odiado pelos dominadores estrangeiros,
por se oporem ao pagamento de tributos e promoverem rebeliões contra os
romanos. Em alguns lugares aparece como “o cananeu”. Ele se tornou fiel ao
Senhor, encontrando-se também entre os que esperavam a vinda do Espírito Santo
(Atos 1.13). Não sabemos mais nada dele além do que consta em Atos 1.13.
Judas Iscariotes, o que provavelmente quer dizer: “o homem de Queriote”.
Judas Iscariotes era o único discípulo de fora da Galiléia, era membro da tribo de
Judá. Em João 6.71 já vemos que Jesus desconfiava de um traidor entre os seus.
Como Judas tratava das finanças do grupo, a tradição tem atribuído a ele
infidelidade na administração dos recursos, baseada na observação de João, em
12.6. Não podemos afirmar, se foi o dinheiro ou se foi a decepção com a carreira de
Jesus, que levou este discípulo a informar o paradeiro de Jesus quando este, no
desenrolar dos acontecimentos, já estava sendo procurado pela autoridade
eclesiástica (João 11.57). Há também os que defendem que Judas quis forçar Jesus
a posicionar-se perante o mundo (o que explicaria o suicídio dele, quando soube
que Jesus fora condenado).
Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem junto com ele, os
enviasse a pregar (15) e tivessem autoridade para expulsar demônios. Marcos
resume aqui em poucas palavras a designação desses doze homens, tirados do
meio do povo: estarem com ele, pregando e recebendo autoridade sobre o
maligno. Apesar de terem fracassado inúmeras vezes e não terem compreendido
em profundidade aquilo que moveu o seu Senhor, este lhes permaneceu fiel. Um dos
doze, desapontado a tal ponto com o modo como as coisas se desenvolveram,
resolveu pôr fim à historia, entregando seu mestre nas mãos de seus algozes. Jesus
tinha escolhido para ser “seu seguidor” até mesmo este homem!
Permita-me fazer uma pergunta: Você sabe que você está incluído no rol dos que
Jesus chamou a segui-lo (João 17.20), a serem “seus” e que Jesus intercedeu por
você?
Esta é a Boa Nova do Evangelho!
O Evangelho de Marcos – cap. 3.20-22 (NVI)
(20) Então Jesus entrou numa casa, e novamente reuniu-se ali uma multidão, de modo que ele e os
seus discípulos não conseguiam comer. (21) Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para
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trazê-lo à força, pois diziam: “Ele está fora de si”. (22) E os mestres da lei que haviam descido de
Jerusalém diziam: “Ele está com Belzebu! Pelo príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios”.
Marcos nos relata aquilo que ouviu de Pedro, enquanto lhe serviu de intérprete.
Notamos claramente a preferência de Pedro por ação, em detrimento de relatos de
conversas e discursos. Através de Marcos percebemos o que mais impressionou a
Pedro. O (historicamente) primeiro relato da vida de Jesus, por Marcos, ainda é um
esboço, que se limita ao essencial. Os Evangelhos posteriores, com mais material
coletado, trarão mais informações. Lucas, o médico, que pesquisou
cuidadosamente todas as fontes (Lucas 1.3,4), nos revela que entre a escolha dos
doze discípulos e o verso 20 acima e onde Marcos continua o seu relato, passaramse muitos dias ou até semanas. Pelo seu Evangelho, sabemos que Jesus, após ter
decidido quem faria parte do grupo dos doze, considerando a multidão que
continuamente lhes seguia, procurou chamar a atenção desses seus seguidores aos
novos valores do Reino que, a partir daquele momento, teriam que anunciar (leia
Lucas cap. 6.12 até verso 36).
O que mais impressionou a Pedro foi, de um lado, a multidão que surgia dia e
noite querendo encontrar a Jesus, procurando por ajuda e, do outro lado, a
resistência que os sacerdotes e escribas revelaram perante o movimento que estava
surgindo. Marcos continua seu relato assim:
(20) Então Jesus entrou numa casa, e novamente reuniu-se ali uma multidão,
de modo que ele e os seus discípulos não conseguiam comer. Nazaré, lugar onde
Jesus cresceu e onde era conhecido como “filho do carpinteiro”, se situava há
menos de 30 km de Cafarnaum, centro das atividades de Jesus nesta fase do seu
ministério. A fama do Nazareno, que se espalhava até lugares distantes (Tiro,
Decápolis, Jerusalém), também tinha chegado aos ouvidos dos conhecidos da
família de Jesus. (21) Quando seus familiares ouviram falar disso, saíram para trazê-lo
à força, pois diziam: “Ele está fora de si”. Quem eram esses “seus familiares”? O
original grego diz literalmente “aqueles do seu lado”. Pesquisas do texto nos
apontam como pouco provável que aqui se tratasse de familiares diretos de Jesus.
Não há como imaginar que Maria, sua mãe, pudesse considerar seu filho “fora de si”
a ponto de querer “trazê-lo à força” para casa. Não foi anunciado a ela que este
seu filho primogênito seria “grande e chamado Filho do Altíssimo?” (leia Lucas
cap.1.26-38, trecho conhecido como “Magníficat”). Por ocasião do nascimento
Dele, quando Maria ouviu o relato dos pastores do campo, o Evangelho de Lucas
diz: “Maria, porém, guardava todas essas coisas e sobre elas refletia em seu
coração” (Lucas 2.19). Quando Jesus foi apresentado no templo, com oito dias de
vida, o velho Simeão lhes profetizou que este menino seria “a luz para revelação aos
gentios e para a glória de Israel” (Lucas 2.32) e, quando abençoava os pais, disse
“quanto a você (Maria), uma espada atravessará a sua alma” (Lucas 2.35).
Finalmente, após o incidente com Jesus, ao completar doze anos, na sua primeira
visita do templo por ocasião da páscoa (veja Lucas 2.41-51), Lucas observa: “Sua
mãe, porém, guardava todas essas coisas em seu coração”(Lucas 2.51). Maria sabia
que algo extraordinário estava para acontecer. Tudo isso ficou guardado no seu
coração de mãe. Quando lhe foi revelado o propósito de Deus, ela não tinha
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prometido: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim a tua palavra?”
(Lucas 1.38). Os familiares nada sabiam ou pouco consideraram.
Jesus acabou por se tornar um escândalo para sua cidade. O que este filho
de carpinteiro queria? Obviamente enlouqueceu; será que o frenesi religioso o
consumia? Não estava ele pronunciando perdão de pecados como se fosse o
próprio Deus? Parece que o povo de Nazaré se sentia ofendido. Os amigos da
família de Jesus poderiam, de fato, ter interpretado o comportamento tão estranho
de Jesus, de acordo com os padrões humanos da época, uma vez que tudo lhes
parecia indicar que Jesus tinha perdido a capacidade de discernimento. Marcos
não nos conta de que forma, mas sabemos que Jesus foi poupado da “ajuda”
daqueles amigos que procuravam levá-lo à força para casa.
A esta altura, porém, outra dificuldade de maior peso, se anunciara. A
preocupação tomou conta do alto clero em Jerusalém. Não lhe ficava oculto a
fascinação do povo perante os feitos e palavras de Jesus. Notavam o perigo do
povo começar a nutrir noções messiânicas em relação a este Nazareno. Sendo
assim, o movimento na distante província da Galiléia ameaçava questionar a
legitimidade da autoridade religiosa estabelecida em Jerusalém. (22) E os mestres
da lei que haviam descido de Jerusalém diziam: “Ele está com Belzebu! Pelo
príncipe dos demônios é que ele expulsa demônios”.
Uma “CPI” se instalara e a acusação contra Jesus era gravíssima: “Ele está
possesso por Satanás e a expulsão de demônio, observada e relatada pelos escribas
(Marcos 1.21-28), só podia ter sido realizada pelo poder do 'próprio': do‘príncipe dos
demônios’”. Para os fariseus e os escribas, mestres da lei, era inconcebível que
alguém, além deles, tivesse acesso a Deus. Não foram eles escolhidos e até
reconhecidos pelo poder político-social como representantes do Eterno? Eles que
conheciam a lei e a interpretavam;; o que “esse galileu” pensava ser?
Prejulgamento, assim como vontade de poder, levam à cegueira espiritual. Em
alguns momentos, as próprias condições em que nos encontramos fazem com que
seja impossível até reconhecer a luz vinda de Deus!
Você, querido leitor, está aberto e disposto a ouvir a Deus, mesmo se esta
mensagem venha até você de forma inesperada, inconvencional talvez? Deus tem
os seus próprios meios pelos quais Ele nos fala. Novamente: você está aberto para
ouvir, ou já tem sua própria explicação pronta, como os escribas a tinham a respeito
do Nazareno?
Responda a si mesmo e continue conosco no estudo desse Evangelho tão particular!
O Evangelho de Marcos – cap. 3.23-30 (NVI)
(23) Então Jesus os chamou e lhes falou por parábolas: “Como pode Satanás expulsar Satanás? (24)
Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir. (25) Se uma casa estiver dividida
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contra si mesma, também não poderá subsistir. (26)E se Satanás se opuser a si mesmo e estiver
dividido, não poderá subsistir; chegou o seu fim. (27) De fato, ninguém pode entrar na casa do
homem forte e levar dali os seus bens, sem que antes o amarre. Só então poderá roubar a casa dele.
(28) Eu lhes asseguro que todos os pecados e blasfêmias dos homens lhes serão perdoados, (29) mas
quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: é culpado de pecado eterno”. (30) Jesus
falou isso porque eles estavam dizendo: “Ele está com um espírito imundo”.
(23) Então Jesus os chamou e lhes falou por parábolas: “Como pode Satanás
expulsar Satanás?” Você percebe que Jesus procura os que o acusam e os
enfrenta. Há hora para ficar calado quando alguém semeia descrédito. Mas aqui
não era possível ficar calado. Eles, com a acusação lançada, disseram que uma
influência maligna agia dentro de Jesus; que Ele era possesso e por isso tinha poder;
que Jesus trabalhava em parceria com o diabo. A acusação era ridícula. Usaria o
diabo “fogo amigo” contra si mesmo?
(24) Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir. (25) Se
uma casa estiver dividida contra si mesma, também não poderá subsistir. (26)E se
Satanás se opuser a si mesmo e estiver dividido, não poderá subsistir; chegou o seu
fim. Por três vezes, na sua resposta à acusação lançada, Jesus aponta para o “não
poder subsistir”, para a ruína óbvia de um comportamento daquele tipo. Agir contra
si mesmo, ainda que em níveis de autoridade distintos, é sinal de confusão. Na
política atual existe este tipo de contradição. Mas no reino espiritual, não. O diabo
estaria aniquilando a si mesmo se primeiramente enviasse demônios inferiores para
atormentar uma pessoa, para depois, através do seu “príncipe”, expulsar seus
próprios emissários. Seria o próprio fim do maligno, se agisse desta forma. Em forma
de parábola, Jesus aponta para o que estava acontecendo: (27) De fato, ninguém
pode entrar na casa do homem forte e levar dali os seus bens, sem que antes o
amarre. Só então poderá roubar a casa dele. Pelos escritos encontrados em
Qumran (1947-52), sabemos que Jesus usou “termos profissionais” na questão de
exorcismo da época, quando se referiu ao “forte”. No rolo 4Q532 de Qumran,
literatura portanto do primeiro século antes de Cristo, consta a menção “amarrar o
forte” quando se refere aos anjos malignos que devem ser amarrados antes de
salvar uma pessoa. O que acontece, diz Jesus, é que Ele, ao livrar alguém da
possessão demoníaca, demonstra ter amarrado aquele que considerava “seus” os
bens confinados, isto é, a mente e o corpo de uma pessoa. Ao devolver a mente e o
corpo de uma pessoa à liberdade, Ele demonstra ter invalidado (amarrado) aquele
que considerava “sua” esta pessoa. A Sua autoridade não está acima, mas oposta
à do demônio. Este sabe que em todas as vezes em que for desapossado, estaria
padecendo dos resultados da profecia do seu julgamento. O seu domínio está
sendo destruído. Ele sabe que o seu reino está com os dias contados. Se Jesus não
tivesse recusado a ajuda para a conquista do poder e oferecida pelo maligno
(Lucas 4.5-8), agora não teria autoridade nenhuma sobre o mal. Mas Jesus a tem.
Pecar por ignorância é uma coisa, agora pecar conscientemente, mentindo contra
as evidências, é um pecado muito maior, imperdoável até.
Os escribas, quando lançaram a acusação de possessão contra Jesus, faziamno conscientemente, contra toda a evidência, contra as escrituras em suas mãos,
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que testificavam a favor de Jesus. Não estavam interessados na verdade; o que os
moveu era o simples desejo de poder.
Jesus nos exorta a esse respeito: (28) Eu lhes asseguro que todos os pecados e
blasfêmias dos homens lhes serão perdoados, (29) mas quem blasfemar contra o
Espírito Santo nunca terá perdão: é culpado de pecado eterno”. O que na nossa
tradução da NVI (Nova Versão Internacional) aparece como “eu lhes asseguro” e
no original está como “amém”, refere-se no hebraico sempre à idéia de “verdade e
fidelidade”. Essa confirmação ocorre inúmeras vezes no Antigo Testamento (veja
Salmo 41.13) e no Evangelhos e no Apocalipse, sempre para reforçar uma
declaração importante. No nosso contexto atual pode se traduzir melhor como “eu
solenemente vos declaro”. O que Jesus aqui solenemente está declarando? “... mas
quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão: é culpado de pecado
eterno”. Este verso tem causado muita insegurança e discussão. Vamos observar o
que Jesus diz: Ele declara que sempre haverá a possibilidade de perdão para todos
os pecados e até blasfêmias. Obviamente não haverá perdão quando este não for
solicitado, mas, onde alguém mudar de idéia e pedir perdão, Deus o concederá
livremente e com alegria. Esta é a Boa Nova.
Haverá sempre esperança para qualquer um que consiga balbuciar “Ó Deus,
tenha misericórdia de mim, pecador”. Haverá perdão até para quem blasfemou
contra Deus, porque julgava estar com a razão.
O que é “blasfêmia contra o Espírito Santo”? Qual então o pecado eterno?
Segundo o dicionário, blasfêmia é “expressão ou palavras que ultrajam, ofendem a
religião ou a divindade e/ou ofensa, calúnia ou ultraje à pessoa idônea, respeitável.”
Os blasfemadores, conforme a tradução tradicional, “nunca obterão perdão, mas
serão réus do eterno juízo” (ERC). Vemos que os escribas, conscientemente e
ignorando as escrituras que muito bem conheciam, resolveram, decidiram dizer
“não”;; não porque chegaram à conclusão de que esta opção era a que condizia
com a realidade, mas porque esta realidade os questionava na sua posição
referente às coisas sagradas. Mas Deus sempre nos questiona.
A blasfêmia contra o Espírito Santo é o resultado do progresso gradual de
vivência no pecado. Pela mesmice, pela impenitência, entristecemos o Espírito
Santo (Ef.4.30); depois resistimos a Ele (Atos 7.51) e finalmente o apagamos
(1.Tess.5.19). Ela é o estado em que “depomos contra a verdade, conscientemente”,
algo muito em concordância com o que assistimos hoje em dia na TV. Aquele que
blasfema contra o Espírito Santo condena a si mesmo; não há necessidade de um
acusador. Ele mesmo se condena em escolher chamar o Espírito de Deus de
Satanás, sabendo que Ele não o é.
(30) Jesus falou isso porque eles estavam dizendo: “Ele está com um espírito
imundo”. Marcos resume com uma observação explicativa o “porquê” da
advertência solene de Jesus. Tanto em Marcos como no Evangelho de João
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encontramos estas observações posteriores com a finalidade de chamar a atenção
do leitor a determinados fatos.
Você percebe que o caminho para o coração de Deus está aberto? Não
haverá pecado que o separe de Deus, uma vez que Jesus lhe declara perdão de
todos seus pecados e de toda blasfêmia, reconhecidos como tais.
Dê graças a Ele, se Ele com a Sua palavra ainda o questiona! Ao justo, Deus
nada tem a oferecer. O questionamento Divino, porém, chama e capacita o
pecador; perdoa-o e o transforma.
O Evangelho de Marcos – cap. 3. 31-35 (NVI)
(31) Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém
chamá-lo. (32) Havia muita gente assentada ao seu redor;; e lhe disseram: “Tua mãe e teus irmãos
estão lá fora e te procuram”. (33) Quem é minha mãe, e quem são os meus irmãos?”, perguntou ele.
(34) Então olhou para os que estavam assentados ao seu redor e disse: “Aqui estão minha mãe e
meus irmãos! (35) Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe.”
(31) Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora,
mandaram alguém chamá-lo. Há grande probabilidade de que os relatos
conflitantes dos “familiares”, mencionados nos versos 21 e 22, tenham motivado a
mãe e os irmãos de Jesus a procurá-lo afim de verificar com os próprios olhos o que
estava acontecendo e, se fosse necessário, convencê-lo a procurar descanso.
Sabemos que Jesus tinha irmãos e irmãs. Os nomes dos irmãos encontra-mo-los no
cap. 6.3, onde Jesus na sua cidade, Nazaré, outra vez está sendo desacreditado.
Algumas fontes alegam que José, quando casou-se com Maria, era viúvo e já tinha
esses filhos. Tudo que encontramos no Novo Testamento contradiz essa versão. Em
várias ocasiões futuras, os irmãos de Jesus aparecerão e encontramos no Novo
Testamento até uma carta escrita pelo seu irmão Tiago.
No texto que hoje estudamos que a mãe de Jesus, acompanhada pelos
seus filhos, estava querendo falar com Jesus. (32) Havia muita gente assentado ao
seu redor;; e lhe disseram: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram”.
Entendemos que Jesus estava no interior da casa, muito provavelmente em
Cafarnaum, na residência de Pedro. Mais uma vez, a multidão reunida, assentada
ao redor dele, impediu a entrada de mais alguém, pois não havia mais espaço.
Jesus recebeu o recado, de que sua mãe com seus irmãos estavam ali e queriam
falar com ele, lá fora. A resposta de Jesus, à primeira vista, escandaliza o leitor.
(33) Quem é minha mãe, e quem são os meus irmãos?”, perguntou ele. No verso
seguinte, Marcos diz que Jesus olhou ao redor. Seguramente já olhara ao redor ao
fazer esta pergunta. Aos doze anos, quando seus pais o levaram pela primeira vez
ao templo, já acontecera algo que deve ter marcado o coração de seus pais
(Lucas 2.46-51). Naquele momento, em que procuraram a Jesus por três dias,
desesperados (porque Ele tinha desaparecido na multidão e quando foi encontrado
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e repreendido pelos pais com as palavras “Filho, por que você nos fez isto? Seu pai e
eu estávamos aflitos, à sua procura”), o jovem lhes deu uma resposta que estes não
entenderam. “Por que vocês estavam me procurando?” disse Ele; “não sabiam que
eu devia estar na casa de meu Pai?” Ora, o jovem acabou de alcançar a
maioridade (doze anos no judaísmo) e agora não reconhece mais os seus pais?
Lucas continua dizendo que Jesus voltou com seus pais, sendo submisso, mas
observa que Maria, sua mãe, ficou matutando em seu coração as palavras de seu
filho. Ela já sabia que seu filho seria grande, mas não “de que forma e quando” isso
ocorreria. Naquela hora, com doze anos, Jesus já tinha se desligado no seu íntimo
dos laços biológicos e reconhecido como seu Pai “O Eterno”, adorado no templo.
Agora nós O encontramos em Cafarnaum, dezoito anos mais tarde e,
mais uma vez, Ele está sendo procurado pela mãe aflita e pelos irmãos
possivelmente escandalizados com o comportamento de seu irmão mais velho. (34)
Então olhou para os que estavam assentados ao seu redor e disse: “Aqui estão
minha mãe e meus irmãos! (35) Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão,
minha irmã e minha mãe.” O Evangelho de Mateus acrescenta que Jesus estendeu
a mão para os discípulos, demonstrando a inclusão deles na Sua família. As suas
palavras, em resposta à sua pergunta, fortes e maravilhosas ao mesmo tempo,
anunciaram um novo “kairos” (tempo). Não mais os laços biológicos seriam decisivos
no Reino que Jesus anunciou. Qualquer um que fizesse a vontade de Deus seria sua
mãe e seu irmão. Não aquele que apenas conhecer a vontade do Pai Celeste, mas
aquele que a fizer. Esta declaração implica em sacrifício. Laços que até agora eram
decisivos, teriam que ser postos de lado, pois poderiam se constituir em obstáculos. A
obediência ao Pai Celeste, disse Jesus, tem primazia.
Nada sabemos da reação da mãe e dos irmãos naquele momento.
Maria, possivelmente, se lembrou de outra oportunidade onde ela tentou interferir e
foi corrigida pelo seu primogênito (João 2.3). Naquela ocasião, após a correção,
Maria reconheceu sua atitude, talvez precipitada, e foi honrada pelo seu filho (João
2.5). A partir daqui, até a Sua paixão, não teremos mais nenhuma menção de sua
mãe no Evangelho, além da referência negativa do povo de Nazaré a respeito da
procedência desse Jesus. Maria experimentou o que era “entregar” Aquele que lhe
foi confiado para ser mãe, mãe biológica do Redentor. Não somente por ocasião
da crucificação é que “a espada atravessou seu coração” (Lucas 2.35), mas
durante todo o ministério de Jesus, quando ela, Maria, fora posta de lado. No
entanto, em Atos 1.14, Maria aparecerá entre os crentes. Somente naquele
momento, quando tudo consumado, ela podia entender a amplitude e o
cumprimento das profecias que recebeu quando foi escolhida e chamada para ser
a mãe do Salvador.
Muitos de nós não querem pagar o preço do discipulado porque laços
familiares, de uma ou outra maneira, pesam mais do que a obediência à palavra de
Deus. Para sermos reconhecidos filhos e filhas no Reino de Deus, para recebermos
Dele a confirmação da adoção, teremos que pagar o preço que Maria pagou, o
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preço que Jesus pagou. “Qualquer um que fizer a vontade...” É para “qualquer um”,
não é somente para uns poucos merecedores.
Vale também para mim e para você!
O Evangelho de Marcos – cap. 4.1-9 (NVI)
(4.1) Novamente Jesus começou à ensinar a beira-mar. Reuniu-se ao seu redor uma multidão tão
grande que ele teve que entrar num barco e assentar-se nele. O barco estava no mar, enquanto
todo o povo ficava à beira da praia. (2) Ele lhes ensinava muitas coisas por parábolas, dizendo em
seu ensino: (3) “Ouçam! O semeador saiu para semear. (4) Enquanto lançava a semente, parte
dela caiu à beira do caminho, e as aves vieram e a comeram. (5) Parte dela caiu em terreno
pedregoso, onde não havia muita terra; e logo brotou, porque a terra não era profunda. (6) Mas
quando saiu o sol, as plantas se queimaram e secaram, porque não tinham raiz. (7) Outra parte
caiu entre espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas, de forma que ela não deu fruto. (8)
Outra ainda caiu em boa terra, germinou, cresceu e deu boa colheita, a trinta, sessenta e até cem
por um”. (9) E acrescentou: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!”
(4.1) Novamente Jesus começou a ensinar à beira-mar. Reuniu-se ao seu redor
uma multidão tão grande que ele teve que entrar num barco e assentar-se nele. O
barco estava no mar, enquanto todo o povo ficava à beira da praia. Novamente
vemos o escritor impressionado com a multidão que constantemente se formou
ao redor de Jesus. Para não ser comprimido pela multidão, Jesus optou pelo
barquinho que outrora havia solicitado para ocasiões como esta. Devemos
considerar que naquele tempo não havia megafone nem alto-falantes. Para ouvir
um pregador falar, as pessoas precisavam chegar o mais perto possível dele. Do
barco, no qual Ele se assentou, Jesus, mantinha a distância necessária e tinha o
auditório em ótimas condições para ouvi-lo.
(2) Ele lhes ensinava muitas coisas por parábolas, dizendo em seu ensino: ...
Marcos, no seu livro, relata somente poucas parábolas, mas observa que era este
o modo como Jesus ensinava. Nos versos 33 e 34 deste capítulo, ele até diz que
“com muitas parábolas Jesus ensinava e que nada falou sem fazer uso delas”.
Para o homem do campo, iletrado, a parábola (que é uma “história simples com
significado profundo”), era capaz de despertar a atenção e ficar gravada na sua
mente para posterior meditação. A parábola dispensa artifícios de retórica, tão
valorizados hoje em dia. Muitos anos mais tarde, quando Lucas pesquisou para
compor seu relato, ele ainda encontrou inúmeras parábolas de Jesus guardadas
na mente do povo e as relata no seu Evangelho.
Ouviremos Marcos: (3) “Ouçam! O semeador saiu para semear”. Jesus
chamou a atenção para a história que contaria em seguida. É significativo que
Marcos escolheu exatamente esta parábola entre as muitas que Jesus contou.
Procure descobrir o que esta parábola tem a ver com a situação em que Jesus se
encontrou neste momento! Temos um semeador, a semente e o campo onde a
semente será lançada. (4) Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira
do caminho, e as aves vieram e a comeram. Quando o semeador semeia
manualmente, uma parte da semente levada pelo vento sempre acabará caindo
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na estrada que beira o campo. Seca, batida, onde nunca se passara o arado, a
semente não terá outro fim a não ser este: ser comida pelas aves que estão
sempre presentes onde se joga a semente, até mesmo porque essa é a melhor
comida possível para elas. Enquanto o semeador semeia, a parte que cai na
beira da estrada é imediatamente comida.
(5) Parte dela caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; e logo
brotou, porque a terra não era profunda. (6) Mas quando saiu o sol, as plantas se
queimaram e secaram, porque não tinham raiz. O solo na Palestina consiste, em
boa parte, de uma camada rasa de terra sobre terreno rochoso. A semente que
cai nesta área não desenvolverá raízes profundas. Ela logo brota e aparece, mas
não resistirá ao calor do sol. Para crescer e produzir fruto, é necessário desenvolver
raízes.
(7) Outra parte caiu entre espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas, de
forma que ela não deu fruto. No solo infestado por raízes de espinheiros e ervas
daninhas, a semente virá a brotar, mas como aquilo que não se deseja sempre
cresce mais rápido do que a parte boa, a semente não vingará, pois lhe será
ocultada a luz do sol. Sufocada, não dará fruto.
(8) Outra ainda caiu em boa terra, germinou, cresceu e deu boa colheita, a
trinta, sessenta e até cem por um. Onde o arado passou, onde a terra está livre de
praga e é profunda, haverá colheita. Ela será variada, de acordo com a
especificidade do solo e condições climáticas do lugar. Mas haverá fruto.
Até aqui a história parece simples, óbvia e clara. Mas Jesus acrescenta uma
advertência: (9) E acrescentou: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!”
Parece que Jesus quis dizer: “há mais coisas nessa história”!
Escutar não é ouvir. Muitos têm ouvidos para não ouvir. Ouvir quer dizer
“assimilar, digerir, colocar no devido lugar”, o que implica em tomar posição
perante o que foi ouvido, isto é, ir ao encontro do anunciado: a favor ou contra.
Ouvir e continuar neutro é como se não tivesse ouvido. Nas coisas de Deus, isso
não existe. Jesus disse: “Você, que tem ouvidos, faça uso deles”. Ouvir não é fácil.
A falta de receptividade, às vezes, é “falta de disposição” para ouvir.
Você quer ouvir? Você é capaz de ouvir?
Muitas Igrejas estão lotadas de gente. Será que todo esse pessoal é capaz de
ouvir? “Assistir” não é ouvir. “Celebrar” ou “cultuar” não é necessariamente
“ouvir”.
A palavra de Deus nos desafia. Jesus disse: “Ouça”!
O Evangelho de Marcos – cap. 4.10-12 (NVI)
(10) Quando ele ficou sozinho, os doze e os outros que estavam ao seu redor lhe fizeram perguntas
a respeito das parábolas. (11) Ele lhes disse: “A vocês foi dado o mistério do Reino de Deus, mas
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aos que estão fora, tudo é dito por parábolas, (12) a fim de que, ‘ainda que vejam, não percebam;;
ainda que ouçam, não entendam; de outro modo, poderiam converter-se e ser perdoados!’”.
A admoestação de Jesus: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!”, não fica
sem reação por parte dos discípulos. (10) Quando ele ficou sozinho, os doze e os
outros que estavam ao seu redor lhe fizeram perguntas a respeito das parábolas.
Havendo dispensado a multidão, os discípulos e “os outros” que estavam ao seu
redor (outra tradução: “estavam com ele”) interrogaram-no a respeito do sentido
da parábola, uma vez que Jesus chamou sua atenção ao que acabara de
contar à multidão. Marcos aqui diz: “das parábolas”, no plural. Jesus ensinava
através de parábolas, mas o Evangelista neste texto nos fala de uma só.
Quem eram estes ”com ele”, além dos doze? Sabemos hoje (O.Cullmann) que
havia na época três movimentos com esperanças messiânicas distintas, paralelos,
às vezes competindo entre si e com alguns seguidores trocando de mestre.
Sabemos do movimento batista, do qual os próprios discípulos João e André
fizeram parte, antes de seguir a Jesus. Havia também o movimento dos essênios,
com algumas ligações com o batista. Existiu um certo intercâmbio, embora
limitado, entre esses movimentos. Em alguns momentos até aparecem nos quatro
Evangelhos do Novo Testamento conceitos ou termos válidos também num e
noutro movimento paralelo (por exemplo, a exclamação “preparem o caminho
do Senhor” e o termo “filho do Homem” e outros). Sabemos que algumas mulheres
estavam acompanhando a Jesus e a seu grupo desde a Galiléia, possivelmente
cuidando da comida e da hospedagem (Lucas 23.49).
Assim, o grupo ao redor de Jesus, sedento por instrução acerca da parábola
que Ele acabara de contar ainda era considerável e, no entanto, Marcos
descreve que Jesus estava “sozinho”. (11) Ele lhes disse: “A vocês foi dado o
mistério do Reino de Deus, mas aos que estão fora tudo é dito por parábolas, (12)
a fim de que, ‘ainda que vejam, não percebam;; ainda que ouçam, não
entendam; de outro modo, poderiam converter-se e ser perdoados!’”.
À primeira vista, parece até sadismo o que Jesus aqui diz. Entre várias
tentativas de explicação citaremos a mais provável: Comparando-se com a
tradição ortodoxa, legalista, Jesus trouxe uma nova interpretação da Lei de Deus
e principalmente da tradição. Nela Ele pressupõe uma condição básica,
necessária, para entrar no Reino e entender o seu mistério: um novo nascimento
pelo Espírito(João 3.3). Não mais é suficiente ser descendente de Abraão. Sendo
assim, seu ensino em certo sentido se torna algo “para iniciados”, ponto
defendido ao extremo pela seita dos essênios. Jesus não vai até esse ponto. Com
Ele, o batismo ainda não é a entrada para a comunidade santa, algo que os dois
outros movimentos defendem.
Ainda assim, fica a pergunta: Por que “a estes de fora” não será dado
entendimento e oportunidade para a conversão? Jesus cita uma palavra do
profeta Isaías (cap. 6), onde o povo é confrontado com a conseqüência de sua
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própria escolha. Brincando com a Palavra de Deus, brincando com a conversão,
com o arrependimento, o próprio Deus lhes fechará o caminho e os confrontará
com a “responsabilidade de sua própria cegueira e impenitência” (Calvino).
O mesmo se aplicou, agora, à multidão que veio a Jesus. Ela não estava
interessada em ser confrontada consigo mesma e nem com Deus. Ela queria
ajuda, cura, milagre, evento, prosperidade, para usar os termos de hoje. Não é a
Deus que eles procuravam, mas “ajuda nos seus próprios caminhos”. Deus serviria
para abençoar aquilo que eles decidiram e fizeram - assim como é hoje em que
até um lugar ou instituição secular são “bentos” pela Igreja. Essa é a razão da
parábola e, considerando isso, ela deveria ser interpretada.
A eles, ainda hoje, Deus tem uma mensagem só: “ainda que vejam, não
percebam; ainda que ouçam, não entendam; para não se converterem e serem
perdoados!”.
O mesmo sol que endurece o barro, amolece a cera. Assim será com os
homens. A Palavra de Jesus ou os endurece ainda mais ou os quebra e assim
“ouvirão e se converterão”.
Como você está ouvindo? Está crescendo o desejo de acertar sua vida com
Deus, ou está aumentando a sua resistência que o leva para mais longe ainda?
Observe: mais longe por causa do atrito com a Palavra de Deus!
O Evangelho de Marcos – cap.4.13-20 (NVI)
(13) Então Jesus lhes perguntou: ”Vocês não entendem esta parábola? Como, então,
compreenderão todas as outras ? (14) O semeador semeia a palavra. (15) Algumas pessoas são
como a semente à beira do caminho, onde a palavra é semeada. Logo que a ouvem, Satanás
vem e retira a palavra nelas semeada. (16) Outras, como a semente lançada em terreno
pedregoso, ouvem a palavra e logo a recebem com alegria. (17) Todavia, visto que não têm raiz
em si mesmas, permanecem por pouco tempo. Quando surge alguma tribulação ou perseguição
por causa da palavra, logo a abandonam. (18) Outras ainda, como a semente lançada entre
espinhos, ouvem a palavra; (19) mas, quando chegam as preocupações desta vida, o engano das
riquezas e os anseios por outras coisas sufocam a palavra, tornando-a infrutífera. (20) Outras
pessoas são como a semente lançada em boa terra; ouvem a palavra, aceitam-na e dão uma
colheita de trinta, sessenta e até cem por um”.
(13) Então Jesus lhes perguntou: ”Vocês não entendem esta parábola? Como,
então, compreenderão todas as outras ? A entonação está em “esta parábola”.
Esta parábola é fundamental, disse Jesus. Se não entendermos esta, como vamos
entender as demais? Embora Marcos não mencione estas “demais”, podemos
aprender algo do mistério através dessa primeira.
(14) O semeador semeia a palavra. O que está acontecendo, disse Jesus, é
que o semeador semeia a palavra. A semente é a Palavra de Deus. O semeador
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é o próprio “Filho do Homem”. Jesus está semeando, quando a multidão O cerca.
O que a história enfatiza, é o solo. Ela não se detém na pessoa do semeador, nem
questiona a semente. Os dois são tidos como perfeitos. No solo é que estão as
diferenças e as dificuldades. O solo está sendo comparado com as pessoas,
melhor, com o coração das pessoas nas quais a semente está sendo lançada, isto
é, a palavra que está sendo ouvida. O fruto, assim nos ensina a parábola,
depende da condição do coração daqueles que recebem a mensagem. O
caráter do ouvinte é que determina o efeito da palavra sobre ele. Não é a
semente.
(15) Algumas pessoas são como a semente à beira do caminho, onde a
palavra é semeada. Logo que a ouvem, Satanás vem e retira a palavra nelas
semeada. A palavra fica na superfície, onde ainda enquanto o semeador semeia,
já está sendo tirada pelo inimigo, comida pelos pássaros. Ao tratarem a Palavra
de Deus com superficialidade, estas pessoas não estão somente perdendo, mas
cooperando com o príncipe do mal. Eles nada fazem com a palavra recebida.
Não a usam para nada. Talvez seja má-vontade com o mensageiro ou não
querem ser importunadas... não sabemos. Uma grande parte, disse Jesus,
comparando-a com o chão batido da estrada, nem percebe do que estou
falando. A palavra neles se perde.
(16) Outras, como a semente lançada em terreno pedregoso, ouvem a
palavra e logo a recebem com alegria. (17) Todavia, visto que não têm raiz em si
mesmas, permanecem por pouco tempo. Quando surge alguma tribulação ou
perseguição por causa da palavra, logo a abandonam. Tão rapidamente como a
semente na estrada é comida, nestas pessoas a palavra é recebida até com
alegria. Ela satisfaz no momento. Ela vem ao encontro daquilo que querem ouvir,
ao que faz bem aos ouvidos. Todavia, assim que essas pessoas começam a
entender o alcance da Palavra, o quanto esta os questiona e desafia, elas
renunciam. Cresceram somente para cima, na alegria do momento. Não
puderam crescer para baixo, formar raízes. São as raízes que abastecem a planta
na hora da provação, do sofrimento, da perseguição. Outra parte, disse Jesus,
pode ser comparada a tais pessoas. Elas ignoraram o fato de que “o caminho da
cruz é o que nos leva para casa”.
As pregações de hoje não são, muitas vezes, promessas de “felicidade
instantânea”? Elas não deixam claro ao ouvinte o que é que Deus quer. Elas
enfatizam a necessidade humana e assim semeiam em terreno rochoso. O
resultado é o crescimento impressionante e imediato, mas há pouca resistência
na hora da provação. Mais uma parcela do grande auditório de Jesus que tanto
impressionou os discípulos e lhes pareceu projetar um futuro glorioso com seu
Mestre, está sendo descartada.
(18) Outras ainda, como a semente lançada entre espinhos, ouvem a palavra;
(19) mas, quando chegam as preocupações desta vida, o engano das riquezas e
os anseios por outras coisas sufocam a palavra, tornando-a infrutífera. Um solo
infestado é um problema sério para o crescimento de qualquer planta saudável e
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nobre. Corações cheios de preocupações com relação ao dia-dia, obscurecidos
pelos sonhos de riqueza e demais ambições, bloqueiam qualquer influência boa
que poderia - se a realidade fosse outra - resultar na entrada no Reino. Tais
corações estão cheios; não há espaço para o novo que a Palavra traz. Marcos
menciona, além das preocupações, o engano das riquezas. Projeções de que
como, se fossem ricos, poderiam mudar de vida; anseios por outras coisas, todas
tão importantes, que Deus, tempo para Deus, vida para Deus, tudo isso acabará
em último lugar. Para Deus ficarão as sobras, tanto em tempo quanto em
interesse. As preocupações do dia-dia, tais quais a tiririca ou os espinheiros,
simplesmente vão cobrindo e tornando infrutífero aquelas plantas. Elas vivem, sim,
mas vivem uma vida miserável, sem fruto para Deus. As pessoas aqui
mencionadas não são uma bênção para as outras. Não há erro no semeador,
nem com a semente. Com a pessoa, porém, tudo está errado.
Como se limpa um campo infestado? Removendo tudo! Somente então
poderá receber a semente e frutificar. (20) Outras pessoas são como a semente
lançada em boa terra; ouvem a palavra, aceitam-na e dão uma colheita de
trinta, sessenta e até cem por um”. Aqui temos pessoas que ouvem porque
querem ouvir. Pessoas que refletem e assim trabalham para chegar ao
entendimento; que clamam a Deus em sua sede e produzirão fruto. O tamanho
do fruto não é igual em todas. Nem todos os crentes são igualmente fiéis,
confiáveis, trabalhadores. Mas quanto à essência, quanto à substância, todos
estão na mesma posição. Estão dando fruto.
Muitos culpam o passado, o ambiente ou a outrem pelo seu fracasso. Jesus
aponta para o fundamental: seu coração. O fruto será bom porque a semente é
boa. Mas a condição para que haja fruto é de sua responsabilidade: sua
disposição de ouvir.
Faça um auto-exame e fale com Deus sobre o que você encontrou! Saiba
que o semeador semeará a boa semente também no seu coração! O solo está
preparado para receber a semente?
Não se impressione com quantidades!
Observe o fruto!
O Evangelho de Marcos – cap. 4.21-25 (NVI)
(21) Ele lhes disse: “Quem traz uma candeia para ser colocada debaixo de uma vasilha ou de uma
cama? Acaso não a coloca num lugar apropriado? (22) Porque não há nada oculto, senão para
ser revelado, e nada escondido, senão para ser trazido à luz. (23) Se alguém tem ouvidos para
ouvir, ouça!”. (24) Considerem atentamente o que vocês estão ouvindo”, continuou ele. “Com a
medida com que medirem, vocês serão medidos; e ainda mais lhes acrescentarão. (25) A quem
tiver, mais lhes será dado;; de quem não tiver, até o que tem lhe será tirado”.
Não sabemos em quais circunstâncias foram pronunciadas estas palavras. As
mesmas aparecem também nos Evangelhos de Mateus e Lucas, embora em
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outros contextos. Parece que fizeram parte de ditados, aplicados por Jesus em
diferentes ocasiões. A interpretação delas, para não ficar no campo da
especulação, deve ser feita com cuidado, como sendo uma das possíveis entre
outras, uma vez que Marcos não nos revela a ocasião em que foram
pronunciados. Olhá-las-emos todas no contexto que acabamos de estudar.
(21) Ele lhes disse: “Quem traz uma candeia para ser colocada debaixo de
uma vasilha ou de uma cama? Acaso não a coloca num lugar apropriado? Na
época, a candeia era a luminária usada nas casas. Havia, em geral, uma única
que era colocada em lugar de destaque, a fim de iluminar o interior da casa da
melhor forma possível. Jesus fala de uma candeia trazida. Mesmo assim, as duas
colocações, uma negativa e outra positiva, não nos dizem muito, enquanto não
considerarmos o contexto da situação. Pela parábola do semeador, Jesus havia
dado a entender que o mistério do Reino de Deus é revelado a poucos, pelo fato
de somente poucos estarem em condições de ouvir. Alguns de seus seguidores
vieram de outros movimentos, influenciados por aspectos do ensino dos essênios,
seita que, na sua esperança da revelação do “Mestre da justiça”, se separava
rigorosamente do povo. Jesus quebrou conceitos até agora válidos para o que se
esperava quanto ao Reino aguardado. Jesus pregava para multidões; não
escondia sua mensagem, embora deixasse claro que somente poucos
conseguiriam ouvir. Sendo assim, por que então não reservava sua mensagem aos
eleitos somente, ao seu grupo de seguidores, como os demais mestres faziam? Por
que Jesus comeu e bebeu junto com pecadores? (veja o estudo M 16).
A esse tipo de questionamento da parte de seus discípulos, Jesus responde
com o exemplo da candeia. A candeia trazida, a luz trazida, entendemos como
Jesus fazendo alusão a si mesmo. No Evangelho de João, Jesus é “a luz que veio
ao mundo”. Como pode Jesus esconder essa luz? Embora a todos ilumine, nem
todos a recebem. Como a candeia colocada no lugar apropriado ilumina tudo,
Jesus fala a todos. No contexto de Mateus (cap.5.15), Jesus usa a mesma
argumentação, aplicando-a aos seus discípulos.
(22) Porque não há nada oculto, senão para ser revelado, e nada escondido,
senão para ser trazido à luz. Geralmente essas palavras são usadas como um tipo
de ameaça lançada aos pecadores como aviso prévio de que, finalmente, seus
caminhos tortuosos serão trazidos ao conhecimento de todos. Cremos que Jesus
não trabalha com ameaças. Ele continua com sua argumentação anterior,
deixando claro que aquela mensagem que Deus tem para o homem não pode
ser tratada no oculto. Nada do que se refere a Deus e a seus desígnios ficará
guardado; tudo virá à luz. Não há como esconder uma luz. Uma das primeiras
verdades que aprendemos no campo da filosofia, é que a verdade prevalecerá,
pois a mentira é a ausência de realidade e, portanto, desaparecerá. Jesus chama
a atenção de seus seguidores que ainda nem têm bem claro qual seja a empreita
em que se lançaram, que não poderão ajuntar conhecimentos de fontes
diferentes sem causar confusão. Os discípulos de João Batista zelam pelo
ascetismo, embora em muito concordem com o ensino de Jesus. Mas Jesus come
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e bebe à vontade, quando convidado. Do outro lado, os essênios (cujos
ensinamentos conheciam à esperança messiânica, mas discordavam
radicalmente do sistema sacerdotal no templo) estão em confronto com Jesus,
pois este prega para multidões, em vez de prezar reclusão como eles.
(23) Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça!”. (24) Considerem atentamente
o que vocês estão ouvindo”, continuou ele. Observe que Jesus aqui usa o
condicional: “Se alguém...”. Se você quer ser de Jesus, você deve: a) ouvir; b)
decidir o que (ou a quem) você quer ouvir; c) saber como ouvir, isto é:
“atentamente e considerando tudo”. Você não pode juntar tudo o que você está
ouvindo a respeito de Deus, achando que “tudo que trata de Deus é bom”. Você
deve prestar atenção à fonte. Para os discípulos era fundamental decidir a quem
dar ouvidos. A nós não menos, pois vivemos em um tempo de verdadeiro
carnaval religioso.
“Com a medida com que medirem, vocês serão medidos;; e ainda mais lhes
acrescentarão. (25) A quem tiver, mais lhes será dado; de quem não tiver, até o
que tem lhe será tirado”. A própria sabedoria de vida confirma essa declaração.
Não precisamos espiritualizá-la para chegar ao entendimento. A forma pela qual
ouvimos é um tipo de medida aplicada. Como você mede aquele ou aquilo que
você ouve? É pouco provável que Jesus aqui falasse do problema da vingança.
Se você tem sede de ouvir aquilo que vem de Deus, esse ouvir lhe renderá juros
para o bem. Se você plantar a semente boa, receberá muito mais; ainda lhe será
acrescentado. Àquele que aprendeu ouvir, cada vez mais lhe será dado da parte
de Deus. Você crescerá! Agora, se você “não tiver”, é como aquele que confia
no que já tem. Confiando no seu “ser bom”, dispensa a necessidade de um
Salvador. Esse aparente tesouro não é reconhecido por Deus. Um dia será
arrancado. Se você não souber ouvir como Deus quer que ouçamos, mais cedo
ou mais tarde aquele pouco que você acha ser mais do que suficiente se revelará
como nada. É “o nada implodindo” quando Deus o pesar.
Como você está ouvindo?
Seu ouvir “acrescenta” a seu tesouro ou aumenta a confusão?
A receita contra confusão religiosa é: decidir a quem você quer dar ouvidos!
O Evangelho de Marcos – cap. 4. 26-34 (NVI)
(26) Ele prosseguiu dizendo: “O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente
sobre a terra. (27) Noite e dia, estando ele dormindo ou acordado, a semente germina e cresce,
embora ele não saiba como. (28) A terra por si própria produz o grão; primeiro o talo, depois a
espiga e, então, o grão cheio na espiga. (29) Logo que o grão fica maduro, o homem lhe passa a
foice, porque chegou a colheita”. (30) Novamente Ele disse: “Com que compararemos o Reino de
Deus? Que parábola usaremos para descrevê-lo? (31) É como um grão de mostarda, que é a
menor semente que se planta na terra. (32) No entanto, uma vez plantado, cresce e se torna a
maior de todas as hortaliças, com ramos tão grandes que as aves do céu podem abrigar-se à sua
sombra”. (33) Com muitas parábolas semelhantes Jesus lhes anunciava a palavra, tanto quanto
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podiam receber. (34) Não lhes dizia nada sem usar alguma parábola. Quando, porém, estava a
sós com os seus discípulos, explicava-lhes tudo.
Quem hoje espera a revelação do Reino de Deus nesta terra, seguramente
tem algumas projeções a respeito. Do mesmo modo, cada um dos discípulos que
seguiram a Jesus tinha a sua idéia em como e quando essa outra realidade
tomaria forma. Na parábola do semeador Jesus acabara de chamar a atenção
deles à responsabilidade que compete a cada um em “como” ele recebe a
palavra. Agora Jesus aponta para outro aspecto. (26) Ele prosseguiu dizendo: “O
Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente sobre a terra. (27)
Noite e dia, estando ele dormindo ou acordado, a semente germina e cresce,
embora ele não saiba como. O Reino de Deus, na sua influência nos corações
humanos, tem um crescimento misterioso. A semente por si só germina e cresce e
o homem não sabe como. Ele não tem como forçar ou brecar o crescimento. Ele
não pode alterar a qualidade daquilo que virá a aparecer - tudo é determinado
pelo tipo da semente. Cada grão jogado na terra produzirá exatamente as
mesmas células, só que em quantidades maiores.
Nesta parábola, qualquer um pode ser o agricultor que joga a semente e
espera. A variável não é mais a terra, como na parábola anterior. Aqui Jesus fala
do mistério do crescimento da semente jogada. O agricultor nada pode fazer a
não ser esperar e confiar. Duas verdades chamam a nossa atenção: a primeira é
para o fato do homem não poder acelerar ou forçar a germinação da semente.
Não temos como “produzir fé” no coração de outra pessoa. Quantas vezes
queremos apressar o crescimento espiritual nosso ou de alguém!? Assumir o papel
da providência Divina na vida do outro! O crescimento não vem do esforço do
agricultor, mas da semente. Crescimento leva tempo! O outro aspecto é a
realidade de que crescerá exatamente o tipo de planta cuja semente semeamos.
Não há como esperar crescimento sadio, se a semente é de má qualidade. Deus
não transforma misteriosamente nosso mal testemunho em fruto sadio.
(28) A terra por si própria produz o grão; primeiro o talo, depois a espiga e,
então, o grão cheio na espiga. “Por si só” quer dizer: dispensa nossa ajuda. A
semente inserida na terra está em atividade, mas seus efeitos não estão evidentes
por um bom tempo. Podemos notar o aparecimento de brotos, mas não
podemos indicar exatamente quando começa a formação do talo, da espiga e
mais tarde o aparecimento do grão. Sob condições normais, tudo ocorre na mais
perfeita ordem, não há necessidade de intervirmos. Nosso esforço em querer
promover o Reino de Deus na nossa vida ou na de outros está limitado a
providenciarmos condições normais, favoráveis que não venham a perverter ou
abortar o crescimento espiritual. Este, de Deus e em Deus tem a sua força.
(29) Logo que o grão fica maduro, o homem lhe passa a foice, porque chegou
a colheita”. Chegará o momento da colheita. Quando o grão ficar maduro, o
agricultor pode e deve entrar em ação. Agora será responsabilidade do
semeador o que fazer com aquilo que, pelo poder de Deus, cresceu. Se ele se
atrasar na colheita, o fruto apodrecerá. Nesta hora, cada um é responsável pelo
que, através do misterioso poder da Palavra semeada, tem crescido em seu
coração. Aja!
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(30) Novamente Ele disse: “Com que compararemos o Reino de Deus? Que
parábola usaremos para descrevê-lo? (31) É como um grão de mostarda, que é a
menor semente que se planta na terra. Jesus não se cansou de procurar imagens
de fácil memorização para falar daquilo que é real, mas invisível. O sonho de seus
discípulos era ver seu mestre - e com isso eles mesmos - iniciarem um movimento
grande; o Reino sendo implantado à vista de todos. Queriam ver seu mestre
honrado, reconhecido e aceito. Não há nada de errado nisso. Só que os grandes
resultados desenvolvem-se a partir de pequenos começos. O Reino de Deus
começa de forma insignificante aos olhos dos homens, assim como o grão da
mostarda. O arbusto que cresce a partir dessa semente, chega à altura de até
quatro metros. É vigoroso, embora sua semente seja de tamanho insignificante. O
Reino de Deus não se implanta de modo instantâneo, pronto e acabado, no seu
coração. Ele toma forma a partir de algo desprezado e aparentemente
insignificante: a semente da palavra de Deus que caiu no seu coração.
(32) No entanto, uma vez plantado, cresce e se torna a maior de todas as
hortaliças, com ramos tão grandes que as aves do céu podem abrigar-se à sua
sombra”. Com a imagem da árvore, em cujos galhos abrigam-se as aves do céu,
Jesus faz uma referência às diversas profecias quanto ao Reino de Deus. Veja, por
exemplo, no livro de Ezequiel cap. 17.22-24.
(33) Com muitas parábolas semelhantes Jesus lhes anunciava a palavra, tanto
quanto podiam receber. (34) Não lhes dizia nada sem usar alguma parábola.
Quando, porém, estava a sós com os seus discípulos, explicava-lhes tudo. Marcos
menciona que era grande a quantidade de parábolas usadas por Jesus. No
entanto, com esta observação ele as encerra e passa para outros assuntos.
Como já dissemos na introdução ao Evangelho de Marcos, ele foi escrito na Itália
para os cristãos de Roma. A estes não interessava tanto o relato oriental, rico em
histórias e sabedoria. Eles desejavam saber de ação, poder e conquistas do
Salvador, pois eram nestes termos que os romanos pensavam. No livro de Marcos,
Jesus é mostrado ativo, enérgico, poderoso, vencendo as forças do mal e até da
natureza. Jesus é o libertador que vence as trevas morais e espirituais. No seu livro,
os acontecimentos se seguem de forma imediata, sem descanso e o termo
empregado e mais usado no original para ligar os eventos corresponde ao nosso
“logo...”.
Sendo assim, no próximo estudo, Marcos volta à ação lembrando um
acontecimento que Pedro não se cansou de contar.
O Evangelho de Marcos – cap. 4. 35-41 (NVI)
(35) Naquele dia, ao anoitecer, disse ele aos seus discípulos: “Vamos para o outro lado”. (36)
Deixando a multidão, eles o levaram no barco, assim como estava. Outros barcos também o
acompanhavam. (37) Levantou-se um forte vendaval, e as ondas se lançavam sobre o barco, de
forma que este foi se enchendo de água. (38) Jesus estava na popa, dormindo com a cabeça
sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e clamaram: “Mestre, não te importas que
morramos?” (39) Ele se levantou, repreendeu o vento e disse ao mar: “Aquiete-se! Acalme-se!” O
vento se aquietou, e fez-se completa bonança. (40) Enquanto perguntou aos seus discípulos: “Por
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que vocês estão com tanto medo? Ainda não têm fé?” (41) Eles estavam apavorados e
perguntavam uns aos outros: “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?”
(35) Naquele dia, ao anoitecer, disse ele aos seus discípulos: “Vamos
para o outro lado”. Não sabemos “que dia” é aquele a que o Evangelista se
refere. Sabemos que era o fim de um dia cheio de trabalho. Jesus atendeu a
multidão, falou com o povo e enfim anoiteceu. Jesus e seus discípulos estavam
em Cafarnaum, à margem do lago da Galiléia. O mestre precisava de descanso,
estava exausto. Com o barco, eles conseguiriam escapar do assédio da multidão.
O dia declinava e a outra margem se encontrava a aproximadamente dez
quilômetros, uma distância considerável para os discípulos também cansados. A
saída aconteceu às pressas. “Eles o levaram no barco, assim como estava”. Como
Jesus estava? Cansado! Outros barcos também o acompanhavam. A partida
de Jesus não ficou oculta. Algumas pessoas arriscaram a acompanhá-lo, mesmo
em alto mar. Provavelmente, nem todos os doze estavam com Jesus. Não havia
lugar para todos no barco. (37) Levantou-se um forte vendaval, e as ondas se
lançavam sobre o barco, de forma que este foi se enchendo de água. O assim
chamado “mar da Galiléia” fica a 200 metros abaixo do nível do mar
Mediterrâneo, cercado por morros altos. As tempestades nesta região quente são
temidas e acontecem repentinamente em todas as épocas do ano.
Embora quatro dos seguidores de Jesus tenham sido pescadores e
conhecessem as águas, nem todos estavam aptos para enfrentar um vendaval
forte e inesperado. Cansados como estavam, repentinamente se viam perdidos.
As ondas altas jogavam água para dentro do barco. Imaginemos: Segurando
velas, leme e remando contra a força das ondas, e a água entrando, faltava
mão-de-obra para tirar a água. Assim, o medo tomou conta da pequena
tripulação, em parte desacostumada com as forças do mar. Poucas horas atrás
ainda estavam ouvindo, maravilhados, como Jesus falou do Reino de Deus,
fazendo-se presente e neste momento, desesperados, notaram que (38) Jesus
estava na popa, dormindo com a cabeça sobre um travesseiro. Não é difícil de se
imaginar o que se passou nas mentes daqueles homens que, com suas últimas
forças, lutavam contra a tempestade e viam o mestre dormindo! Marcos, como o
único dos Evangelistas a fazê-lo, menciona o travesseiro. São detalhes que fazem
parte do relato de uma testemunha ocular. Pedro estava junto. Jesus não lhes
tinha assegurado a presença de Deus? E Ele ali, deitado sobre um travesseiro,
dominado pelo sono, ignorava a situação desesperadora de seus seguidores? Os
discípulos o acordaram e clamaram: “Mestre, não te importas que morramos?”
“Não te importas? TU não ligas? Dormes enquanto perecemos?” Não foi somente
um grito de socorro;; era uma acusação lançada em desespero. “Te valemos tão
pouco, que dormes enquanto morremos?”
(39) Ele se levantou, repreendeu o vento e disse ao mar: “Aquiete-se!
Acalme-se!” O vento se aquietou, e fez-se completa bonança. Ao invés de juntarse aos seus seguidores exaustos na luta contra as forças do vento, Jesus se levanta
e ... Marcos relata o que ouviu da testemunha: Ele repreendeu o vento e mandou
o mar se acalmar! Os Evangelistas todos falam da bonança, do silêncio que, de
repente, invadiu o lugar. Falam das ondas que imediatamente se acalmaram.
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Homens que por anos trabalhavam como pescadores, sabiam muito bem
discernir entre o fim de uma tempestade e daquilo que acabaram de presenciar.
E como que para aumentar ainda mais a perplexidade dos homens, Jesus os
questiona: (40) Enquanto perguntou aos seus discípulos: “Por que vocês estão com
tanto medo? Ainda não têm fé?” Somente nos manuscritos “papiros egípcios”
consta este “ainda”. “‘Ainda’ não têm fé?” Vocês ainda não entenderam? Só
que por parte dos discípulos não havia espaço para profundas reflexões. O
ambiente não permitia. O espanto pela ação majestosa do mestre era ainda
maior do que o causado pelo vendaval.
(41) Eles estavam apavorados e perguntavam uns aos outros: “Quem é
este, que até o vento e o mar lhe obedecem?” Hoje, tendo em mãos todos os
Evangelhos, toda a Bíblia, todo o conhecimento da história da Salvação,
facilmente criamos uma visão equivocada dos discípulos. Eles ainda nada sabiam
da cruz e da ressurreição. Não sabiam como toda empreita com seu mestre iria
terminar. Eram simples seguidores de um homem que os tinha chamado e no qual
tinham esperança de, talvez, ser aquele que libertaria seu povo, o Messias
prometido pelos profetas. Ainda não tinham compreensão do alcance do seu
ministério. Estavam apavorados. Presenciaram curas, sim, mas nunca viram
alguém com poder sobre as forças da natureza. Jesus salvou a vida deles naquele
mar! Deu ordens ao vento! De repente, o mestre que julgavam tão próximo deles,
tão conhecido, pareceu-lhes distante. “Quem é este?” A pergunta martelava na
mente de todos eles. Em bom português: “Onde é que amarramos o nosso
burro?” É bem possível que no restante do trajeto reinasse silêncio no barco. A
noite estava adiantada. As batidas regulares dos remos na água se acalmaram e
inspiravam segurança. Mas não era o momento para animadas conversas. Era
momento para, ainda assustados, refletirem sobre aquilo que acabaram de
presenciar. E eles, os discípulos, estavam envolvidos nisso tudo!
O Evangelho de Marcos – cap. 5.1-10 (NVI)
(5.1) Eles atravessaram o mar e foram para a região dos gerasenos. (2) Quando Jesus
desembarcou, um homem com um espírito imundo veio dos sepulcros ao seu encontro. (3) Esse
homem vivia nos sepulcros, e ninguém conseguiu prendê-lo, nem mesmo com correntes; (4) pois
muitas vezes lhe haviam sido acorrentados pés e mãos, mas ele arrebentara as correntes e
quebrara os ferros de seus pés. Ninguém era suficientemente forte para dominá-lo. (5) Noite e dia
ele andava gritando e cortando-se com pedras entre os sepulcros e nas colinas. (6) Quando ele
viu Jesus de longe, correu e prostrou-se diante dele, (7) e gritou em alta voz: “Que queres comigo,
Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Rogo-te por Deus que não me atormentes!” (8) Pois Jesus lhe tinha
dito: “Saia deste homem, espírito imundo!” (9) Então Jesus lhe perguntou: “Qual é o seu nome?”
“Meu nome é Legião”, respondeu ele, “porque somos muitos”. (1) E implorava a Jesus, com
insistência, que não os mandasse sair daquela região.
(5.1) Eles atravessaram o mar e foram para a região dos gerasenos. Após
uma noite remando, a tripulação do barco, exausta, chegou à margem oriental,
região que pode ser considerada “exterior”, pois não mais fazia parte da Galiléia.
Nos diversos relatos bíblicos encontramos tanto “região dos gerasenos” como dos
“gadarenos” ou “gergesenos”. A descrição geográfica do local que o texto nos
fornece encaixa-se com a região de Quersa. Esta cidade se encontrava a cerca
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de dez quilômetros diagonalmente a sudeste de Cafarnaum. Ali há uma colina
que confere com a descrição do texto bíblico, e ali também existem cavernas
usadas até hoje como sepulturas.
(2) Quando Jesus desembarcou, um homem com um espírito imundo
veio dos sepulcros ao seu encontro. Na mesma hora em que Jesus deixou o
barco, apareceu correndo, surgindo como um raio, um homem que se jogou aos
pés de Jesus. Todos os Evangelistas (Mateus, Marcos e Lucas) mencionam este
episódio. Não sabemos a razão pela qual Mateus fala de dois homens possessos.
Marcos menciona um. Espírito imundo quer dizer “moralmente impuro, maligno”,
fonte de infortúnio para aqueles sobre quem exerce controle. Os versos 3 a 5
fornecem uma descrição muito vívida desse homem “selvagem”. (3) Esse homem
vivia nos sepulcros, e ninguém conseguiu prendê-lo, nem mesmo com correntes;
(4) pois muitas vezes lhe haviam sido acorrentados pés e mãos, mas ele
arrebentara as correntes e quebrara os ferros de seus pés. Ninguém era
suficientemente forte para dominá-lo. (5) Noite e dia ele andava gritando e
cortando-se com pedras entre os sepulcros e nas colinas. O homem descrito
havia morado na cidade mas, no presente momento, sua residência eram as
cavernas “entre os sepulcros”, túmulos abandonados nas encostas daquelas
colinas. A intervalos, de dia e de noite, os gritos daquele homem ecoavam de
caverna em caverna, espalhando terror nos viajantes que passaram pela região.
Mateus menciona que estes até evitavam passar por aquela região (Mat. 8.28).
Não se tratava de um maníaco; a descrição é vívida e exata demais para não
reconhecermos nela um endemoninhado. Andava sem paz, cortando-se com as
pontas agudas das lascas de rochas.
Os habitantes da região haviam desistido de tentar dominá-lo,
amarrando-o pelos pés e mãos. Com persistência assustadora, se não conseguia
quebrar as correntes, sabia como lixá-las nas rochas até parti-las. Este é o homem
que apareceu, como que atraído por uma força maior, correndo ao encontro de
Jesus. (6) Quando ele viu Jesus de longe, correu e prostrou-se diante dele, (7) e
gritou em alta voz: “Que queres comigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Rogo-te
por Deus que não me atormentes!” (8) Pois Jesus lhe tinha dito: “Saia deste
homem, espírito imundo!” De longe, o homem não podia saber quem era que
estava chegando, mas o espírito nele reconheceu, à distância, a Majestade
temida e odiada. Quando o homem, como que procurando ajuda ao correr em
direção de Jesus, jogou-se aos seus pés, Jesus, como diz o texto, ordenou
imediatamente ao espírito imundo: “Saia deste homem”. É interessante notar,
novamente, que espíritos malignos são atraídos, obrigados a revelar-se perante
Jesus. Isso nos faz entender que Jesus era mais do que um simples “Mestre de
Nazaré”. O espírito maligno é atraído por Aquele ao qual teme. Ele é revelado
quando se depara com a luz. Na presente situação o espírito maligno, antes de
abandonar o homem, expressa toda a ira e desespero perante Jesus, fazendo o
homem gritar : “Que queres comigo, Jesus, Filho do Altíssimo?” E como se
transformasse a ira em medo, lança o clamor: “Não me atormentes!” Mateus
relata: “Não nos atormentes antes do tempo!” Espíritos imundos procuram
habitação humana para encontrar paz. O que mais temem é serem obrigados a
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voltar ao lugar de onde vieram. A história da igreja conhece casos semelhantes.
(9) Então Jesus lhe perguntou: “Qual é o seu nome?” “Meu nome é
Legião”, respondeu ele, “porque somos muitos”. Não cremos que Jesus, como
outros exorcistas da época dele, creu que vindo a conhecer o nome do demônio,
ganhasse o poder para expulsá-lo. O que hoje vemos na TV são espetáculos até
constrangedores desse gênero. Jesus não precisava de uma “chave” que lhe
desse poder para mandar o maligno embora. Assim como ele orou antes de
chamar Lázaro para fora do túmulo (Evangelho de João cap.11) a fim de mostrar
aos seus que conhece seu Pai Celeste, a pergunta de Jesus tem por finalidade
permitir que este homem possesso acordasse para sua real condição. No relato
de Marcos parece evidente que o homem não mais estava lúcido; no momento
presente ele nem mais estava consciente de sua condição humana. Com sua
pergunta, Jesus procurou chamá-lo à razão. Quando Jesus lhe perguntou, “qual o
seu nome?”, para espanto de todos, quem responde são os demônios, ao invés
do homem! Mas a essa altura, a separação necessária na consciência do homem
já foi realizada. O homem, ao ser interrogado a respeito de seu nome, começou a
sair da escuridão, percebendo que era uma pessoa. Ele tinha um nome! Não mais
era cativo obrigado a identificar-se com aquilo que os demônios dele fizeram. A
rápida resposta dos demônios, procurando evitar o processo de conscientização
do homem (“Meu nome é legião, porque somos muitos”), não quer dizer que ali
havia, digamos, milhares de demônios individuais, mas sim, é figurativa: uma
invasão do maligno atormentava aquele homem.
(10) E implorava a Jesus, com insistência, que não os mandasse sair
daquela região. Os demônios não somente clamaram encarecidamente para
não serem lançados no abismo, mas também revelaram querer permanecer
naquela região em particular, uma área de túmulos, morte e destruição. Eles
obviamente temiam não encontrar outra habitação. Demônios não são
oniscientes. Não queremos entender com isso que espíritos malignos habitassem
necessariamente nos cemitérios e nas cavernas. No próximo estudo veremos a
razão desse estranho pedido.
O Evangelho de Marcos – cap. 5.11-20 (NVI)
(11) Uma grande manada de porcos estava pastando numa colina próxima. (12) Os demônios
imploraram a Jesus: “Mande-nos para os porcos, para que entremos neles”. (13) Ele lhes deu
permissão, e os espíritos imundos saíram e entraram nos porcos. A manada de cerca de dois mil
porcos atirou-se precipício abaixo, em direção ao mar, e nele se afogou. (14) Os que cuidavam
dos porcos fugiram e contaram esses fatos na cidade e nos campos, e o povo foi ver o que havia
acontecido. (15) Quando se aproximaram de Jesus, viram ali o homem que fora possesso da
legião de demônios, assentado, vestido e em perfeito juízo; e ficaram com medo. (16) Os que
estavam presentes contaram ao povo o que acontecera ao endemoninhado, e falaram também
sobre os porcos. (17) Então o povo começou a suplicar a Jesus que saísse do território deles.
(18) Quando Jesus estava entrando no barco, o homem que estivera endemoninhado suplicavalhe que o deixasse ir com ele. (19) Jesus não o permitiu, mas disse: “Vá para casa, para tua família
e anuncie-lhes quanto o Senhor fez por você e como teve misericórdia de você”. (20) Então,
aquele homem se foi e começou a anunciar em Decápolis o quanto Jesus tinha feito por ele. Todos
ficaram admirados.
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(11) Uma grande manada de porcos estava pastando numa colina
próxima. Jesus estava em terra gentílica, na região das dez cidades (Decápolis).
Para um judeu, o porco era animal impuro, banido da terra. Em Isaías cap.65.4,5
lemos como o judeu via os que criavam e comiam porcos: “povo que vive nos
túmulos e à noite se oculta nas covas, que come carne de porco e em suas
panelas tem sopa de carne impura;; a este povo diz: ‘Afasta-te! Não te aproxime
de mim, pois eu sou santo!’...” No entanto, Jesus decidiu desembarcar nesta terra
gentílica. No estudo anterior vimos o que aconteceu quando ali aportou. Na
proximidade do lugar havia uma manada de porcos com os tratadores que
cuidavam dela. Para o judeu, cuidar de porcos era a ocupação mais indigna que
se podia imaginar.
(12) Os demônios imploraram a Jesus: “Mande-nos para os porcos, para que
entremos neles”. (13) Ele lhes deu permissão, e os espíritos imundos saíram e
entraram nos porcos. Os demônios entenderam que não lhes restava opção
nenhuma e pediram para poder, ao sair do homem, entrar nos porcos. O
Evangelista Mateus, no cap. 12.43,44, nos explica o porquê desse pedido.
“Quando um espírito imundo sai de um homem, passa por lugares áridos,
procurando descanso...”. Na sua missão intrínseca de destruir, procura por corpos.
Jesus lhes concede o pedido para evitar que voltem, pois Mateus descreve a
situação dessa forma: “...Como não o encontram (descanso), diz: ‘Voltarei para a
casa de onde saí’. Encontra a casa desocupada... traz consigo outros sete
espíritos piores do que ele... e o estado final do homem passa a ser pior do que
primeiro” (Mat.12. 43-45). Jesus queria evitar que isso acontecesse ao homem.
A manada de cerca de dois mil porcos atirou-se precipício abaixo, em
direção ao mar, e nele se afogou. (14) Os que cuidavam dos porcos fugiram e
contaram esses fatos na cidade e nos campos, e o povo foi ver o que havia
acontecido. A manada de porcos, repentinamente precipitou-se despenhadeiro
abaixo, para dentro do mar. Marcos gosta de citar números. Os romanos queriam
números exatos. Entendemos que era uma manada considerável. Sabemos
também que porcos normalmente não afundam; eles até sabem nadar. A
maioria deles deve ter, de alguma maneira, voltado à terra (o que criaria um
problema teológico: e os espíritos malignos?). Para os que cuidavam dos porcos,
a repentina fuga em desordem e o sumiço ladeira abaixo causou uma impressão
tal, que saíram correndo. De longe haviam observado o encontro do homem
possesso com “aquele que desembarcou na madrugada”. Não queriam ser
culpados pela perda dos porcos. Precisavam urgentemente avisar aos
proprietários e trazê-los para que estes tomassem conhecimento da tragédia
pessoalmente. Não sabemos se os Evangelistas, quando anotaram que os porcos
se afundaram no mar, queriam sugerir que os espíritos malignos teriam se autodestruído. Para eles, o foco está no homem liberto.
Entre a fuga dos tratadores dos porcos e a chegada do pessoal da
redondeza, pode haver um intervalo de muitas horas. Finalmente apareceram
tanto os curiosos quanto os donos dos animais fugitivos. Estes últimos vieram
apressados. (15) Quando se aproximaram de Jesus, viram ali o homem que fora
possesso da legião de demônios, assentado, vestido e em perfeito juízo; e ficaram
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com medo. (16) Os que estavam presentes contaram ao povo o que acontecera
ao endemoninhado, e falaram também sobre os porcos. Marcos conta que o
povo veio para entender o que havia acontecido. Os tratadores, assustados, lhes
tinham passado a versão deles. Tinham observado que o temido homem
possesso, ao encontrar-se com Jesus, se acalmou; por sua vez, porém, os porcos
ficaram loucos. Alguma coisa temível havia acontecido e seu ganha-pão se foi.
Mas o que as pessoas viram, ao chegarem no lugar? Elas viram Jesus e seu
pequeno grupo de seguidores. Também observavam o ex-endemoninhado. Não
havia nenhuma dúvida. Tratava-se do mesmo homem. No entanto, grandes
mudanças tinham acontecido. Ele estava sentado ali, aos pés de Jesus. Não
estava desnudo, mas vestido (Lucas 8.27). Não mais agia como um louco, mas
encontrava-se em perfeito juízo. Eles ouviram a história recontada e comentada
pelos que testemunharam o acontecimento (os discípulos e, naturalmente, os
tratadores), embora não com a mesma ênfase.
(17) Então o povo começou a suplicar a Jesus que saísse do território
deles. Certamente o povo da região da Decápolis não estava completamente
alheio a respeito de Jesus. Muitos da região já o tinham procurado. Neste
momento, ele pessoalmente tinha chegado à sua terra. No entanto, ao invés de
desejar sua permanência em seu meio, rogaram-lhe que se retirasse de sua terra o
mais rápido possível. Ficaram com medo desse homem. Ele, sim, poderia ser bom,
mas tinha trazido perturbação e perdas junto com sua presença. Isso não era o
que eles precisavam.
Até hoje, as pessoas gostam de ouvir as historinhas de Jesus... desde que
as implicações do Evangelho não exijam mudanças no seu dia-a-dia. Você é
diferente? (18) Quando Jesus estava entrando no barco, o homem que estivera
endemoninhado suplicava-lhe que o deixasse ir com ele. (19) Jesus não o
permitiu, mas disse: “Vá para casa, para tua família e anuncie-lhes quanto o
Senhor fez por você e como teve misericórdia de você”. O “não” de Jesus ao
pedido muito razoável do homem liberto não era sinal de desfavor. Nem sempre é
bênção quando Deus nos dá o que pedimos. O serviço missionário começa em
casa. Observe que Marcos aqui substitui, pela primeira vez, o nome de Jesus por
Senhor, nome que pertence ao próprio Deus de Israel. Na perspectiva de
Evangelista, Jesus é Senhor, ele é Deus em forma humana. (20) Então, aquele
homem se foi e começou a anunciar em Decápolis o quanto Jesus tinha feito por
ele. Todos ficaram admirados. Voltando à sua família, o homem podia
testemunhar com autoridade, pois sua mensagem partiu de sua própria
experiência. Há uma grande diferença, vital até, entre uma mensagem
aprendida no seminário e outra vivida e, através de sofrimento talvez,
encorporada a si.
Todos ficaram admirados, isto é, foram induzidos a dar honra a Deus
pelo que aconteceu. A região de Decápolis abrangia todo lado oriental do
Jordão e compreendeu dez cidades com relativa independência política e militar
perante romanos e judeus. Ainda hoje as ruínas de vários anfiteatros da cultura
helenista da época nesta terra gentílica testemunham desse seu passado.
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O Evangelho de Marcos – cap. 5. 21-34 (NVI)
(21) Tendo Jesus voltado de barco para a outra margem, uma grande multidão se reuniu ao seu
redor, enquanto ele estava à beira do mar. (22) Então chegou ali um dos dirigentes da sinagoga,
chamado Jairo. Vendo Jesus, prostrou-se aos seus pés (23) e lhe implorou insistentemente: “Minha
filhinha está morrendo! Vem, por favor, e impõe as mãos sobre ela, para que seja curada e que
viva”. (24) Jesus foi com ele. Uma grande multidão o seguia e o comprimia. (25) E estava ali certa
mulher que há doze anos vinha sofrendo de hemorragia. (26) Ela padecera muito sob o cuidado
de vários médicos e gastara tudo que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava. (27) Quando ouviu
falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto, (28) porque
pensava: “Se eu tão somente tocar em seu manto, ficarei curada”. (29) Imediatamente cessou sua
hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento. (30) No mesmo instante,
Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: “Quem tocou
em meu manto?” (31) Responderam os seus discípulos: “Vês a multidão aglomerada e ainda
perguntas: ‘Quem tocou em mim?’” (32) Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem
tinha feito aquilo. (33) Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se,
prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade. (34) Então ele lhe
disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento”.
(21) Tendo Jesus voltado de barco para a outra margem, uma grande
multidão se reuniu ao seu redor, enquanto ele estava à beira do mar. Parece que
quando Jesus aportou, alguns discípulos de João Batista o estavam aguardando
entre a multidão com perguntas relacionadas ao jejum (Mat. cap. 9). Foi
enquanto Jesus conversava com eles, cercado pela multidão, que um chefe da
sinagoga, desesperadamente buscando por ajuda, o aborda. (22) Então chegou
ali um dos dirigentes da sinagoga, chamado Jairo. Vendo Jesus, prostrou-se aos
seus pés (23) e lhe implorou insistentemente: “Minha filhinha está morrendo! Vem,
por favor, e impõe as mãos sobre ela, para que seja curada e que viva”.
As sinagogas são dirigidas por um grupo de anciãos. Marcos os chama
de “dirigentes”. Sabemos que Jesus tinha em Cafarnaum sua base de ação, onde
sempre que possível, freqüentava a sinagoga. Lemos que Jairo, um dos dirigentes,
prostrou-se aos pés de Jesus em uma prova de grande respeito. Ele deve ter
ouvido ou até presenciado o ministério de Jesus. Quando com as palavras “Minha
filhinha está morrendo” recorre a Jesus, ele expressa o tamanho de angústia do
seu coração e revela uma fé considerável: “Por favor, imponha sua mão sobre
ela, para que seja curada e viva!” (24) Jesus foi com ele. Uma grande multidão o
seguia e o comprimia. Como um fato comum nesta fase inicial do ministério de
Jesus, ele sempre se via rodeado por uma multidão. Isto fez com que a
caminhada em direção à casa de Jairo fosse dificultada. O pai, por sua vez,
estava desesperado e com pressa; chegar em tempo para atender a menina
havia-se transformado em uma questão de vida ou morte.
(25) E estava ali certa mulher que há doze anos vinha sofrendo de
hemorragia. Por entre a multidão em movimento estava uma mulher, sem nome,
sofrendo de uma doença que a tornara cerimonialmente impura. Ela não podia
tocar em ninguém. “Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue por muitos dias
fora de sua menstruação normal, ou um fluxo que continue além desse período,
ela ficará impura enquanto durar o corrimento...” (Levítico 17.25 ss). Tudo o que
ela tocasse, se tornaria impuro e quem nela tocar, também ficaria impuro. A
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mulher, conseqüentemente, há anos se encontrava numa condição lamentável
de exclusão social. (26) Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e
gastara tudo que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava. Na época, a medicina,
no sentido técnico do termo, estava apenas engatinhando e limitava-se a
códigos de higiene, isolamento e ordenanças quanto à alimentação. Não havia
conhecimentos a respeito do funcionamento dos vários sistemas vitais do corpo.
Algo que nos dias de hoje estamos redescobrindo, no entanto era conhecido: o
contato físico, a importância do tocar das mãos. Mas exatamente isso era vetado
àquela mulher, por ser declarada impura. Os esforços inúteis de vários “médicos”
nada lhe tinham trazido além de empobrecimento e sofrimento.
(27) Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da
multidão, e tocou em seu manto, (28) porque pensava: “Se eu tão somente tocar
em seu manto, ficarei curada”. A esperança no coração dessa mulher ganhou
forma quando ela percebeu a proximidade desse Jesus. Devido à sua condição,
ela não podia expor-se publicamente. Pela lei religiosa, não podia nem ter
contato físico com o Senhor. Sua intenção era apenas a de tocar em suas vestes.
Nestas havia borlas de lã que todo israelita deve usar nas pontas de suas
vestimentas, para lembrá-lo da lei de Deus (Números 15.38). A mulher tinha ouvido
tantos relatos maravilhosos a respeito de Jesus, que ficou certa de que um mero
toque em suas vestes resultaria na sua cura completa. Ela imaginou que Jesus
nunca notaria o que ela fez: tocá-lo às escondidas. Assim ela se enfiou na
multidão até conseguir um lugar atrás dele, sem ser notada. (29) Imediatamente
cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu
sofrimento. Como sempre, a mudança ocorreu instantaneamente, tão logo
conseguiu tocar rapidamente a borla das vestes de Jesus. Não era um processo
que precisava de tempo. Parece que perante Jesus, a doença e a morte
recuavam. É por isso que o Evangelista João chama os milagres de Jesus de
“sinais”, sinais que apontavam para uma outra realidade futura - a redenção.
A mulher percebeu na hora que, como diz o texto no original,
“abruptamente secou a fonte de seu sangue”. Ainda hoje, quando pelo poder de
Deus uma doença recua, a pessoa curada nota a melhora imediatamente. Ela
não precisou de animação psicológica ou de palavras de convencimento de que
realmente estava curada, como vemos hoje na TV. (30) No mesmo instante, Jesus
percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou:
“Quem tocou em meu manto?” (31) Responderam os seus discípulos: “Vês a
multidão aglomerada e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’” O fato de que
alguém havia tocado, não acidentalmente, mas propositadamente e não
apenas com os dedos, mas com fé, não passou desapercebido pelo Senhor. Ele
percebeu que havia respondido à esperança de fé de alguém. Jesus perguntou:
“Quem tocou em meu manto?” Os discípulos não entenderam a pergunta de
Jesus (Lucas 8.45 especifica que fora Pedro, sempre rápido nas considerações,
quem respondera a Jesus). Eles continuaram a não perceber que Jesus vivia
numa outra dimensão: a invisível e real.
Ainda hoje, se não ouvirmos nas palavras literais da Bíblia aquilo que
Deus nos quer falar, acabaremos na interpretação legalista, seca e dura, sem
vida. Chegamos a repreender ao Espírito Santo na sua sutileza assim como nesta
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ocasião o Senhor acabou de ser censurado pelos seus discípulos, que não
entenderam nada. (32) Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem
tinha feito aquilo. Jesus não só ignorou a censura dos seus como continuou a olhar
em redor, para descobrir quem era essa pessoa. Empobrecemos o Evangelho se
argumentamos que, como Jesus é Deus, ele sabia tudo e conseqüentemente
somente fingiu não ter percebido. Não, ele não sabia e queria descobrir a pessoa.
Essa tinha ouvido Jesus perguntar “quem tocou as minhas vestes?” e notado o
olhar perscrutador do Senhor. Ela sabia o que lhe havia acontecido e também
ouvido a resposta inadequada dos discípulos. Sua consciência deve lhe ter dito
que a resposta verdadeira à pergunta de Cristo deveria ser dada... e dada por
ela! Mas não foi fácil para uma mulher, nessa época e cultura, falar em público,
pois isso era considerado atitude imprópria. Aos olhos dos circunstantes teria agido
impropriamente ao tocar em Jesus na situação amaldiçoada em que se
encontrava: impura! Como ela poderia saber o que Jesus achava de tudo isso?
Ele viria a repreendê-la?
(33) Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se,
prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade. (34)
Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu
sofrimento”. Tremendo de medo, a mulher confessou e expôs sua história, aqueles
detalhes que o Evangelista já nos tem relatado no início. O inimaginável
aconteceu: ao invés de censurá-la como a lei manda, Jesus a olhou com ternura
e a abençoou! Observe, que Jesus não disse: “O toque na borla da minha
vestimenta te curou”. Não, ele disse: “Tua fé te salvou!”. A fé pessoal dela a curou.
Com isso exclue-se qualquer resquício de superstição, como se as roupas tivessem
contribuído para sua cura ou, como em nossos dias, que velas ou crucifixos
tragam a cura a quem lhes rende louvor e adoração.
Mais ainda: Jesus lhe tinha aberto o caminho de reintegração social e
religiosa (Levítico15.28). Ela podia ir em paz, Jesus lhe tinha assegurado que a cura
era definitiva.
O Evangelho de Marcos – cap. 5. 35-43 (NVI)
(35) Enquanto Jesus ainda estava falando, chegaram algumas pessoas da casa de Jairo, o
dirigente da sinagoga. “Sua filha morreu”, disseram eles. “Não precisa mais incomodar o Mestre!”
(36) Não fazendo caso do que eles disseram, Jesus disse ao dirigente da sinagoga: “Não tenha
medo;; tão somente creia!” (37) E não deixou ninguém segui-lo, senão Pedro, Tiago e João, irmão
de Tiago. (38) Quando chegaram à casa do dirigente da sinagoga, Jesus viu um alvoroço, com
gente chorando e se lamentando em alta voz. (39) Então entrou e lhes disse: “Por que todo este
alvoroço e lamento? A criança não está morta, mas dorme”. (40) Mas todos começaram a rir de
Jesus. Ele, porém, ordenou que eles saíssem, tomou consigo o pai e a mãe da criança e os
discípulos que estavam com ele, e entrou onde se encontrava a criança. (41) Tomou-a pela mão e
lhe disse: “Talita cumi!” , que significa “menina, eu lhe ordeno, levante-se!”. (42) Imediatamente a
menina, que tinha doze anos de idade, levantou-se e começou a andar. Isso os deixou atônitos.
(43) Ele deu ordens expressas para que não dissessem nada a ninguém e mandou que dessem a
ela alguma coisa para comer.
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No início do estudo anterior vimos Jesus indo para casa do dirigente da
sinagoga na companhia do desesperado pai da menina doente e à beira da
morte. Vimos o que aconteceu no trajeto e imaginamos a demora que o
incidente com a mulher hemorroíssa deve ter causado. Sentimos o pânico do pai
da menina crescer a cada minuto, pois a seu entender, a salvação de sua filha
dependia da chegada a tempo de Jesus. Ao invés de acelerar o passo, Jesus
tinha atendido a mulher com hemorragia com todo carinho, o que certamente
contribuiu para aumentar o desespero de Jairo. (35) Enquanto Jesus ainda estava
falando (com a mulher curada), chegaram algumas pessoas da casa de Jairo, o
dirigente da sinagoga. “Sua filha morreu”, disseram eles. “Não precisa mais
incomodar o Mestre!” Imagine o susto do pai quando ouviu a notícia; a esperança
que manteve no seu coração desapareceu. “Se ela morreu, se ela desceu à
cova, que vantagem haverá em Jesus ainda vir? Acaso o pó te louvará, ó
Eterno?” (Salmo 30.9 adapt.). Assim, Jairo deve ter argumentado com Deus no seu
íntimo.
(36) Não fazendo caso do que eles disseram, Jesus disse ao dirigente da
sinagoga: “Não tenha medo;; tão somente creia!” Apesar de ter ouvido as
palavras ditas pelos mensageiros, Jesus não lhes dava nenhuma atenção e exigiu
que Jairo fizesse o mesmo, não cedendo lugar ao desespero que ameaçou
dominá-lo. Marcos mostra-nos Jesus na sua certeza absoluta de que o Pai o
atenderia. (37) E não deixou ninguém segui-lo, senão Pedro, Tiago e João, irmão
de Tiago. É interessante notar que Jesus imediatamente escolheu e limitou o
número de pessoas que pudessem acompanhá-lo até a casa de Jairo. Somente
os três discípulos mais chegados a ele, Pedro, Tiago e seu irmão João recebem
permissão de acompanhá-lo. A multidão não era apta para ver Deus agindo.
Para ela, o caso já tinha seu desfecho selado. Não mais adiantava crer. Jesus
porém, exortava Jairo a “crer somente”.
Há momentos em que a fé exige o “somente”;; quando qualquer
consideração a mais levaria à derrota. Jesus não permitiu que o ambiente de fé
fosse destruído, uma exigência difícil tanto para os discípulos quanto para o pai.
(38) Quando chegaram à casa do dirigente da sinagoga, Jesus viu um
alvoroço, com gente chorando e se lamentando em alta voz. Jairo, Jesus e os três
discípulos depararam-se com uma cena de desolação. De acordo com o
costume da época, e como o enterro acontecia logo depois da morte, o lamento
era imediato ao falecimento. Como Jairo era uma pessoa importante, havia
profissionais em chorar (confira Jeremias 9.17,18), clamando em alta voz, sem
nenhuma preocupação em se conterem. Quanto mais barulho, maior a
consideração e honra prestada à família enlutada. E sobressaindo-se ao barulho
das gargantas chorosas, podiam-se ouvir as tocadoras de flautas. Desse contexto,
concluímos que a casa de Jairo se localizava à boa distância do lugar onde Jesus
pregava. A chegada de Jesus na casa de Jairo demorava tanto que o cerimonial
fúnebre já estava em andamento.
(39) Então entrou e lhes disse: “Por que todo este alvoroço e lamento? A
criança não está morta, mas dorme”. (40) Mas todos começaram a rir de Jesus.
Com grande autoridade Jesus entrou no pátio da casa enlutada e repreendeu as
choradeiras profissionais. Para estas o momento era, em grande parte, nada mais
60
que uma oportunidade de ganha-pão. Observando as atitudes de Jesus, temos
que admitir que ele agiu com total certeza de ser um só com o Pai. No pátio,
como resultado da advertência dada, Jesus somente colheu demonstrações de
reprovação e risos. Não viu que a menina estava morta? Os sentimentos dúbios
de profunda tristeza se transformaram em motivo de chacota, quase piada. As
risadas procuravam humilhar o grupinho dos cinco homens, jogando sal na ferida
do quebrantando coração do pai.
Ele, porém, ordenou que eles saíssem, tomou consigo o pai e a mãe da
criança e os discípulos que estavam com ele, e entrou onde se encontrava a
criança. (41) Tomou-a pela mão e lhe disse: “Talita cumi!”, que significa: “menina,
eu lhe ordeno, levante-se!” Após expulsar o grupo barulhento, Jesus entrou com os
pais da menina e os três discípulos no quarto onde estava a criança morta. O
dirigente havia implorado a Jesus que impusesse as mãos sobre a criança. No
entanto, Jesus fez algo muito melhor. Com grande autoridade e visível compaixão
ele tomou a menina pela mão. Ao fazer isso, dirigiu-lhe as palavras: “Talita, cumi”.
Para seus leitores não-judeus, Marcos acrescenta a tradução: “Menina, eu te
mando, levanta-te”.
(42) Imediatamente a menina, que tinha doze anos de idade, levantou-se e
começou a andar. Isso os deixou atônitos. (43) Ele deu ordens expressas para que
não dissessem nada a ninguém e mandou que dessem a ela alguma coisa para
comer. Imaginemos o espanto dos pais, a reação dos discípulos: a menina abriu
os olhos e, apoiada na mão de Jesus, se levantou. A admiração dos pais e dos
discípulos deve ter extrapolado todos os limites. Marcos anotou que a menina
começou a andar de imediato. Vendo isso, Jesus recomendou que lhe dessem
algo para comer.
Por que será que Jesus expressamente proibiu tornar conhecido o fato?
Já vimos como, por ocasião de outros milagres, os sacerdotes e escribas temendo
perda de autoridade e cisão por causa da fascinação do povo pelo novo ensino
e pelos feitos extraordinários de Jesus, estavam procurando uma oportunidade
para livrar-se dele. Jesus sabia disso. Ele não queria provocá-los antes da hora. O
Pai ainda lhe estava dando oportunidade para a proclamação do Reino.
Entendemos que para Jesus, a esta altura, já estava claro o que viria significar na
sua própria vida a sua palavra “se o grão não cair na terra e morrer, não dará
fruto”. Mas ainda não era a hora.
Caro amigo, até agora você podia considerar Jesus meramente como
um grande homem e até encontrar, forçando o sentido das palavras, alguma
explicação para os feitos realizados. Para o acontecimento que acabamos de
estudar, porém, só há duas opções:
a) A história não é verídica; somente resultado da tradição! Assim, Jesus
continuará a ser um homem interessante, mas um homem, que morreu - a Bíblia
pode até ser interessante, mas sem utilidade;
b) A história é verídica. Neste caso, você seria obrigado a olhar este Jesus
diferentemente do que tem feito até hoje. Teria que procurar, a todo custo,
entender quem ele é. Os discípulos se viram perante o mesmo dilema. “Quem é
este homem?” Esta pergunta tem conturbado o mundo. Não havia como definir
61
este homem. Era homem, mas era algo mais. Nenhum homem mortal chamaria
uma pessoa morta de volta à vida. Veja, não há espaço no acontecimento na
casa de Jairo para a interpretação de que Jesus, como bom psicólogo ou
médico, tenha reavivado uma pessoa aparentemente morta. Jesus definiu o
estado dela como sono antes mesmo de ter entrado em seu quarto. A menina
estava morta. Por essa razão, os presentes se escandalizaram e riram das palavras
de Jesus.
Espero que você, ao continuar nos acompanhando na leitura deste
Evangelho, chegue à mesma conclusão que chegaram os primeiros cristãos, após
dezenas e dezenas de anos à procura de uma definição. Se os relatos dos
evangelhos são verídicos, há somente uma explicação, não racional, mas real:
Jesus era homem; viveu e morreu como homem. Mas também era Deus, em
forma humana, Emanuel, Deus conosco, imagem do Deus invisível (Colossenses
1.15). Filho de Deus, não filho no sentido humano, mas Filho no sentido de que é
possuidor da mesma natureza”.
Essa fé não nasce porque a “aprendemos” na igreja. Ele tem que nascer
com base em informação e observação. A finalidade desses estudos consiste em
levar você à mesma exclamação que o discípulo pessimista, de nome Tomé, fez
ao encontrar o Senhor ressurreto: “Meu Senhor e meu Deus!” (Ev.João 20.28-29).
Que Deus o abençoe nesse propósito!
O Evangelho de Marcos – cap. 6.1-6 (NVI)
(6.1) Jesus saiu dali e foi para sua cidade, acompanhado pelos seus discípulos. (2) Quando
chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga, e muitos dos que o ouviam ficavam
admirados. “De onde lhe vem estas coisas?” perguntavam eles. “Que sabedoria é esta que lhe foi
dada? E estes milagres que ele faz? (3) Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago,
José, Judas e Simão? Não estão aqui conosco as suas irmãs?” E ficavam escandalizados por
causa dele. (4) Jesus lhes disse: “Só em sua própria terra, entre seus parentes e em sua própria
casa, é que um profeta não tem honra”. (5) E não pode ali fazer nenhum milagre, exceto impor as
mãos sobre alguns doentes e curá-los. (6) E ficou admirado com a incredulidade deles.
(6.1) Jesus saiu dali e foi para sua cidade, acompanhado pelos seus
discípulos. O Bispo Papias, de Hierópolis, observou em 125 d.C. que Marcos
cuidadosamente tinha anotado tudo o que lhe foi relatado, sem preocupar-se
muito com a ordem cronológica. A partir do capítulo seis até o cap. 8.26
encontramos vários episódios dos quais desconhecemos o momento exato em
que se deram. Para melhor compreensão, vamos, portanto, procurar colocar o
nosso texto dentro do contexto daquilo que já sabemos!
A pequena cidade de Nazaré fica a 32 quilômetros de Cafarnaum, sede
da atividade de Jesus durante a primeira fase do seu ministério. Jesus foi criado
em Nazaré e nesta cidade a sua família continuou morando quando Jesus saiu de
lá. Os Evangelhos nos relatam a visita do jovem Jesus à Jerusalém, junto com os
pais, quando ele tinha doze anos de idade. Depois, Jesus só aparece com
62
aproximadamente 30 anos em companhia de João Batista (Evangelho de João
cap.1.28,29). Não sabemos quando é que Jesus deixou sua casa paterna para
trás. Com doze anos ele já não mais a considerava “casa do meu pai”, dando
essa qualificação ao templo em Jerusalém. Sabemos também do Evangelho de
João, que Jesus passou seu primeiro ano de ministério, um período ignorado por
Marcos, na região sul, onde depois de algum tempo veio a afastar-se do
movimento Batista. Ainda manteve algum contato com sua casa paterna (João
cap 2) quando, na companhia de sua mãe e seus irmãos, participou de um
casamento na Galiléia e depois visitou junto com os seus a Cafarnaum (João
2.12). Àquela altura já contrariava a João Batista ao participar de uma festa onde
se bebia vinho, algo totalmente contrário aos ensinos do Batista. Veremos, mais
adiante, que Jesus não mais se identificava com a sua família biológica. “Sua
mãe e seus irmãos” agora eram “aqueles que fizessem a vontade do Pai Celeste”.
Assim, Jesus gradativamente foi se emancipando, tendo seu Pai Celeste como
Único e a quem devia obediência.
Em algum momento dessa primeira fase de ministério, Jesus resolveu,
acompanhado pelos discípulos, visitar a cidade na qual cresceu e onde ainda
moravam mãe, irmãos e as irmãs, provavelmente casadas, das quais não temos
os nomes. O pai não aparece mais, pois provavelmente já tinha falecido. Após a
morte de Jesus ouvimos somente de dois dos irmãos de Jesus: Tiago, quem depois
de sua conversão tornou-se proeminente na igreja primitiva (Gal 1.19) e foi
martirizado em 62.d.C. pelos judeus e Judas, irmão do Senhor, do qual temos uma
breve carta no novo Testamento. Dos dois outros irmãos, José e Simão, nada
sabemos.
(2) Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga, e muitos
dos que o ouviam ficavam admirados. “De onde lhe vem estas coisas?”
perguntavam eles. “Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E estes milagres que
ele faz?” Reconhecido como “Mestre” por ter discípulos que o seguiam, foi dada
a Jesus a oportunidade para ensinar na sinagoga. Sem a menor dúvida, os
habitantes de Nazaré já tinham tomado conhecimento do ministério que o filho
de sua cidade promovia na região do “mar” e assim também sabiam dos
milagres. Um filho de Nazaré tinha ficado famoso e com orgulho lhe deram
oportunidade para ensinar. A primeira reação do auditório era favorável; ficaram
muito admirados pela sua exposição das escrituras sagradas. “De onde esse nosso
antigo ‘colega’ tem ‘essas coisas’ maravilhosas?”, ficaram-se perguntando. O
Evangelista Lucas, quando mais tarde pesquisava a respeito dessa visita, veio a
saber até o texto que Jesus tinha lido (Isaías 61.1ss) e que deu origem ao tumulto
posterior.
Quando, porém, Jesus fez a aplicação do texto à sua pessoa, a opinião do
auditório mudou radicalmente. Os mesmos que antes aceitaram de bom grado
que o Ungido havia de vir para pregar as boas novas e proclamar liberdade aos
cativos, agora rejeitaram frontalmente esta profecia, uma vez que Jesus a aplicou
à sua pessoa. Ele? Um igual a nós, alegando ser ele o “Ungido do Senhor”? (3)
Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão?
Não estão aqui conosco as suas irmãs?” E ficavam escandalizados por causa
63
dele. Segundo Marcos, Jesus mesmo foi chamado carpinteiro em alusão à sua
atividade anterior. Justino Mártir escreveu entre 155 e 166 d.C. o seguinte acerca
de Jesus: “Ele trabalhava como carpinteiro entre os homens, fabricando arados e
cangas”.
Repentinamente, o ambiente na sinagoga torna-se hostil a Jesus. Este
“carpinteiro” ousava encarnar o cumprimento das profecias? Não moravam sua
mãe seus irmãos entre eles, sem sequer quererem ser alguém especial? O que
este Jesus pensava?
Alguns eruditos querem ver na denominação “filho de Maria” uma
conotação pejorativa. Ninguém era “filho de uma mulher”. As genealogias
apontavam sempre ao pai e não às mães. Este Jesus, de quem nem se sabia
direito quem era o pai (a mãe já não o trazia no casamento?) como algumas
línguas afiadas afirmavam? Seja como for, a confusão aumentou. Lucas (4.14-30)
relata que Jesus, com duras palavras, confrontou seus conterrâneos, mas sem
resultado. (4) Jesus lhes disse: “Só em sua própria terra, entre seus parentes e em
sua própria casa, é que um profeta não tem honra”. Profetas, enquanto viviam,
nunca encontravam boa receptividade em Israel (Mat. 23.37). Depois de mortos,
naturalmente, eram honrados. Jesus sabia que com ele não seria diferente. Se um
profeta viesse a ser honrado, disse Jesus, certamente não o seria em sua terra ou
cidade natal.
Por fim, Jesus foi expulso da sinagoga. Quando Lucas menciona que
Jesus “se retirando, passou pelo meio deles”, fica evidente que saiu correndo
(Lucas 4.30). O orgulho inicial em ter um filho da cidade tão conhecido presente
na casa de oração tinha se transformado em revolta, quando este apontou para
sua missão Divina. Isso não!
A falta de disposição em tomar conhecimento da realidade de Deus
trouxe conseqüências graves: (5) E não pode ali fazer nenhum milagre, exceto
impor as mãos sobre alguns doentes e curá-los. (6) E ficou admirado com a
incredulidade deles. Alguns poucos, porém, que certamente o procuraram, foram
curados.
Por que Jesus não realizava milagres espantosos na sua cidade, onde
cresceu e onde era conhecido? Foi por causa da incredulidade deles, da falta de
fé? Será que Jesus precisava da fé do doente para validar seu poder curador?
Cremos que não. Deus não precisa de uma “mãozinha nossa” na sua ação. Ele
age onde Ele quer, mas Ele não quer agir onde não encontra a disposição
expressa de receber dEle e onde não há fome e sede de Deus, mas somente de
bênção. Deus não nos quer convencer de seu poder através de obras
miraculosas. Esse tipo de fé não perdura. Se ela tivesse algum valor, Jesus não
teria sido finalmente rejeitado, pois cada vez que ele operava um milagre, “as
pessoas criam nele”.
Por quanto tempo?
64
O Evangelho de Marcos – cap. 6. 7-13 (NVI)
(6.6b) Então Jesus passou a percorrer os povoados, ensinando. (7) Chamando os doze para junto
de si, enviou-os de dois em dois e deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos. (8) Estas foram
as suas instruções: “Não levem nada pelo caminho, a não ser um bordão. Não levem pão, nem
saco de viagem, nem dinheiro em seus cintos; (9) calcem sandálias, mas não levem túnica extra;
(10) sempre que entrarem numa casa, fiquem ali até partirem; (11) e, se algum povoado não os
receber nem os ouvir, sacudam a poeira de seus pés quando saírem de lá, como testemunho
contra eles”. (12) Eles saíram e pregaram ao povo que se arrependesse. (13) Expulsavam muitos
demônios e ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam.
(6.6b) Então Jesus passou a percorrer os povoados, ensinando. Jesus intensifica
seus esforços evangelísticos, conduzindo uma campanha pessoal “percorrendo os
povoados, ensinando”. Após a sua rejeição pública em Nazaré, Jesus deve ter
concluído que pouco tempo lhe restaria para trabalhar em liberdade. (7)
Chamando os doze para junto de si, enviou-os de dois em dois e deu-lhes
autoridade sobre os espíritos imundos. Embora Marcos não mencione a pregação
como atividade principal dos discípulos, essa era a sua missão. A autoridade sobre
espíritos, cuja oposição lhes anularia os seus esforços, era fundamental. A palavra
de Deus, ainda hoje, não é uma palavra de “convencimento racional”;; ela é
uma semente que precisa de terra preparada e de proteção Divina para não ser
arrancada imediatamente, quando lançada no coração de alguém.
O fato de enviá-los de dois em dois (fato que somente Marcos registra),
além de oferecer maior segurança aos enviados, tem outro significado. Pela lei
judaica, somente o testemunho de “duas ou três pessoas” é digno de
credibilidade (Deut.17.6 e 2.Cor.13.1). A Boa Nova deveria ser anunciada de
forma correta. Note que Jesus também exige “duas ou três pessoas” presentes,
quando promete sua presença numa reunião em seu nome (Mateus 18.20).
(8) Estas foram as suas instruções: “Não levem nada pelo caminho, a não
ser um bordão. Não levem pão, nem saco de viagem, nem dinheiro em seus
cintos; (9) calcem sandálias, mas não levem túnica extra; Se compararmos as
instruções dadas por Jesus nos três Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas),
notaremos algumas diferenças. Em Marcos lhes é permitido levar um bordão, o
que Mateus e Lucas proíbem (Mateus 10.10 e Lucas 9.3). Outrossim, Mateus não
permite sandálias, o que para Marcos é lícito. Como entender essas aparentes
contradições? Fica evidente, que, quanto a este relato, os três Evangelistas não
podiam recorrer a uma fonte escrita. Relataram a tradição oral. No entanto, os
três entenderam o principal a ser transmitido: Somente as coisas que eram
absolutamente necessárias deveriam ser levadas na viagem. Por quê? Porque
Deus haveria de prover tudo de que precisassem. Sendo assim, os Evangelistas
não focalizavam o equipamento, mas a missão. A pregação não podia
contradizer o mensageiro. Se eles anunciariam a nova prioridade (confira Mateus
6.28-33) de acordo com seu mestre, como poderiam aparecer já equipados com
tudo aquilo que seu Deus lhes providenciará?
Se você compara esses discípulos enviados com a logística estrutural - a
pompa e o caixa na mão dos executivos das “multinacionais de Deus” dos nossos
dias - , a quem você daria mais ouvidos quando lhe anunciarem que Deus, uma
65
vez sendo colocado como prioridade, tudo o mais lhe seria dado graciosamente?
Qual dos dois merece mais crédito? No caso dos enviados pelo Senhor, Marcos diz
que bordão de viajante e sandálias nos pés seriam suficientes. Em nenhum dos
Evangelhos o “alforje” (saco de viagem) é permitido. Jesus não via os apóstolos
como pedintes. “Digno é o trabalhador do seu alimento”, uma palavra de Jesus,
agora dirigida pelo apóstolo Paulo a seu cooperador Timóteo, anos mais tarde,
quando fala da ordem no trabalho de Deus: Sobre os que ouvem o Evangelho
pesa a responsabilidade do sustento daqueles que o trazem. Exatamente aqui é
que se revela se temos uma fé viva, ou somente uma fé morta que precisa de
“duas túnicas e dois pares de sandálias, para o caso de algum imprevisto”. Jesus
exigiu dos seus a fé na suficiência de Deus.
(10) ...sempre que entrarem numa casa, fiquem ali até partirem; A
pregação do Evangelho tinha prioridade absoluta sobre gostos e desgostos dos
discípulos. Eles deveriam permanecer na casa que tinha sido suficientemente
bondosa para os hospedar, mesmo se aparecesse outra, mais cômoda. Seguidas
trocas de casa sempre favorecem intrigas. Penso que o mesmo vale para os
cristãos do tipo “gafanhoto” de hoje que, pulando de igreja em igreja, não
contribuem em nada para a unificação do corpo de Cristo. Permanecer na casa
e apreender a desenvolver um espírito cooperativo com o dono da casa é o que
Jesus exigiu dos seus. Quando envia outra vez setenta e dois mensageiros, Jesus
diz em Lucas 10: “Fiquem naquela casa, e comam e bebam o que lhe derem, pois
o trabalhador merece o seu salário. Não fiquem mudando de casa em casa”.
(11) ...e, se algum povoado não os receber nem os ouvir, sacudam a
poeira de seus pés quando saírem de lá, como testemunho contra eles”. Ninguém
deveria ser obrigado a aceitar a mensagem. Onde eles se depararem com
corações fechados não era necessário vencer a resistência com argumentações
ou discussão. Ao invés disso podiam ir embora em paz. Nem o pó daquela casa
ou cidade deveriam levar junto. Este era costume dos judeus que, depois de
viajarem em territórios pagãos, sacudiam o pó de suas sandálias e roupas, antes
de entrarem na Terra Santa e com este gesto simbólico, os discípulos deveriam
testemunhar que nenhuma responsabilidade mais pesava sobre eles perante
aqueles que os rejeitaram. O julgamento não cabia a eles, nem palavra ou
ameaça alguma. O julgamento competia a Deus. Com esta convicção, a
dignidade dos mensageiros, quando rejeitados, ficava mantida.
(12) Eles saíram e pregaram ao povo que se arrependesse. (13)
Expulsavam muitos demônios e ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam.
Milagres e expulsão de espíritos confirmavam a mensagem trazida. Quanto ao
óleo, no mundo antigo o óleo era usado extensivamente como um remédio.
Galeno, o grande médico grego, dizia: “Óleo é o melhor de todos os remédios
para a cura de corpos enfermos”. Jesus nunca usou o óleo nas suas curas. Ele
curava por meio do toque ou pelo poder da palavra, não pela aplicação de
óleo. Como era usado freqüentemente no tratamento médico, logo foi
identificado com a cura sobrenatural e assim os discípulos, diferente mente do
Mestre, devem ter usado o óleo nas suas curas. Em Tiago 5.14 o apóstolo encoraja
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a Igreja a ungir o doente com óleo (o que era prática comum) mas “em o nome
do Senhor Jesus” e em seguida orar sobre ele. Tiago diz: “... e a oração feita com
fé -‘não com o óleo’- curará o doente”.
O Evangelho de Marcos – cap. 6.14-20 (NVI)
(14) O rei Herodes ouviu falar dessas coisas, pois o nome de Jesus havia se tornado bem
conhecido. Algumas pessoas estavam dizendo: “João Batista ressuscitou dos mortos! Por isso estão
operando nele poderes miraculosos”. (15) Outros diziam: “Ele é Elias”. E ainda outros afirmaram:
“Ele é um profeta, como um dos antigos profetas”. (16) Mas quando Herodes ouviu essas coisas,
disse: “João, o homem a quem decapitei, ressuscitou dos mortos!” (17) Pois o próprio Herodes tinha
dado ordens para que prendessem João, o amarrassem e o colocassem na prisão, por causa de
Herodias, mulher de Filipe, seu irmão, com a qual se casara. (18) Porquanto João dizia a Herodes:
“Não te é permitido viver com a mulher do teu irmão”. (19) Assim, Herodias o odiava e queria
matá-lo. Mas não pode fazê-lo, (20) porque Herodes temia João e o protegia, sabendo que ele era
um homem justo e santo; e quando o ouvia, ficava perplexo. Mesmo assim gostava de ouvi-lo.
(14) O rei Herodes ouviu falar dessas coisas, pois o nome de Jesus havia
se tornado bem conhecido. O Herodes mencionado aqui era um dos filhos de
“Herodes, o Grande”, educado em Roma. Após a morte do pai foi nomeado
tetrarca de duas províncias, Galiléia e Peréia, geograficamente separadas uma
da outra. Peréia era uma pequena região à margem oriental do Mar Morto. Junto
com a Galiléia cobria uma área que corresponde a não mais do que duas vezes
a região da “Grande São Paulo”. Não era portanto um regente muito importante.
Nem mesmo fora nomeado rei; era um administrador somente. Na história é
chamado de Herodes Antipas. Um de seus dois palácios encontrava-se em
Maqueronte, ao lado oriental do Mar Morto, bem distante da Galiléia onde Jesus
ministrava. Na Galiléia fundou uma cidade com cultura exclusivamente helenista –
Tiberias - a vinte quilômetros de Cafarnaum, ao sul. Quando ele estava na Galiléia,
residia na capital Sepphoris.
As notícias do homem que fazia milagres extraordinários acabaram por
chegar aos ouvidos desse “rei”. Algumas pessoas estavam dizendo: “João Batista
ressuscitou dos mortos! Por isso estão operando nele poderes miraculosos”. (15)
Outros diziam: “Ele é Elias”. E ainda outros afirmaram: “Ele é um profeta, como um
dos antigos profetas”. Quando inexiste uma mídia que cubra áreas inteiras,
rumores e contos passam, ao espalhar-se, por interpretações das mais variadas.
Como havia, na época, grandes esperanças messiânicas alimentadas pelos
movimentos dos essênios e dos próprios discípulos de João Batista, o
aparecimento de uma pessoa com poderes extraordinários era, naturalmente,
interpretado neste contexto. Há quatrocentos anos não mais aparecia profeta em
Israel. O Batista era visto como um sinal que apontava para grandes mudanças.
Será que o próprio Batista já era o tão esperado libertador? A negação enfática
dessa hipótese no prólogo do Evangelho de João nos mostra que havia quem
interpretasse o aparecimento do Batista desta forma. Marcos nos informa no seu
Evangelho, logo adiante, que a essa altura o Batista já havia sido morto. Rumores
sobre alguém especial aparecendo na Galiléia levavam o povo a crer que o
Batista havia voltado, agora com poderes sobrenaturais, pois durante a sua vida,
o Batista não operou nenhum milagre. Sua ação era limitada à Palavra. Outros
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ligavam os relatos espantosos vindos da Galiléia ao aparecimento do profeta
Elias. Não havia o profeta Malaquias prometido que Elias viria como precursor do
tão esperado libertador? (Mal. 4.5). Para a grande maioria porém, Jesus era visto
como um mensageiro divino muito proeminente, um dos velhos e grandes
profetas, retornado à vida.
É interessante notar que nenhuma corrente via na pessoa de Jesus o
Messias prometido. O Messias viria, assim pensavam, em poder e colocaria fim à
ocupação romana de Israel. Nada em Jesus apontava nessa direção. Ainda hoje
ouvimos a argumentação de que o próprio Jesus nunca teria reclamado este
título para si. Vimos nos estudos anteriores que Jesus mantinha sua identidade
oculta. Mais adiante veremos a razão desse seu comportamento.
(16) Mas quando Herodes ouviu essas coisas, disse: “João, o homem a
quem decapitei, ressuscitou dos mortos!” Herodes não era judeu, era idumeu. O
pequeno e pouco importante Governador procurava, graças à proteção
romana, manter seu poder, mas desconfiava de todos. Era um homem sensual e
cruel. Pressionado pela mulher, numa situação constrangedora havia dado
ordem para matar João Batista. Os rumores a respeito do aparecimento de um
homem com poderes extraordinários despertaram na sua imaginação mórbida,
doentia e influenciada por uma consciência pesada, a convicção de que João,
morto por causa dele, tinha voltado à vida. A esta altura, Marcos encaixa no seu
Evangelho o relato da morte do Batista. Vejamos:
(17) Pois o próprio Herodes tinha dado ordens para que prendessem
João, o amarrassem e o colocassem na prisão, por causa de Herodias, mulher de
Filipe, seu irmão, com a qual se casara. (18) Porquanto João dizia a Herodes: “Não
te é permitido viver com a mulher do teu irmão”. Herodes Antipas havia tomado a
mulher de seu meio-irmão Filipe. A mulher pela qual se apaixonou era sua
sobrinha/cunhada, filha de outro meio-irmão de seu pai “Herodes, o Grande”.
Quando a tirou de Filipe, mandou embora sua primeira mulher, filha do rei árabe
nabateno Aretas IV de Petra. Seu irado ex-sogro então lhe declarou guerra e
Herodes Antipas sofreu uma derrota total. Por esta troca de mulher Herodes foi
duramente repreendido por João Batista. Havia boa razão para a admoestação
“não te é permitido viver com a mulher do teu irmão”, pois esse “casamento” era,
além de adúltero, incestuoso. A Lei proibia esse relacionamento (Levítico 18.16 e
20.21). Cada vez que o Batista admoestava o rei, estava também acusando
Herodias. Para poupar-se das queixas dela e deixá-la mais à vontade, o rei
mandou silenciar João Batista, encarcerando-o. O historiador judeu Josefo aponta
o próprio palácio Maqueronte, ao oeste do Mar Morto, como lugar tanto do
cárcere quanto da posterior execução; era um calabouço profundo e quente.
(19) Assim, Herodias o odiava e queria matá-lo. Mas não pode fazê-lo, (20)
porque Herodes temia João e o protegia, sabendo que ele era um homem justo e
santo; e quando o ouvia, ficava perplexo. Mesmo assim gostava de ouvi-lo.
O rei encontrava-se numa situação muito delicada. De um lado a sua
mulher pressionando, querendo a morte imediata do Batista. Herodes era fraco
perante mulheres e queria se entender com Herodias. Do outro lado ele sabia que
o Batista era homem justo, consagrado a Deus e que este apontava o seu
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pecado, com razão. Quando oportunamente Herodes chamava João para ouvilo, ficava perplexo e obrigado pela sua consciência a protegê-lo do ódio mortal
da mulher. A situação era insustentável. Mantendo reprimida sua consciência, o
fraco rei se tornou prisioneiro de sua própria mulher.
John Mackenzie, em seu livro “Souls in the Making”, NY, 1930, declara: “A
pior forma de desordem funcional mental surge de uma consciência reprimida”.
Você sabe que a “Boa Nova” de Jesus liberta consciências reprimidas,
através da confissão (a Deus sempre, e se necessário também a uma pessoa)
e do perdão (sempre dado por Deus)?!
Faça valer a Boa Nova na sua vida também!
O Evangelho de Marcos – cap. 6.21-29 (NVI)
(21) Finalmente Herodias teve uma ocasião oportuna. No seu aniversário, Herodes
ofereceu um banquete aos seus líderes mais importantes, aos comandantes militares e às
principais personalidades da Galiléia. (22) Quando a filha de Herodias entrou e dançou, agradou a
Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: “Peça-me qualquer coisa que você quiser, e eu
lhe darei”. (23) E prometeu sob juramento: “Seja o que for que me pedir, eu lhe darei, até a metade
do meu reino”. (24) Ela saiu e disse à sua mãe: “Que pedirei?” “A cabeça de João Batista”,
respondeu ela. (25) Imediatamente a jovem apressou-se em apresentar-se ao rei com o pedido:
“Desejo que me dês agora mesmo a cabeça de João Batista num prato”. (26) O rei ficou aflito,
mas, por causa do seu juramento e dos convidados, não quis negar o pedido à jovem. (27) Enviou,
pois, imediatamente um carrasco com ordens para trazer a cabeça de João. O homem foi,
decapitou João na prisão (28) e trouxe sua cabeça num prato. Ele a entregou à jovem, e esta a
deu à sua mãe. (29) Tendo ouvido isso, os discípulos de João vieram, levaram o seu corpo e o
colocaram num túmulo.
(21) Finalmente Herodias teve uma ocasião oportuna. As ocasiões
“oportunas” sempre chegam. No caso, para Herodias também chegou. Até
então, sua tentativa de destruir João Batista havia fracassado graças a Herodes,
titubeante entre a submissão a ela e o medo de fazer mal ao homem de Deus. No
seu aniversário, Herodes ofereceu um banquete aos seus lideres mais importantes,
aos comandantes militares e às principais personalidades da Galiléia.
(22) Quando a filha de Herodias entrou e dançou, agradou a Herodes e
aos convidados. No livro de Ester, cap. 1.1-11, encontramos a descrição de uma
festa como a imaginamos nesta ocasião. No verso 10 encontramos o rei já farto
do vinho, tendo uma idéia que lhe pareceu ótima. No nosso caso, Herodes
também já devia ter bebido bastante quando entrou, para surpresa agradável da
turma, a filha da Herodias. O historiador Josefo nos relata o nome dela: Salomé.
Mesmo que a dança de uma “filha de rei” perante um público masculino já
aquecido pela farta bebida não corresponda aos bons costumes orientais da
época, não surpreende que tanto o “rei” quanto os convidados, tenham ficado
encantados. O rei disse à jovem: “Peça-me qualquer coisa que você quiser, e eu
lhe darei”. (23) E prometeu sob juramento: “Seja o que for que me pedir, eu lhe
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darei, até a metade do meu reino”. Quando a dança acabou e, agindo à base
do impulso, Herodes ofereceu à filha de Herodias aquilo que ela quisesse.
Provavelmente vendo-a hesitar, reforçou sua promessa com um juramento. Fraco
perante as mulheres, agora queria gabar-se perante a platéia de homens,
oferecendo até aquilo que não tinha. Herodes não tinha reino nenhum para dar.
Não era rei como seu irmão Herodes Agripa I, a quem invejava. O que Herodes
Antipas aqui estava dizendo, era: “dar-lhe-ei aquilo que pedir, não importa o
quanto custe”.
(24) Ela saiu e disse à sua mãe: “Que pedirei?” “A cabeça de João
Batista”, respondeu ela. (25) Imediatamente a jovem apressou-se em apresentarse ao rei com o pedido: “Desejo que me dês agora mesmo a cabeça de João
Batista num prato”. O dia de sorte para Herodias chegou. A crueldade das duas
mulheres é impressionante. A palavra “prato” também pode ser traduzido como
“travessa”. Com a promessa feita por Herodes perante os convidados não mais
havia como salvar João Batista e nem outra chance para que “o rei” pudesse
escapar da armadilha na qual ele fora pego.
(26) O rei ficou aflito, mas, por causa do seu juramento e dos
convidados, não quis negar o pedido à jovem. (27) Enviou, pois, imediatamente
um carrasco com ordens para trazer a cabeça de João. O homem foi, decapitou
João na prisão (28) e trouxe sua cabeça num prato. Ele a entregou à jovem, e
esta a deu à sua mãe. O orgulho de Herodes e seu temor de ser envergonhado
diante seus convidados que tinham ouvido sua promessa durante o jantar, era
mais forte do que seu temor em destruir o homem de Deus. Herodias havia
vencido o fraco “rei” Herodes. Dois anos mais tarde Herodes, estando em
Jerusalém por causa da páscoa, finalmente veio a conhecer o homem que antes
lhe inspirava pressentimentos tenebrosos por considerá-lo “João Batista ressurreto”.
Ali ele escarneceu do Sofredor Silencioso da Galiléia, província sua (leia Lucas
23.8-12!).
Mais tarde, Salomé casou-se com Filipe, o tetrarca, mencionado em
Lucas 3.1. No ano 39.d.C., Herodes Antipas, persuadido pela esposa, viajou para
Roma com o propósito de ser elevado à posição de rei, como já era o caso do
seu invejado cunhado/sobrinho Herodes Agripa I, irmão de Herodias. Ao invés de
promovido, sob articulação do próprio Agripa I, foi considerado culpado de
conspiração e recebeu por ordem do Imperador Calígula o exílio perpétuo em
Lyon, na França, onde veio a morrer anos mais tarde. Herodias, embora
contemplada pelo Imperador com liberdade e bens particulares restituídos,
preferiu acompanhar seu marido ao exílio. Ela o amava. Vemos como a despeito
de atitudes nobres (tal qual a de acompanhar o marido ao exílio), alguém foi
usado para destruir um homem de Deus. Assim também agiu Salomé - instrumento
no sinistro empreendimento para silenciar o Batista. Ela veio a ser esposa do
regente mais humano que a região da Palestina já conheceu: Filipe, o tetrarca
(Lucas 3.1).
Você pode ter muitas qualidades humanas e mesmo assim ser um
obstáculo aos planos de Deus. Pense nisso!
70
O contrário também é válido: Você pode ser útil a Deus mesmo vindo do
pior lugar do mundo! Manahen, criado junto com Herodes e seus irmãos em
Roma, tornou-se mais tarde profeta e mestre na igreja cristã de Antioquia (Atos
13.1).
(29) Tendo ouvido isso, os discípulos de João vieram, levaram o seu
corpo e o colocaram num túmulo. O movimento dos discípulos de João Batista é
mencionado por sua atuação em prol do mestre preso, ainda com vida, em
Mateus 11.1-7. Depois da morte de seu mestre, seus discípulos, querendo evitar a
profanação do corpo, cuidaram do seu sepultamento. Em seguida foram
anunciar a Jesus tudo o que aconteceu (Mateus 14.12).
Vários dos seguidores de João Batista já haviam se tornado discípulos de
Jesus (João 1.35,40); outros seguidores de Jesus, no sentido mais amplo, também
vieram do Batista. Mais de vinte anos mais tarde ainda havia discípulos de João
Batista. Encontramos alguns deles no Novo Testamento, em Éfeso, (Turquia). Eles
“somente conheciam o batismo de João” (Atos 18.24,25;; 19.1-5). Um deles, de
nome Apolo, mais tarde tornou-se famoso no serviço do Mestre (1.Corintios 1.12).
O Evangelho de Marcos – cap. 6. 30-32 (NVI)
(30) Os apóstolos reuniram-se a Jesus e lhe relataram tudo o que tinham feito e ensinado. (31)
Havia muita gente indo e vindo, ao ponto de eles não terem tempo para comer. Jesus lhes disse:
“Venham comigo para um lugar deserto e descansem um pouco”. (32) Então eles se afastaram
num barco para um lugar deserto.
(30) Os apóstolos reuniram-se a Jesus e lhe relataram tudo o que tinham
feito e ensinado. No penúltimo estudo vimos como Jesus enviou seus discípulos a
pregarem as Boas Novas e anunciarem a chegada do Reino de Deus. Marcos
limita-se a mencionar o retorno e que os relatórios foram apresentados. Lucas, no
seu Evangelho, relata uma ocasião em que Jesus enviou não doze, mas um grupo
de setenta seguidores para a mesma missão. Quando, ao retornarem, lhe fizeram
relatos entusiasmados a respeito de espíritos malignos a eles submetidos, Jesus lhes
corrigiu a sua visão. A alegria deles não deveria se basear na vitória sobre o
maligno, mas naquilo que é positivo: no fato de “seus nomes estarem escritos nos
céus” (Lucas 10.20). A vitória sobre o maligno é resultado da vinda de Jesus, não
da atuação dos discípulos. Como conseqüência dessa vitória temos acesso a
Deus e, como diz Jesus, os nossos nomes estão escrito nos céus. A vitória é dEle. O
lucro, porém, é nosso: nada mais nos pode separar de Deus. (31) Havia muita
gente indo e vindo, ao ponto de eles não terem tempo para comer. Jesus lhes
disse: “Venham comigo para um lugar deserto e descansem um pouco”. (32)
Então eles se afastaram num barco para um lugar deserto.
Mais uma vez encontramos o Senhor preso pela multidão ao ponto de
nem sobrar-lhes tempo para comer. Somente Marcos nos transmite esse belo
“descansem um pouco” do Senhor, o que expressa cuidado e a vontade de
encontrar no silêncio, junto com os seus, novas forças e orientação. Aprisionado
pela multidão, sendo assediado por todo tipo de súplica, não era fácil descansar.
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Para nós, que estudamos o Evangelho de Marcos, também chegou o
momento para refletir. O que é que você que está lendo este Evangelho está
procurando? Qual é a finalidade desse estudo? Talvez você diga: conhecer um
pouco mais a Jesus, o Evangelho, a Bíblia. Pergunto: esse “conhecer melhor” lhe
traria algum benefício? Mais conhecimento não lhe renderá necessariamente só
lucro; pelo contrário, aumentará a sua responsabilidade em agir de acordo com o
que conheceu. O Evangelista quer levar o leitor a encontrar a resposta ao
questionamento da pessoa de Jesus. Quem era Jesus? Aprendemos a decorar,
muitas vezes sem pensar no que dizemos: “Jesus é Filho de Deus”. Quais as
implicações desta afirmação? Em que se baseia esta tese?
Tantos cristãos “crêem”, porque “têm que crer”. Assim eles aprenderam.
Não que não mais tenham dúvidas. Mas como acham que duvidar é pecar,
“desligam” a cabeça e crêem somente com o coração. Desligam-se da razão
quando esta lhes assusta com dúvidas como: “Será que Jesus realmente
conseguiu trazer uma menina morta de volta à vida?” Você leu como Jesus
acalmou a tempestade. “Será que a tempestade não parou por si só na hora em
que Jesus acordou? Sendo supersticiosos como todos da época, os discípulos
interpretaram os fatos como causa e efeito e viram um milagre onde não havia
nada de sobrenatural”. Como podemos aceitar milagres como reais, se a razão
não nos dá suporte para tal?
Nos comentários bíblicos que consultamos vemos como, na hora em que a
razão não consegue explicar os fatos, ela recorre a “fórmulas prontas” como: “De
acordo com a necessidade onisciente ou onipotente, Jesus era Deus!?” Fosse esse
o caso, o Evangelho seria uma simples história de um feiticeiro. Não creio que esse
modo de estudar o Evangelho nos leve à fé genuína. Vemos como os próprios
discípulos, testemunhas oculares e companheiros do Senhor, não entenderam.
Lemos como eles se assustaram porque não lhes era possível explicar os fatos,
nem tampouco negá-los. O próprio Marcos diz que eles não entenderam, porque
seus corações estavam “endurecidos”. Não havia nenhum pecado na sua
atitude, simplesmente não podiam entender. Do mesmo modo como você e eu
não podemos captar, com a nossa razão, o que o Evangelho relata acerca de
Jesus enquanto não nos foi revelado quem Ele era, assim as próprias testemunhas
não o conseguiram.
Você não é maior do que eles. Nossa incapacidade de aceitar
racionalmente aquilo que chamamos de milagre, no entanto, não deveria levarnos a descartá-los. Se dizemos: “Senhor, ainda não estou convicto de que é
verdade todo testemunho dos apóstolos” há esperança, porque Deus ainda nos
poderá abrir os olhos!
É natural procurar explicações lógicas quando lemos “Multiplicação dos
pães”: todo mundo tirou do bolso o seu lanche! “Acalmar o vento”: o vendaval já
havia passado e parou por si mesmo! “A menina ressuscitou”: ela não estava
morta, só pareceu que estava! Essa tentativa de desfazer os “mitos” da Palavra
72
não nos leva a lugar algum. A Igreja não nasceu em cima de um montão de
enganos!
Ela nasceu com base na revelação de quem era Jesus e,
conseqüentemente, na sua palavra!
Como então devemos ler o Evangelho? Qual o caminho para chegarmos
à mesma fé que movia os apóstolos após pentecoste? Cremos que primeiro
devemos aprender a ouvir! Lembre-se da parábola do semeador! Delete tudo
que você até hoje pensou a respeito de Jesus e disponha-se a ouvir, sem
prejulgamento, sem premissas postas. Procure a sua resposta pessoal para a
pergunta: “Quem é este homem?” Tudo dependerá da resposta, não da resposta
do Dicionário Bíblico ou da do pastor. A sua fé, com base no testemunho das
Escrituras, ou nasce no seu coração ou em nenhum lugar.
Observe que os milagres são chamados “sinais”. Sinais apontam para uma
realidade maior. Procure aceitar a dedução que você fará de fatos como: a
doença recuou, a morte recuou, a desordem cessou. Se isso de fato aconteceu –
e os Evangelistas não deixam dúvidas – , o que isso significaria para minha fé?
Os apóstolos levaram anos para entender. Os pais da Igreja levaram mais anos
ainda para encontrar definições em termos que fizessem jus à essa revelação.
Convidamos você a observar este Jesus de quem Marcos fala, dando-lhe
lugar, um campo preparado. Observe, medite e peça a Deus para que lhe abra
os olhos do coração. Como os discípulos, você se assustará quando descobrir que
somente uma definição é possível, e que essa lhe deixará claro como a luz do dia
que não podia ser diferente.
Anos mais tarde, o apóstolo Paulo definiu a Jesus como “a imagem do Deus
invisível” (Colossenses 1.15). Deus estava conosco, o Deus invisível, Espírito, em
forma humana, identificando-se com a sua criação. Imediatamente, assim, os
relatos dos Evangelistas farão sentido.
Neste Jesus, Deus carregou o nosso fardo, identificando-se com o ser humano.
Que outro deus em algum momento da história se identificou com a sua criação a
ponto de andar pelo seu caminho, sujeitando-se às limitações dela e a receber o
salário que cabia à criação rebelde: a morte? Chamando-o da morte, Deus reestabeleceu a dignidade do homem e apontou para a nova criação: este Reino
de Deus que Jesus anunciava e que está por vir.
Quem é esse Jesus?
O Evangelho de Marcos – cap. 6. 33-44(NVI)
(33) Mas muitos dos que os viram retirar-se, tendo-os reconhecido, correram a pé de todas as
cidades e chegaram lá antes deles. (34) Quando Jesus saiu do barco e viu uma grande multidão,
teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar-lhes
muitas coisas.
(35) Já era tarde e, por isso, os seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: “Este é
um lugar deserto, e já é tarde. (36) Mande embora o povo para que possa ir aos campos e
73
povoados vizinhos comprar algo para comer”. (37) Ele, porém, respondeu: “Dêem-lhes vocês algo
para comer”. Eles lhe disseram: “Isto exigiria duzentos denários. Devemos gastar tanto dinheiro em
pão e dar-lhes de comer?” (38) Perguntou ele: “Quantos pães vocês têm? Verifiquem”. Quando
ficaram sabendo, disseram: “Cinco pães e dois peixes”. (39) Então Jesus ordenou que fizessem
todo o povo assentar-se em grupos na grama verde. (40) Assim, eles se assentaram em grupos de
cem e de cinqüenta. (41) Tomando os cinco pães e os dois peixes e, olhando para o céu, deu
graças e partiu os pães. Em seguida, entregou-os aos seus discípulos para que os servissem ao
povo. E também dividiu os dois peixes entre todos eles. (42) Todos comeram e ficaram satisfeitos,
(43) e os discípulos recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe. (44) Os que
comeram foram cinco mil homens.
(33) Mas muitos dos que os viram retirar-se, tendo-os reconhecido, correram a pé
de todas as cidades e chegaram lá antes deles. O Evangelista Marcos liga no seu
relatório o retorno dos discípulos com o assim chamado “milagre da multiplicação
dos pães”. Deve haver um lapso de tempo que o Evangelista não menciona, pois
este evento que estudaremos hoje parece ter-se dado quando a páscoa estava
se aproximando, provavelmente no mês de abril do ano 29.d.C., como fica
evidente na leitura de João 6.4. O ministério de Jesus na Galiléia estava
chegando ao seu final. Quando Jesus tentou retirar-se, muitas pessoas da região
que estavam à sua procura, reconheceram o barco e seus ocupantes.
Concluíram corretamente que Jesus as estava deixando, e isso não era o que
queriam. Em se comparando os quatro evangelhos, não fica claro se as pessoas,
correndo por terra, realmente chegaram primeiro. É possível que Jesus, saindo do
lugar de descanso, defrontou-se com uma multidão não esperada. O que fica
claro é o seguinte: o descanso que o Mestre e seus discípulos estavam
procurando é, em grande parte, negado para eles. Jesus e os Doze parecem ter
estado um pouco juntos e a sós, embora essa reclusão tenha sido interrompida
logo, como se pode conferir em João 6.3-5.
(34) Quando Jesus saiu do barco e viu uma grande multidão, teve compaixão
deles, porque eram como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar-lhes
muitas coisas. O que será que estava se passando na mente dos discípulos
quando novamente lhes era negado um tempo a sós com o Mestre? Não
sabemos. Jesus, olhando o grande número de pessoas à procura de algum apoio,
alguma ajuda ou orientação, lembrou-as da situação das ovelhas sem pastor.
Nenhum animal é tão dependente quanto uma ovelha. Sem alguém que a guie,
ela se perde, vagueia e se torna presa fácil. Sem guia, ela não sabe encontrar
pasto e morre. Jesus lembra a situação desse povo: sua prática religiosa havia se
transformado em fórmulas externas, vazias, sem vida, e seus líderes religiosos, na
sua preocupação de preservar a religião perante o helenismo invadindo o país,
haviam fracassado. Ao invés de dar ao povo orientação confiável e rica em
ensinamentos estavam extremamente ocupados com detalhes a respeito de
ordenanças exteriores, liturgias, regras de jejuns, leis sabáticas, amuletos,
roupagens e outros mais. Na mente de Jesus estava presente a palavra do
profeta Ezequiel (confira cap. 34) Não é de estranhar que a mensagem de Jesus
tenha sido tão admirada: a Boa Nova de um Reino no qual a confiança no
cuidado soberano de Deus traz paz e onde a lei suprema é o amor (confira
Mateus 6. 25-34); onde a verdade está no trono e não na aparência perante os
74
homens. Jesus sabia que seu tempo na região da Galiléia estava terminando.
Assim, mais uma vez, não poupou tempo e força, dando aos ouvintes o conforto
que lhe vinha do Pai.
(35) Já era tarde e, por isso, os seus discípulos aproximaram-se dele e
disseram: “Este é um lugar deserto, e já é tarde. (36) Mande embora o povo para
que possa ir aos campos e povoados vizinhos comprar algo para comer”. (37) Ele,
porém, respondeu: “Dêem-lhes vocês algo para comer”. Os discípulos, mais
preocupados com a hora avançada, recomendaram a Jesus que dispensasse o
povo a tempo de ainda encontrar alimento. Ao invés de seguir o conselho
recebido, Jesus deu uma ordem: “Dêem-lhes vocês algo a comer!” O que Jesus
queria dizer com isso? Não sabemos exatamente. No entanto, podemos entender
que Jesus disse aos discípulos para não serem tão prontos a eximir-se de
responsabilidades. Eles sempre estavam preocupados em poupar seu mestre, pois
pensavam no que estava por vir. Eles lhe disseram: “Isto exigiria duzentos
denários. Devemos gastar tanto dinheiro em pão e dar-lhes de comer?” De
acordo com o relato de João, foi Filipe que teve essa idéia, rapidamente
descartada quando compartilhada com os demais. Não tiveram dinheiro, muito
menos “duzentos denários” no bolso (era uma soma equivalente a duzentos dias
de trabalho de um trabalhador braçal).
(38) Perguntou ele: “Quantos pães vocês têm? Verifiquem”. Quando ficaram
sabendo, disseram: “Cinco pães e dois peixes”. Pelo Evangelista João (6.8-9)
sabemos que esta resposta, próxima do desespero, foi dada por André. Era tudo
que constataram estar à disposição. Como “nós é que devemos dar a eles”
diante desse quadro desafiador? O que será que se passou na mente de Jesus?
Ele sabia que numa situação similar, o único pão distribuído a mando do profeta
Elias (2.Reis 4.42-44) tinha sido suficiente para cem pessoas e até sobrara. Ele
também estava consciente de que a repetição do milagre do “pão do céu” fazia
parte da esperança messiânica, dada por Moisés e, conforme a tradição, havia
de se manifestar na época da páscoa. Jesus vinha do Pai, do mesmo Deus de
Elias e de Moisés.
(39) Então Jesus ordenou que fizessem todo o povo assentar-se em grupos na
grama verde. (40) Assim, eles se assentaram em grupos de cem e de cinqüenta.
(41) Tomando os cinco pães e os dois peixes e, olhando para o céu, deu graças e
partiu os pães. Era costume dos judeus dar graças pelo alimento antes da
refeição. No entanto, Jesus fez o mesmo que mais tarde faria, antes de chamar
Lázaro para fora do túmulo(João 11.41): Ele ergueu os olhos ao céu e falou com o
Pai. Literalmente o texto diz: Jesus “abençoou o pão”, aquele pão que estava na
sua mão, o único que tinha. Depois ele o partiu com suas mãos.
Em seguida, entregou-os aos seus discípulos para que os servissem ao povo. E
também dividiu os dois peixes entre todos eles. (42) Todos comeram e ficaram
satisfeitos. Nada vemos nisso de milagre espantoso. Somente umas palavras
simples são usadas para relatar o evento. O milagre é muito mais implícito do que
75
expresso. Não há notícia de que pão e peixe foram multiplicando-se. Jesus não
transformou pedras em pão, conforme a proposta do tentador (veja Lucas 4.3) e
nem tampouco as pessoas. tomou o que trouxeram e compartilhavam a exemplo
de Jesus. O milagre consiste em algo diferente: O pouco que Jesus tinha, era
suficiente! Não há uma explicação racional. Por isso, nem os discípulos, nem o
povo perceberam imediatamente o que aconteceu.
(43) Os discípulos recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e de
peixe. (44) Os que comeram foram cinco mil homens. O Evangelista relata que
sobrou comida que, ao pedido de Jesus (João 6.12), foi recolhida. No corre-corre,
ninguém veio a refletir sobre o “como” foi possível que todos ficassem saciados.
No estudo que se segue veremos como, de fato, ainda ninguém havia notado a
interferência Divina. Era-lhes suficiente terem sido alimentados bem e terem
escapado de uma situação constrangedora. O Evangelista João relata que a
multidão ficou tão contente a ponto de cogitar declarar Jesus rei. A própria
bênção impediu que o acontecimento pudesse ser visto como “sinal”.
Barrigas cheias não clamaram por entendimento!
O Evangelho de Marcos – cap. 6.45-56 (NVI)
(45) Logo em seguida, Jesus insistiu com os discípulos para que entrassem no barco e fossem
adiante dele para Betsaida, enquanto ele despediu a multidão. (46) Tendo-a despedido, subiu a
um monte para orar. (47) Ao anoitecer, o barco estava no meio do mar, e Jesus se achava sozinho
em terra. (48) Ele viu os discípulos remando com dificuldade, porque o vento soprava contra eles.
Alta madrugada, Jesus dirigiu-se a eles, andando sobre o mar; e estava já a ponto de passar por
eles. (49) Quando o viram andando sobre o mar, pensaram que fosse um fantasma. Então gritaram,
(50) pois todos o tinham visto e ficaram aterrorizados. Mas Jesus imediatamente lhes disse:
“Coragem! Sou eu! Não tenham medo!” (51) Então subiu no barco para junto deles, e o vento se
acalmou; e eles ficaram atônitos, (52) pois não tinham entendido o milagre dos pães. O coração
deles estava endurecido.
(53) Depois de atravessarem o mar, chegaram a Genesaré e ali amarraram o barco. (54)
Logo que desembarcaram, o povo reconheceu Jesus. (55) Eles percorriam toda aquela região e
levavam os doentes em macas, para onde ouviam que ele estava. (56) E aonde quer que ele
fosse, povoados, cidades ou campos, levavam os doentes para as praças. Suplicavam-lhe que
pudessem pelo menos tocar na borda do seu manto; e todos os que nele tocavam eram curados.
(45) Logo em seguida, Jesus insistiu com os discípulos para que
entrassem no barco e fossem adiante dele para Betsaida, enquanto ele despediu
a multidão. (46) Tendo-a despedido, subiu a um monte para orar. É o próprio
Jesus que apressa a saída dos discípulos, sendo que Ele permaneceu ali. Ele
precisava de um tempo a sós. A situação era confusa. A alimentação da
multidão havia deixado os discípulos atônitos, pois não entenderam o que havia
acontecido. A multidão por sua vez, altamente satisfeita pela boa palavra
seguida de pão, evidenciou sinais de querer arrebatá-lo com o intuito de
proclamá-lo rei (João 6.5). Não era essa a missão de Jesus. Fica a impressão de
que quanto mais Jesus falava do Reino de Deus, menos o entendiam. Jesus
precisava urgentemente procurar a face de seu Pai. No monte, ele procurava
76
orientação. Jesus não estava com um programa onde tudo, como alguns
comentaristas nos querem sugerir, estava prescrito e pronto. Ele dependia a cada
momento da orientação do seu Pai. “O Filho nada pode fazer por si mesmo. Ele só
faz o que vê o Pai fazer” - ele havia dito aos religiosos que discordavam dele
(João 5.19).
O que provavelmente aconteceu em seguida tem grande semelhança
com outra experiência de Jesus, ocorrida numa vez que havia três de seus
discípulos como testemunhas: a sua transfiguração (Marcos 9.2-13).
(47) Ao anoitecer, o barco estava no meio do mar, e Jesus se achava sozinho
em terra. Jesus ficou na presença do Pai, orando até alta madrugada. Enquanto
isso, os discípulos haviam remado a distância “de 25 a trinta estádios”, isto é cerca
de cinco quilômetros, metade do percurso a vencer.
(48) Ele viu os discípulos remando com dificuldade, porque o vento
soprava contra eles. Alta madrugada, literalmente “por volta da quarta vigília da
noite”, isto é, entre três e seis horas da madrugada, a situação dos discípulos que
remavam com dificuldades havia se agravado. Nestes momentos de estresse, os
sentidos ficam facilmente alterados. Alta madrugada, Jesus dirigiu-se a eles,
andando sobre o mar; e estava já a ponto de passar por eles. (49) Quando o
viram andando sobre o mar, pensaram que fosse um fantasma. Então gritaram,
(50) pois todos o tinham visto e ficaram aterrorizados. Várias tentativas foram feitas
para alterar este “andar sobre o mar” para um “andando pelo mar”, às margens
do mar. No entanto, neste contexto não é possível tal interpretação. A teoria mais
absurda, veiculada em 2006 pela mídia, era de que havia, possivelmente, uma
camada de gelo sobre a qual Jesus andava (!).
Os discípulos viram, não muito longe deles, o que parecia ser um homem
sobre a água, vindo em sua direção. Aquela figura não poderia ser um homem
real, porque seres humanos definitivamente não andam sobre as águas e disso os
homens no barco estavam seguros. Nem o Jesus Nazareno andava sobre águas.
O pânico os assolou. As crenças irracionais e as superstições não eram menores
do que as dos dias de hoje, quando se evita sexta-feira 13, quando se derrama sal
grosso a mando da “igreja” ou se evita passar por baixo de uma escada. Os
discípulos, vendo “em seu assombro” um espírito malvado que desejava lhes fazer
mal, gritaram.
O que quer dizer “estava já a ponto de passar por eles?” A dificuldade que
nossa razão encontra para crer que era Jesus andando sobre as águas, é desfeita
quando observamos três fatos, geralmente ignorados nesse contexto e que os
discípulos ainda não eram capazes de saber. A nós, que temos toda a Escritura
em mãos, é dado entendimento. No cap.9 de Marcos, veremos como a
aparência de Jesus no monte, ao orar, foi transfigurada. Havia três testemunhas,
Pedro, Tiago e João, aos quais Jesus ordenara silêncio a respeito. Naquela
comunhão íntima com o Pai e, como diz a Escritura, sendo consolado na
presença de Moisés e Elias por causa da evidência de sua morte iminente, a
aparência de Jesus mudou. Transformou-se em um branco brilhante que
desapareceu logo após a oração.
Na noite de oração que se seguiu à “multiplicação dos pães” e se
estendeu até a madrugada, Jesus, sem testemunhas, fez uma experiência similar,
77
pois a partir desse momento, seu ministério mudou. Ainda com o corpo
transfigurado, ele seguia para o lugar antes indicado aos discípulos, andando
sobre as águas, pois o novo corpo, igual àquele que lhe foi dado definitivamente
na ressurreição, não estava sujeito às leis naturais. A noite era escura e se Jesus
não tivesse estado envolto em luz, os discípulos não o teriam notado. Era o brilho
que os assustou e lhes chamou a atenção. Jesus, ainda em profunda comunhão
com o Pai, dava a impressão de passar adiante, aparentando não estar à
procura deles.
Mas Jesus imediatamente lhes disse: “Coragem! Sou eu! Não tenham
medo!” A resposta de Jesus aos gritos dos seus foi imediata. Sem explicar-lhes o
porquê do aparecimento dele, juntou-se aos seus. (51) Então subiu no barco para
junto deles, e o vento se acalmou; e eles ficaram atônitos, (52) pois não tinham
entendido o milagre dos pães. O coração deles estava endurecido. Mais uma vez,
seus seguidores ficaram “atônitos”, sem palavras, sem poder fazer idéia do todo,
como mais tarde Marcos, em outras palavras, observou ao escrever o Evangelho:
“Eles nem tinham notado a intervenção Divina na ocasião da alimentação dos
cinco mil, menos ainda podiam fazer sentido no que acabaram de testemunhar”.
Todos os quatro Evangelhos relatam este episódio. Marcou-os profundamente,
sem ainda poderem entender mais.
Por duas vezes, estando Jesus em momento crucial e sendo instruído por
Deus a respeito de sua missão, Ele recebeu um corpo diferente, espiritual. Nas
duas vezes havia testemunhas que não conseguiram entender o que se passava.
Só após a ressurreição de Jesus, quando ele lhes apareceu com corpo
transfigurado, as coisas começavam a fazer sentido... para os que crêem.
(53) Depois de atravessarem o mar, chegaram a Genesaré e ali amarraram
o barco. (54) Logo que desembarcaram, o povo reconheceu Jesus. (55) Eles
percorriam toda aquela região e levavam os doentes em macas, para onde
ouviam que ele estava. (56) E aonde quer que ele fosse, povoados, cidades ou
campos, levavam os doentes para as praças. Suplicavam-lhe que pudessem pelo
menos tocar na borda do seu manto; e todos os que nele tocavam eram curados.
Ao chegar, encontram-se ao sul de Cafarnaum, ao invés do lugar previsto ao
norte. Mais uma vez repete-se o que já conhecemos: a multidão se aglomerando
e Jesus atendendo a todos. No entanto, para ele, o foco de sua missão era outro.
Havia experimentado períodos de “popularidade”, mas a partir de agora uma
crescente hostilidade dos líderes do clero e um crescente isolamento junto com os
seus discípulos, iriam marcar a sua missão.
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Observação adicional para interessados em arqueologia
Em escavações nos anos 1950-70 nas cavernas de Qumram,
perto do mar morto, foram encontrados na “caverna 7”
dezenove fragmentos de papiro com restos de letras em estilo
grego, do tipo usado antes de 50 d.C. Em 1984 o professor
Carsten Peter Thiede, através de extensa comparação por
computador, fez uma descoberta sensacional no fragmento
7Q5, um pedacinho de 3,9 por 2,7cm somente. Neste papiro
ele identificou restos de frases que fazem parte do Evangelho
de Marcos, identificado como letras das duas sentenças,
naturalmente em letras gregas, correspondendo ao texto do
estudo de hoje e marcadas como se segue:
... não entendido o milagre
dos pães. O
coração
deles estava
emudecido.
Depois de atravessarem o
mar,
Chegaram a Genesaré
E ali amarraram o
barco
A descoberta e a identificação do fragmento com uma parte do texto de Marcos revolucionou as
teorias a respeito da data da composição deste Evangelho. Se a teoria de Thiede puder ser
confirmada, ficará provado que este Evangelho data de antes do ano 50, portanto anterior à
destruição do templo e mais, que entre os essênios havia discípulos de Cristo, pois o lugar onde o
papiro foi encontrado era refúgio dos essênios.
Fontes:
Rohrhirsch, Ferdinand: Markus in Qumram? Wuppertal, Brockhaus 1990 e
A.Schick/Prof.Otto Betz/Prof.Frank M.Cross: Jesus und die Schrifftrollen v.Qumram
Schwengeler-Verlag Berneck, 1996
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O Evangelho de Marcos – cap. 7.1-8 (NVI)
(7.1) Os fariseus e alguns dos mestres da lei, vindos de Jerusalém, reuniram-se a Jesus e (2) viram
alguns dos seus discípulos comerem com as mãos “impuras”, isto é, por lavar. (3) Os fariseus e
todos os judeus não comem sem lavar as mãos cerimonialmente, apegando-se , assim, à tradição
dos lideres religiosos. (4) Quando chegam da rua, não comem sem antes se lavarem. E observam
muitas outras tradições, tais como o lavar de copos, jarros e vasilhas de metal.) (5) Então os
fariseus e os mestres da lei perguntaram a Jesus: “Por que os seus discípulos não vivem de acordo
com a tradição dos lideres religiosos, em vez de comerem o alimento com as mãos ‘impuras’?” (6)
Ele respondeu: “Bem profetizou Isaías acerca de vocês, hipócritas, como está escrito: “Este povo
me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. (7) Em vão me adoram; seus
ensinamentos não passam de regras ensinadas pelos homens. (8) Vocês negligenciam o
mandamento de Deus e se apegam às tradições dos homens”.
(7.1) Os fariseus e alguns dos mestres da lei, vindos de Jerusalém,
reuniram-se a Jesus. A tensão entre Jesus e alguns líderes religiosos, já notada no
cap.2 desse Evangelho havia tomado novos contornos. As acusações contra
Jesus eram graves: através de suas ações aparentemente afirmava ter
prerrogativas Divinas; não honrava as tradições com relação aos sábados;
associava-se a publicanos e pecadores em geral e exercia uma influência
corrompedora sobre as massas. Tudo isso colocou em questão a religiosidade
oficial. Sendo a atividade de Jesus considerada perigosa pelas autoridades, o
Sinédrio - a corte religiosa mais alta -, resolveu enviar especialistas na Lei (escribas)
e representantes da seita dos “separatistas”(fariseus), para examinar o caso.
“Alguns dos mestres da Lei”, parece indicar que estes haviam sido enviados
porque eram considerados especialistas em assuntos controversos. O objetivo
deles deveria ser descobrir uma oportunidade para acusar Jesus de violação da
lei e assim ter razão para eliminação do perigo que o Nazareno representava. (2)
E viram alguns dos seus discípulos comerem com as mãos “impuras”, isto é, por
lavar. (3) (Os fariseus e todos os judeus não comem sem lavar as mãos
cerimonialmente, apegando-se, assim, à tradição dos lideres religiosos. (4)
Quando chegam da rua, não comem sem antes se lavarem. E observam muitas
outras tradições, tais como o lavar de copos, jarros e vasilhas de metal.)
O comitê espião foi rapidamente recompensado. Eles viram alguns dos
discípulos de Jesus comer com as mãos “impuras”, isto é, sem terem sido
submetidas à purificação cerimonial. A questão “estar puro” ou “estar impuro”
não era uma questão secundária; era o coração da religiosidade judaica. Tudo
girava em torno da pergunta: “puro” ou “impuro”? tanto para pessoas quanto
para animais ou objetos. No início, a obrigação de purificação cerimonial foi
estabelecida somente para os sacerdotes que sacrificavam. Mais tarde, o hábito
de dar a bênção antes de qualquer refeição foi transformado em cerimonial e
assim exigiu a purificação prévia das mãos. “Impuro”, como conceito cerimonial
excluía da presença de Deus. Somente após um tempo determinado, os
sacrifícios de purificação exigidos pela Lei tornariam a pessoa ou o objeto
novamente “puro” e, assim, mais uma vez apto para Deus. Para se ter certeza do
agrado de Deus, a purificação das mãos era imprescindível antes de qualquer
refeição. O Talmude Babilônico diz: “As mãos se tornam impuras e são purificadas
até a altura do pulso. Como? Se alguém derrama a água sobre as mãos, na
80
altura do pulso, e derrama uma segunda medida de água sobre as mãos além do
pulso, e a segunda medida de água flui de volta até as mãos, as mesmas tornamse limpas”. O mesmo era exigido cada vez que o judeu voltava da rua ou da feira,
pois poderia ter tido contato com não-judeu(gentio), portanto tornado-se
“impuro” sem o saber.
Você percebe que não se tratava de higiene, mas de um cerimonial
destinado a tornar a pessoa apta para permanecer na presença do Deus de
Israel. Os escribas defendiam a observância das regras passadas por rabinos
proeminentes do passado. A palavra tradição significa “aquilo que é passado de
geração em geração e agora ensinado à geração presente”, subentendendo-se
que a própria salvação dependia de uma completa obediência à mesma.
(5) Então os fariseus e os mestres da lei perguntaram a Jesus: “Por que os
seus discípulos não vivem de acordo com a tradição dos lideres religiosos, em vez
de comerem o alimento com as mãos ‘impuras’?” Como Mestre, este Jesus que
ensinava discípulos e o povo, não podia ser ignorante como o povo, “esta plebe,
que nada sabe da lei, e é maldita”(João 7.49)). A não-observância da tradição
por Jesus lhes parecia grave o suficiente para acusá-lo em Jerusalém.
(6)Ele respondeu: “Bem profetizou Isaías acerca de vocês, hipócritas,
como está escrito: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim. Hipócrita é alguém que tenta esconder suas reais intensões por
trás de uma máscara de virtude simulada. Enquanto simulavam, enquanto fingiam
ensinar doutrinas de origem Divina, estavam na verdade ensinando “preceitos de
homens, regras e regulamentos” elaborados com minúcias no decorrer da história
por mestres antigos. Aparentando demonstrar grande preocupação com uma
infração do regulamento Divino, na verdade queriam um pretexto para poder
silenciar a voz de Jesus. A história sempre se repete. Jesus os lembrou das palavras
do profeta Isaías cap. 29.13. Nada mudou. As palavras dos fariseus não condiziam
com as intenções do coração.
(7) Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras
ensinadas pelos homens. (8) Vocês negligenciam o mandamento de Deus e se
apegam às tradições dos homens”. Os rabinos haviam dividido a Lei Mosaica, a
Torá, em 613 decretos distintos, com 365 deles sendo considerados proibitivos,
enquanto 248 eram orientações positivas. Em conexão com cada decreto
haviam desenvolvido distinções arbitrárias entre o que consideravam “permitido”,
e o que “não era permitido”. Por meio dessas distinções procuravam regular cada
detalhe da conduta do judeu fiel. No dia-dia, a prática da Lei oral precedeu a Lei
escrita. Os rabinos disseram: “Opor-se à palavra do escriba é digno de uma
punição maior do que opor-se à Lei escrita”. A tradição e a interpretação da
tradição vem do homem pecador, falível, enquanto a Lei escrita vem de Deus,
que é imutável. Jesus acusou seus oponentes de deturparem o mandamento de
Deus para manter a tradição dos homens. A tradição estava sendo entronizada e
a Palavra de Deus destronada.
A história, por acaso, não lhe traz à memória que nada mudou? Pense:
a prática eclesiástica dos séculos passados e do presente não lhe deram prova
81
suficiente de que o julgamento de um clérigo sempre acontece com base na
tradição e não com base nas Escrituras? Quando a religião Católica Romana
considera as Escrituras e a Tradição eclesiástica em pé de igualdade, essa
dualidade sempre termina colocando a Tradição acima das Escrituras. Qual dos
hereges, até os do nosso tempo, foi julgado (e morto) com base nas Escrituras?
Não foram todos avaliados com base no “Código do Direito Canônico” que
consiste em mais de 3000 extensos dispositivos legais?
Caro leitor, não pense que as Igrejas Protestantes ou Evangélicas
estejam livres da tal tradição. Cada uma tem suas leis e regras e ai daquele que
as ferir. O homem não mudou. Ele prefere estabelecer as suas próprias leis. Ele
define o que deve agradar a Deus. Ser diferente não é fácil. Não será por decorar
versículos bíblicos que agradamos a Deus, mas clamando por luz, a fim de
entendermos a mensagem que Ele nos trouxe e para recebermos da parte dEle a
justificação que nos torna aptos para entrar na família de Deus.
Você sabe o que Deus quer do homem?
Sua prática religiosa está se orientando na Tradição eclesiástica ou nas
Escrituras?
Nem toda tradição é falível, portanto você precisará da luz de Deus para
poder discernir entre humano e divino.
Esta luz virá da Palavra de Deus e não de dispositivos eclesiásticos por mais
bem elaborados que sejam.
Você tem coragem? Jesus foi à frente. Portanto, siga-o!
O Evangelho de Marcos – cap. 7.9-23 (NVI)
(9) E disse-lhes: “Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira de pôr de lado os
mandamentos de Deus, a fim de obedecerem às suas tradições”. (10) Pois Moisés disse: ‘Honra o teu
pai e a tua mãe’ e ‘Quem amaldiçoar o seu pai ou a sua mãe terá que ser executado. (11) Mas vocês
afirmam que se alguém disser a seu pai ou à sua mãe: ‘Qualquer ajuda que vocês puderem receber
de mim é Corba’, isto é, uma oferta dedicada a Deus, (12) ‘vocês o desobrigam de qualquer dever
para com seu pai ou sua mãe. (13) Assim vocês anulam a palavra de Deus, por meio da tradição que
vocês mesmos transmitiram. E fazem muitas coisas como essa’.
(14) Jesus chamou novamente a multidão para junto de si e disse: “Ouçam-me todos e
entendam isto: (15) Não há nada fora do homem que, nele entrando, possa torná-lo ‘impuro’. Ao
contrário, o que sai do homem é o que o torna ‘impuro’. (16) Se alguém tem ouvidos para ouvir,
ouça!” (17) Depois de deixar a multidão e entrar em casa, os discípulos lhe pediram explicação da
parábola. (18) “Será que vocês também não conseguem entender?”, perguntou-lhes Jesus. “Não
percebem que nada que entre no homem pode torná-lo ‘impuro’? (19) Porque não entra em seu
coração, mas em seu estômago, sendo depois eliminado. “Ao dizer isso, Jesus declarou “puros” todos
os alimentos. (20) E continuou: “O que sai do homem é o que o torna ‘impuro’. (21) Pois do interior do
coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, as maldades, o
engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. (23) Todos esses males vêm
de dentro e tornam o homem ‘impuro’.
82
Jesus ainda está discutindo com o grupo inquisidor que veio de Jerusalém
com o intuito de colher provas contra o pregador galileu. Invertendo os papéis,
acabou acusando o grupo de entronizar a tradição no lugar da palavra de Deus.
(9) E disse-lhes: “Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira de pôr de lado
os mandamentos de Deus, a fim de obedecerem às suas tradições”. Outra tradução
diz: “Jeitosamente vocês rejeitam o preceito de Deus para guardar a vossa própria
tradição”! Ou, em outras palavras mais atuais: “Malandros que são, como vocês
enganam o povo para chegar onde vocês querem”! Para deixar claro como os
religiosos torceram o mandamento de Deus, Jesus citou um exemplo: (10)“Pois
Moisés disse: ‘Honra o teu pai e a tua mãe’ e ‘Quem amaldiçoar o seu pai ou a sua
mãe terá que ser executado. (11) mas vocês afirmam que se alguém disser a seu pai
ou à sua mãe: ‘Qualquer ajuda que vocês puderem receber de mim é Corba’, isto é,
uma oferta dedicada a Deus, (12) ‘vocês o desobrigam de qualquer dever para com
seu pai ou sua mãe’.
O quinto mandamento de Deus diz: “Honra o teu pai e a tua mãe”. Honrar é
mais do que obedecer. Não é a obrigação de obediência que produz honra, mas
uma atitude interior, que implica em amor, alta consideração e respeito. Em Levítico
20.9, a pena de morte é estabelecida para aquele que amaldiçoar seu pai e mãe.
O que era que os religiosos tinham elaborado para, dispensando essa honra, tirar
proveito? “Corba” é um “termo de promessa” na linguagem popular (grego: doron)
que, sendo proferido sobre bens ou dinheiro, consagra estes para fins eclesiásticos.
Através dessa tradição aprovada pelos rabinos, foi dada ao judeu a possibilidade
de transferir aquilo que era dos pais para fins religiosos, considerando-o “oferta” a
Deus. Com isso, roubavam os pais e portanto invalidavam o quinto mandamento.
(12) ...‘vocês o desobrigam de qualquer dever para com seu pai ou sua mãe. (13)
Assim vocês anulam a palavra de Deus, por meio da tradição que vocês mesmos
transmitiram. E fazem muitas coisas como essa’. “Muitas coisas como essa” ,
semelhantes, os mestres da lei ensinaram através da “Mischna” (acréscimos de
veneráveis rabinos à Lei), com que invalidaram o mandamento de Deus em favor de
interesses próprios.
Novamente nós, cidadãos do século vinte e hum, somos pegos pela
palavra de Deus. Não conhecemos semelhante prática, usual há séculos? Através
de doações para a Igreja não procuramos, em detrimento do nosso próximo,
arrecadar proveito religioso? De onde vem o poder econômico da Igreja?
Parece que a discussão entre Jesus e o grupo inquisidor havia acabado. Ele
tinha fechado a boca deles, envergonhado-os. Então voltou sua atenção às
pessoas ao redor, possivelmente testemunhas à distância do confronto e os
conclamou para prestar atenção. O momento era propício para ensinar a respeito
do assunto tradição e da questão do “puro/impuro” em torno dos quais girava toda
religiosidade do judeu. (14) Jesus chamou novamente a multidão para junto de si e
disse: “Ouçam-me todos e entendam isto: (15) Não há nada fora do homem que,
nele entrando, possa torná-lo ‘impuro’. Mãos impuras, comida impura... o que, afinal,
era importante? A questão interessava, e por causa de tais conceitos o povo em
83
geral era excluído “da comunidade de Israel”, pelo menos aos olhos dos clérigos. A
contaminação, segundo os seus críticos, vinha de fora para dentro. Jesus mostrou
que o oposto era verdadeiro. A real contaminação que leva à exclusão do Reino,
não vinha de fora; não era física, mas moral e espiritual. (16) “Se alguém tem ouvidos
para ouvir, ouça!” Contestar um conceito tão arraigado era difícil, como veremos
em seguida.
(17) Depois de deixar a multidão e entrar em casa, os discípulos lhe pediram
explicação da parábola. (18) “Será que vocês também não conseguem entender?”,
perguntou-lhes Jesus. Os doze, filhos de seu tempo, não souberam tirar muito
proveito da advertência dada pelo seu Mestre. Mais uma vez, Jesus ficou admirado
pela falta de entendimento daqueles a quem escolhera a dedo. Quantas vezes, na
nossa interpretação, sem sabermos estamos longe daquilo que Deus nos quer
comunicar! Quantas vezes Jesus ainda nos perguntará: “você continua confundindo
as prioridades do Reino”? Urge “ouvir” se queremos, como discípulos do século 21,
aprender a pensar como Jesus pensava.
“Não percebem que nada que entre no homem pode torná-lo ‘impuro’? (19)
Porque não entra em seu coração, mas em seu estômago, sendo depois eliminado”.
As leis cerimoniais relacionadas com pureza e impureza externa estão sendo
abolidas. Com essa declaração, Jesus ousou afirmar que, em princípio, todos os
alimentos são cerimonialmente limpos. Nenhum alimento nos separa de Deus. A
mesma conclusão vemos nas palavras de Marcos, intérprete de Pedro: Ao dizer isso,
Jesus declarou “puros” todos os alimentos. Percebemos que Pedro não entendeu
nada, pois poucos anos depois era preciso instruí-lo a respeito, através de uma visão
e subseqüente experiência (Atos 10.9-23).
(20) E continuou: “O que sai do homem é o que o torna ‘impuro’. (21) Pois do
interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais,
os roubos, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e
a insensatez. (23) Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem ‘impuro’”. A
impureza tem seu próprio lar e procedência no coração do homem; impureza que
se constitui obstáculo para estar na presença de Deus. A lista de Marcos não é
completa, ela pode ser aumentada facilmente. O importante é que pelas palavras
de Jesus o ensino dos dias atuais está sendo colocado em cheque. “O homem em si
mesmo é bom e está sendo estragado pelo que vem de fora”, dizem os novos
mestres, exatamente como os fariseus da época. Claro, não será necessariamente
comida que destrói, mas o tão venerado “ambiente”. Ele tem culpa de tudo. Só
que o ambiente, a sociedade que “suja”, nada mais são que o acúmulo de
indivíduos em cujos corações reside a mesma raiz que, igualmente, se encontra no
nosso próprio coração. Sim, a religião continua sendo “Ópio para o povo” (Marx)
enquanto é usada para ludibriar ou manipular o mesmo. Jesus não ensinou religião.
Ele apontou para a fonte da miséria latente e presente em cada ser humano e
obstáculo para Deus. (23) Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem
‘impuro’.
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É por essa razão que não adianta limpar o exterior com ritos ou sacrifícios.
Quando uma alta personalidade religiosa veio escondida durante a noite a Jesus,
inquirindo-o a respeito do Reino e o acesso a ele, Jesus lhe declarou: “Ninguém
pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo!” (João 3.3). Jesus não falou da
reencarnação; da desesperadora visão de ter que lidar novamente com o mesmo
coração sede de males e condenado a correr novamente contra o mesmo
fracasso, mas sim de um novo coração dado por Deus, agora, hoje!
“Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito
inabalável”. Esta foi a oração de um homem de Deus, após ter caído e finalmente
ter concordado com Deus a respeito da fonte dos males (Salmo 51.10-12).
Você está preocupado com “coisas” que poderiam eventualmente tornar
você inapto para Deus? Não as procure em coisas exteriores, corruptíveis!
Crie coragem e trate da fonte do perigo!
Faça a oração de Davi! Concorde com Deus e Ele o(a) ouvirá!
O Evangelho de Marcos – cap. 7. 24-30 (NVI)
(24) Jesus saiu daquele lugar e foi para os arredores de Tiro e de Sidom. Entrou numa casa e
não queria que ninguém o soubesse; contudo, não conseguiu manter em segredo a sua presença.
(25) De fato, logo que ouviu falar dele, certa mulher, cuja filha estava com um espírito imundo, veio e
lançou-se aos seus pés. (26) A mulher era grega, siro-fenícia de origem, e rogava a Jesus que
expulsasse de sua filha o demônio. (27) Ele lhe disse: “Deixe que primeiro os filhos comam até se
fartar; pois não é correto tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. (28) Ela respondeu: “Sim,
Senhor, mas até os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas das crianças”. (29) Então
ele lhe disse: “Por causa desta resposta, você pode ir;; o demônio já saiu da sua filha”. (30) Ela foi para
casa e encontrou sua filha deitada na cama, e o demônio já a deixara.
(24) Jesus saiu daquele lugar e foi para os arredores de Tiro e de Sidom. Entrou
numa casa e não queria que ninguém o soubesse. Havia várias razões para Jesus
afastar-se temporariamente da Galiléia. Herodes Antipas estava mal-intencionado
em relação a ele (Marcos 6.14); embora muitos dos ensinamentos de Jesus fossem os
mesmos dos fariseus, estes ficaram preocupados com a crescente popularidade do
Nazareno e dos discípulos dele que precisavam ser melhor instruídos. É provável que
o desejo de Jesus tenha sido estar com eles a sós. Assim, Jesus foi para o norte,
território não-judeu, hoje região do Líbano. Tiro e Sidom eram duas cidades
portuárias situadas na costa oriental do mar mediterrâneo. No passado, reis de Tiro
haviam feito uma aliança com os reis Davi e Salomão, enviando-lhe artesãos,
principalmente para a construção do templo e Israel enviara para o rei Hiro e seus
sucessores os cereais de que necessitava (1 Rei 5). Calvino cogitou que, por um
tempo, Jesus planejava ficar incógnito. Ele precisava de um período para reflexão e
ensino dos seus. Contudo, não conseguiu manter em segredo a sua presença. (25)
De fato, logo que ouviu falar dele, certa mulher, cuja filha estava com um espírito
imundo, veio e lançou-se aos seus pés. (26) A mulher era grega, siro-fenícia de
origem. A fama de Jesus já corria na região. A mulher que apareceu era gentia pois
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havia nascido na Fenícia (região de Tiro e Sidom), na época pertencente à Síria.
Embora Jesus procurasse pelo anonimato, contudo essa mulher entrou na casa
onde ele estava, lançando-se aos seus pés. Certas fontes antigas parecem sugerir
que a razão de doença física era atribuída à intervenção divina (castigo, por
exemplo), enquanto a mental era vista como intervenção satânica. A filha dessa
mulher, de acordo com esta tradição, sofria de uma deficiência mental atribuída à
presença de um espírito maligno. A mulher implorava que Jesus livrasse do demônio
sua querida filha.
Imagine você a situação: De um lado Jesus, em terra estrangeira, procurando
o anonimato. Do outro lado uma mulher gentia, alheia à fé judaica, nada
conhecendo da lei e do Deus único, querendo ser atendida com urgência. Não
havia nada mais incômodo para o momento do que essa interpelação. (27) Ele lhe
disse: “Deixe que primeiro os filhos comam até se fartar;; pois não é correto tirar o
pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”. Mateus, em seu Evangelho nos conta
que, de início, Jesus nem sequer respondeu à petição da mulher. Ele também
menciona que os discípulos, ao presenciarem o momento, pediram que Jesus se
livrasse da mulher. “Manda-a embora, pois ela vem gritando atrás de nós” (Matheus
15.23). Não era momento para uma petição solene; havia se formado um tumulto.
Jesus, então, voltando-se se para a mulher, lhe disse: “Não fui enviado senão para as
ovelhas perdidas da casa de Israel!” – o que quer dizer: “Nada eu tenho eu com
vocês, não-judeus!” A resposta desesperada da mulher veio em seguida: “Senhor,
socorro!”
Será que percebemos o porquê da resposta aparentemente dura de Jesus à
mulher gentia? “Ovelhas perdidas da casa de Israel!”- era isso que se passava na
consciência de Jesus, enquanto ele se refugiava no estrangeiro. Seu próprio povo
pareceu não entender sua mensagem. E neste momento, com a missão entre seu
próprio povo inacabada, chega a Ele essa mulher, alguém que não tem
compromisso nenhum com seu Pai, Deus Único e Verdadeiro...
Quando Jesus lhe proferiu as duras palavras “deixe que primeiro os filhos
comam até se fartar; pois não é correto tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos
cachorrinhos”, ele certamente tinha em mente: “deixe-me dar prioridade à minha
missão entre meus irmãos”. A denominação “cachorrinhos” é própria para um bom
judeu, ao referir-se àqueles que nada têm com seu Deus. Ao clamor da mulher por
ajuda juntou-se a profunda noção de Jesus pela urgência da sua missão inacabada
e ainda sem resultados visíveis. (28) Ela respondeu: “Sim, Senhor, mas até os
cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas das crianças”. A mulher não
somente aceitou a aparente repreensão (cachorrinhos), mas ela também a
transformou em razão para otimismo, quando incorpora a comparação: “mas veja
Senhor, até para os cachorrinhos, debaixo da mesa, sobram alguns pedacinhos!”
(29) Então ele lhe disse: “Por causa desta resposta, você pode ir;; o demônio já saiu
da sua filha”.
“Por causa desta resposta...” é muito mais do que o reconhecimento de um
raciocínio rápido. De acordo com Mateus, Jesus disse-lhe: “Ó mulher, grande é tua
fé!” A mulher não tinha outra maneira de manifestar sua fé a não ser agarrar-se
àquilo que tinha ouvido daquele mestre judeu: O Deus dele é bom! (30) Ela foi para
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casa e encontrou sua filha deitada na cama, e o demônio já a deixara. Observe
também que Jesus não exigiu da mulher um prévio reconhecimento formal do Deus
Único dos judeus. Ainda hoje, Ele não condiciona a sua resposta favorável quando
você clama por socorro! Ter fé não é primeiro gozar de um sentimento tranqüilo e
sereno de segurança. Ter fé é apostar tudo que você tem, TUDO, naquele que diz:
“Segue-me!”
Você pode estar perguntando: O que Jesus realmente disse: ”Por causa desta
resposta...”(segundo Marcos) ou : “Ó mulher, grande é tua fé?”(segundo Mateus).
Qual dos dois Evangelistas está correto? Você já pode ter ouvido dizer que a Bíblia é
inspirada por Deus e, portanto, infalível. Há quem a interprete literalmente. Como,
então, devemos encarar as palavras diferentes com as quais os três Evangelistas
relatam o mesmo episódio? Será que as diferenças desqualificam o relato como
alguns teólogos modernos nos querem sugerir? “São mitos somente, imagens e
projeções”, eles sentenciam.
Os quatro Evangelhos foram escritos por pessoas diferentes em regiões
diferentes e para públicos diferentes, com base em tradições orais, tendo como
base relatos de testemunhas e pelo menos uma fonte escrita de palavras de Jesus
(logia). Guardar o testemunho dos próprios apóstolos, quando estes vieram a
falecer, tornou-se vital para o futuro da igreja. Não é uma centena de anos que
distancia o testemunho escrito dos fatos. Ao contrário do que até pouco tempo se
afirmava, as mais recentes descobertas indicam a conclusão do cânon do Novo
Testamento para antes dos anos 70 (J.A.T.Robinson), e para Marcos surgiu uma pista
que torna possível datá-lo na casa dos anos quarenta d.C. Não são lendas dos
tempos remotos que os evangelistas nos apresentam.
Cada um deles usou suas próprias palavras, baseadas na tradição oral, para relatar
aqueles eventos que ficaram marcados na mente das testemunhas: aquele
encontro, aquela palestra, aquela noite. Assim não há a menor dúvida quanto
àquilo que nos relatam. Aconteceu mesmo e da maneira como nos está posto.
Cada Evangelista procurou, da melhor forma possível e dentro de sua própria
compreensão, trazer-nos o mais perto possível aquilo que ele mesmo ouviu e viu.
Desta forma, há grande proveito em compararmos os Evangelhos de Mateus,
Marcos e Lucas, quando falam do mesmo acontecimento.
Peça de Deus entendimento para “ouvir” também aquilo que não está
registrado. Há muitas mensagens nas entrelinhas. Muito foi dito que não está escrito.
Muitas vezes o Evangelista anotou uma resposta de Jesus, mas deixou de mencionar
a pergunta que o levou àquela definição; veja, por exemplo, João 3.3: Qual poderia
ter sido a pergunta de Nicodemos entre os versos 2 e 3?
Não brigue por palavras! O simples conhecimento apenas ocupa espaço!
Descubra o que Deus lhe quer revelar através daqueles eventos passados, tão
próximos do nosso coração. E creia!
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O Evangelho de Marcos – cap. 7. 31-37 (NVI)
(31) A seguir Jesus saiu dos arredores de Tiro e atravessou Sidom, até o mar da Galiléia e a
região de Decápolis. (32) Ali algumas pessoas lhe trouxeram um homem que era surdo e mal podia
falar, suplicando que lhe impusesse as mãos. (33) Depois de levá-lo à parte, longe da multidão, Jesus
colocou os dedos nos ouvidos dele. Em seguida, cuspiu e tocou na língua do homem. (34) Então
voltou os olhos para o céu e, com um profundo suspiro, disse-lhe: “Efatá!”, que significa “abra-se!”
(35) Com isso, os ouvidos do homem se abriram, sua língua ficou livre e ele começou a falar
corretamente. (36) Jesus ordenou-lhes que não o contassem a ninguém. Contudo, quanto mais ele os
proibia, mais eles falavam. (37) O povo ficou simplesmente maravilhado e dizia: “Ele faz tudo muito
bem. Faz até o surdo ouvir e o mudo falar”.
(31) A seguir Jesus saiu dos arredores de Tiro e atravessou Sidom, até o mar da
Galiléia e a região de Decápolis. Na sua volta à região da Galiléia, Jesus e seus
seguidores seguiam para o leste, dando uma volta para descer em direção sul à
região de Decápolis, ainda evitando a região judaica. “Decápolis” quer dizer
“Região das dez cidades” ao leste do mar da Galiléia, região com forte influência
helenista e povo misto, de maioria gentia. As distâncias percorridas por Jesus eram
enormes e a região montanhosa.
(32) Ali algumas pessoas lhe trouxeram um homem que era surdo e mal podia
falar, suplicando que lhe impusesse as mãos. Somente Marcos menciona essa cura.
Pelo contexto entendemos que Jesus encontrava-se cercado por uma multidão
quando lhe apresentaram um homem surdo e gago, rogando a imposição de mãos
obviamente a fim de verem restabelecidos audição e fala.
Naquele tempo, os processos e métodos de cura pelos sacerdotes não eram
monopólio de qualquer escola de pensamento. Sem artifícios mecânicos ou
químicos à disposição, o Talmude (tradição religiosa judaica) conheceu vários
métodos de cura: “murmurar”, por exemplo, era um método reconhecido de
tratamento enquanto a doença não indicava implicação demoníaca. Outra
prática era a imposição de mãos; tocar a parte enferma do corpo ou massagem;
esfregar saliva com as mãos (B Sanhedrin 101ª). Como melhor recurso havia a prece
(Números 12.13), pois o êxito de uma cura, em todo caso, sempre dependia da
graça e condescendência Divina. Jesus, a essa altura, já havia curado várias
pessoas e causado frustração nos fariseus pelo fato de aliviar o sofrimento de uma
pessoa com umas poucas palavras pronunciadas com autoridade. Pareceu que ele
não estava limitado às práticas conhecidas.
Neste caso, as pessoas imploravam pela imposição de mãos. Já tinham em
mente qual o método pelo qual Deus mostraria Seu poder. É provável que tivessem
visto Jesus fazer o mesmo em outras oportunidades. Mas Jesus, ao invés de impor as
suas mãos à vista de todos, levou o homem à parte, provavelmente para que este
se sentisse mais à vontade, podendo atentar melhor ao seu benfeitor.
(33) Depois de levá-lo à parte, longe da multidão, Jesus colocou os dedos nos
ouvidos dele. Em seguida, cuspiu e tocou na língua do homem. Longe da multidão,
observado apenas por alguns de seus discípulos, Jesus agiu de modo
aparentemente estranho, diferente do que lhe rogaram. “Apertando os dedos” nos
ouvidos do surdo (assim pode ser traduzido) e tocando sua língua com seu próprio
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dedo, no qual antes cuspiu, Jesus se identificou física e sentimentalmente com o
doente. Jesus nunca desprezou o corpo. Imaginem a tensão emocional do doente,
acompanhando os movimentos de Jesus. (34) Então voltou os olhos para o céu e,
com um profundo suspiro, disse-lhe: “Efatá!”, que significa “abra-se!” Suspirando,
compartilhando as dores do homem, sendo tocado no seu coração, mais uma vez
Jesus ergueu os olhos para o céu, indicando ao homem doente de onde vinha sua
ajuda. Em perfeita identificação com o homem sofredor e, de cima, com seu Pai,
Jesus ordenou: “Abra-se”. Ele, ao ordenar, não disse: “Abre-te”. Ele ordenou que de
cima fosse solta: “Abra-se!” Aos seus leitores romanos, Marcos explica o significado
da palavra “Efatá”. (35) Com isso, os ouvidos do homem se abriram, sua língua
ficou livre e ele começou a falar corretamente. Novamente: quando Jesus curou, a
cura aconteceu instantaneamente. Será que o próprio homem antes surdo ainda
ouviu o final da palavra “Efatá”? A descrição cuidadosa e detalhada de Marcos
denuncia-nos a presença de uma testemunha ocular (provavelmente Pedro).
(36) Jesus ordenou-lhes que não o contassem a ninguém. Anteriormente vimos
outro homem ser curado. A ele foi pedido anunciar o que lhe fora feito. A esse
homem agora foi ordenado silêncio. Não nos é dito a razão dessa proibição. Jesus
ainda encontra-se em terra gentia, no lado oriental do lago. As curas eram respostas
a clamores de misericórdia e não consistiam em sua missão. Como vimos na leitura
do trecho anterior, o que estava arraigado mesmo no coração de Jesus era a
salvação do seu próprio povo. Fama de milagreiro não lhe vinha a ajudar, pois não
abriria os ouvidos da multidão para a mensagem. Talvez fosse por essa razão a
proibição. Contudo, quanto mais ele os proibia, mais eles falavam. (37) O povo
ficou simplesmente maravilhado e dizia: “Ele faz tudo muito bem. Faz até o surdo
ouvir e o mudo falar”. Mesmo desobedientes, as pessoas ficaram maravilhadas.
Mateus, em seu Evangelho, menciona o fato de terem acontecido muitas outras
maravilhas nessa oportunidade, mas não as especifica. Diz que as pessoas
“glorificaram o Deus de Israel”.
Embora fosse compreensível a admiração e a conseqüente propagação do
feito, fica evidente que é necessário muito mais do que entusiasmo e admiração
para ser um verdadeiro seguidor de Cristo. Muitos dos admiradores de Jesus estão
longe dele, perdidos. A verdadeira obra de discipulado é revelada em João 15.14.,
onde Jesus diz aos Seus: “Vocês verdadeiramente são meus amigos, se fazem o que
eu vos mando”.
Os dois registros de Marcos, um na região de Tiro e Sidom, na Fenícia, e outra
na região de Decápolis, sendo ambos em terra “não judaicas”, portanto “gentia,
impura”, nos indicam que Jesus não estava somente apagando a linha divisória
entre comidas “puras” e “impuras”. Ele começou a remover também a barreira
entre pessoas impuras e as supostamente “puras”. Somente após a morte e
ressurreição de Jesus é que Pedro finalmente veio a entender essa lição (Atos 10.111.18).
Duas lições, pelo menos, podemos tirar da leitura de hoje:
Primeira: Jesus tem sua própria maneira de tratar com cada caso; dê-lhe,então,
liberdade de trabalhar!
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Segunda: Podem haver pessoas “impuras”, pessoas que você despreze no seu
íntimo. Mas para Deus não há diferença! Todos são “candidatos ao céu”.
Na pessoa de Jesus, Deus colocou a divisória!
O Evangelho de Marcos – cap. 8.1-13 (NVI)
(8.1) Naqueles dias, outra vez reuniu-se com uma grande multidão. Visto que não tinham nada
para comer, Jesus chamou os seus discípulos e disse-lhes: (2) “Tenho compaixão desta multidão;; já
faz três dias que eles estão comigo e nada têm para comer. (3) Se eu os mandar para casa com
fome, vão desfalecer no caminho, porque alguns deles vieram de longe”. (4) Os seus discípulos
responderam: “Onde, neste lugar deserto, poderia alguém conseguir pão suficiente para alimentálos?” (5) “Quantos pães vocês têm?” perguntou Jesus. “Sete”, responderam eles. (6) Ele ordenou à
multidão que se assentasse no chão. Depois de tomar os sete pães e dar graças, partiu-os e os
entregou aos seus discípulos, para que os servissem à multidão; e eles o fizeram. (7) Tinham também
alguns peixes pequenos; e ele deu graças igualmente por eles e disse aos discípulos que os
distribuíssem. (8) O povo comeu até se fartar. E ajuntaram sete cestos cheios de pedaços que
sobraram. (9) Cerca de quatro mil homens estavam presentes. E, tendo-os despedido, (10) entrou no
barco com seus discípulos e foi para a região de Dalmanuta.
(11) Os fariseus vieram e começaram a interrogar Jesus. Para pô-lo à prova, pediram-lhe um
sinal do céu. (12) Ele suspirou profundamente e disse: “Por que esta geração pede um sinal
miraculoso? Eu lhes afirmo que nenhum sinal lhes será dado”. Então se afastou deles, voltou para o
barco e foi para o outro lado.
Antes de passarmos para o estudo do texto acima, convém perguntar se
houve duas “multiplicações de pão”. Marcos relata duas, quase semelhantes e
Mateus que utilizou o texto de Marcos para compor seu Evangelho, copiou o
evento. Nem Lucas, o “pesquisador”, nem João, sabem de uma segunda vez.
Devemos deixar em branco a resposta a esta incerteza. É perfeitamente plausível
que a tradição, que percorreu diferentes vias, tenha trazido dois relatos quase
idênticos do mesmo acontecimento. Nada, no entanto, desqualifica o relato acima.
Devemos entender que não é a “fé na Bíblia” que nos salva. É a fé no Senhor da
Bíblia, naquele que nos é apresentado nela. Considerando isso, vamos concluir:
houve aquele acontecimento da milagrosa alimentação da multidão de acordo
como o relato dos Evangelistas, sim. Se foram duas vezes, ou uma só vez, não tem a
menor importância. O desafio perante o qual estamos não se chama “provar que a
Bíblia tem razão”. Ele se chama: “Reconhecer nos relatos da Bíblia (inspirada e
testemunha humana da história de Deus com o homem), Aquele que é Senhor”.
Trata-se da questão de “receber luz de cima” ou não. A Bíblia é “luz no
caminho”(Salmo 119.105);; o caminho é Aquele que disse: “Eu sou o caminho”(João
14.6) e o caminho nos levará para a casa do Pai (João 14.6).
(8.1) Naqueles dias, outra vez reuniu-se com uma grande multidão. Visto que
não tinham nada para comer, Jesus chamou os seus discípulos e disse-lhes: (2)
“Tenho compaixão desta multidão;; já faz três dias que eles estão comigo e nada
têm para comer. (3) Se eu os mandar para casa com fome, vão desfalecer no
caminho, porque alguns deles vieram de longe”. Sabemos que na proximidade do
“mar da Galiléia” (200 metros abaixo do nível do mar) as temperaturas noturnas não
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diferem muito das do dia. Desta forma nos parece possível uma permanência de
três dias em região deserta (nas “raves” de hoje, o pessoal não agüenta uma
semana inteira?). O alimento trazido havia acabado, mas quem reconheceu isso,
mais uma vez foi o Senhor. Com seu chamado aos discípulos, Jesus queria despertálos para a responsabilidade deles, junto com ele.
(4)Os seus discípulos responderam: “Onde, neste lugar deserto, poderia
alguém conseguir pão suficiente para alimentá-los?” A única cooperação dos seus
companheiros consistiu em afirmar a impossibilidade de qualquer socorro neste
sentido. No relato de João, o discípulo com maior sensibilidade e compreensão
observa: “...pois ele bem sabia o que estava para fazer”(João 6.6). Jesus não tentou
receber uma dica útil para escapar de uma situação embaraçosa. Por essa razão,
Jesus não os censurou pela resposta. (5) “Quantos pães vocês têm?” perguntou
Jesus. “Sete”, responderam eles. (6) Ele ordenou à multidão que se assentasse no
chão. Depois de tomar os sete pães e dar graças, partiu-os e os entregou aos seus
discípulos, para que os servissem à multidão; e eles o fizeram. (7) Tinham também
alguns peixes pequenos; e ele deu graças igualmente por eles e disse aos discípulos
que os distribuíssem. Marcos observa que Jesus deu graça duas vezes,
primeiramente pelo pão, depois pelos peixes. Podemos novamente perguntar:
como exatamente esse milagre ocorreu? O pão viera a se multiplicar enquanto era
distribuída? Parece-nos forçado procurar uma definição para um milagre que nem
as testemunhas oculares perceberam quando ele aconteceu. Somente mais tarde
(veremos no próximo estudo), ao refletirem, vieram a perceber que houve
intervenção Divina, “socorro de cima”, por assim dizer.
(8) O povo comeu até se fartar. E ajuntaram sete cestos cheios de pedaços
que sobraram. (9) Cerca de quatro mil homens estavam presentes. Simples fatos,
números, necessidades supridas. Até sobrou alimento.
Já houve crítica quanto ao número cinco, aliás quatro mil, quando Jesus
ensinava e partilhava pão e peixe. Alegaram ser impossível falar a uma multidão tão
grande sem os recursos dos quais dispomos hoje. Não obstante, sabemos que
durante o avivamento do séc. 18, em 1739, o pregador G.Whitefield pregou ao ar
livre em Kingswood para quatro, cinco e, pelo menos uma vez, para
aproximadamente dez mil pessoas (A.A.Dallimore, G.Whitefield, PES). Na ocasião que
estudamos, mesmo que nem todas as pessoas pudessem seguir de perto os
ensinamentos de Jesus, para muitos era suficiente estar perto do Senhor. Nada
desabona, portanto, esses números de Marcos.
E, tendo-os despedido, (10) entrou no barco com seus discípulos e foi para a
região de Dalmanuta. Magadão (Mateus) ou Dalmanuta, conforme Marcos, parece
ter sido localizada ao sul da planície de Genesaré, no lado sudeste do lago. Em uma
caverna nessa região foi encontrada o nome de “Talmanuta”. Jesus, assim, retornou
à sua terra, terra do povo de Israel, após ter passado por um longo período em
regiões “gentias”.
(11) Os fariseus vieram e começaram a interrogar Jesus. Pelo relato de Lucas
(11.29), sabemos que a interrogação feita pelos fariseus aconteceu em meio a
discussões envolvendo uma multidão. Enquanto se tratava de assuntos da Lei
escrita, os pontos de vista dos fariseus em muito eram idênticos com os de Jesus.
Porém, ao contrário dos saduceus, os fariseus, além da Lei escrita, observavam
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inúmeros acréscimos da Lei oral, tornando assim, na maioria dos assuntos, a Lei
escrita invalidada. Outro assunto preocupava mais os venerandos fariseus. Eles que
podiam com justa causa se considerar eminentemente qualificados para rogar a
Deus e invocar sua ajuda e misericórdia, devem ter sofrido uma frustração abissal e
crescente com sua impossibilidade de curar ou mesmo aliviar o sofrimento de um
homem enfermo que Jesus costumava curar com umas poucas palavras ou pelo
simples toque de sua mão. A preocupação deles, que acreditaram em demônios –
como todo mundo – era grande e aparentemente de difícil solução. De um lado
deverão ter pensado que poderes sobrenaturais estavam ajudando Jesus, mais
particularmente nos casos atribuídos a um mal demoníaco. Eles temiam que essas
forças pudessem advir do maligno. Do outro lado, poderia ser blasfemo a negação
da manifestação de Deus na cura milagrosa do aparentemente incurável. Mais
ainda, as curas eram provas conclusivas de que os pecados dos que foram curados
haviam sido perdoados. Sem esse perdão Deus não teria cancelado a punição que
julgaram adequada para se aplicar a pecadores. A situação era de confusão.
Para pô-lo à prova, pediram-lhe um sinal do céu. Os fariseus eram prudentes,
agindo somente após cuidadosa reflexão e, temendo uma afronta a Deus,
precisavam urgentemente ter certeza a respeito dos inegáveis poder e autoridade
de Jesus. Eles sabiam dos milagres que os verdadeiros profetas eram capazes de
operar: Moisés, dando pão do céu(Êxodo 16); Josué, dando ordem ao sol e lua
(Juízes 10.12-14); Samuel, causando terremoto (1 Samuel 7.10) ou Elias, fazendo cair
fogo do céu (1 Reis 18.30-40). Se Jesus fosse capaz de lhes provar, sem deixar
oportunidade para dúvida, que Deus estava com ele, então... o quê? Não sabemos
o que lhe propuseram. Que o reconheceriam como um deles? Talvez, mas como
ficaria o povo? Eles, os fariseus, perderiam reputação se Jesus mesmo operasse uma
prova inegável de autoridade Divina.
(12) Ele suspirou profundamente e disse: “Por que esta geração pede um sinal
miraculoso? Eu lhes afirmo que nenhum sinal lhes será dado”. O pedido deles foi
respondido, inicialmente, com um profundo gemido de Jesus. Os sinais já realizados
eram insuficientes para que acreditassem na sua autoridade. Eram incapazes de
“ver” e “ouvir”. O trabalho do Pai ( João 5.19ss) era insuficiente para tocar os
corações endurecidos, não somente dos fariseus, mas do povo todo. O que eles
queriam era “evento miraculoso”, não acerto de suas vidas com o Deus Santo e
misericordioso. Jesus ficou perplexo e perturbado perante o pedido feito a ele. Dois
anos atrás, Jesus tinha dado ao tentador a resposta única possível nesta situação:
“Não tentarás o Senhor, teu Deus”(Lucas 4.12). Não! a “esta geração” – a esta
nação judaica, ou povo judeu” - não será dado nenhum sinal! Lucas, em 11.29-32,
acrescenta algumas palavras que Jesus pronunciou no seu veredito contra “essa
geração”. E “Não!” à geração atual, que “ordena” ao Senhor Deus “espetáculo e
prosperidade”!
Então se afastou deles, voltou para o barco e foi para o outro lado.
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Você, na sua vontade de servir a Deus, será que depende verdadeiramente
de Deus ou está preocupado com o “espetáculo” que o credenciasse perante a
multidão?
Quais as provas que você apresenta aos que o questionam quanto a sua fé?
O Evangelho de Marcos – cap. 8.14-21 (NVI)
(14) Os discípulos haviam se esquecido de levar pão, a não ser um pão que tinham consigo
no barco. (15) Advertiu-os Jesus: “Estejam atentos e tenham cuidado com o fermento dos fariseus e
com o fermento de Herodes”. (16) Eles discutiam entre si, dizendo: “É porque não temos pão”. (17)
Percebendo a discussão, Jesus lhes perguntou: “Por que vocês estão discutindo sobre não terem
pão? Ainda não compreendem nem percebem? O coração de vocês está endurecido? (18) Vocês
tem olhos, mas não vêem? Têm ouvidos, mas não ouvem? Não se lembram? (19) Quando eu parti os
cinco pães para os cinco mil, quantos cestos cheios de pedaços vocês recolheram?” “Doze”,
responderam eles. (20) E quando parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos cheios de
pedaços vocês recolheram?” “Sete”, responderam eles. (21) Ele lhes disse: “Vocês ainda não
entendem?”
(Confira leitura anterior). Afastar-se dos fariseus e desse modo pondo fim à
discussão pode ter sido interpretado por estes como sinal de fraqueza de Jesus. Ele
obviamente não lhes quis demonstrar com um “sinal de céu” que seu poder vinha
de cima e não de baixo, como foi sugerido pelos fariseus.
De início já se levanta uma pergunta: Por que razão Jesus não lhes demonstrou
seu poder e autoridade Divinos? Sabemos de uma outra situação, quando lhe foi
sugerido oportunidade de “prova” e onde, de modo similar, nada fez: quando,
pendurado na cruz, lhe foi lançado o desafio de “descer para provar” e, por alguma
razão, não estava “autorizado” a agir.
A resposta deve ser procurada no fato de que Deus nunca se impõe ao
homem com força, obrigando-o a curvar-se. O mistério da salvação é para ser
revelado a quem o procure, não àquele que desafia a Deus. Perante esse, Deus se
cala. Ele não joga sua luz à mercê dos homens, para concorrer com as luzes dos
homens. Aquela luz nos é dada como “graça”, presente não merecido, prova de
amor e não prova de poder. Somente ao “amado” é revelado o amor; não é assim
conosco também? Resumindo: Deus não se impõe! Ele espera ser procurado e isso
nos humilha pois seremos obrigados a “pedir”;; pedir que nos abra os olhos e os
ouvidos.
(14) Os discípulos haviam se esquecido de levar pão, a não ser um pão que
tinham consigo no barco. Na aparente pressa em embarcar, parece que os
discípulos se esqueceram da provisão necessária e que esse fato os tinha deixado
preocupado. Quando, conscientes da falta de pão discutiam a respeito,
procurando o culpado ou, quem sabe, uma solução, repentinamente foram
interrompidos por uma advertência de Jesus. (15) Advertiu-os Jesus: “estejam
atentos e tenham cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de
Herodes”. Sem dúvida, Jesus, ao contrário dos seus amigos, ainda estava refletindo
no incidente que acabaram de vivenciar: o confronto com os fariseus. Percebeu
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com maior clareza que o perigo começou a tomar forma e assim resolveu advertir os
seus companheiros. O fermento, ou levedura, com sua tendência natural de
aumentar sua esfera de influência, era usado por Jesus no sentido figurativo como
algo desfavorável, poderoso e corruptível (compare palavras do apóstolo Paulo em
1º Coríntios 5.6ss).
“Estejam atentos... com o fermento de Herodes”? A popularidade de Jesus já
havia chamado a atenção das autoridades. Mateus, no seu Evangelho, menciona
no contexto os saduceus, membros de partido sacerdotal rico, dependente dos
favores de Herodes. Se este não poupou João Batista, tampouco pouparia Jesus. As
multidões que vinham a Jesus aumentaram cada vez mais seu “Ibope”, o que era
perigoso. Os romanos ficavam de olho nos movimentos populares.
“Estejam atentos... por causa do fermento dos fariseus”? Observando Jesus
com crescente indignação, os fariseus ficaram ansiosos para discutir com ele
questões da Lei. Será que não lhes era legítimo exigir de Jesus um sinal de sua
divindade?
Lembremos: Somente a aprovação do Pai interessava a Jesus. Como ele
poderia submeter a sua aprovação ao julgamento dos fariseus? Por duas vezes o Pai
acabara lhe dando uma demonstração inegável de profundo significado, quando
“partindo o pão”, Jesus alimentou a multidão. Tentaria a Deus com outra prova...
para quê?
(16) Eles discutiam entre si, dizendo: “é porque não temos pão”. (17)
Percebendo a discussão, Jesus lhes perguntou: “por que vocês estão discutindo
sobre não terem pão? Ainda não compreendem nem percebem?” Jesus pensava
nas questões fundamentais de sua missão. Quando resolveu compartilhá-las com
seus companheiros, percebeu que estes continuavam se preocupando com o único
pão que levaram. Ainda mais: interpretaram a advertência a respeito do fermento
como proibição de aceitar pão da mão dos fariseus ou de inimigos quaisquer.
“Ainda não compreendem nem percebem o que houve?” “O coração de
vocês está endurecido? (18) Vocês têm olhos, mas não vêem? Têm ouvidos, mas
não ouvem? Não se lembram?” A repreensão duríssima de Jesus ficou marcada na
memória dos discípulos. Pedro a relatou a Marcos e esse a colocou no seu
Evangelho com estes termos absolutos, termos proféticos até (Isaías 6.9ss). Havia
momentos em que Jesus abertamente demonstrava sua frustração com a
insensibilidade de seus discípulos. “Não se lembram? (19) Quando eu parti os cinco
pães para os cinco mil, quantos cestos cheios de pedaços vocês recolheram?”
“Doze”, responderam eles. (20) E quando parti os sete pães para os quatro mil,
quantos cestos cheios de pedaços vocês recolheram?” “Sete”, responderam eles.
Ponto por ponto Jesus lhes chamou sua atenção ao que acabaram de
testemunhar sem entendê-lo. Nenhuma vez Deus os tinha abandonado! Cinco pães
para cinco mil pessoas e até sobrava, mas agora se preocupavam com um pão ?
(21) Ele lhes disse: “vocês ainda não entendem?”
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Esse “ainda não?” deve ter cortado os corações assustados dos doze. Nada
tinham entendido sobre a alimentação do povo, sobre o “partir do pão messiânico”
para saciar a fome de uma multidão.
Pelo que vemos, Jesus desistiu de apresentar maiores explicações perante a
incompreensão geral dos seus.
Hoje, lendo os Evangelhos, é possível perceber uma mudança no ministério de
Jesus a partir da assim chamada “multiplicação dos pães”. Vamos juntos descobrir e
acompanhar essa mudança de foco nas próximas leituras!
O Evangelho de Marcos – cap. 8.22-26 (NVI)
(22) Eles foram para Betsaida, e algumas pessoas trouxeram um cego a Jesus, suplicando-lhe
que tocasse nele. (23) Ele tomou o cego pela mão e o levou para fora do povoado. Depois de
cuspir nos olhos do homem e impor-lhe as mãos, Jesus perguntou: “Você está vendo alguma
coisa?” (24) Ele levantou os olhos e disse: “Vejo pessoas, elas parecem árvores andando”. (25)
Mais uma vez, Jesus colocou as mãos sobre os olhos do homem. Então seus olhos foram abertos;
sua vista lhe foi restabelecida e ele via tudo claramente. (26) Jesus mandou-o para casa, dizendo:
“Não entre no povoado!”
(22) Eles foram para Betsaida, e algumas pessoas trouxeram um cego a Jesus,
suplicando-lhe que tocasse nele. Betsaida era uma pequena vila ao leste da
entrada do rio Jordão, no “mar da Galiléia”. Ficava a três quilômetros da cidade
“Betsaida Julia”, posteriormente levantada por “Filipe, o tetrarca”, cuja esposa era
Salomé, filha de Herodias - tristemente famosa pelo seu papel na morte de João
Batista. A antiga vila na margem do lago era lugar da origem dos pescadores
Pedro, André e Filipe, que haviam se tornado discípulos.
Quando o pequeno grupo ancorou na vila de Betsaida, algumas pessoas
trouxeram um homem cego à presença de Jesus, já famoso pelas suas curas. Se
somente tocasse nele, criam, o cego recuperaria a sua visão. (23) Ele tomou o
cego pela mão e o levou para fora do povoado. O homem, como lemos, foi lhe
trazido por guias, mas Jesus pediu que lhe fosse permitido levar o homem
pessoalmente para fora da vila, tomando-o pela mão. Pela segunda vez vemos
como Jesus, ao tratar com uma pessoa doente, levava-a para fora.
Presumivelmente para evitar uma aglomeração de pessoas, sempre atentas à
oportunidade de um espetáculo.
Depois de cuspir nos olhos do homem e impor-lhe as mãos, Jesus perguntou:
“você está vendo alguma coisa?” Ao invés de tocar o homem, como lhe foi
sugerido, Jesus fez uso da saliva, ao tratar com o homem cego. Sabemos que a
esta, assim como à murmuração (recitação de preces), massagem ou toque, era
atribuído poder curador. Enquanto meses atrás curava através de uma simples
palavra, a esta altura Jesus em nada agiu diferente de um sacerdote curador
qualquer da época. Todos eles usavam o toque e a saliva, quando invocaram a
Deus sobre um doente.
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Quando Jesus impôs as suas mãos, a cura não aconteceu imediatamente como
tinha sido regra até então. Será que o poder de Jesus estava começando a ruir?
Procuraremos responder a essa pergunta mais adiante.
Com sua pergunta “você está vendo alguma coisa?”, Jesus aparentemente
estava querendo envolver o homem na sua própria cura. (24) Ele levantou os
olhos e disse: “vejo pessoas, elas parecem árvores andando”. Pela resposta do
homem podemos concluir que muito provavelmente não se tratava de um cego
de nascença. Ele já conhecia árvores e sabia como pessoas andavam.
(25) Mais uma vez, Jesus colocou as mãos sobre os olhos do homem. Podemos
presumir que algumas poucas pessoas, além de uns discípulos, estavam
observando atentamente todos os gestos de Jesus. Eram os guias que levaram o
homem à sua presença. Estes, no entanto, não observavam nada além daquilo
que já conheciam da parte dos curadores da época. Jesus em nada agiu
diferente dos sacerdotes. Talvez tenham ficado surpresos.
Então seus olhos foram abertos; sua vista lhe foi restabelecida e ele via tudo
claramente. Não sabemos exatamente por que, neste caso em particular, o
processo de cura ocorreu em dois estágios. Será por causa do próprio paciente?
Junto com a vista recobrada, ele precisava ter o entendimento do que lhe foi
feito. Percebemos que não se tratava de uma cura lenta como as atuais, quando
o paciente no decorrer dos dias recupera sua vista.
Não cremos que Jesus queria transmitir, em primeiro plano, uma lição aos seus
discípulos de que o pleno entendimento das coisas de Deus não viria de modo
instantâneo, mas crescente. Hoje em dia costumamos ouvir essa abordagem nas
pregações.
Uma explicação mais plausível e mais simples encontraremos no desfecho da
cura. (26) Jesus mandou-o para casa, dizendo: “não entre no povoado!” Não
entre no povoado! Não volte à vila, contando-lhes o que aconteceu! Vá direto
para sua casa! Fica evidente que Jesus fez tudo para evitar publicidade. Já o
modo pelo qual procedeu, atendendo o pedido que lhe foi lançado quando
estava na vila, indica para esta direção. Jesus atendeu o homem fora da vila e
com o mesmo ritual que possivelmente um sacerdote usaria na mesma situação,
implorando a misericórdia Divina. Ele fez questão em não agir de maneira
diferente a fim de não chamar atenção.
Popularidade não era o que interessava a Jesus. Ele tinha experimentado o
apelo da multidão que ia junto dEle com a total falta de entendimento a respeito
de sua missão. Entusiasmo nunca é um bom mestre. Na atual situação encorajava
falsas expectativas de libertação política e esse não era o propósito da vinda de
Cristo. Após a experiência da milagrosa alimentação da multidão, conforme o
relato de João (João 6.14,15) o povo extasiado o quis nomear “rei” porque lhes
tinha dado pão em época da páscoa, algo prometido pelos profetas. Jesus
percebeu o perigo do surgimento de um movimento social logo assumindo
conotação política, e que estava sendo imposto a ele pela multidão.
No início de seu ministério Jesus ia atrás das “ovelhas perdidas da casa de
Israel”. Daquele momento em diante, ele evitaria a publicidade, dedicando-se
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aos seus discípulos. Ele bem conheceu as Escrituras e o que elas diziam de sua
missão. Enquanto Isaías previu: “e naquele dia os surdos ouvirão as palavras do
livro, e dentre a escuridão e dentre as trevas as verão os olhos dos
cegos”(Is.29.18), o mesmo profeta também descreveu o final de seu ministério: “...
todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu
caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi
oprimido, mas não abriu a sua boca; como cordeiro foi levado ao matadouro...”
(Is.53.6,7). Ele sentiu o que o esperava e não queria provocar esta situação antes
da hora.
Mais uma vez o Senhor se voltou para o norte, aproveitando as longas
caminhadas para conversas com seus discípulos. Veremos na próxima leitura.
O Evangelho de Marcos – cap. 8.27-30 (NVI)
(27) Jesus e seus discípulos dirigiram-se para os povoados nas proximidades de Cesaréia de
Filipe. No caminho, ele lhes perguntou: “Quem o povo diz que eu sou?” (28) Eles responderam:
“Alguns dizem que és João Batista;; outros, Elias;; e, ainda outros, um dos profetas”. (29) E vocês,
perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo”. (30) Jesus os
advertiu que não falassem a ninguém a seu respeito.
O Evangelho de Marcos pode ser dividido em duas partes, embora nada
denuncie essa divisão. Com a leitura de hoje estamos no seu ponto culminante e
de agora em diante a direção do ministério de Jesus será outra. Aparentemente,
pouco mudou. Jesus continuava suas caminhadas, procurando não chamar
atenção sem, no entanto, poder evitar que oportunamente pessoas o
abordassem, seguindo-o ou fechando-lhe o caminho.
(27) Jesus e seus discípulos dirigiram-se para os povoados nas proximidades
de Cesaréia de Filipe. A longa caminhada rumo ao norte, região de Cesaréia de
Filipe, cidade fundada por Filipe Tetrarca, em honra de César (denominada
“Cesaréia”, cidade de César), oferece a Jesus a tão procurada solidão. Sua
mente havia chegado a uma distinção clara entre “povo” e discípulos. Nesse
pequeno grupo de seguidores depositava a partir de então a sua confiança.
No caminho, ele lhes perguntou: “Quem o povo diz que eu sou?” Para um
“bom cristão” fica quase proibido pensar que Jesus lutava com a sua vocação.
Os pregadores preferem apresentar um vencedor decidido, que não conhecia
aflição nenhuma. Com a pergunta lançada aos seus, Jesus deixou claro que a
sua própria vocação, tão evidente desde o batismo e sua opção no deserto, não
tinha encontrado receptividade no povo. Viram nele tudo menos O escolhido de
Deus, prometido nas Escrituras. Neste contexto temos que olhar a pergunta de
Jesus: “Quem o povo diz que eu sou?” (28) Eles responderam: “Alguns dizem que
és João Batista; outros, Elias;; e, ainda outros, um dos profetas”. Sem dúvida, as
multidões viram em Jesus um mensageiro Divino muito proeminente; com a
superstição reinando, julgaram ser alguém que havia morrido e agora retornado à
vida: João Batista, por exemplo, ou então Elias, do qual os últimos versos das
Escrituras da Antiga Aliança diziam que apareceria antes do grande dia do
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Senhor (Mal.4.5,6). Tudo, menos o Prometido, viram em Jesus, apesar de todo o
entusiasmo das multidões e ondas de adesão às suas palavras. Do prometido
“Messias” eles e seus representantes clérigos tinham outras projeções totalmente
opostas. Esperavam libertação do peso da opressão romana, da extorsão e da
violência contra os judeus, pois não era isso que os antigos profetas prometeram?
Em nada, Jesus condizia com essa projeção.
Os discípulos não mencionam os outros nomes dados a Jesus por parte de seus
oponentes (qualificando-o de blasfemo, possesso e sedutor do povo).
(29) E vocês, perguntou ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” Sem dúvida,
essa questão fora discutida por inúmeras vezes pelos discípulos, quando a sós.
Haviam decidido seguir a este “mestre”. Por quê, afinal? Quem era Jesus? Pedro
respondeu: “Tu és o Cristo”. Pedro, sempre o mais corajoso, mais atrevido até, que
facilmente se entusiasmava, apressou-se em declarar-lhe algo que, como
homem, não era capaz de perceber. Não era o Pedro, ex-pescador, que
considerando as coisas, tinha chegado a essa conclusão. Pelo relato de Mateus
sabemos que Jesus respondeu a Pedro em particular neste sentido (Mat. 16.17).
“Não foi você que descobriu. Foi meu Pai que lhe revelou isso”.
Às vezes, ouço falar de Jesus de um modo que deixa o Evangelho
apresentado como se fosse um espetáculo para crianças pequenas, história
enfadonha, sem suspense, sem esperança ou ação. Para essas pessoas, tudo é
tão evidente que não sobra lugar para dúvida. Jesus não era o Filho de Deus?
Então, tudo era fácil para Ele, dizem.
Só que o próprio Jesus homem conheceu a dúvida, o medo e a insegurança.
Não é o Jesus das Escrituras que conhecemos, quando nos contentamos com o
“Jesus domesticado” pela tradição da Igreja. A história da salvação é o drama da
humanidade. Através dela é que Deus nos falou. Não é que Deus, em
determinado ponto da história, tivesse mudado de opinião ou de método para
com as suas criaturas. Desde a eternidade passada até a eternidade futura, Deus
olha o homem sob o mesmo ângulo. Olhou a Abraão não de maneira diferente
da que nos olha hoje. Fomos escolhidos “no cordeiro morto desde a eternidade
passada” (Apoc.13.8);; o eterno propósito de Deus foi evidenciado, revelado à
humanidade, quando Jesus viveu e morreu a vida do “cordeiro de Deus”. Nele,
Deus demonstrou seu amor, quando Jesus curava. Nele, Deus mostrou o poder do
perdão, quando Jesus foi rejeitado e morto sem que Deus o vingasse. Nele Deus
evidenciou que seu amor não vem por merecimento humano. Deus nos ama
apesar da nossa rejeição. Evidenciar este propósito eterno de Deus na
temporalidade era reservado ao “Eleito” de Deus, ao Prometido nas Escrituras.
Ninguém podia assumir o papel de messias por iniciativa própria. O eleito
dependia da confirmação do Pai em tudo, na sua fala, nos milagres e na morte
vicária. Jesus não podia, de si mesmo, declarar-se “Messias”. Jesus viveu a vida do
Cordeiro na mão do Pai e sua vida estava repleta de suspense, aflição,
esperança e ação.
(30) Jesus os advertiu que não falassem a ninguém a seu respeito. A ordem
expressa de Jesus para que não falassem com ninguém a respeito pode ser
interpretada como a firme decisão de Jesus em deixar com Deus a confirmação
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do seu ministério. Não era uma questão de mídia, de fazer a cabeça do povo. Era
uma questão de confirmação por Aquele que prometeu e cumpriu.
Se você está triste e desanimado porque ninguém reconhece em você um(a)
discípulo(a) do Mestre, atente para duas coisas: primeiro, você visivelmente ainda
não o é e, também, seu testemunho o (a) denuncia através de sua vida diária.
Peça a Deus que lhe revele seu verdadeiro estado, arrependa-se e mude!
Se esse não for seu caso, se seu coração for realmente de Jesus, faça como
Ele. Deixe com Deus a sua justificação perante os homens. Continue perto do Pai,
esperando nEle.
O seu reconhecimento como filho(a) virá na hora certa.
O Evangelho de Marcos – cap. 8.31-33 (NVI)
(31) Então ele começou a ensinar-lhes que era necessário que o Filho de homem sofresse
muitas coisas e fosse rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres
da lei, fosse morto e três dias depois ressuscitasse. (32) Ele falou claramente a esse respeito. Então
Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo. (33) Jesus, porém, voltou-se, olhou para os
seus discípulos e repreendeu Pedro, dizendo: “Para trás de mim, Satanás! Você não pensa nas
coisas de Deus, mas nas dos homens”.
Os críticos das Escrituras sempre têm tachado como impossível Jesus ter
avisado seus discípulos com antecedência a respeito de sua morte violenta e mais
ainda, de sua ressurreição. Eles sugerem que as referências ao sofrimento foram
atribuídas posteriormente, após tudo ter acontecido, para conferir maior
credibilidade ao relato. (não admitem o sobrenatural)
Toda vez que Jesus falou aos seus de sua morte iminente, seu sofrimento e sua
ressurreição, lemos que os discípulos “nada entenderam”. Se não entenderam,
tampouco deram importância a tais fatos. (Nossa mente é formatada por uma
cosmovisão humana. (*) Expectativas nutridas nos dão interpretação dos fatos.)
Depois que a história se cumpriu e Jesus ressuscitou, os Evangelistas
começaram a lembrar-se de quantas vezes o Senhor os avisara e como nunca
entenderam suas palavras. (*) Ao relatar estes momentos assustadores nos seus
Evangelhos, usaram palavras que resumiram os acontecimentos históricos.
Colocaram em ordem seus anteriores pensamentos confusos a respeito, pois
agora conheceram do que Jesus lhes falara, possivelmente com outras palavras.
Nada, portanto, desacredita esses avisos do Senhor.
Marcos, junto com os outros Evangelistas, lembra da primeira vez que Jesus
tocou no assunto. (Mateus 16: 21-28 Lucas 9:22) Foi logo após a confissão de
Pedro, em que este, por um breve instante, reconheceu Nele o Messias.
(31) Então ele começou a ensinar-lhes que:
era necessário que o Filho do homem sofresse muitas coisas e
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1. fosse rejeitado pelos
o líderes religiosos, pelos
o chefes dos sacerdotes e pelos
o mestres da lei,
2. fosse morto e três dias depois
3. ressuscitasse.
Em pelo menos três vezes, Jesus disse claramente a seus discípulos que seria morto (Marcos 8:31;
9:31; 10:33-34).
Semelhantemente, o evangelho de João menciona três vezes sobre o Filho do Homem (Jesus) ser
levantado (João 3;14; 8:28; 12: 32-33) - uma referência à crucificação.
E Jesus fez alusão à sua morte nas
referências aos assassinatos dos profetas (Mateus 23:29-30; Lucas 13:33),
em algumas parábolas (Mateus 22: 1-4; Marcos 12: 1-10) e
em seus ensinos sobre a aproximação dos sofrimentos de seus discípulos (Mateus 10: 24-28;
Marcos 8: 34-35, João 15: 18-25).
A morte de Jesus foi uma parte importante de sua mensagem suprema e Ele queria que o povo
compreendesse seu significado.. http://www.ceofamiliaevida.com/news/crucificacao/
Por que Pedro ficou escandalizado?
A morte (de cruz) e o messianismo não se combinam na cosmovisão humana!
1. O escândalo da cruz: “não faz sentido”
2. Morte perpetrada pela mão humana
3. Pela mão humana contra um inocente
4. Não somente um inocente mas o cristo o filho do Deus vivo, Deus
encarnado.
5. É escolha voluntária do Cristo. Vou morrer, quero voluntariamente, vou me
entregar e morte recomendada.
Natureza humana: gen 2:7 – pó da terra, soprou nele o fôlego de vida...
FILHO DO HOMEM:animal e sagrado, terreno e divino
(32) Ele falou claramente a esse respeito. Pedro, a fonte do Evangelho de Marcos,
lembrou: Jesus falou claramente a esse respeito! Só que os discípulos consternados
não souberam o que fazer com esta informação. Há mais de um ano haviam
tomado a decisão de seguir a Jesus, porque nEle viam alguém digno de sua
confiança. Esperavam fazer carreira com o Mestre. Não fez sentido uma previsão
de morte àquele que lidera um grupo de homens comprometidos com a
chegada do Reino de Deus. Tal anúncio só podia indicar uma depressão
profunda do Mestre. (ceticismo do “chefe”)
Então Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo. Com o intuito de
poupar Jesus, Pedro o abordou em particular. Para ele, a própria idéia de
messianismo excluía sofrimento e execução. Todos seus companheiros devem ter
tido os mesmos pensamentos, mas Pedro, homem de ação, enfrentou o mestre:
“Tem compaixão de ti, Senhor;; isso de modo algum te acontecerá!” (Mateus
16.22). A reação de Jesus foi imediata, decisiva e forte. Ele entendeu que por trás
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de Pedro encontrava-se o mesmo que anteriormente já o havia tentado, quando
lhe ofereceu um caminho mais fácil para glória neste mundo.
(33) Jesus, porém, voltou-se, olhou para os seus discípulos e repreendeu Pedro,
dizendo: “Para trás de mim, Satanás! Você não pensa nas coisas de Deus, mas nas
dos homens”. Dirigindo-se ao mesmo Pedro que acabara de bendizer pela
revelação que tivera, Jesus falou àquele que estava influenciando seus discípulos.
É perfeitamente humano não querer se submeter ao sofrimento desnecessário.
Para Jesus, a interferência era diabólica. “Foi necessário, que o Filho do homem
sofresse...”. As experiências de ministério de Jesus, a oposição encontrada, a falta
de entendimento geral, tudo apontava para o que as Escrituras previam: ao
“Messias Sofredor”, algo que os discípulos ainda não tiveram condições de
compreender.
Quando você se propõe seguir a Cristo, é oposição a Deus “pensar nas coisas
dos homens”.
O Evangelho de Marcos – cap. 8. 34 – 9.1 (NVI)
(34) Então ele chamou a multidão e os discípulos e disse: “Se alguém quiser acompanhar-me
(seguir-me), negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. (35) Pois quem quiser salvar a sua
vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho, a salvará. (36)
Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (37) Ou, o que o
homem poderia dar em troca de sua alma? (38) Se alguém se envergonhar de mim e das minhas
palavras nesta geração adultera e pecadora, o Filho do homem se envergonhará dele quando
vier na glória de seu Pai com os santos anjos”. (9.1) E lhes disse: “Garanto-lhes que alguns dos que
aqui estão de modo nenhum experimentarão a morte, antes de verem o Reino de Deus vindo com
poder”.
(34) Então ele chamou a multidão e os discípulos ...
A visão de Jesus continuava muito distinta da dos seus seguidores. Acreditamos,
que o Senhor dispendia muito tempo em expor-lhes as regras do discipulado. Não
sabemos o momento exato em que as palavras do nosso texto foram enunciadas.
Pode se tratar de um resumo dos diferentes ensinamentos e registrado por Marcos.
Nele são abordadas verdades referentes ao “discipulado”.
“Discipulado”
compreende as características de um verdadeiro discípulo (seguidor) de Jesus.
Obviamente serão valores eternos, universais, válidos tanto no tempo de Jesus,
quanto no de hoje.
... e disse: “Se alguém quiser acompanhar-me (seguir-me), negue-se a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-me. O discipulado começa com um “Se”;;
portanto é condicional. Nem todos os cristãos são discípulos, infelizmente. Muitos
se contentam com o “estar salvo”. Entrarão no Reino de Deus “raspando”, sem
terem sido úteis a Deus durante sua vida terrena. O discípulo é alguém que “vai
atrás” do seu Senhor, não à frente. Portanto, obedece. Terá que abdicar muitas
vezes de seus direitos, quando interesses distintos estão em jogo.
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Jesus não pediu para levar a cruz dele. Seus seguidores deveriam levar a “sua
própria cruz”, e isso diariamente, com perseverança. Assim como o condenado
que, como parte da pena capital era obrigado a carregar sua própria cruz sem
parar até o lugar da execução; assim o discípulo deve andar, seguindo seu
Senhor. O discipulado não promete ausência de sofrimento.
“A expressão ‘tomar a sua própria cruz’ foi colocada na boca de Jesus pelos
Evangelistas, ainda sob o impacto da crucificação; não poderia ter usada com
Jesus ainda com vida”, assim dizem alguns teólogos liberais. Haim Cohn, Juiz da
Suprema Corte de Israel, revela na sua obra “O julgamento e a morte de Jesus,
Imago,1994”, que a expressão “carregar nos ombros a sua cruz” é amplamente
encontrada na literatura talmúdica; portanto tem sido uma metáfora em uso
comum já nos dias de Jesus. Cada judeu sabia perfeitamente o que significava
“cruz”. No ano 4.a.C., pouco antes de Jesus nascer, o governador romano Varo
tinha ordenado que dois mil combatentes da resistência judaica fossem
crucificados nas montanhas de Jerusalém. Era prática romana, era comum já
durante séculos. O sucessor de Félix (Atos cap. 23 e 24), Quadratus, mandou
crucificar num só dia 3.600 judeus, ou matá-los a caminho da cruz.
Nas suas caminhadas, Jesus e seus seguidores devem ter encontrado judeus
zelotas (membros da resistência judaica) crucificados, às vezes dilacerados por
feras ou aves, quando esquecidos nos postes. Sabemos de fontes judaicas que,
após três dias, a pessoa executada não era mais reconhecível. Assim, os temidos
“postes”, a espera da próxima vítima, lembravam a cada cidadão judeu o que
esperava aquele que ousasse desafiar o império e seus representantes.
(35) Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua
vida por minha causa e pelo Evangelho, a salvará. Observe que Cristo exige uma
devoção completa. O discípulo reconhece nEle seu Senhor. Querer salvar sua
vida é nada mais do que querer insistir nos direitos que pensa ter no seu pequeno
horizonte pessoal, que faz com que a alma (seu próprio ser imaterial) se torne
cada vez menor, até ser suprimido totalmente. Ao agarrar-nos ao que é “nosso”,
perdemos a vida. Quem, no entanto, desistindo de seus “direitos” (que o mundo
não cansa de propagar) orienta sua vida, consciente e firmemente nos valores de
Deus, a salvará para a eternidade. O amplo horizonte, não preso a essa vida
terrena, nos abrirá a visão do eterno.
(36) Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
(37) Ou, o que o homem poderia dar em troca de sua alma? Cada vez que
acompanhamos pela mídia o repentino desaparecimento de uma personalidade
deste mundo, ao qual ela sacrificou tudo e nada pode levar, somos chamados à
reflexão. A infeliz condição do homem, impossibilitado de estipular um preço
suficientemente alto para poder resgatar sua vida (alma), nos conscientiza de
nossa pequenez. Ninguém tem como comprar “vida real” (alma), aquilo que o
homem tanto precisa e não alcança nunca.
Existe algo pior do que, no fim de sua caminhada, você ser obrigado a
constatar que “viveu à toa”?
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(38) Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras nesta geração
adultera e pecadora, o Filho do homem se envergonhará dele quando vier na
Glória de seu Pai com os santos anjos”. Não é somente hoje em dia que há muitos
que sentem vergonha de serem considerados “de Jesus”. Envergonhar-se é não
ter coragem perante os outros de agir como sabemos que Ele o espera e colocar
a obediência em derradeiro lugar. A projeção da vinda do Filho do homem na
Glória fez parte da esperança apocalíptica nos dias de Jesus. Ela é sumamente
importante para cada discípulo. Se aqui não lhe servirmos, como poderá nos
reconhecer quando vier como Rei? Não é uma ameaça;; é um aviso à “geração
má e adúltera” que naqueles dias era judaica e hoje se chama cristã.
(9.1) E lhes disse: “Garanto-lhes que alguns dos que aqui estão de modo
nenhum experimentarão a morte, antes de verem o Reino de Deus vindo com
poder”. Muitos mestres eruditos têm procurado entender esta sentença. Será que
o Senhor falou de Pentecoste, onde os discípulos testemunharam o anúncio
poderoso do Reino? Uma outra interpretação apresentaremos na próxima leitura.
A crítica liberal, por sua vez, vê nessa afirmação a expressão da firme esperança
de Jesus na Sua iminente glorificação em poder, o que não ocorreu nesta forma.
Mesmo assim, devemos deixar uma resposta conclusiva em aberto.
Ao invés de especular a respeito ou apostar em um erro de tradução ou do
próprio Cristo, prefiro dizer, humildemente: “Não entendo essa promessa, mas as
outras, sim. Ajuda-me, Senhor, a ser fiel naquilo que sei!”
O Evangelho de Marcos – cap.9.2-9.13 (NVI)
(9.2) Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou a um alto monte,
onde ficaram a sós. Ali ele foi transfigurado diante deles. (3) Suas roupas se tornaram brancas, de
um branco resplandecente, como nenhum lavandeiro no mundo seria capaz de branqueá-las. (4)
E apareceram diante deles Elias e Moisés, os quais conversavam com Jesus. (5) Então disse Pedro
a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três tendas: Uma para ti, uma para Moisés e uma
para Elias. (6) Ele não sabia o que dizer, pois estavam apavorados. (7) A seguir apareceu uma
nuvem e os envolveu, e dela saiu uma voz, que disse: “Este é o meu Filho amado. Ouçam-no!” (8)
Repentinamente, quando olharam ao redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus.
(9) Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou que não contassem a ninguém o que
tinham visto, até que o Filho do homem tivesse ressuscitado dos mortos. (10) Eles guardaram o
assunto apenas entre si, discutindo o que significaria “ressuscitar dos mortos”. (11) E lhe
perguntaram: “Por que os mestres da lei dizem que é necessário que Elias venha primeiro?” (12)
Jesus respondeu: “De fato, Elias vem primeiro e restaura todas as coisas. Então, por que está escrito
que é necessário que o Filho do homem sofra muito e seja rejeitado com desprezo?”(13) Mas eu
lhes digo: Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que quiseram, como está escrito a seu respeito”.
(9.2) Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou a um
alto monte, onde ficaram a sós. Desde os primórdios, estudiosos têm perguntado
se a promessa com que fechamos a leitura anterior não faria parte do trecho de
hoje, como introdução. Como o Evangelista menciona dias exatos “depois”,
podemos entender a experiência vivida “seis dias depois” como possível
interpretação da promessa por Marcos. Seis dias depois do primeiro anúncio claro
103
de sofrimentos à vista (palavras que como um mal presságio pairavam sobre os
doze), Jesus escolheu os três mais íntimos, Pedro, ago e João, e afastou-se dos
demais. Assim como fez imediatamente após a primeira multiplicação dos pães,
Ele procurou a face do Pai. Desta vez ele levou junto seus três seguidores nos quais
depositava maior confiança. Ali ele foi transfigurado diante deles. (3) Suas roupas
se tornaram brancas, de um branco resplandecente, como nenhum lavandeiro no
mundo seria capaz de branqueá-las.
Enquanto orava a certa distância deles, os três discípulos notaram, assustados,
um fenômeno estranho. A aparência exterior de Jesus sofreu uma metamorfose,
uma transformação visível. Pedro, testemunha ocular, escreveu anos mais tarde
aos cristãos da Ásia Menor (2.Pedro 1.16-18) o seguinte: “...não seguimos fábulas
engenhosamente inventadas... ao contrário, nós fomos testemunhas oculares de
sua majestade. Ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando da
suprema glória lhe foi dirigida a voz que me disse: ’Este é o meu Filho amado, em
quem me agrado’. Nós mesmos ouvimos essa voz vinda dos céus, quando
estávamos com ele no santo monte”.
O corpo de Jesus foi transformado para outra realidade, a mesma que teve
quando veio ao encontro dos discípulos, andando sobre as águas após ter estado
com seu Pai no monte, quando nele foi orar.
(4) E apareceram diante deles Elias e Moisés, os quais conversavam com
Jesus. Os três Evangelistas sinópticos procuram deixar claro nos seus relatos, que se
referem a uma manifestação objetiva e real. Pedro, Tiago e João viram com seus
próprios olhos duas personagens conversando com Jesus. Para eles não houve
dúvidas quanto à identidade dos dois visitantes. Para o judeu, a aliança com Deus
está firmada em cima da Lei, representada por Moisés e em cima dos profetas,
representados por Elias. Os dois representam o poder, através do qual Deus
instalou e mantinha a Aliança. Jesus, o prometido Salvador, para o qual a Lei e os
profetas apontavam, conversando com os representantes da Aliança revela aos
olhos da fé o Reino de Deus presente. Somente mais tarde os três discípulos
entenderiam o que viram. Para o momento, assistiram assustados a união
misteriosa da lei, dos profetas e daquele que incorpora o Reino presente.
Nenhuma pergunta lhes foi dirigida; figuraram como meras testemunhas. Marcos
observa que estavam “apavorados”. Pedro, confuso, reagiu a essa situação
pensando ser necessário contribuir com sua sugestão em como prolongar este
precioso momento.
(5) Então disse Pedro a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos três
tendas: Uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. (6) Ele não sabia o que
dizer, pois estavam apavorados. Sua sugestão foi mal-recebida. Teria sido melhor
nada dizer, pois assim que ele se manifestou, foi-lhes passada uma lição da parte
de Deus.
(7) A seguir apareceu uma nuvem e os envolveu, e dela saiu uma voz, que
disse: “Este é o meu Filho amado. Ouçam-no!” A presença de Deus nas Escrituras
é descrita como “nuvem” ou “nuvem luminosa” (Ex.16.10). Com voz audível, os
três receberam uma ordem. Esta ordem apontava para Aquele que deve ser
ouvido. Não mais Moisés, nem os profetas, imediatamente reconhecidos, nem a
104
conselhos bem intencionados de terceiros; apenas a Jesus eles deveriam ouvir. No
mesmo instante, ainda surpreendidos por causa da voz que lhes falou, da nuvem,
de visitantes e da luz, tudo tinha sumido. Olhando ao redor, surpreendidos outra
vez, nada mais viram além de seu mestre, orando sozinho. (8) Repentinamente,
quando olharam ao redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus.
O relato que o Evangelista deixou registrado já se encontra colocado em
ordem; já nomeou os personagens visitantes, pois quando foi escrito, Jesus já tinha
ressuscitado. Neste presente momento, portanto, sozinhos com o mestre no
monte, a visão não lhes fazia sentido nenhum e nem podia. A lição real da
transfiguração, lição já indicada anteriormente por palavras, deve ter começado
a ser compreendida por eles, gradualmente, mais tarde. Somente após
pentecoste puderam encaixar aquela experiência gloriosa, mas assustadora, no
seu contexto.
(9) Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou que não contassem a
ninguém o que tinham visto, até que o Filho dos homens tivesse ressuscitado dos
mortos. Marcos registra a ordem expressa de Jesus: Não se pronunciarem perante
terceiros sobre o que viram, até a ressurreição. Somente esta iluminaria o relato,
colocando-o na perspectiva correta. Não podiam entender o que viram, mas
ficaram convencidos de que o que tinham presenciado era um “testemunho da
sua majestade” (2 Pedro 1.16).
(10) Eles guardaram o assunto apenas entre si, discutindo o que significaria
“ressuscitar dos mortos”. Pelo que vemos, os três observaram a ordem e nada
contaram aos nove companheiros. Mantiveram o segredo e a curiosidade os
levava a perguntarem-se mutuamente o que significava tudo aquilo. Como se a
própria idéia de o Messias ser atormentado, e até mesmo morto, não fosse
suficientemente exasperadora, a mente deles havia sido também aguçada pela
declaração final de Jesus: “...até que o Filho do homem ressuscitasse dos mortos”!
O próprio Messias ressuscitar? Os discípulos não entenderam. O seu Senhor, por
acaso, se referia à ressurreição do último dia? Como eles aguardariam até lá? E
mais, por que ele teria que morrer, se em seguida ressuscitaria de novo?
(11) E lhe perguntaram: “Por que os mestres da lei dizem que é necessário que
Elias venha primeiro?” (12) Jesus respondeu: “De fato, Elias vem primeiro e restaura
todas as coisas. Jesus tinha acabado de predizer a sua ressurreição,
prenunicando com isso a sua morte iminente. Essa morte deixaria profecias
messiânicas sem cumprimento! Os escribas não diziam que a vinda do Messias
seria precedida pela de Elias? (Mal.4.5,6, nos dois últimos versos do Antigo
Testamento). Se Elias vier primeiro, restaurando todas as coisas, como encaixar a
idéia de um Messias sofredor e morto? Jesus lhes respondeu, chamando sua
atenção aos textos messiânicos, perguntando-lhes:
Então, por que está escrito que é necessário que o Filho do homem sofra
muito e seja rejeitado com desprezo?” As escrituras mostram o sofrimento do
Ungido, algo que os doze ainda não haviam considerado (Salmo 22; Isaías 53). As
predições eram claras, mas haviam sido ignoradas pelos discípulos. Para concluir,
Jesus responde à argumentação de Elias ainda não ter aparecido:
105
(13) Mas eu lhes digo: Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que quiseram,
como está escrito a seu respeito”. Os escribas estavam certos. Elias precederia o
Messias. A grande maioria das pessoas não havia guardado no coração a
pregação de João Batista. Eles falharam por não o reconhecerem como o
cumprimento da profecia. Elias... João Batista... nenhum dos dois foi aceito.
Fizeram com eles o que quiseram e farão o mesmo com Jesus (confira Mateus
cap. 11).
Aos discípulos, o pleno entendimento messiânico viria somente mais tarde.
Alguma coisa, porém, já lhes foi revelado. No monte foram testemunhas da glória
que Jesus tinha perante o Pai. Ainda não puderam compreender que glória
implicaria em sofrimento. Mas a base para a plena compreensão posterior foi
lançada. Naquele breve momento no monte, a realidade suprema como
promessa da ressurreição lhes foi revelada.
Qual a sua esperança, querido leitor? Imortalidade da alma, a crença dos
gregos? Ou ressurreição, para estar com Cristo para sempre?
O Evangelho de Marcos – cap.9.14-29 (NVI)
(9.14) Quando chegaram onde estavam os outros discípulos, viram uma grande multidão ao
redor deles e os mestres da lei discutindo com eles. (15) Logo que todo o povo viu Jesus, ficou
muito surpreso e correu para saudá-lo. (16) Perguntou Jesus: “O que vocês estão discutindo?” (17)
Um homem, no meio da multidão, respondeu: “Mestre, eu te trouxe o meu filho, que está com um
espírito que o impede de falar. (18) Onde quer que o apanhe, joga-o no chão. Ele espuma pela
boca, range os dentes e fica rígido. Pedi aos teus discípulos que expulsassem o espírito, mas eles
não conseguiram”. (19) Respondeu Jesus: “Ó geração incrédula, até quando estarei com vocês?
Até quando terei que suportá-los? Tragam-me o menino”. (20)b Então, eles o trouxeram. Quando o
espírito viu Jesus, imediatamente causou uma convulsão no menino. Este caiu no chão e começou
a rolar, espumando pela boca. (21) Jesus perguntou ao pai do menino: “Há quanto tempo ele está
assim?” “Desde a infância” respondeu ele. (22) “Muitas vezes esse espírito o tem lançado no fogo
e na água para matá-lo. Mas, se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos”.
(23) “Se podes?”, disse Jesus. “Tudo é possível àquele que crê.” (24) Imediatamente o pai do
menino exclamou: “Creio, ajuda-me na minha incredulidade!” (25) Quando Jesus viu que uma
multidão estava se ajuntando, repreendeu o espírito imundo, dizendo: “Espírito mudo e surdo, eu
ordeno que deixe e nunca mais entre nele”. (26) O espírito gritou, agitou-o violentamente e saiu. O
menino ficou como morto, ao ponto de muitos dizerem: “Ele morreu”. (27) Mas Jesus tomou-o pela
mão e o levantou, e ele ficou em pé. (28) Depois de Jesus ter entrado em casa, seus discípulos lhe
perguntaram em particular: “Por que não conseguimos expulsá-lo?” (29) Ele respondeu: “Essa
espécie só sai pela oração [e pelo jejum]”.
(9.14) Quando chegaram onde estavam os outros discípulos, viram uma
grande multidão ao redor deles e os mestres da lei discutindo com eles. Depois de
terem descido do monte, Jesus e os três discípulos aproximaram-se do local onde
haviam deixado os demais companheiros. Estes encontravam-se cercados,
envolvidos em discussão acirrada com os “mestres da lei”. Esses “mestres” eram
peritos na interpretação das Escrituras e autoridades quanto à Palavra de Deus, e
por isso, respeitados pelo povo. Não que eram, a priori, inimigos de Jesus, como as
vezes parece. A responsabilidade de manter a Palavra pura e respeitada os
106
obrigou a observar e censurar tudo que se dava no campo religioso. Os feitos
miraculosos de Jesus como curador os desagradaram profundamente, pois viram
em suas pretensões uma usurpação de prerrogativas Divinas; em outras palavras:
desconfiavam que Jesus, quando curava, ousasse assumir o papel de Deus. Ou,
pior ainda, que maquinações diabólicas poderiam estar por trás do ato de
expulsar demônios somente pela palavra. Em si, o zelo dos escribas era legítimo,
pois havia muitos milagreiros e eram a estes que eles procuravam censurar.
(15) Logo que todo o povo viu Jesus, ficou muito surpreso e correu para saudálo. Os nove discípulos, leigos em assuntos de doutrina, estavam tendo muita
dificuldade em se defender. Haviam vergonhosamente fracassado e portanto
foram questionados pelos peritos religiosos quanto à sua autoridade. Quando
Jesus pessoalmente apareceu, todos ficaram surpresos. Pelo que parece, Jesus
apressava-se em defender os seus discípulos visivelmente “perdidos”. Ele sabia da
fraqueza deles em questões de fé;; portanto logo “interpelou os mestres da lei”
(assim diz o texto original).
(16) Perguntou Jesus: “O que vocês estão discutindo?” Como resposta, houve
silêncio. Nenhum dos mestres arriscava levantar sua voz, pois sabiam que Jesus
não aprovava a discussão entre tão desiguais. Repentinamente, o silêncio foi
quebrado. (17) Um homem, no meio da multidão, respondeu: “Mestre, eu te
trouxe o meu filho, que está com um espírito que o impede de falar. (18) Onde
quer que o apanhe, joga-o no chão. Ele espuma pela boca, range os dentes e
fica rígido. Um pai aflito havia trazido seu filho para ser curado e não havia
encontrado Jesus mas somente o grupinho dos nove discípulos, esperando pelo
retorno do Mestre. Ao apresentar o problema que levou a tal discussão, o pai
salvou tanto os mestres como seus nove discípulos de uma justificação do bateboca. Ele repete o que já relatara aos discípulos. Os sintomas mencionados por
ele nos levam a concluir que o rapaz sofria de epilepsia. Além desse traço nítido
havia surdez e incapacidade de comunicação verbal, o que o pai interpretava
como evidência de um espírito mudo. Pedi aos teus discípulos que expulsassem o
espírito, mas eles não conseguiram”. Como não havia encontrado Jesus, o pai
tinha apelado à misericórdia dos nove. Só que estes não tiveram êxito. Haviam
tentado socorrer ao pai aflito, sem sucesso. Não sabemos como os mestres da lei
haviam encarado o fracasso dos nove. Provavelmente agradou-lhes terem
testemunhado a mal-sucedida tentativa de libertação, pois isso lhes confirmava
suas suspeitas quanto a pessoa de Jesus. Após a inesperada chegada do Mestre,
sua curiosidade não mais lhes permitiu afastarem se.
(19) Respondeu Jesus: “Ó geração incrédula, até quando estarei com vocês?
Até quando terei que suportá-los? Ao invés de censurar seus seguidores já
humilhados publicamente ou entrar na disputa com os mestres, Jesus expressou
toda sua indignação através de um brado emocionado. A quem Jesus dirigiu seu
clamor? Quem era esta “geração incrédula”? Quem Jesus não agüentava mais?
Há pouco, o Pai acabava de confirmá-lo em sua missão, quando no monte lhe
falou e agora se deparava de novo com a mais densa escuridão de
incredulidade. Continuava a não ser reconhecido na sua missão até diante de
seus mais íntimos. O que mais eles precisavam para ver o Pai agindo Nele? De
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onde vinha essa resistência e desconfiança? Jesus já estava exercendo seu
ministério por cerca de três anos e ansiando pela conclusão do mesmo.
Tragam-me o menino”! (20) Então, eles o trouxeram. Quando o espírito viu
Jesus, imediatamente causou uma convulsão no menino. Este caiu no chão e
começou a rolar, espumando pela boca. Autoridade espiritual imediatamente é
reconhecida aonde for. A simples presença de Deus, ainda hoje, desencadeia
uma reação. Jesus percebeu que além de influência maligna, havia uma
doença, possivelmente geneticamente transmitida.
(21) Jesus perguntou ao pai do menino: “Há quanto tempo ele está assim?”
“Desde a infância” respondeu ele. (22) Muitas vezes esse espírito o tem lançado
no fogo e na água para matá-lo. Mas, se podes fazer alguma coisa, tem
compaixão de nós e ajuda-nos”. Pelo clamor do pai percebemos que este
estava convencido de que Jesus queria ajudá-lo. Os anos de sofrimento o haviam
ensinado de que nada se podia fazer. Na pessoa de Jesus nasceu uma nova
chama de esperança. “Se podes... ajude-nos!” (23) “Se podes?”, disse Jesus.
“Tudo é possível àquele que crê.” Rapidamente Jesus redirecionou o
entendimento do homem. É como se Ele estivesse dizendo: “A questão não é se
eu posso, mas sim, se há fé”. Não é verdade que Jesus curou somente pessoas
com fé genuína. A nossa fé não é a chave, mas a base na qual Deus opera.
(24) Imediatamente o pai do menino exclamou: “Creio, ajuda-me na minha
incredulidade!” A mais genuína confissão de fé é essa: “Eu creio”, mas “continue
a vir em meu socorro”, a cada momento e a cada dia! A nossa fé deve ser
verdadeira, baseada em Deus somente. Não é o tamanho da fé, mas sim sua
“qualidade”. O pai não confundiu sua fé com a fé em Deus, sustentada por Deus.
A fé encontra-se completa nEle somente. Essa fé Deus espera de cada um de nós,
uma fé que vive da inabalável confiança nEle, não fruto de obsessão religiosa.
Você conhece essa diferença?
(25) Quando Jesus viu que uma multidão estava se ajuntando, repreendeu o
espírito imundo, dizendo: “Espírito mudo e surdo, eu ordeno que deixe e nunca
mais entre nele”. (26) O espírito gritou, agitou-o violentamente e saiu. O menino
ficou como morto, ao ponto de muitos dizerem: “Ele morreu”. (27) Mas Jesus
tomou-o pela mão e o levantou, e ele ficou em pé. A descrição dada por Marcos
não poderia ser mais vívida; ela é resultado do relatório de uma testemunha
ocular atenta: Pedro. Em sua mente guardava o que tinha visto pouco antes, no
monte. Somente Marcos lembra, pelos relatos de Pedro, de cada detalhe e
como Jesus, dando sua mão ao menino, ajudou-o a levantar-se.
(28) Depois de Jesus ter entrado em casa, seus discípulos lhe perguntaram em
particular: “Por que não conseguimos expulsá-lo?” (29) Ele respondeu: “Essa
espécie só sai pela oração [e pelo jejum]”. A experiência humilhante, sofrida
pelos nove, não os deixou satisfeitos. Antes de descansar, eles procuraram saber o
por que da derrota pública. Jesus não acusou seus discípulos. Ele lhes confiou um
segredo: Oração e Fé andam juntas. O estado interior da consciência de uma
pessoa, aquilo que ela é perante Deus, é decisiva na questão de oração. Você
não pode orar, se alguma coisa no seu interior estiver fora do lugar (confira
Mateus 5.24). Será que os nove estavam ressentidos por terem sido postos à parte
quando Jesus escolheu “os três” para acompanhá-lo? Qual foi a sua condição
108
espiritual quando o desafio lhes foi lançado pelo pai desesperado? Somente
quando a oração estiver perante o Pai desimpedida de qualquer sombra no
relacionamento, é que a fé se revelará útil. Sem vida de oração, não haverá fé
que mude o mundo.
A que Jesus se referiu com o termo “espécie”? À doença? À condição
espiritual frágil de seus discípulos? Não o sabemos.
Nos manuscritos mais antigos não constam as palavras “e pelo jejum”,
provavelmente acrescentadas mais tarde por algum copista muito severo,
procurando “melhorar” o texto.
Que tipo de fé é a que você possui? Ela descansa na sua fidelidade, ou em
Deus?
O Evangelho de Marcos – cap. 9. 30-37 (NVI)
(9.30) Eles saíram daquele lugar e atravessaram a Galiléia. Jesus não queria que ninguém
soubesse onde eles estavam, (31) porque estava ensinando os seus discípulos. Ele lhes dizia: “O
Filho do homem está para ser entregue nas mãos dos homens. Eles o matarão, e três dias depois
ele ressuscitará”. (32) Mas eles não entendiam o que ele queria dizer e tinham receio de
perguntar-lhe. (33) E chegaram a Cafarnaum. Quando eles estavam em casa, perguntou-lhes: “O
que vocês estavam discutindo no caminho?” (34) Mas eles guardaram silêncio, porque no
caminho haviam discutido sobre quem era o maior. (35) Assentando-se, Jesus chamou os doze e
disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, será o último, e servo de todos”. (36) E, tomando uma
criança, colocou-a no meio deles. Pegando-a nos braços, disse-lhes: (37) “Quem recebe uma
destas crianças em meu nome, está me recebendo; e quem me recebe, não está apenas me
recebendo, mas também aquele que me enviou”.
(9.30) Eles saíram daquele lugar e atravessaram a Galiléia. Jesus não queria
que ninguém soubesse onde eles estavam... À procura de privacidade, Jesus
atravessou a região da Galiléia rumo à sua cidade, Cafarnaum. Ele precisava de
tempo e oportunidade para ensinar aos Doze o que lhe pesava no coração.
(31) ...porque estava ensinando os seus discípulos. Ele lhes dizia: “O Filho do
homem está para ser entregue nas mãos dos homens. Eles o matarão, e três dias
depois ele ressuscitará”. É interessante notar que, de todo o ensino, somente um
assunto ficou gravado na mente dos discípulos: o aviso assustador de uma morte
violenta e iminente “nas mãos dos homens”. No seu primeiro aviso havia dito que
“seria necessário morrer” e falou da certeza da proximidade desse momento.
Quem seriam esses “homens” nas mãos dos quais ele morreria? Outro assunto fora
levantado também: a ressurreição. Se com a morte eles já tiveram dificuldades,
imaginem com a ressurreição! Não se sabia de nenhum caso de alguém morto
reaparecendo. Como eles responderiam a esse aviso? (32) Mas eles não
entendiam o que ele queria dizer e tinham receio de perguntar-lhe. Marcos diz
claramente: eles não entendiam sobre que seu Senhor estava falando. Como
Pedro acabava de levar dura repreensão por causa de sua falta de
entendimento quando Jesus falou pela primeira vez de sua morte, evitaram entrar
no assunto. Tiveram medo de perguntar. Não era suficiente a previsão sombria da
morte? Durante o percurso, enquanto andavam, procuravam manter certa
109
distância do Mestre - o que acabara por chamar a atenção de Jesus, que os via
discutindo esses assuntos à parte.
(33) E chegaram a Cafarnaum. Quando eles estavam em casa, perguntoulhes: “O que vocês estavam discutindo no caminho?” Jesus bem havia notado
que surgira intensa discussão entre seus discípulos, enquanto longe dele. Como
um bom psicólogo, havia dado liberdade para a aparente procura de um
consenso, porém em casa, lançou a pergunta temida: “O que vocês estavam
discutindo tão seriamente no caminho?” (34) Mas eles guardaram silêncio. Um
silêncio mortal prevaleceu. Demorou para ser quebrado. Os doze estavam
visivelmente embaraçados. Não sabemos, mas parece provável que o próprio
Jesus os tenha ouvido falar, pois o assunto os tinha deixado empolgados. Porque
no caminho haviam discutido sobre quem era o maior.
Parece estranho que o aviso da agonia de Jesus os tenha levado a discutir
posições! É para homens como esses que Jesus estava a ponto de dar sua vida?
Eles não podiam entender como no Reino (no qual esperavam ter como bons
judeus suas posições asseguradas para reger sobre os gentios), a morte do seu
Senhor podia fazer algum sentido. Se o caso era tão grave, importava saber quem
seria, após ele, o líder na empreitada! Já fora suficiente Jesus ter preferido os três
na sua subida ao monte e sobre cuja preferência todos mantiveram silêncio; será
que agora não chegou a vez dos outros? Pedro, com certeza, não aprovava esse
modo de pensar.
Ainda havia outra maneira de encarar as sinistras previsões do Mestre. Ele não
falou de “ressurreição”? Não lhe assegurou que “alguns deles” veriam o Reino
chegar com poder? Quem eram esses “alguns”? Uma vez ressurreto, Jesus não
precisaria de pessoas de confiança para reinar? Repentinamente, a união dos
doze ficou ameaçada. Alguns se sentiam privilegiados e outros não.
(35) Assentando-se, Jesus chamou os doze e disse: “Se alguém quiser ser o
primeiro, será o último, e servo de todos”. Quando hoje em dia estamos para fazer
uma declaração importante, nos levantamos. Jesus, mediante o gesto de
assentar-se, indicou aos doze que estava para dar um ensinamento muito
importante. Ele deve ter repetido essa lição muitas vezes durante seu ministério,
em vários lugares e de maneiras diferentes. A última vez, como sabemos, na
última noite de sua vida, ao lavar os pés de seus discípulos, quando não havia
ninguém para esse serviço e nenhum dos presentes fez questão de assumir esse
trabalho, normalmente delegado aos escravos (João cap.13). “Se alguém quiser
ser o primeiro, será o último, e servo de todos”. O gesto de Jesus falou mais alto do
que qualquer repreensão.
(36) E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles. Pegando-a nos
braços, disse-lhes: (37) “Quem recebe uma destas crianças em meu nome, está
me recebendo; e quem me recebe, não está apenas me recebendo, mas
também aquele que me enviou”. Ao pegar uma criança nos braços, Jesus deu
aos seus, preocupados com posição e hierarquia, uma lição inesquecível. A
criança, assim como a mulher, não contavam na ordem social judaica nem como
110
números, nem como testemunhas. Jesus, mais uma vez, inverteu a ordem ao
declarar que receber uma criança em seu nome, equivale a receber ao Mestre e,
mais ainda, receber a Deus. Não há, na visão de Jesus, valores ou posições
distintas entre os humanos, quando se trata do Reino.
A igreja deveria ser testemunha viva dessa nova ordem em um mundo injusto.
O apóstolo Paulo disse assim: “Não há judeu (preferido) nem grego (pagão); não
há servo (subordinado) nem livre (Senhor); não há macho (homem) nem fêmea
(mulher); porque todos são um só em Cristo Jesus” (Gálatas 3.28).
Na igreja de Deus não deve haver distinção, nem acepção de pessoas, não
haver chefe, nem cabeça, somente membros com dons diversos. Um só, Cristo, é
a cabeça!” (Colossenses 1.18)
Compare a igreja onde você congrega com o padrão de Cristo! A igreja está
livre do vício de discutir posições? Ela somente tem membros que sirvam uns aos
outros com seus dons diferentes e a Cabeça está no céu? Devemos, tristes,
confessar que estamos longe do padrão de Deus. O que vamos fazer?
Tome a decisão de ser diferente, conforme Jesus ensinou, pelo menos na sua
vida e nos seus relacionamentos!
O Evangelho de Marcos – cap. 9. 38-42 (NVI)
(9.38) “Mestre”, disse João, “vimos um homem expulsando demônios em teu nome e
procuramos impedi-lo, porque ele não era um dos nossos.” (39) “Não o impeçam”, disse Jesus.
“Ninguém que faça um milagre em meu nome, pode falar mal de mim logo em seguida, (40) pois
quem não está contra nós está a nosso favor. (41) Eu lhes digo a verdade: Quem lhes der um copo de
água em meu nome, por vocês pertencerem a Cristo, de modo nenhum perderá a sua recompensa”.
(42) “Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, seria melhor que fosse
lançado ao mar com uma grande pedra amarrada no pescoço”.
(9.38) “Mestre”, disse João, “vimos um homem expulsando demônios em teu
nome”. Não sabemos se o incidente acima seguiu-se imediatamente à reprimenda
sofrida após a briga por posições. Neste caso, a intervenção de João poderia ser
interpretada como a tentativa de um embaraçado discípulo que procurava mudar
o assunto e colher elogios, graças a uma atitude que considerava, junto com os
demais (“nós vimos”), correta. Outra interpretação sugere que João, falando em
nome de pelo menos um outro, despertado pela implícita reprovação sofrida (versos
35-37), queria saber se “eles” agiam corretamente.
A que homem João estava se referindo? Tudo que sabemos é que este
homem já havia expulsado demônios (curado) em o nome de Jesus e que João e os
outros apóstolos haviam desaprovado suas ações - uma iniciativa aparentemente
sem êxito. Pode ter sido alguém que, tendo ouvido o Mestre e confiado nele, não
teria conseguido desenvolver um relacionamento tal qual o dos Doze, escolhidos a
dedo de entre uma multidão de seguidores. Nada aponta para um embusteiro. Para
111
aquele homem, a frase “em nome de Jesus” não era uma fórmula mágica (como
hoje em dia), mas sim uma realidade.
“... e procuramos impedi-lo”. A razão dada por João para tentar parar esse
exorcista foi a de que “ele não era um dos nossos”. Em outras palavras: intolerância
e exclusivismo. Para o judeu em geral, a questão do “nós” perante “os outros” era
questão fundamental. Sabemos de um incidente no tempo de Moisés, onde dois
homens, Eldade e Medade, profetizando, ficaram no campo ao invés de irem para
o tabernáculo, onde eram esperados. Escandalizado, um jovem correu para levar a
notícia a Moisés de que dois estavam profetizando “sem autorização no meio do
povo” e não no tabernáculo, como se devia. Até Josué, assustado, exclamou:
“Moisés, meu Senhor, proibe-lhes!” Mas Moisés lhe respondeu: “Tens ciúmes por mim?
Tomara que todo o povo de Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu
Espírito!” (Números 11.27-29).
Até nos dias de hoje esse espírito de exclusivismo é, às vezes, confundido com
lealdade para com a denominação ou igreja de alguém. As pessoas costumam
dizer “a minha denominação” e nela parece que são estabelecidas as regras do
Reino. Enquanto estivermos nessa terra pecaminosa, um terreno onde a hipocrisia
nos altos escalões freqüentemente corrompe tanto a vida política quanto a
eclesiástica, não seria melhor deixar esse tipo de julgamento nas mãos de Deus?
Quando Paulo, aprisionado, ao ouvir sobre atitudes egoístas de outros missionários
que queriam causar aflição a ele, declarou: “Que importa? O importante é que de
qualquer forma, seja por motivos falsos ou verdadeiros, Cristo está sendo pregado, e
por isso me alegro” (Filipenses 1.18).
Sigamos os ensinos de Jesus. Enquanto mantemos o que consideramos como
doutrina pura, vamos estender as mãos aos que, mesmo de outra maneira, amam a
Jesus. A Igreja está edificada sobre o fundamento que é Cristo e não sobre doutrinas
humanas (1.Cor 3.11)! (39) “Não o impeçam”, disse Jesus. “Ninguém que faça um
milagre em meu nome, pode falar mal de mim logo em seguida”... Deus tem uma
variedade de maneiras de se demonstrar e que humanamente não podemos definir
ou limitar. Ele age além da nossa imaginação.
(40) ... pois quem não está contra nós está a nosso favor. Observe que aqui
Jesus falou de “nós”, nós que pertencemos a Ele, nós que O seguimos. A definição
da margem, dos limites, será feita por Ele. Muitos cooperam com Deus sem saber.
Já foi levantado o argumento de que esta palavra de Jesus contradiria outra
em Mateus 12.30 e Lucas 11.23, onde Jesus declarou: “Quem não é comigo, é
contra mim;; e quem comigo não ajunta, espalha.” Observe que nesta passagem
Jesus não falou da multidão que pertence a Ele;; Ele se referiu a “eu”, à pessoa dEle.
Quanto à pessoa do Salvador, não há ordem de tolerância para seus discípulos. Não
existe neutralidade. No nosso relacionamento com Jesus existe o sim ou o não;
opção de neutralidade não há. Ele divide e Ele une. Divide pessoas, famílias, amigos
e une os que se chamam pelo seu nome.
112
(41) Eu lhes digo a verdade: Quem lhes der um copo de água em meu nome,
por vocês pertencerem a Cristo, de modo nenhum perderá a sua recompensa”.
Voltando à observação quanto ao discípulo desconhecido que curava em nome
de Jesus sem pertencer ao grupo dos Doze, Jesus apontou para outra grande
verdade, freqüentemente desconsiderada pelos que se julgam “seus”: quem em
qualquer lugar fizer algo, mesmo aparentemente insignificante, em nome de Jesus,
faz parte dEle, mesmo se (ainda) não pertence à Igreja visível. Em nome de Jesus
quer dizer: em seu lugar. Tão precioso somos aos olhos de Deus, que qualquer gesto
nosso, que vise aliviar o fardo de alguém que pertence a Ele não ficará esquecido.
Haverá recompensa da parte de Deus.
(42) “Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, seria
melhor que fosse lançado ao mar com uma grande pedra amarrada no pescoço.
Atenção! Deus tem um cuidado especial para com os fracos, os pequenos, os que
aos olhos dos homens e até das igrejas nada representam. Sempre existem aqueles
que desviam os pequeninos do caminho de Deus. Jesus está dizendo que, mesmo se
esse pecado for planejado contra apenas um dos que são preciosos aos seus olhos,
seria preferível que aquele que causou o aborrecimento, morresse fisicamente, a fim
de salvar sua vítima do tropeço. Para demonstrar a seriedade dessa advertência,
Jesus fez uso de uma ilustração conhecida naqueles dias: a pedra de moínho, tida
como pesadíssima, poria fim à vida de qualquer um que tentasse aborrecer esses
pequenos e insignificantes seguidores de Jesus, tirando-os do caminho.
O orgulho dos que se chamam pelo nome de Jesus – ainda confundindo a
Igreja visível com o Reino de Deus -, mata e já matou milhares que, sozinhos,
procuraram juntar-se ao povo de Deus.
Você sabe notar quando alguém está dando os primeiros sinais, “dando um
copo de água somente” a alguém, porque este é de Jesus?
Você sabe e está disposto a receber e acompanhá-lo?
O Evangelho de Marcos – cap. 9. 43-50 (NVI)
(43) Se a sua mão o fizer tropeçar, corte-a. É melhor entrar na vida mutilado do que, tendo as duas
mãos, ir para o inferno, onde o fogo nunca se apaga (44) [onde o seu verme não morre, e o fogo não
se apaga]. (45) E se o seu pé o fizer tropeçar, corte-o. É melhor entrar na vida aleijado do que, tendo
os dois pés, ser lançado no inferno, (46) [onde seu verme não morre, e o fogo não se apaga]. (47) E
se o seu olho o fizer tropeçar, arranque-o. É melhor entrar no Reino de Deus com um só olho do que,
tendo os dois olhos, ser lançado no inferno, (48) onde ‘seu verme não morre e o fogo não se apaga’.
(49) Cada um será salgado com fogo. (50) O sal é bom, mas se deixar de ser salgado, como restaurar
o seu sabor? Tenham sal em vocês mesmos e vivam em paz uns com os outros.”
Aqui Marcos inseriu uma série de ensinos do Senhor ministrados em diferentes
ocasiões e contextos e encontrados também em outras partes das Escrituras.
113
Devemos ter claro que Jesus, durante os três anos com seus discípulos,
ensinava muito mais do que aquilo que encontramos registrados nos Evangelhos.
Portanto, é indispensável que leiamos a parte que nos é trazida pelo Evangelista
com os olhos da fé, lendo nas entrelinhas, “destilando”, por assim dizer, o Espírito
atrás das simples palavras. A vida não se resume a um conjunto de conceitos e
teremos que agir, muitas vezes, sem termos encontrado um aviso específico nas
Escrituras a respeito da real situação com que nos deparamos. Por essa razão se
revelerá indispensável recebermos, da parte de Deus, entendimento não menos do
que os seus discípulos precisavam. Se estes, com três anos de convivência com
Jesus, permaneceram tão ignorantes como os Evangelistas os apresentam, quanto
mais nós, que vivemos em contexto tão diferente, teremos necessidade do dom do
Espírito de Deus para ouvirmos a voz do bom Pastor por trás de suas palavras
anotadas no relatório do Evangelista.
Como freqüentemente acontece com os ensinamentos de Jesus, também
esse não deve ser entendido literalmente. Haverá sempre uma lição por trás das
imagens que o Senhor desenhou. (43) Se a sua mão o fizer tropeçar, corte-a. É
melhor entrar na vida mutilado do que, tendo as duas mãos, ir para o inferno, onde o
fogo nunca se apaga. A lição contida nessas palavras é esta: o pecado é uma
força mortal; ele destrói. Não podemos brincar com ele. A tentação deve ser
cortada pela raiz. Não há meio caminho. Coisas aparentemente úteis e até
necessárias podem constituir-se em tentação e razão para a derrota. Melhor é
cortar aquilo que faz a ponte para o que se revelará destruidor. A aplicação radical
dessa palavra de Jesus levou um dos pais da Igreja, Orígenes (185-254 dC), a mutilarse. Em obediência à palavra de Jesus, Orígenes mesmo se castrou para que, na sua
vida com Deus, não mais fosse castigado pela tentação. Não foi bem aquilo que
Jesus quis ensinar aos seus, mas ao menos Orígenes, um grande personagem da
Igreja primitiva, obedeceu. Não há necessidade de mencionarmos aquilo que a nós
se oferece de ponte para destruição; cada um de nós o sabe muito bem. Caso
alguém alegue não o saber, a Palavra de Deus o informará a contento.
Quando a nossa tradução diz “inferno”, o que Jesus disse, era “Geena”. Geena
deriva seu nome de Ge-Hinon, “Vale dos filhos”. Este vale localizava-se ao norte de
Jerusalém e era conhecido como “lugar do fogo”, porque ali o rei Manassés
sacrificou seus filhos para o deus Moloque (Jeremias 7.31), e mais tarde lugar onde os
cadáveres considerados “impuros” eram queimados (2 Reis 23.10). Quando foi
proclamado “impuro” e amaldiçoado por Jeremias, tornou-se o lugar onde o lixo da
cidade era queimado; onde o fogo e a fumaça eram constantes e sempre havia
mau cheiro. Geena tornou-se sinônimo de “fogo inextingível” e passou a nós como
sinônimo do “inferno” - lugar escatológico de corpo e alma do perverso depois do
julgamento final. Jesus usava a imagem de Geena para sua advertência quanto ao
salário do pecado, irreversível como o fogo no vale Ge-Hinon. (44) [“onde o seu
verme não morre, e o fogo não se apaga”]. Este verso consta somente nos textos
mais recentes e parece ser um acréscimo de algum copista. Em algumas Bíblias
falta, portanto, o verso 44.
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(45) E se o seu pé o fizer tropeçar, corte-o. É melhor entrar na vida aleijado do
que, tendo os dois pés, ser lançado no inferno, (46) [“... onde seu verme não morre, e
o fogo não se apaga”]. Novamente encontramos um acréscimo de um copista
integrado posteriormente ao texto como verso 46. (47) E se o seu olho o fizer
tropeçar, arranque-o. É melhor entrar no Reino de Deus com um só olho do que,
tendo os dois olhos,... Com imagens fortes, “mão cortada”, “pé cortado” e “olho
arrancado”, Jesus deu a entender que o Reino de Deus não era para os de meiocoração, instáveis e covardes. Como explicava antes, “se” alguém quisesse segui-lo,
deveria antes calcular o preço e uma vez indo, não mais fazer concessões, nem
quando direitos e coisas consideradas “boas e úteis” (como mão, pé e olho),
estiverem em jogo. ...ser lançado no inferno (48) onde ‘seu verme não morre e o fogo
não se apaga’. Aqui, e somente neste contexto, é que Jesus fez referência ao “Vale
dos filhos”, citado pelo profeta Isaías no último capítulo de seu livro (Is.66.24).
A questão do tempo, levantada por alguns, não nos deve preocupar. Como pode
haver punição eterna se somente Deus é eterno? A Bíblia fala da destruição eterna
como fala de vida eterna. Os mistérios de Deus ficam, às vezes, além da nossa
capacidade de compreensão, porém sempre dignos de adoração.
Os versos 49 e 50 tratam-se, com grande probabilidade, de instruções variadas,
transmitidas só parcialmente pela tradição. Existe uma infinidade de possibilidades
de interpretação, principalmente para nós não familiarizados com as diversas
funções do sal no tempo de Jesus. (49) Cada um será salgado com fogo.
Apresentaremos somente aquela interpretação que nos parece fazer mais justiça ao
texto que restou: A lei de Moisés (Levítico 2.13) estabeleceu que cada oferta a Deus
tinha que ser salgada, “ter o sal do concerto do teu Deus”. No oriente médio, um
acerto entre partes era firmado “havendo sal entre as partes”. Pelo que Jesus disse,
cada um dos Doze ainda será “salgado com fogo”, numa previsão do sacrifício de
suas vidas a Deus.
(50) O sal é bom, mas se deixar de ser salgado, como restaurar o seu sabor?
Tenham sal em vocês mesmos e vivam em paz uns com os outros.” Todos nós
sabemos que o sal é muito útil enquanto contém sua função química. Há
substâncias com a aparência de sal, que para nada servem. Se em outro lugar Jesus
chama os discípulos de “sal do mundo”, estes podem ter sua função de
preservação da Palavra de Deus somente enquanto tiverem sua constituição
inalterada. Em nenhum outro campo, supomos, existe tanto sal sem sabor como no
campo religioso, onde a aparência sempre ameaça prevalecer sobre o conteúdo.
Porém, não há como vivermos a vida autêntica de cristão (“com sal”), se não
tivermos em nós aquilo que em outro lugar é chamado de “a unção”. Ninguém
pode viver da fé de outra pessoa, nem do sermão de outro, nem da doutrina de
outro, nem do sacramento ministrado por terceiros. Somente havendo sal em nós
mesmos, viveremos a vida que Deus espera de nós.
“Peçam, e lhes será dado;; busquem, e encontrarão;; batam, e a porta lhes será
aberta” (Mateus 7.7.).
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O Evangelho de Marcos – cap.10.1-12 (NVI)
(10.1) Então, Jesus saiu dali e foi para a região da Judéia e para o outro lado do Jordão.
Novamente uma multidão veio a ele e, segundo seu costume, ele a ensinava. (2) Alguns fariseus,
aproximaram-se dele para pô-lo à prova, perguntando: “É permitido ao homem divorciar-se de sua
mulher?” (3) “O que Moisés lhes ordenou?” perguntou ele. (4) Eles disseram: “Moisés permitiu que o
homem lhe desse uma certidão de divórcio e a mandasse embora”;; (5) Respondeu Jesus: “Moisés
escreveu essa lei por causa da dureza de coração de vocês. (6) Mas no princípio da criação Deus os
fez homem e mulher. (7) Por esta razão, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher,
(8) e os dois se tornarão uma só carne. Assim eles já não são dois, mas sim, uma só carne. (9)
Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe”.
(10) Quando estava em casa novamente, os discípulos interrogaram Jesus sobre o mesmo assunto.
(11) Ele respondeu: “Todo aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher, estará
cometendo adultério contra ela. (12) E se ela se divorciar de seu marido e se casar com outro
homem, estará cometendo adultério”.
(10.1) Então, Jesus saiu dali e foi para a região da Judéia e para o outro lado
do Jordão. Novamente uma multidão veio a ele e, segundo seu costume, ele a
ensinava. No Evangelho de Marcos não há registro de um retorno posterior de Jesus
para a Galiléia. Sua saída para o sul, pelo lado oriental do Jordão, indica o fim de
seu ministério na Galiléia. Após atravessar a região da Peréia, no fim desse capítulo,
Jesus chegará à Judéia, entrando na cidade de Jericó. Por enquanto, Jesus se
encontra no lado oriental do Jordão. Por onde Jesus andou, reuniram-se pessoas ao
redor dele e ele as ensinava.
(2) Alguns fariseus, aproximaram-se dele para pô-lo à prova, perguntando: “É
permitido ao homem divorciar-se de sua mulher?” Comumente, os fariseus são
apresentados nos Evangelhos como indivíduos com intenções dúbias, sempre
querendo encontrar algo que lhes servisse de prova contra Jesus. Esse é o modo
como os Evangelhos têm sido lidos desde sempre. Tem se formado assim uma
mentalidade anti-judaica, injustificada. Os ensinamentos de Jesus em muitos
aspectos condiziam com os dos fariseus e Ele era, por causa de sua perspicácia, até
admirado por muitos de entre eles (confira João 3.2). Quanto à prática, sim, havia
um abismo entre os dois na sua maneira de encarar a prática da piedade. Em
muitas ocasiões, Jesus era consultado por eles e nada consta de que as consultas
sempre fossem armadilhas;; eles queriam saber como seu indesejado “colega”
encarava certas questões. Na ocasião em que Jesus foi consultado sobre a questão
do divórcio, o assunto já era controverso. A opinião de Jesus, sem dúvida,
interessava aos religiosos, pois eles se encontravam entre dois fogos. Havia duas
escolas teológicas na época: a liberal de Hillel e a conservadora de Shamai. As duas
escolas tinham seguidores entre os fariseus. Importava a estes, portanto, conhecer a
posição de Jesus nesta delicada questão, pois este influenciava o povo.
(3) “O que Moisés lhes ordenou?” perguntou ele. (4) Eles disseram: “Moisés
permitiu que o homem lhe desse uma certidão de divórcio e a mandasse embora”;;
A prática religiosa judaica nesta questão estava apoiada na ordem de Moisés em
Deut. 24.1ss. Ali Moisés escreveu: “Se um homem tomar uma mulher e se casar com
ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ele ter achado ‘erwath dabhar’
nela, e se ele lhe lavrar um termo de divórcio e lho der na sua mão, a despedirá de
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sua casa...” O que significa o termo “erwath dabhar”? De acordo com a escola de
Shamai, Moisés falava de “alguma indecência”, “coisa imprópria, ofensiva ou
vergonhosa”, em outras palavras “falta de castidade ou adultério”. Já a escola de
Hillel, mais liberal, enfatizava as palavras “se ela não for agradável aos seus olhos”
como referencial. Qualquer razão simples dava razão para separação: uma comida
levemente queimada, uma discussão... Era difícil encontrar um meio-termo entre as
duas correntes e na sociedade patriarcal, a prática tendia para o lado liberal,
dando aos homens liberdade para a solução fácil. Até os discípulos de Jesus, pelo
que entendemos de sua pergunta em Mateus 19.10, tendiam para este lado.
(5) Respondeu Jesus: “Moisés escreveu essa lei por causa da dureza de
coração de vocês. Moisés havia feito uma concessão por causa da condição
humana, pecadora, do seu povo. Jesus chama essa condição de “dureza de
coração”. Essa concessão visava o benefício da esposa, pois sem “certidão”, como
ela provaria que não era mais casada? A separação via certidão fazia jus ao estado
de emergência, real, sendo o mal menor em situações onde se rompera a
comunhão. Ainda hoje, a separação somente representa saída lamentável de uma
situação onde há culpa e por causa dela não mais há confiança mútua. Moisés
sabia que de nada servia a coação por lei, onde fora destruído aquilo que antes
unia. Por causa dessa “dureza” ele havia autorizado a separação por certidão. A
presença do pecado fazia necessário este instrumento, embora ele não constasse
no plano de Deus. (6) Mas no princípio da criação Deus os fez homem e mulher. (7)
Por esta razão, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá a sua mulher, (8) e os
dois se tornarão uma só carne. Assim eles já não são dois, mas sim, uma só carne.
Enquanto os fariseus pareciam mais interessados nas modalidades da
concessão de Moisés do que na instituição do casamento, Jesus, na sua resposta,
apontou para o início. A questão “é lícito ou não?” tem como cerne a separação,
ao se pôr a dúvida “se pode ou não”. Essa pergunta não leva a lugar algum. Não é
o método correto de separação que a torna “legítima” ou não. Resumindo,
podemos dizer que o interesse e a atenção dos fariseus estava no “como fazer para
não pecar e continuar justo perante Deus”. Na sua resposta, Jesus direcionou a
atenção a um contexto maior: à ordem da criação. Deus criou homem e mulher,
distintos, para se complementarem. A união entre homem e mulher, em seu caráter
ideal, é indissolúvel. Eles formam uma dupla, trabalhando juntos. Muitas uniões
fracassam só porque o conteúdo do verso 7, já mencionado no relatório da criação,
em Gênesis 2.24, não está sendo observado. Deus previu uniões estáveis.
(9) Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe. Deus uniu homem e mulher
para serem um só. Ele não os criou para variadas uniões. Se o homem tenta quebrar
este princípio divino, alterando os componentes ou trocando-os, ele falha (peca),
não importando o “porquê”. Aqueles que decidem casar-se, deveriam ver o
casamento como uma instituição Divina, inalterável. A onda de separações que
hoje assistimos é a conseqüência natural da maneira como se casa. Juntam-se
como se fossem animais. Pior, a igreja pressiona essas “uniões” que, na prática, não
são uniões, a se comprometerem com leis que – elas mesmas – já prevêem também
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o modo mais fácil e rápido de divórcio. Não é para isso que Deus criou homem e
mulher.
(10) Quando estava em casa novamente, os discípulos interrogaram Jesus
sobre o mesmo assunto. Os Doze, entre os quais havia homens casados, com mulher
e filhos por trás, se julgavam restringidos nos seus tradicionais “direitos”. A
preocupação deles era, se não havia exceções para os homens, como fazer para
não cair em pecado?
(11) Ele respondeu: “Todo aquele que se divorciar de sua mulher e se casar
com outra mulher, estará cometendo adultério contra ela. Qualquer um que quebrar
o vínculo do matrimônio, não importa o motivo pois sempre haverá culpa, infringirá
contra a ordem instituída por Deus. Não há como continuar como “justo” perante
Deus, seja qual for a maneira de separação, não importando se esta era conforme a
escola liberal ou a conservadora. As duas somente recorrem a um instrumento de
emergência, que Deus nos deixou por causa do nosso “coração endurecido”.
Marcos escreveu seu Evangelho para os romanos, para os quais o direito de
separação conjugal não valia somente para homens, como em Israel; a mulher da
alta sociedade romana também recorria a esse instrumento legal. Assim ele
acrescentou (contrário a Matheus, que escreveu só para judeus) a versão inversa:
(12) E se ela se divorciar de seu marido e se casar com outro homem, estará
cometendo adultério. É pouco provável que Jesus tenha dado instrução a respeito
de um direito da mulher e não existente em Israel. Seja como for, os Evangelistas
após Pentecoste compreenderam que Deus era o mesmo para judeus, romanos e
gregos. É através do Evangelho que os direitos e deveres de homens e mulheres
foram declarados iguais pela primeira vez na história.
Se o seu caminho de vida conheceu uma ruptura de matrimônio dolorosa e
você, talvez, tenha contraído outra união, saiba que você aos olhos de Deus falhou,
pecou. Não foi assim que Deus previu a união matrimonial.
Mas saiba também que desde os tempos de Moisés Deus havia deixado um
instrumento de emergência para os de “duro coração”.
Use-o, recorra ao perdão de Deus e ande na Sua presença, para que, nesse
segundo caminho e dentro do ainda possível, sejam agora evidenciados Seus
propósitos originais.
O Evangelho de Marcos – cap.10.13-16 (NVI)
(11) Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os discípulos os repreendiam.
(14) Quando Jesus viu isso, ficou indignado e lhes disse: “Deixem vir a mim as crianças, não as
impeçam, pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. (15) Digo-lhes a verdade:
Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele. (16) Em seguida, tomou
as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as abençoou.
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Uma lição inteira, só por causa de umas criancinhas... Se você pensou assim
ao ver o texto de hoje, você está em boa companhia. Os discípulos do Mestre,
futuros apóstolos, pensavam de maneira igual. O incidente registrado aconteceu,
conforme Marcos, numa casa da Peréia, região pagã, durante a viagem de Jesus
para o sul, rumo à Jerusalém.
(11) Alguns traziam crianças a Jesus para que ele tocasse nelas, mas os
discípulos os repreendiam. Alguns pequenos foram trazidos (não levados, como
consta em manuscritos posteriores) à presença de Jesus, provavelmente pelos pais.
O toque de Jesus era considerado bênção, embora saibamos que Jesus, impondolhes as sua mãos, as abençoava através de uma oração ao Pai. Não havia nada de
mágico no toque de Jesus, mas a religiosidade popular assim o considerava. O nosso
texto registra que os Doze repreenderam ou àqueles que trouxeram as crianças ou
às mesmas (Lucas menciona que Jesus, após ter dada ordem contrária a dos seus
seguidores, chamou as próprias crianças para si). A ação dos discípulos era
característica deles; não queriam ser importunados por criancinhas sem importância.
Afinal, seu Mestre tinha coisas mais importantes para fazer e já que era para
dispender Seu tempo, com certeza que fosse com eles mesmos, não com umas
criancinhas pagãs.
(14) Quando Jesus viu isso, ficou indignado. Jesus, percebendo a ação dos
Doze, nada gostou do que viu. “Indignou-se”;; quer dizer, ficou revoltado com mais
um “fora” dos seus aprendizes, pois estes continuavam a revelar que nada ou pouco
haviam captado dos valores no Reino de Deus ... e lhes disse: “Deixem vir a mim as
crianças, não as impeçam, pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes
a elas”. Como já dissemos antes, o conceito do “Reino de Deus” indica soberania e
domínio de Deus, reconhecido no coração de alguém. O Reino de Deus inicia-se
em nosso próprio coração, não em algum santo lugar fora dele. Ele abrange uma
infinidade de bênçãos. Para mencionar só algumas: entrar no Reino de Deus é entrar
na vida que vai para a eternidade; é ter liberdade de acesso ao trono de Sua
Graça (Romanos 5.2); é experimentar o amor de Deus derramado em nosso
coração pelo Espírito Santo (Romanos 5.5.); é gozar da paz de Deus que está acima
de todo entendimento (Filipenses 4.7) e ainda ter a viva esperança da ressurreição
para estar com Cristo para sempre.
“...o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas”. Notemos
que Jesus declarou que o Reino de Deus já pertence aos que são semelhantes às
crianças. Ele não viu pequenas pagãs em busca de um passe. Ele as viu dentro do
Reino e junto com elas os “que são semelhantes a elas”.
(15) “Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma
criança, nunca entrará nele”. Qual a qualificação que Jesus viu nelas e que os
adultos não mais possuíam? Certamente não era humildade, nem coração puro.
Jesus estava falando em como “receber” o Reino. Aqui está a chave: Crianças
levam a sério o que o adulto lhes diz. Com a mesma naturalidade elas também
aceitam o que os adultos lhes oferecem. Esse é o relacionamento da mensagem do
evangelho para com o presente do Reino de Deus. O que era que impedia os
religiosos na aceitação do Reino, da maneira como a criança aceita um presente
oferecido? Era o orgulho religioso, que não permitia receber sem antes dar algo em
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troca. No caso deles era a observância rigorosa da Lei de Moisés e seus inúmeros
acréscimos cerimoniais, transformando Deus em devedor. Esta visão impedia algo
mais, próprio das crianças: a espontaneidade. O Reino está aqui e a razão de sua
presença e existência é a Graça de Deus. Não é em troca de algum esforço
humano e religioso que Deus oferece a Graça. É unicamente porque Ele assim
decidiu. A aceitação é base de qualquer fé verdadeira, uma aceitação consciente
de que nada pode oferecer em troca. Caso contrário não seria mais Graça, mas
pechincha.
O incidente ocorrido no momento em que Jesus recebe as crianças, em si já
anuncia todo o Evangelho. As crianças aceitam ser abraçadas e abençoadas sem
se preocupar com algo em troca. Essa simplicidade da fé é o grande tesouro do
Evangelho, redescoberta na Reforma Protestante, mas que hoje infelizmente está
soterrado, em grande parte, por novas leis e regras eclesiásticas contemporâneas.
O cristão de hoje tem muita dificuldade em voltar-se à simplicidade da fé
genuína, pois tudo que importa, seja Deus, Cristo, Espírito, Revelação, Vontade de
Deus ou Amor de Deus foi “espiritualizado” no decorrer dos tempos, criando
novamente um pântano religioso irreal, no qual fica fácil perder-se.
O grande poeta Dostojewski (Irmãos Karamazow; Crime e Castigo; e outros) é um dos
que reencontraram e proclamaram a espontaneidade da fé genuína cristã, como
Jesus a trouxe.
(16) Em seguida, tomou as crianças nos braços, impôs-lhes as mãos e as
abençoou. Uma a uma, Jesus tomou as crianças nos braços, colocou as suas mãos
nas suas cabeças e com uma oração, saída do fundo de seu coração, as
abençoou.
Ainda hoje, Ele cuida de cada um de nós individualmente, até na solidão,
onde estamos. Você já ousou pensar no tamanho do presente de Deus ou
covardemente está ajuntando seus miseráveis méritos religiosos para oferecê-los em
troca de alguma benção?
Seja espontâneo e como a criança; creia que o presente de salvação que
Deus lhe oferece é para você aceitar mesmo, aceitar agradecido! Uma pedra do
tamanho do mundo cairá do seu coração, quando você der esse passo na direção
do seu Salvador!
Que Deus o abençoe!
O Evangelho de Marcos – cap.10.17-23 (NVI)
(17) Quando Jesus ia saindo, um homem correu em sua direção e se pôs de joelhos diante dele e lhe
perguntou: “Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (19) respondeu-lhe Jesus: Por que
você me chama bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus. Você conhece os mandamentos:
“Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não enganarás ninguém,
honra teu pai e tua mãe”. (20) E ele declarou: “Mestre, a tudo isso tenho obedecido desde minha
adolescência”. (21) Jesus olhou para ele e o amou. “Falta-lhe uma coisa”, disse ele. “Vá, venda tudo
que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e sigame.” (22) Diante disso, ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas. (23) Jesus
olhou ao redor e disse aos seus discípulos: “Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus”.
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(17) Quando Jesus ia saindo, um homem correu em sua direção e se pôs de
joelhos diante dele e lhe perguntou: “Bom mestre, que farei para herdar a vida
eterna?” Um homem correu em sua direção! Como parece, o assunto era urgente.
O homem imediatamente se ajoelhou perante Jesus. Os três Evangelistas, Mateus,
Marcos e Lucas contam o episódio. Cada um deles usou suas próprias palavras ao
descrever esse encontro inesperado. Pelo contexto dos três relatos, entendemos que
deve ter sido um jovem de posses que provavelmente pertencia à liderança de uma
sinagoga e entusiasmado com a personalidade de Jesus. Ele imaginou ter em Jesus
um mestre capaz de lhe trazer a resposta a uma questão que, como religioso,
perturbava sua mente. O original do texto diz: “eterna vida”. Não podemos presumir
que o jovem, no seu estado emocional do momento estivesse falando da “vida
eterna” conforme Jesus ensinava. Não sabemos, com exatidão, o que ele queria
dizer ao fazer sua pergunta. Tendo sido instruído pelos fariseus e escribas, de alguma
forma a “eterna vida” estava relacionada com a ressurreição, termo conhecido no
Antigo Testamento. O profeta Daniel a menciona em Daniel 12.2: “Muitos dos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, outros para vergonha e
horror eterno...” O jovem, no seu entusiasmo, estava preocupado em saber se
estava indo na direção certa do seu destino final. Atente no termo “herdar”. Uma
herança é aquilo que, por direito, será concedido um dia. O judeu, pela
observância da lei, ao realizar pelo seu esforço na direção certa, receberá “por
direito” a bênção divina; assim o jovem fora instruído.
(19) ... respondeu-lhe Jesus: “Por que você me chama bom? Ninguém é bom,
a não ser um, que é Deus”. Como o jovem recorreu a Jesus na sua indagação com
respeito à perfeição – condição que ele viu como necessária para herdar eterna
vida de Deus – Jesus logo o corrigiu. Quem seria capaz de lhe apontar o segredo da
garantia Divina era Deus somente. A Deus, o moço deveria recorrer, não a mestres
humanos. Por isso, Jesus logo emendou: Você conhece os mandamentos: “Não
matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não enganarás
ninguém, honra teu pai e tua mãe”. É obvio que Marcos, no seu relato, não
menciona toda a conversa, nem podia. No entanto nos trouxe o conteúdo. Como o
jovem estava procurando perfeição pelo caminho da observância da lei, Jesus o
desafiou nesse sentido.
(20) E ele declarou: “Mestre, a tudo isso tenho obedecido desde minha
adolescência”. O próprio jovem tinha percepção de que, mesmo observando tudo
que a lei mandava, alguma coisa ficara em aberto. O que era esse algo? Se alguém
falha no principal, de maneira alguma poderá compensar aquilo com outros
sacrifícios. A observância estrita da lei não lhe confirmava seu rumo à eternidade. O
jovem não se contentava com liturgias, não compensava seu vazio com alguma
obsessão religiosa, ele era suficientemente sensível e honesto para constatar: Faltame algo, Senhor! (21) Jesus olhou para ele e o amou. Jesus viu no jovem uma
sincera procura. Tudo que ele podia dar, esse jovem já tinha oferecido a Deus. Deste
tipo de pessoa Jesus queria fazer discípulos! Este homem estava pronto, não fosse
sua maneira de encarar a questão da salvação. Para ele, era uma questão de
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adição. Acrescentando-se mais um mérito (assim o jovem pensava),ele
provavelmente poder-se-ia tornar merecedor da “eterna vida” prometida pelos
profetas. Para Jesus, suprir essa “falta de algo” era e continua a ser ainda hoje, uma
questão de substituição.
“Falta-lhe uma coisa”, disse ele. “Vá, venda tudo que você possui e dê o
dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me.” Que
impressionante era esse convite! Pelo que sabemos, a nenhuma outra pessoa, fora
dos Doze, Jesus tinha chamado a segui-lo, a não ser esse moço! “Torne-se meu
discípulo!” “Torne-se meu discípulo, e terás ‘vida eterna’”, assim Jesus respondeu ao
jovem sua pergunta inicial.
Propor ao jovem que vendesse tudo que possuía, era propor seu suicídio.
Como parte do clero, o jovem possuía bens (os saduceus eram ricos). Esse
patrimônio lhe servia como base não somente para sobrevivência, mas também de
sua prática religiosa. Não era a questão de “dar aos pobres”, que lhe soou estranho.
Como religioso ele praticava a benevolência. Jesus nada menos lhe pediu do que
jogar fora toda a estrutura de sua vida, toda sua segurança e confiasse
“cegamente” na providência Divina na companhia com esse “bom” Mestre.
(22) Diante disso, ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas
riquezas. Não é, como alguns comentaristas sugerem, que o jovem era
excessivamente egoísta, materialista, que ele amava mais seus bens do que a Jesus .
O jovem, como indica o texto, ao avaliar sua situação perante o convite do Senhor,
não se viu em condições de largar sua segurança, simplesmente confiando neste
Mestre. Com coração pesado, percebendo o abismo que o separava de uma real
confiança em Deus, ele partiu. Tudo era uma questão de fé.
(23) Jesus olhou ao redor e disse aos seus discípulos: “Como é difícil aos ricos
entrar no Reino de Deus”. Vejo Jesus pensativo, olhando ao seu redor, encarando
seus Doze com suas sacolas nas costas e suas sandalhas cheias de pó, resumindo
com essas palavras o que acabaram de testemunhar.
Tão perto e tão longe, ao mesmo tempo. Esse moço, pelo que sabemos, não
voltou mais.
Como é difícil dispensar sua aparente “segurança”, seja ela material ou
religiosa, a fim de confiar plenamente em Jesus e na Sua suficiência!
No próximo estudo continuaremos como o assunto. Pense a respeito.
O Evangelho de Marcos – cap.10.24-31 (NVI)
(24) Os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Mas Jesus repetiu: “Filhos, como é difícil
entrar no Reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico
entrar no Reino de Deus”. (26) Os discípulos ficaram perplexos, e perguntaram uns aos outros: “Neste
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caso, quem pode ser salvo?” (27) Jesus olhou para eles e respondeu: “Para o homem é impossível,
mas para Deus não;; todas as coisas são possíveis para Deus”. (28) Então Pedro começou a dizer-lhe:
“Nós deixamos tudo para seguir-te”. (29) Respondeu-lhes Jesus: “Digo-lhes a verdade: Ninguém que
tenha deixado casa, irmãos, irmãs, pai, filhos, ou campos, por causa de mim e do evangelho, (30)
deixará de receber cem vezes mais, já no tempo presente, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e
campos, e com eles perseguição; e na era futura, a vida eterna. (31) Contudo, muitos primeiros serão
últimos, e os últimos serão primeiros”.
Impressionado com aquilo que acabara de presenciar, Jesus constatou:
“Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!” (24) Os discípulos ficaram
admirados com essas palavras. Certo, o Mestre deles não era rico, nem eles, mas a
lei e os profetas não declaravam que posses evidenciavam bênção Divina? Desde
quando a riqueza dificultava o acesso a Deus? Os saduceus, partido político do qual
a maioria dos membros do sinédrio (alto tribunal religioso) e o próprio sumosacerdote faziam parte, possuíam bens. Não era de se admirar que os discípulos
tenham ficado admirados. Mas Jesus repetiu: “Filhos, como é difícil entrar no Reino
de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico
entrar no Reino de Deus”. Aqui chegamos a um texto muito polêmico. Há dois mil
anos a Igreja procura nos “explicar” que Jesus não disse aquilo que disse. As mais
ridículas interpretações da sentença acima já foram elaboradas: que o camelo
queria dizer “cabo” e assim apontar para um fio;; o fundo de agulha seria o nome de
um portão menor na muralha de Jerusalém, pelo qual um camelo somente passaria
ajoelhado e após livrar-se de sua carga! Assim o rico deveria se humilhar para entrar
no Reino. E, deste modo, havia outras interpretações semelhantes.
Nada, no
entanto, faz desaparecer o escândalo. Jesus falou em termos absolutos. O rico
entrar no Reino do céu é uma impossibilidade, pois a metáfora aponta exatamente
para tal fato. O maior dos animais de carga não passaria nunca pela menor
abertura conhecida no dia-a-dia, o fundo de uma agulha. O que Jesus parece dizer
é que “entrar no Reino de Deus (ou dos céus)” está fora da possibilidade humana;
não é e nunca será uma conquista nossa, mesmo que seja uma conquista religiosa!
Ninguém entrará no Reino de Deus somente porque assim o decidiu.
Vejamos: O ideal da pobreza, da dispensa de posse, sempre fora o ideal da
Igreja primitiva. Jesus viveu sem posses (Mateus 8.20); vez e outra não tinha onde
repousar e nem roupas e alimentos. Ele os esperava do seu Pai e era socorrido por
mulheres bondosas que acompanhavam o grupo, “ajudando a sustentá-los com
seus bens” (Lucas 8.1-3). O “chamado para discípulo” sempre era um chamado à
renúncia (Marcos 1.16-20). Com Jesus, o ideal da pobreza não mais era expressão
de perspectivas escatológicas exageradas; no discipulado, ele revelou uma
compreensão religiosa profunda e real. Obediência incondicional à vontade de
Deus exige liberdade de posses, como expressão do amor absoluto a Ele. A Igreja,
no decorrer dos séculos, experimentou vários movimentos onde se prezava o ideal
da pobreza, por exemplo no monaquismo (monges, eremitas, vida monástica). Seu
maior expoente foi Francisco de Assis (falecido em 1226). Enquanto o apóstolo Pedro
ainda declarava: “Não tenho prata nem ouro, mas o que eu tenho, isto lhe dou! Em
nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!” (Atos 3.6), a igreja logo foi
adquirindo bens, tornando-se rica. Não há maior escândalo e afronta ao Senhor do
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que seguidores dele ostentarem pompa e poder temporal. A perda de autoridade
espiritual sempre tem acompanhada o ganho material da Igreja, seja ela romana ou
o empresariado neo-pentecostal de nossos dias. Em nenhum lugar o Novo
Testamento entende riqueza como prova de bênção Divina; esse conceito pertence
à Antiga Aliança. Pelo contrário, aos ricos é dada a devida instrução em 1.Timóteo
6.17-19.
Observe, no entanto, que as palavras de Jesus não se referiam àquilo que
hoje entendemos como “céu”;; Ele não falou da salvação eterna. O Reino de Deus,
onde rico nenhum entrará, está aqui na terra. Jesus anunciou a chegada do Reino
da soberania de Deus, onde Deus verdadeiramente reina como Senhor nos
corações e onde Ele tem plena liberdade de atuação. Essa liberdade Ele nunca terá
em corações ocupados com preocupações por bens materiais. (26) Os discípulos
ficaram perplexos, e perguntaram uns aos outros: “Neste caso, quem pode ser
salvo?” O deslumbramento dos Doze se transformou em perplexidade. Eles bem
entenderam que, no seu íntimo, cada um deles ainda se julgava “alguma coisa”.
“Omnia mea mecum porto” (toda minha posse trago comigo), como disseram os
antigos filósofos. Pobre mesmo, talvez fossem os outros. Ou, um pensamento pior
ainda lhes ocorria: seriam eles, os Doze, os únicos salvos e os únicos que entrariam na
presença do Onipotente? (27) Jesus olhou para eles e respondeu: “Para o homem é
impossível, mas para Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus”. Enquanto
Jesus fixava seus doze futuros apóstolos, seu olhar deve ter transmitido profunda
determinação. “Para o homem é impossível”;; era exatamente isso que ele queria
deixar claro de uma vez por todas. Para o homem é impossível salvar-se a si mesmo.
“Eu me decidi;; eu aceitei...” Quem é você, para impressionar a Deus com sua
força de decisão? É Deus que o está te chamando há tempos! Talvez você ainda
esteja surdo. Chegará a hora em que você ouvirá Sua voz. Então você entenderá
que “todas as coisas são possíveis para Deus”, até a sua volta à Casa do Pai.
Naquele momento, você não dirá mais “eu me decidi”, mas sim “Deus me ama, a
Bíblia o diz. Por isso, hoje, resolvi dar ouvido à voz dEle!”
(28) Então Pedro começou a dizer-lhe: “Nós deixamos tudo para seguir-te”. O
inacreditável aconteceu. Jesus acabou de declarar aos Doze que homem algum,
sob nenhuma alegação, se salvaria por mérito. Sempre seria obra da vontade do
Pai. E aí veio Pedro, começando a apresentar seu mérito: “Nós é que ..., (portanto à
nós doze certamente será assegurada a entrada no teu Reino, Senhor!”) Às vezes,
para nós que somos estranhos ao pensamento judeu, parece que Jesus
simplesmente engoliu em seco, por assim dizer. Surpreendentemente, ao invés de
corrigir a Pedro, Jesus lhe dirigiu uma resposta muito confortadora, visando todos
seus seguidores.
(29) Respondeu-lhes Jesus: “Digo-lhes a verdade: Ninguém que tenha deixado
casa, irmãos, irmãs, pai, filhos, ou campos, por causa de mim e do evangelho, (30)
deixará de receber cem vezes mais, já no tempo presente, casas, irmãos, irmãs,
mães, filhos e campos, e com eles perseguição; e na era futura, a vida eterna. Essa
afirmação ainda vale nos dias de hoje. Cristãos de todas as épocas históricas têm
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recebido, aqui na vida terrena, sinais da benevolência do Pai Celeste. Mesmo se em
nossa vida tudo ocorrer em meio à perseguição, não estamos sós! O Reino de Deus
se inicia aqui na terra e na era futura se completará (1 Coríntios 15.24-28).
Só que haverá um problema: (31) Contudo, muitos primeiros serão últimos, e
os últimos serão primeiros”. Haverá surpresas no fim dos dias: Não somente muitos
dos que hoje se consideram verdadeiros pilares da Igreja farão parte dos “últimos”,
mas muitos dos que nunca ocuparam qualquer posição de destaque na Igreja
visível deverão ser os primeiros no dia do julgamento.
Os seus discípulos que constantemente discutiam posições fariam muito bem
se prestassem atenção nisso.
E nós, no século vinte e hum, o que diremos? Aprendemos alguma coisa?
Melhor, obedecemos em alguma coisa?
Senhor, tenha piedade de nós!
O Evangelho de Marcos – cap.10. 32-45(NVI)
(32) Eles estavam subindo para Jerusalém, e Jesus ia à frente. Os discípulos estavam
admirados, enquanto os que o seguiam estavam com medo. Novamente ele chamou à parte os
Doze e lhes disse o que haveria de lhe acontecer: (33) “Estamos subindo para Jerusalém e o Filho do
homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o
entregarão aos gentios, (34) que zombarão dele, cuspirão nele, e o açoitarão e o matarão. Três dias
depois ele ressuscitará”.
(35) Nisso, Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: “Mestre,
queremos que nos faças o que vamos te pedir”. (36) O que vocês querem que eu lhes faça?”,
perguntou ele. (37) Eles responderam: “Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o
outro à tua esquerda”. (38) Disse-lhe Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês
beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo com que estou sendo
batizado?” (39) “Podemos”, responderam eles. Jesus lhes disse: “Vocês beberão o cálice que eu
estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado; (40) mas o assentarse à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles
a quem foram preparados. (41) Quando os outros dez ouviram essas coisas, ficaram indignados com
Tiago e João. (42) Jesus os chamou e disse: “Vocês sabem que aqueles que são considerados
governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. (43) Não
será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo;
(44) quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. (45) Pois nem mesmo o Filho do homem
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”.
(32) Eles estavam subindo para Jerusalém. Voltando do lado oriental do
Jordão, Jesus e seus seguidores atravessaram o Jordão em direção à Jericó e
retornaram às terras de Judá. Diante deles elevavam-se as montanhas do lado
ocidental do rio. Lá no topo, a trinta quilômetros de distância, encontrava-se
Jerusalém a aproximadamente 900 metros acima do mar e o destino final da longa
marcha. O rio Jordão, perto de Jericó, corre a aproximadamente 300 metros abaixo
do nível do mar. Eram mais de mil metros de altitude a serem vencidos, o que
corresponde duas vezes à da Serra do Mar, na região de Santos.
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E Jesus ia a frente. Os discípulos estavam admirados, enquanto os que o
seguiam estavam com medo. Em passos resolutos, Jesus caminhou à frente. A
atmosfera estava tensa, os Doze admirados com o modo como seu Mestre ia
subindo, mesmo sabendo que seu aparecimento na capital causaria problemas.
Outros que seguiam atrás e não pertenciam ao círculo restrito dos Doze, temiam
pelo pior. Diante dos fatos (confira João 9.22 e 11.8 e 57), a consternação deles era
compreensível. Entrar em Jerusalém, na companhia de Jesus, seria arriscado.
Novamente ele chamou à parte os Doze e lhes disse o que haveria de lhe
acontecer: Jesus deve ter notado o estado de ânimo alterado dos Doze. Assim, ele
os chamou à parte, para que, reservadamente, pudesse dar-lhes informações a
respeito do que Ele sabia que O esperava. Jesus estava consciente da sua missão
quando “partiu resolutamente em direção a Jerusalém” (Lucas 9.51). (33) “Estamos
subindo para Jerusalém e o Filho do homem será entregue aos chefes dos
sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos
gentios, (34) que zombarão dele, cuspirão nele, e o açoitarão e o matarão. Três dias
depois ele ressuscitará”. Pedro nunca esqueceu que, por três vezes, Jesus os tinha
advertido dos acontecimentos que O esperavam, e que nada souberam fazer com
a notícia. Quando, mais tarde, Marcos compôs seu Evangelho, ele já sabia do
desfecho do drama e, portanto, se lembrou do aviso exatamente na forma como
mais tarde relataria o desenrolar da paixão. Aparentemente para os discípulos
consternados, neste momento tudo isso não fazia sentido e muito menos ainda a
referência a uma tal ressurreição, assunto que já outrora causava confusão e que,
por medo de pedirem maiores esclarecimentos, ficara no ar. A cuidadosa e
crescente revelação da iminente paixão da parte de Jesus não teve como
propósito pedagógico deixar os Doze preparados para enfrentar inimigos, mas
informados para que, mais tarde, refletindo, reconhecessem a paciência que seu
Mestre tinha para com eles.
Enquanto a sensação do “horror” que se aproximava tornava-se cada vez
mais real para Jesus, para os seus discípulos essa realidade não era compartilhada.
Seu Mestre havia anunciado a proximidade de grandes mudanças e eles mesmos
criam firmemente que o estabelecimento do reino a respeito do qual Jesus já havia
falado repetidas vezes estava prestes a acontecer. Nada melhor de que
comprometer seu Senhor antecipadamente com alguma posição privilegiada nesse
Reino.
(35) Nisso, Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram:
“Mestre, queremos que nos faças o que vamos te pedir”. Dois discípulos irmãos
decidiram que o momento era oportuno para tentar ganhar sua parcela de honra.
Conforme Mateus 27.56, Salomé, a mãe dos dois, foi uma irmã da mãe de Jesus. Seu
pai chamava-se Zebedeu (Marcos 3.17). Eram, portanto, primos de Jesus e assim
devem ter concluído, junto com sua mãe (Mateus 20.20), que tinham direito a algum
privilégio junto com seu primo importante. O tipo de pergunta que fizeram a Jesus
lembra a de uma criança que não está bem certa quanto ao fato de ter direito de
receber o que pede.
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(36) “O que vocês querem que eu lhes faça?”, perguntou ele. (37) Eles
responderam: “Permite que, na tua glória, nos assentemos um a tua direita e o outro
a tua esquerda”. Esses homens judeus estavam imaginando no seu coração o Reino
do qual Jesus lhes sempre falava. A visão deles era bem terrena. Eles viam Jesus
assentado em seu trono real como costumavam assentar-se governadores e reis,
cercados de servos e oficiais, bem ali em Jerusalém. Os lugares de honra, à sua
direita e à sua direita, não seria oportuno Jesus concedê-los a eles dois desde já? É
interessante notar que pelo menos esses dois estavam convencidos de prévias
honras, enquanto nada ou muito pouco da realidade que ora os cercava mostrava
que os acontecimentos se movessem nesta direção. Imagine você a discrepância
entre esses sonhos de poder e glória perante a visão de Jesus a respeito do que os
esperava em Jerusalém! Não acontece, às vezes, o mesmo conosco? Estamos
andando com Jesus mas nada conhecemos do Seu íntimo. Estamos elaborando
nossas projeções a respeito do Reino, do ministério religioso, da nossa ação. Não
temos ouvidos abertos para ouvir, enquanto Jesus quer compartilhar conosco Seus
planos e Suas prioridades. Atenção, crentes em Deus!
(38) Disse-lhe Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês
beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo com que
estou sendo batizado?” A expressão “beber o cálice” pode tanto significar uma
experiência favorável (Salmo 16.5 e outras) quanto desfavorável (Salmo 75.8). Jesus
experimentava ambas. Receber o batismo é uma experiência de obediência
passiva. O pedido dos dois para glória também era um pedido para sofrimento e
eles não sabiam disso. (39) “Podemos”, responderam eles. A extrema autoconfiança dos dois é impressionante. Eles não tinham a menor compreensão do
alcance de sua afirmação. Logo mais, os dois fugiriam e deixariam seu Mestre beber
o cálice do sofrimento sozinho. Jesus lhes disse: “Vocês beberão o cálice que eu
estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado;
(40) mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim
conceder. Esses lugares pertencem àqueles a quem foram preparados .
Mais tarde, sim, os dois beberiam o cálice e conheceriam o batismo, quando
Tiago, como um dos primeiros mártires cristãos, seria eliminado por Herodes sem mais
nem menos (Atos 12.2) e João seria torturado e exilado por causa de sua fé. A esta
altura ainda falaram como crianças, sinceros, porém ignorantes; mas Quem os
chamou, também os preservaria até ao fim.
Seja como for que imaginemos a eternidade com Deus, os lugares de cada
um dos Seus já está decretado no eterno conselho de Deus. Não somos nós que
determinaremos as regras e escolheremos os lugares perante Deus!
(41) Quando os outros dez ouviram essas coisas, ficaram indignados com
Tiago e João. Compreendemos a indignação dos dez com a trama dos dois, mas
não sabemos se eles, principalmente Pedro que fora deixado de lado dessa vez, não
almejavam nos seus corações também seus lugares de destaque. Como esses
futuros apóstolos eram iguais a nós, pobres pecadores! E Deus, na Sua infinita
misericórdia, não desiste de nós!
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(42) Jesus os chamou e disse: “Vocês sabem que aqueles que são
considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes
exercem poder sobre elas. (43) Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem
quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; (44) quem quiser ser o
primeiro deverá ser escravo de todos. Lucas, no seu relatório até diz: “...os que
exercem autoridade sobre elas são chamados de benfeitores”. Jesus, ao fazer essa
comparação, usou de ironia. Será que pensou no Brasil? Acima dos que pensam
que são autoridade, há outros que neles mandam e, conforme Lucas, ainda se
consideram “benfeitores” do povo. “Não seja assim entre vocês”, disse Jesus. A
proposta dos dois primos deve ter causado profunda tristeza no seu coração, mas
com aquela misericórdia própria do Senhor, Ele outra vez lhes apresenta o paradoxo
cristão: no Reino em que Deus reina, a grandeza é obtida ao se seguir um curso
exatamente oposto ao daquele que é seguido no mundo descrente. É o princípio
da pirâmide invertida, com seu topo em baixo. Será que assim entendemos o Reino
de Deus? É assim que é representada a Igreja que se estabeleceu em Seu nome?
Não há interpretação mais errada do Reino de Deus como revelar ambições
pessoais no Sagrado. (45) Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido,
mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Ao declarar que daria sua
vida em resgate por muitos, Jesus citou as palavras do profeta Isaías (53.11).
Conforme este previu 580 anos antes de Jesus: “...meu servo justo justificará a muitos,
e levará a iniqüidade deles”. Resgate é ação voluntária e proposital.
Para nós não será possível dar nossa vida em resgate de ninguém; essa era
missão do Salvador. Sim, conheceremos tristezas e em alguns casos martírio também.
Porém, “...assim como os sofrimentos de Cristo transbordam sobre nós, também por
meio de Cristo transborda a nossa consolação”(neste contexto leia em 2 Coríntios
cap.1. 3-11 as palavras do apóstolo Paulo aos que sofrem). A consolação que Jesus
não recebeu na cruz, a nós hoje é concedida pelo Seu Espírito, quando por amor a
Ele, somos atribulados ou até mortos.
O Evangelho de Marcos – cap.10. 46-52 (NVI)
(46) Então chegaram à Jericó. Quando Jesus e seus discípulos, juntamente com uma grande
multidão, estavam saindo da cidade, o filho de Timeu, Bartimeu, que era cego, estava sentado à
beira do caminho pedindo esmolas. (47) Quando ouviu que era Jesus de Nazaré, começou a gritar:
“Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim!” (49) Jesus parou e disse: “Chamem-no”. E chamaram
o cego. “Ânimo, levante-se! Ele o está chamando”. (50) Lançando sua capa para o lado, de um salto
pôs-se em pé e dirigiu-se a Jesus. (51) “O que é que você quer que eu lhe faça?”, perguntou-lhe
Jesus. O cego respondeu: “Mestre, eu quero ver!” (52) “Vá”, disse Jesus, “a sua fé o curou”.
Imediatamente ele recuperou a visão e seguiu Jesus pelo caminho.
(46) Então chegaram à Jericó. Herodes, o Grande, e mais tarde seu filho
Arquelaus (desterrado pelo imperador romano para o sul da França em 6.d.C por
causa da má reputação de seu regimento), haviam fortificado e embelezado a
cidade de Jericó, construindo teatro, anfiteatro, residências e piscinas. Antes, este
pequeno paraíso tropical, com suas palmeiras e jardins floridos já fora consagrado,
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ou melhor “dedicado” por Marco Antônio à Cleópatra, rainha egípcia (150 antes de
Cristo). Nesta bela cidade Jesus entrou com seus seguidores e não temos relatos de
Sua permanência nela. Ele estava seguindo firmemente em direção à Jerusalém,
pois a festa da páscoa se aproximava. Quando Jesus e seus discípulos, juntamente
com uma grande multidão, estavam saindo da cidade... Por estar próxima a
celebração da páscoa, festa anual, uma “grande multidão” (assim diz Marcos)
possivelmente seguindo a Jesus desde a Galiléia, outros da Peréia, estava se
movendo em direção à Jerusalém. Outras pessoas da própria cidade de Jericó
devem ter-se juntado ao grupo. Ao sair da cidade... o filho de Timeu, Bartimeu, que
era cego, estava sentado à beira do caminho, pedindo esmolas.
Antes de continuarmos olhando o texto, peço-lhe a sua atenção para uma
consideração minha. Se você olhar a mesma história no Evangelho de Mateus, verá
que ali eram dois cegos sentados à beira da estrada, não um só. Para comentaristas
que consideram as escrituras inspiradas, portanto sem falhas, isso representa um
problema. Eram dois cegos ou era um só? Os dois relatórios são parte da mesma
Bíblia, portanto inspirados por Deus e sem erro. Ao invés de fazer verdadeiras
acrobacias, sugerindo por exemplo a existência de duas cidades de Jericó e nas
quais havia um cego em cada uma, ou de um cego na entrada e outro na saída e
Jesus passando duas vezes pela cidade em sentido contrário, vamos usar o bom
senso dado por Deus. Os Evangelhos não foram escritos por médiuns monitorados
pelo Espírito Santo. São relatos, compostos vários anos mais tarde, cujo conteúdo é
a soma das tradições às quais cada um dos Evangelistas teve acesso na época. Os
Evangelistas recorriam a relatos mais remotos, parciais, a coleções de palavras de
Jesus, a tradições orais e possivelmente a testemunhas oculares ainda vivas,
começando pelos relatos da paixão e depois acrescentando em sentido contrário
ao tempo. O que primeiro interessava os leitores era o “porquê” e o “como” da
morte do Senhor e os testemunhos da ressurreição. Assim cresceram os conjuntos
que hoje temos nas mãos como Evangelhos “segundo Mateus”, “Marcos”, “Lucas”
ou “João”. Pelos diferentes canais de tradição, como os quatro Evangelhos foram
compostos em lugares distintos e em épocas distintas e para um público distinto,
apareceram pequenas diferenças, como por exemplo em números ou em ênfase e
plenamente justificadas pela história de cada relato. Marcos, que ouviu a história de
Pedro, testemunha ocular, sabia de um cego; até se lembrou seu nome. Para
Mateus, que compôs seu Evangelho mais tarde, havia fontes disponíveis que falaram
de dois cegos. Mais tempo tinha passado e, quem sabe, para aumentar a glória do
Senhor, os relatos aumentaram para dois cegos curados de uma só vez. Qual o
problema?
Não é a letra que dá testemunho da inspiração Divina! É o Espírito Santo que
sopra por trás das palavras; que fala e testifica através dos relatos a veracidade e
realidade do que lemos. É Cristo que emana das Escrituras e que não pode ser
ocultado! As Escrituras somente são sagradas na medida em que Ele, que é Santo,
nelas nos é revelado. Nós como ocidentais corremos o risco de transformar em
fábulas de magia os relatos que foram escritos em outra cultura, se não soubermos
lê-los como o oriental os lia. Nossa leitura técnica e sistemática não faz jus ao mistério
Divino. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito nos está dizendo!
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Voltemos então ao texto: ... o filho de Timeu, Bartimeu, que era cego, estava
sentado à beira do caminho pedindo esmolas. Esse homem sentado à beira do
caminho já deve ter ouvido rumores a respeito de “um grande Mestre e operador de
milagres” da Galiléia. A fama de Jesus havia se espalhado por toda terra de Judá.
(47) Quando ouviu que era Jesus de Nazaré, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi,
tem misericórdia de mim!”. Embora por razão da proximidade da celebração da
páscoa a rua estivesse bastante movimentada, o homem cego percebeu que na
multidão que ora passava por ele, parecia haver alguém especial. Depois de
indagar aos que lhe estavam próximos, ficou sabendo que era exatamente aquele
Jesus do qual já ouvira falar. Não sabemos por que Bartimeu (Bar Timeu = Filho de
Timeu) resolveu denominar Jesus “Filho de Davi”. Este era um título messiânico; ao
recém-nascido Jesus foi prometido “o trono de Davi, seu pai, para sempre”
(Magnificat, Lucas 1.32). Talvez sem saber, este homem sentado à beira da estrada,
esmolando, honrou Jesus com este título. Marcos diz que “ele começou a gritar”.
Gritou e não parou de gritar e “os que iam adiante, o repreendiam para que ficasse
quieto, mas ele gritava ainda mais: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” (Lucas
18:39). Era a oportunidade de sua vida! A insistência do cego parece ter aborrecido
algumas pessoas da multidão. Por que será? Julgavam inoportuno deter Jesus por
causa desse cego? Para muitos deles, o que importava era avançar em direção ao
templo. Não era próprio parar por causa de um mendigo qualquer.
(49) Jesus parou e disse: “Chamem-no”. E chamaram o cego. Havia algo nos
gritos do mendigo que cativou a atenção de Jesus, apesar de todo o barulho da
multidão. Como Ele não podia ver aquele que o chamava pelo seu título, até então
não revelado publicamente, mandou chamá-lo. Percebendo que Jesus atendera
aos gritos, os que até então julgaram melhor calar a boca do cego, começaram a
animá-lo. “Ânimo, levante-se! Ele o está chamando (50) Lançando sua capa para o
lado, de um salto pôs-se em pé e dirigiu-se a Jesus. A observação do “lançar fora
tudo que porventura lhe fosse obstáculo” para poder chegar à presença de Jesus,
não é somente eloqüência de Marcos, mas relato de uma testemunha ocular.
Pessoas foram guiando o cego através da multidão até Jesus. Este cego, pela sua
insistência em chamá-lo “Filho de Davi” havia impressionado a Jesus. É o único relato
de uma cura em que chegamos a saber o nome da pessoa curada. Será que é por
que seria a última pessoa a qual Jesus tocaria, abençoando com a cura? Ou era
por que o cego fosse o primeiro de entre o povo a proclamá-lo Messias (pois durante
o ministério de Jesus, os termos “Filho de Davi” e “Messias” haviam se tornado
sinônimos)? Até aquele momento, Bartimeu dependia da generosidade do povo
para sua sobrevivência. Nesse encontro havia implorado pela misericórdia de Jesus.
(51) “O que é que você quer que eu lhe faça?”, perguntou-lhe Jesus. O cego
respondeu: “Mestre, eu quero ver!” Jesus pediu que Bartimeu articulasse seu pedido.
Não era esmola; era a visão recuperada que esperava ! (52) “Vá”, disse Jesus, “a
sua fé o curou”. Imediatamente ele recuperou a visão e seguiu Jesus pelo caminho.
De que fé Jesus estava falando, quando a declarou como a razão da cura? Fé em
que ele certamente havia sido curado? Entendemos que não. A fé apontou para a
pessoa de Jesus, não para seus dons. Bartimeu havia colocado toda sua esperança
130
nesse “Filho de Davi”, que quando se lhe chegou perto, chamou-o respeitosamente
de “Mestre”. Imediatamente, Bartimeu cego tornou-se Bartimeu que enxergava.
Marcos anotou o fato de este homem ter seguido a Jesus pelo caminho afora, algo
raro, pois na maioria dos casos de cura, Jesus não o permitia.
Fica a pergunta: Com que razão as Escrituras nos preservaram o nome deste
homem? Será que mais tarde ele tornou-se membro da primeira igreja cristã (como
o caso de Cireneu em Lucas 23.26 /Atos 6.9)? Ou por que, pela primeira vez, o
mistério messiânico foi anunciado publicamente por Bartimeu, mesmo sem o
perceber? Não sabemos. No Evangelho de Marcos, o relato da cura desse homem
marca o fim do ministério público de Jesus. Pelos cálculos de alguns historiadores, ela
se deu numa sexta-feira, de manhã. Ao anoitecer desse dia, Jesus chegaria às
proximidades de Jerusalém, onde somente uma semana depois, daria sua vida
numa cruz romana.
O Evangelho de Marcos – cap.11.1-11(NVI)
(11.1) Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram à Betfagé e Betânia, perto do
monte das Oliveiras, Jesus enviou dois de seus discípulos, (2) dizendo-lhes: “Vão ao povoado que
está adiante de vocês; logo que entrarem, encontrarão um jumentinho amarrado, no qual ninguém
jamais montou. Desamarrem-no e tragam-no aqui. (3) Se alguém lhes perguntar: “Por que vocês
estão fazendo isso?”, digam-lhe: “O Senhor precisa dele e logo lho devolverá”.
(4) Eles foram e encontraram um jumentinho na rua, amarrado a um portão. Enquanto o
desamarravam, (5), alguns dos que ali estavam lhes perguntaram: “O que vocês estão fazendo,
desamarrando esse jumentinho?” (6) Os discípulos disseram como Jesus lhes tinha dito, e eles os
deixaram ir. (7) Trouxeram o jumentinho a Jesus, puseram sobre ele os seus mantos; e Jesus montou.
(8) Muitos estenderam os seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam cortado
nos campos. (9) Os que iam adiante dele e os que o seguiam gritavam: “Hosana”, “Bendito é o que
vem em nome do Senhor!” (10) Bendito é o Reino vindouro de nosso pai Davi!” “Hosana nas alturas!”
(11) Jesus entrou em Jerusalém e dirigiu-se ao Templo. Observou tudo à sua volta e, como já era
tarde, foi para Betânia com os Doze.
Papias, um dos pais da Igreja do segundo século, observou: “Marcos anotou
com cuidado tudo o que ele ouviu de Pedro a respeito do Senhor, embora não
observando sempre a ordem cronológica”. Os estudiosos intercalam entre a saída
de Jesus de Jericó (leitura anterior) e sua entrada em Jerusalém (leitura de hoje) o
jantar em Betânia, relatado no capítulo 14 somente. Assim, Jesus, subindo de Jericó,
teria pousado na noite da sexta para sábado nas proximidades de Betânia,
participando no sábado do jantar relatado em Marcos 14. Somente no dia seguinte,
dia após o sábado (nosso domingo), Jesus entraria em Jerusalém, conforme o texto
acima. Seguiremos, no entanto, a ordem do relato como temos em mãos, ou seja,
como contado por Marcos.
(11.1) Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram à Betfagé e Betânia,
perto do monte das Oliveiras, Jesus enviou dois de seus discípulos,... A subida de
Jericó era cansativa. Quando chegaram às cercanias das vilas de Betfagé e
Betânia, Jesus enviou dois discípulos adiante. Pelo que sabemos dos outros
Evangelistas, Jesus e seu grupo de seguidores eram conhecidos em toda a região.
131
Jesus tinha muitos seguidores e simpatizantes dentro do povo judeu, homens e
mulheres que estavam prontos para servi-lo de muitas maneiras. Se Ele precisasse de
algo e se seus simpatizantes e amigos tinham condições de ajudá-lo, era só pedir.
Por João sabemos que não foi a primeira vez que Jesus entrou em Jerusalém, como
o relato de Marcos poderia sugerir. Aos dois enviados, Jesus deu instruções precisas
quanto à localidade e o que encontrariam nela.
(2) ... dizendo-lhes: “Vão ao povoado que está adiante de vocês;; logo que
entrarem, encontrarão um jumentinho amarrado, no qual ninguém jamais montou.
Desamarrem-no e tragam-no aqui. (3) Se alguém lhes perguntar: “Por que vocês
estão fazendo isso?”, digam-lhe: “O Senhor precisa dele e logo lho devolverá”. Não
sabemos de nenhuma justificação pela ordem dada. Certamente Jesus estava
cansado. Um jumentinho seria o animal certo para carregar fardos e levar peregrinos
cansados.
(4) Eles foram e encontraram um jumentinho na rua, amarrado a um portão.
Enquanto o desamarravam, (5), alguns dos que ali estavam lhes perguntaram: “O
que vocês estão fazendo, desamarrando esse jumentinho?” (6) Os discípulos
disseram como Jesus lhes tinha dito, e eles os deixaram ir. Quanto a esse trecho,
podemos escolher a quais dos intérpretes preferimos dar ouvidos. Alguns entendem
que Jesus, às vezes, tinha conhecimento sobrenatural. A tendência para magia é
inata em todos nós. Quem dá crédito à palavra que diz que Jesus veio em carne,
como homem, sujeito às mesmas condições de cada um de nós, entende que não
era assim. Se Deus se tornou homem, Ele tornou-se homem e não super-homem.
Jesus sabia o que era sofrer. Experimentava fome, sede, abandono e finalmente
traição como homem e não como um ser especial. Nisso consiste a grandeza e
singularidade do cristianismo: nosso Deus identificou-se com o homem sofrido em
Jesus Nazareno, posteriormente reconhecido como O Cristo.
Como dissemos, o grupo de Jesus era conhecido naquelas localidades
também. Quando os dois discípulos desamarraram o animal, as objeções do dono
do jumentinho desapareceram rapidamente. A simples menção do fato de que
Jesus necessitava do jumentinho, que seria devolvido em seguida, foi suficiente para
garantir o consentimento. (7) Trouxeram o jumentinho a Jesus, puseram sobre ele os
seus mantos; e Jesus montou. Colocaram mantos sobre o animal, no qual não se usa
sela, e Jesus montou. Esse momento, previsto na profecia de Zacarias 9.9, há
quinhentos anos atrás, deve ter causado em Jesus a mais profunda comoção. Ele
sabia o que o profeta viu a seu respeito, quando profetizou: “Alegra-te muito, ó filha
de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis que o teu rei virá a ti, justo e Salvador, pobre,
e montado sobre um jumento, sobre um asninho, filho de jumenta.” Como o seu ato
de montar esse animal e entrar sentado nele em Jerusalém, Jesus assumiu
publicamente sua missão, seu título de rei da paz (veja versos seguintes a Zac.9.9). É
possível que os discípulos, cansados, inicialmente não fizessem a ligação com a
palavra profética. Logo porém alguém compreendeu o significado desse ato de
Jesus e imediatamente o júbilo manifestou-se.
(8) Muitos estenderam os seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos
que haviam cortado nos campos. (9) Os que iam adiante dele e os que o seguiam
gritavam: “Hosana”, “Bendito é o que vem em nome do Senhor!” Os que vinham
132
seguindo Jesus desde a cidade de Jericó com as mais variadas esperanças,
emocionados com a proximidade da páscoa, viram no gesto de Jesus os seus
anseios confirmados. Era Ele O que traria a tão esperada libertação a Sião! O frenesi
tomou conta do grupo. Marcos menciona outro grupo de peregrinos que havia
chegado antes à Jerusalém e que, retornando, dava suas boas-vindas a Jesus. Entre
os peregrinos corria a notícia da recente ressurreição de um homem realizada por
Jesus (João 12.17,18), o que aumentava o alvoroço. O entusiasmo e a exuberância
daquele momento devem ter sido impressionantes. Repentinamente, todas as
esperanças de ver o povo livre do jugo romano e novamente unificado sob o
sucessor no trono de Davi, explodiram em salmos cantados. “Hosana” significa
“Salve agora, nós suplicamos”. Na medida em que a caravana vinha se
aproximando da cidade, aumentou a intensidade do clamor. “Te imploramos,
Senhor, salve-nos agora, dá nos a vitória e a prosperidade, pois este é o momento
oportuno!” Ramos cortados das árvores à beira da estrada e vestimentas cobriram a
estrada, como sinais de reverência (confira 2.Rei 9.13 e Salmo 118.27). Marcos
registra o cântico “Bendito o que vem em nome do Senhor”, uma citação do salmo
118, salmo messiânico. (10) “Bendito é o Reino vindouro de nosso pai Davi!” “Hosana
nas alturas!”
O pensamento dos peregrinos que por ocasião da páscoa lotaram Jerusalém,
resumia-se no seguinte: “Quanto tempo ainda temos que esperar para sermos
libertos do domínio estrangeiro?” A esperança de uma restauração nacional, com o
ressurgimento do reino davídico, terreno e político, era natural. O canto de “Bendito
é o Reino vindouro de nosso pai Davi!” nos revela que a multidão vislumbrava no
homem sentado no jumentinho o tão esperado Salvador nacional. “Hosana nas
alturas” expressava a convicção de que este Salvador seguramente vinha da parte
de Deus. Enquanto a alegria e a esperança em imediatas manifestações Divinas de
libertação tomavam conta da multidão, o homem sentado no jumentinho chorou
(Lucas 19.39-44). Cumprindo a profecia que O associava com a paz, a mansidão e a
salvação (Zaqu.9.9ss) Jesus percebeu que o povo, na verdade, saudava outro, que
não era Ele. Ele havia ensinado aos seus discípulos: “Venha o teu Reino”, o Reino de
Deus; mas o povo saudava aquele que, na opinião deles, traria de volta o reino
davídico, nacional, político. Viram nele o Salvador que os livrasse do domínio odiado
dos romanos. A aclamação frenética pelo povo era, na realidade, uma tragédia em
vários sentidos. O povo não entendeu o caráter do cumprimento da profecia em
Zac.9.9. Eles não O viam como o Príncipe da paz, pobre e humilde, indicando-lhes o
caminho de volta da religião mecânica e vazia para o Deus Vivo. Mas o povo viu
nEle o futuro líder de um movimento que, finalmente, lhes traria liberdade através da
força e enquanto O viam desse modo, O saudavam freneticamente.
Havia mais: o tumulto não passou despercebido aos pelotões romanos em
estado de alerta por causa da proximidade da festa da páscoa e da multidão de
peregrinos. Os judeus eram desprezados e temidos ao mesmo tempo por eles, por
causa dessa sua “fé supersticiosa” aliada à idéia de serem especiais. A simples
aclamação de um “rei” judeu era uma alusão que merecia pena capital imediata.
Jesus assim ficou marcado. Mateus relata: “Toda cidade ficou agitada e
133
perguntava: ‘Quem é este?’ A multidão respondia: ‘Este é Jesus, o profeta de
Nazaré da Galileia’” (Mateus 291.10,11). Havia alguns fariseus no meio da multidão,
que alertaram a Jesus: “Mestre, repreende seus discípulos!”(Lucas 19.39), mas Jesus
não lhes deu ouvidos. Não era à toa que os religiosos se preocupavam com o frenesi
da multidão. Eles, com razão, temiam por repercussões trágicas. A conotação
política que essa entrada triunfal parecia ganhar ameaçou colocar em risco a frágil
trégua entre Governo e as autoridades religiosas. Se este movimento continuasse,
ele representava perigo. Seriam eles que responderiam perante o Governador.
Qualquer sinal de um levante dentro do povo judeu teria conseqüências
catastróficas para toda a nação.
(11) Jesus entrou em Jerusalém e dirigiu-se ao Templo. Observou tudo à sua
volta e, como já era tarde, foi para Betânia com os Doze. Finalmente, a multidão
começou a se dispersar. Como a noite já se aproximava, após uma rápida
passagem e observação pelo Templo, Jesus retirou-se com os seus para a região de
Betânia, vila a poucos quilômetros da cidade.
Na cidade santa, uma grande tensão pairava no ar.
O Evangelho de Marcos – cap.11.12-17(NVI)
(11.12) No dia seguinte, quando estavam saindo de Betânia, Jesus teve fome. (13) Vendo à distância
uma figueira com folhas, foi ver se encontraria nela algum fruto. Aproximando-se dela, nada
encontrou, a não ser folhas, porque não era tempo de figos. (14) Então lhe disse: “Ninguém mais
coma de seu fruto”. E os seus discípulos ouviram-no dizer isso.
(15) Chegando a Jerusalém, Jesus entrou no Templo e ali começou a expulsar os que estavam
comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas
(16) e não permitia que ninguém carregasse mercadorias pelo Templo. (17) E os ensinava, dizendo:
“Não está escrito: ‘A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos?’ Mas vocês
fizeram dela um covil de ladrões”.
(11.12) No dia seguinte, quando estavam saindo de Betânia, Jesus teve fome.
A observação de Marcos “Jesus teve fome” nos leva a crer que Jesus com seus
discípulos passaram a noite não na casa de algum amigo, mas sim ao relento, como
muitas vezes acontecia (Mateus 8.20/Luc.9.58). Na noite anterior, antes de retirar-se,
Jesus havia visitado o Templo e durante as longas horas noturnas trabalhou todas
aquelas emoções do dia anterior: o júbilo da multidão entusiasmada e depois a
impressão da movimentação ceremonial e comercial no templo, observadas em
silêncio (Marcos 11.11).
(13) Vendo à distância uma figueira com folhas, foi ver se encontraria nela
algum fruto. O que se segue é ação espontânea de Jesus, observada pelos seus
discípulos. Aproximando-se dela, nada encontrou, a não ser folhas, porque não era
tempo de figos. A primeira reação de Jesus ao ver uma figueira com folhas, fora
verificar se havia algum fruto nela, pois estava com fome. Não era tempo de figos;
poderia haver alguns brotos que costumam aparecer junto com as primeiras folhas.
Mas nada nela encontrou. A decepção sofrida, ao que parece, no mesmo instante
134
transformou-se em uma demonstração daquilo que vinha ocupando sua mente
desde o dia anterior. Essa árvore prometia muito, era pretensiosa, mas infrutífera; um
quadro perfeito do que Ele via na religiosidade de seu povo: abundância de folhas,
mas nenhum fruto; uma enorme atividade religiosa, mas ausência de sinceridade;
uma tremenda promessa e uma execução pífia. Assim Ele viu Israel, seu povo! (14)
Então lhe disse: “Ninguém mais coma de seu fruto”. E os seus discípulos ouviram-no
dizer isso. Observemos que Jesus não estava ensinando. Ele, consigo próprio,
prenunciou uma sentença; declarou o tempo produtivo dessa arvore encerrado. É
como se Ele tivesse dito: “Eu não encontrei nada em você. Foi-se sua chance,
porque você não correspondeu ao que era esperado.” Jesus estava falando com a
figueira, aparentemente. Para Ele, a figueira frondosa exemplificava o que seus
olhos e seu coração viam em sua volta: movimento e atividade religiosa extrema,
entusiasmo, mas nenhum fruto para o Deus Verdadeiro.
Quando seus discípulos ouviram Jesus condenar a árvore que, sem dúvida,
não tinha culpa por não apresentar fruto naquela época, ficaram profundamente
impressionados. Este mesmo Jesus, cujo coração estava sempre pronto para
confortar e apoiar, curar e salvar, pronunciou uma maldição contra uma figueira
“inocente”. Eles estavam presenciando uma parábola dramatizada, semelhante
àquelas que os profetas da Antiga Aliança costumavam representar (veja Jeremias
13.1-11/ 19.1,2,10 ou Ezequiel 3.1-11 e outros). Enquanto andava com seus discípulos,
Jesus já havia usado a figueira infrutífera em uma parábola como ilustração da falta
de fruto nas vidas das pessoas (Lucas 13.6-9). Muito provavelmente, naquela hora, os
discípulos estranharam e não compreenderam, nem intuitivamente, o significado da
ação do Mestre.
Após o incidente com a figueira, Jesus dirigiu-se diretamente ao Templo.
Quando Marcos diz “Templo”, ele não se refere somente ao Templo propriamente
dito, mas a uma área que compreendia prédios administrativos, armazéns, estábulos
e bazares. Esta área no monte era acessível inclusive aos impuros; não havia
restrição de movimento. Ali os comerciantes especulavam com as necessidades dos
visitantes do Templo. A casa de Deus havia se transformado, com o decorrer do
tempo, em uma mega-indústria e ninguém mais estranhava isso; era normal e era
assim que o culto a Deus ora funcionava. Daquele Santuário impressionante que,
quando criança, havia denominado “casa do meu Pai” (Lucas 2.49), Jesus não via
mais nada! Pelo contrário, ficou profundamente sentido e revoltado por causa da
profanação das dependências desse Templo, lugar destinado a ser “a casa de
oração para todos as nações” (Isaías 56.7); de fato fornecia aos ladrões uma
oportunidade para ali fazerem seu covil. Era mais do que Ele podia suportar em
silêncio. A ação de Jesus parece ter sido instintiva.
(15) Chegando a Jerusalém, Jesus entrou no templo e ali começou a expulsar
os que estavam comprando e vendendo. Cambistas convertiam as moedas trazidas
pelos peregrinos em siclos (ou meio-siclos), o único dinheiro que circulava como
doação prescrita no Templo. O dinheiro judaico era necessário para a realização
dos vários ritos de purificação. Há uma informação antiga de que havia dois
grandes ciprestes no monte: sob um havia quatro tendas para a venda de animais
135
para os sacrifícios; sob o outro havia tantos pombais, que, dos pássaros neles criados,
não apenas podiam ser supridos todos os sacrifícios futuros do Templo, mas também
os mercados de todo Israel (J Ta’anit IV 5). As pombas eram especialmente
procuradas, sendo esta a oferta sacrificial dos proletários que não podiam se permitir
vítimas mais caras (Levítico 5.7). Havia também, sem dúvida, tendas para a venda
de incenso, vinho, óleo, e farinha pura – artigos estes concomitantes aos sacrifícios
(Levítico 2.5-7). Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam
pombas (16) e não permitia que ninguém carregasse mercadorias pelo Templo. A
explosão de Jesus ecoava as palavras de Jeremias: “Será esta casa que se chama
pelo meu nome, um covil de salteadores aos vossos olhos?” (7.11). Na sua rápida
ação, Jesus pegou comerciantes em transações ilegais. Ele via comerciantes
carregando mercadoria e instrumentos para um dos átrios do Templo, ofensa grave,
pois ninguém podia penetrar no Templo em situações de impureza (Levítico 15.31). O
ingresso nas dependências era proibido até mesmo “com bengalas, sapatos,
maletas ou com os pés empoeirados . Não podiam ser usadas como atalho para um
caminho;; nelas não se podia cuspir” (M Berakhot IX 5).
(17) E os ensinava, dizendo: “Não está escrito: ‘A minha casa será chamada
casa de oração para todos os povos?’ Mas vocês fizeram dela um covil de ladrões”.
Ao derrubar as mesas dos cambistas, expulsar comerciantes, não permitindo que se
manchasse a santidade do Templo, Jesus agiu com os melhores e mais puros
motivos. Não há notícia nenhuma de que um conselho da parte de quem quer que
seja, nem a própria polícia do Templo responsável pela ordem no Lugar Santo,
tenham agido contra Jesus. É difícil compreender por que motivo esta intervenção
não aconteceu. A polícia armada do Templo era autônoma e prontamente poderia
ter entrado em ação, prendendo Jesus.
O Evangelho de Marcos – cap.11.18-28(NVI)
(18) Os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei ouviram essas palavras e começaram a
procurar uma forma de matá-lo, pois o temiam, visto que toda a multidão estava maravilhada com
seu ensino. (19) Ao cair da tarde, eles saíram da cidade. (20) De manhã, ao passarem, viram, a
figueira seca desde as raízes. (21) Pedro, lembrando-se, disse a Jesus: “Mestre, vê! A figueira que
amaldiçoaste, secou!” (22) respondeu Jesus: “Tenham fé em Deus. (23) Eu lhes asseguro que se
alguém disser a este monte: ‘Levanta-se e atire-se no mar’ e não duvidar em seu coração, mas crer
que acontecerá o que diz, assim lhe será feito. (24) Portanto eu lhes digo: Tudo que vocês pedirem em
oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá. (25) E quando estiverem orando, se
tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os
seus pecados. (26) Mas se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não perdoará
os seus pecados”. (27) Chegaram novamente à Jerusalém e, quando Jesus estava passando pelo
Templo, aproximaram -se dele os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os líderes religiosos e lhe
perguntaram: (28) “Com que autoridade estás fazendo estas coisas? Quem te deu autoridade para
fazê-las?”
(11.18) Os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei ouviram essas palavras e
começaram a procurar uma forma de matá-lo, pois o temiam, visto que toda a
multidão estava maravilhada com seu ensino. Pelo que constatamos no estudo
anterior, quando Jesus “limpou” o Templo, melhor, a área do assim chamado “átrio
136
dos gentios”, Ele parece não ter sofrido nenhuma intervenção da parte da polícia
do Templo ou das autoridades religiosas estabelecidas. Como veremos mais adiante,
o perigo e a contestação vieram mais adiante. Marcos somente menciona uma
crescente preocupação entre as autoridades religiosas por causa do apoio popular
de Jesus, vendo nele uma ameaça. “Eles O temiam”. (19) Ao cair da tarde, eles
saíram da cidade. Sabemos por todos os Evangelistas que Jesus não passou as noites
daquela semana na cidade, mas retirou-se para a região de Betânia, seja por razão
de segurança ou por melhor oportunidade para repouso do grupo. (20) De manhã,
ao passarem, viram, a figueira seca desde as raízes. (21) Pedro, lembrando-se, disse
a Jesus: “Mestre, vê! A figueira que amaldiçoaste, secou!” Pedro foi o primeiro que
notou um fato extraordinário: A figueira do dia anterior, a que Jesus “amaldiçoara”
havia secado. Os discípulos ficaram chocados. Mais tarde, eles viam a experiência
com esta árvore (e que teve início com a fracassada procura de Jesus por fruto)
transformar-se em imagem da Jerusalém religiosa. Esta cidade com seu imponente
aparato de culto/comércio representava um obstáculo para a fé genuína. Deus era
capaz de remover obstáculos. Esta era a aplicação que Jesus passou aos seus
seguidores assustados: Da mesma maneira que a figueira havia secado tão
rapidamente e por completo, obstáculos contra a ação renovadora de Deus serão
removidos pela oração. (22) ... respondeu Jesus: “Tenham fé em Deus. (23) Eu lhes
asseguro que se alguém disser a este monte: ‘Levanta-se e atire-se no mar’ e não
duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito.
A resposta de Jesus não fará sentido enquanto não percebermos que a
palavra ao “monte” é uma palavra “contra o monte”. A figueira infrutífera, pela
palavra de Jesus, havia secado. Mesmo que “montes” se levantarem “contra”, eles,
pela oração serão removidos. O nosso Pai não nos ouvirá somente quando pedimos,
Ele também nos ouvirá quando removermos obstáculos pela palavra da oração.
(24) Portanto eu lhes digo: “Tudo que vocês pedirem em oração, creiam que já o
receberam, e assim lhes sucederá. Mesmo no ambiente carregado de tensão e
suspense, dúvidas e perigo, como era o caso do pequeno grupo do Nazareno, Jesus
manteve sua absoluta confiança em seu Pai bondoso. Só havia uma condição
indispensável e pela qual, neste contexto, percebemos que Jesus advertiu: (25) E
quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no,
para que também o Pai celestial lhes perdoe os seus pecados.
Ao “ordenar” a remoção de maldições ou obstáculos (figuradamente
falando: “figueiras infrutíferas”), prática que assistimos constantemente hoje em
programas religiosos, devemos lembrar que antes Deus quer o nosso perdão aos
nossos devedores. Somente depois, “limpos” perante Deus, tendo perdoado
incondicionalmente, é que nossa oração será ouvida e atendida.
A história da Igreja cristã teria sido outra se ela tivesse observado o
mandamento de Jesus e nunca removido “figueiras infrutíferas” sem antes ter
declarado perdão. Remover obstáculos em nome de Deus é somente lícito aos
pacificadores. (26) Mas se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não
perdoará os seus pecados”. O verso 26 não consta nos melhores originais; ele foi
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posteriormente acrescentado, talvez por algum copista que queria reforçar a
palavra de Jesus.
(27) Chegaram novamente à Jerusalém e, quando Jesus estava passando
pelo Templo, aproximaram -se dele os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os
líderes religiosos e lhe perguntaram: (28) “Com que autoridade estás fazendo estas
coisas? Quem te deu autoridade para fazê-las?”
No seu livro “O Julgamento e o processo de Jesus”, Haim Cohn, Ex-Juiz da
Suprema Corte de Israel e Representante de Israel na Comissão dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, apresenta a visão judaica do questionamento
registrado em Marcos 11.28(resumo): “...Esta pergunta foi feita não necessariamente
exclusiva em relação à limpeza do Templo, mas a respeito de todos os seus feitos e
ensinamentos. Como lembramos, em Marcos 1.12-22, bem no início do ministério de
Jesus, quando Ele ensinou na sinagoga de Cafarnaum, “as pessoas ficaram pasmas
com sua doutrina, pois ele as ensinou como quem tem autoridade, e não como os
escribas”. Ensinar como quem tem “autoridade” não pode significar apenas que
seus discursos eram poderosos e suas doutrinas impressionantes (Lucas 4.32); significa
que seu ensinamento com autoridade diferenciava-se ostensivamente de uma
forma particular dos ensinos dos escribas.
Todos sabiam que Jesus não tinha “autoridade” – daí o espanto de que Ele
ensinasse como se tivesse a “autoridade de estabelecer a lei”, de determiná-la às
pessoas e de prescrever normas de comportamento. Essa autoridade, assim os
lideres religiosos argumentaram, ninguém podia tomar para si mesmo; ela tinha de
ser conferida por uma pessoa já em “autoridade”, num ato formal de ordenação. O
espanto de que Jesus falasse como se tivesse sido “ordenado”, sugeriu para o povo
admiração. Mas aquilo que, para quem ouvia impressionado era algo a ser
admirado, para as autoridades era uma questão que preocupava cada vez mais: se
Jesus desejava ensinar com “autoridade”, ele devia observar os procedimentos
rabínicos e, primeiro, buscar ordenação. A questão dos religiosos refletiu sua
preocupação: Não tendo qualquer autoridade legal, como é que Jesus se propõe a
ensinar como se a tivesse?...”
Veremos logo em seguida qual a resposta de Jesus.
O que impressiona na Bíblia é a autoridade com que ela nos fala do homem e
de Deus. O homem pode procurar denegrir ou ridicularizar a Palavra de Deus e
interpretá-la a seu bel-prazer. Mas nada atingirá Aquele que está por trás da
mensagem: o próprio Deus, falando-nos por palavras humanas com autoridade
suprema. – Como você lê sua Bíblia?
O Evangelho de Marcos – cap.11.29-33 (NVI)
(27) Chegaram novamente à Jerusalém e, quando Jesus estava passando pelo Templo,
aproximaram-se dele os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os lideres religiosos e lhe
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perguntaram: (28) “Com que autoridade estás fazendo estas coisas? Quem te deu autoridade para
fazê-las?” (29) Respondeu Jesus: “Eu lhes farei uma pergunta. Respondam-me, e eu lhes direi com
que autoridade estou fazendo estas coisas. (30) O batismo de João era do céu ou dos homens?
Digam-me!” (31) Eles discutiam entre si, dizendo: “Se dissermos: Dos céus, ele perguntará: ‘Então por
que vocês não creram nele?’ (32) Mas se dissermos: ‘Dos homens..’.” Eles temiam o povo, pois todos
realmente consideravam João um profeta. (33) Eles responderam a Jesus: “Não sabemos”. Disse
então Jesus: “Tampouco lhes direi com que autoridade estou fazendo estas coisas”.
Há uma “autoridade” diferente e maior do que a ordenação formal consegue
passar. Observamos isso em cada pessoa “graduada”. Não é a própria
“graduação” que confere autoridade a alguém. A pessoa “tem” ou “não tem”
autoridade; esta faz parte da própria pessoa. Um título nunca lhe confere esse poder
de coerção. No caso de Jesus, além de sua “ousadia” (no julgamento dos religiosos)
em ensinar “como se fosse ordenado por algum conselho superior”, era algo a mais
que os intrigava. Corria a informação de que Ele, em ocasiões anteriores, quando
ensinava no Templo, por pouco não fora apedrejado por religiosos enfurecidos, pois
havia feito declarações como: “que Ele era antes que Abrão existisse” (João 8.59)
ou “que Deus e Ele eram Um só” (João 10.31). Declarações como essas suscitaram
ânimos violentos por parte dos religiosos: “Não é por obra boa que te apedrejamos,
e sim por causa da blasfêmia, pois sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” (João
10.33). O pecado de “blasfemar o nome do Senhor” era crime capital, punível de
apedrejamento. Embora Jesus não tivesse cometido o crime de injuriar a Deus em
pronunciando o Seu inefável Nome, suas “aparentes aspirações” (do ponto de vista
deles) em fazer-se igual a Deus geraram desconfiança.
Atribuições expressas ou implícitas de “autoridade” Divina eram inerentes à
qualificação de qualquer “Mestre”, mas no caso de Jesus, os próprios fariseus não
eram unânimes em seu julgamento. Eles precisavam, perante a crescente
popularidade dele, uma vez por todas, certificar-se de onde é que viera essa
“autoridade” com a qual Jesus falava e agia. Lembremos o incidente em que
fariseus e escribas pediram-lhe um “sinal do céu”, uma prova perceptível que não
deixasse mais dúvida de que Ele, com efeito, estava executando a vontade de
Deus! Devemos, portanto, considerar que havia algum interesse real na pergunta
acima e não sempre interpretar como uma emboscada, quando os religiosos se
aproximavam. (29) Respondeu Jesus: “Eu lhes farei uma pergunta. Respondam-me, e
eu lhes direi com que autoridade estou fazendo estas coisas. (30) O batismo de João
era do céu ou dos homens? Digam-me!” Seja qual for o profeta aclamado pelo
povo, a preocupação do Sinédrio, da mais alta cúpula religiosa, sempre era a de
granjear proveito próprio nisso. Composto em sua maioria por saduceus ricos, eles
não desfrutavam da simpatia do povo e, por isso, mostravam muita preocupação
em não contradizer opiniões populares. Jesus sabia que o povo venerava João
Batista, morto por Herodes, considerando-O um profeta. A missão Divina do Batista
estava fora de dúvida.
(31) Eles (os chefes religiosos) discutiam entre si, dizendo: “Se dissermos: ‘Dos
céus’, ele perguntará: ‘Então por que vocês não creram nele?’ (32) Mas se
dissermos: ‘Dos homens...’” Eles temiam o povo, pois todos realmente consideravam
139
João um profeta. A reivindicação de Jesus, de que a exemplo de João Batista, sua
“autoridade” lhe vinha do Céu, não pode ter sido uma novidade sensacional e
inesperada para os que lhe faziam perguntas. Os fatos já falavam por si. Tanto a
João como a Jesus, o povo os considerava enviados por Deus.
Por outro lado, foi o mesmo João que havia chamado os nobres fariseus e
saduceus de “Raça de víboras”, negando-lhes até a paternidade de Abraão, caso
não se arrependessem junto com os demais (Mateus 3.7-12). Um desaforo desses
não pode ter vindo da parte de Deus, assim eles consideravam.
(33) Eles responderam a Jesus: “Não sabemos”. Quando Deus nos deixa em
uma aparente “sinuca de bico” porque não queremos enxergar o óbvio, não há
solução. A resposta “não sei” é própria daqueles que sabem que uma resposta
positiva ou negativa, seja qual for, levaria a conseqüências indesejáveis. Eles
preferem continuar no ar. No caso dos religiosos que questionavam a Jesus, uma
afirmação de “autoridade Divina” para o Batista os teria obrigado a reconhecer a
“autoridade Divina” de Jesus. Com a decisão aparentemente prudente de ficarem
“neutros”, eles de vez perderam aquilo pelo que temiam e no que, ao mesmo
tempo, ansiavam por certeza.
Disse então Jesus: “Tampouco lhes direi com que autoridade estou fazendo
estas coisas”. Todos nós sabemos como é inútil querer ensinar alguém que se nega
a aprender.
Deus não tem nada a oferecer àquele que, primeiro, quer ter em mãos o
“manual de garantia” de Deus para depois decidir se, por acaso, irá dignar-se a
resolver “crer”. Nunca irá conhecer nem quem Ele é nem o Seu poder.
Se optarmos por conhecer quem é Jesus, Deus nos pede que demos o
primeiro passo. Aos que, em outra ocasião, questionaram a autoridade do
Nazareno, este declarou: “Se alguém quiser fazer a vontade dele (de Deus), pela
mesma doutrina conhecerá se ela (o ensino) é de Deus, ou se eu (Jesus) falo de mim
mesmo (João 7.17).
Como você aprendeu a nadar? Nadando!
Como você terá a resposta de Deus, a confirmação íntima de Jesus ser O
caminho à presença de Deus, A Verdade e a Vida? Faça o que Ele pede, e saberá
que Ele é Deus conosco, Salvador!
O Evangelho de Marcos – cap.12.1-12(NVI)
(12.1) Então Jesus começou a lhes falar por parábolas: “Certo homem plantou uma vinha,
colocou uma cerca ao redor dela, cavou um tanque para prensar as uvas e construiu uma torre.
Depois arrendou a vinha a alguns lavradores e foi fazer uma viagem. (2) Na época da colheita,
enviou um servo aos lavradores, para receber deles parte do fruto da vinha. (3) Mas eles o agarraram,
o espancaram e o mandaram embora de mãos vazias. (4) Então enviou-lhes outro servo; e lhe
bateram na cabeça e o humilharam. (5) E enviou ainda outro, o qual mataram. Enviou muitos outros,
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em alguns bateram, a outros mataram. (6) Faltava-lhe ainda um para enviar: seu filho amado. Por fim
o enviou, dizendo: ‘A meu filho respeitarão’. (7) “Mas os lavradores disseram uns aos outros: ‘Este é o
herdeiro. Venham, vamos matá-lo, e a herança será nossa’. Assim eles o agarraram, o mataram e o
lançaram para fora da vinha. (9) O que fará então o dono da vinha? Virá e matará aqueles
lavradores e dará a vinha a outros. (10) Vocês nunca leram esta passagem das Escrituras? ‘A pedra
que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; (11) isso vem do Senhor, e é algo
maravilhoso para nós’ ”.
(12) Então começaram a procurar um meio de prendê-lo, pois perceberam que era contra
eles que ele havia contado aquela parábola. Mas tinham medo da multidão; por isso o deixaram e
foram embora.
O Evangelista Lucas menciona que a essa altura dos acontecimentos, Jesus
“de dia ensinava no Templo e, à noite, saindo, ficava no monte chamado das
Oliveiras. E todo o povo ia ter com ele ao Templo, de manhã cedo, para o ouvir”
(Lucas 21.37,38).
Jesus deve ter contado muitas parábolas nestes seus últimos dias. Mateus
menciona três delas, (Mateus 21.28-22.14), Lucas e Marcos somente uma. Através de
uma parábola era possível pronunciar verdades duras através de uma história fictícia
de fácil compreensão. Quem estivesse interessado em entender o recado através
da parábola, esse a entendia.
(12.1) Então Jesus começou a lhes falar por parábolas: “Certo homem plantou
uma vinha, colocou uma cerca ao redor dela, cavou um tanque para prensar as
uvas e construiu uma torre. Quando um profeta mencionava uma vinha (plantação
de uvas), todos entendiam imediatamente que ele falava de Israel. O grande
profeta Isaías já comparava Israel a uma vinha (cap. 5) e reclamava da qualidade
das uvas - uvas sem valor. Depois arrendou a vinha a alguns lavradores e foi fazer
uma viagem. Arrendar significa “entregar de renda”, isto é, permitir o livre uso da
propriedade em troca de uma parte da produção. Um arrendamento implica em
um contrato e condições pré-especificadas. Com o entendimento concluído, o
dono se ausentou. Deus havia confiado a seu povo a Sua lei através de Moisés e
esperava fruto. (2) Na época da colheita, enviou um servo aos lavradores, para
receber deles parte do fruto da vinha. Ao comissionar um servo, o dono está
transferindo a este sua autoridade. O servo fará a exigência à parte designada em
nome do seu Senhor. Jesus deixou claro que o pedido não fora feito na hora errada;
a época da colheita havia chegado. (3) Mas eles o agarraram, o espancaram e o
mandaram embora de mãos vazias. Maltratar um enviado do dono corresponde a
insultar também a este. O servo voltou de mãos vazias, não havia sobrado nada
para o dono da vinha. A esta altura, os ouvintes da parábola já deveriam ter
entendido de quem Jesus estava falando: dos profetas que vieram em nome de
Deus e que, na sua grande maioria, tiveram um péssimo fim. Quem ficou de mãos
vazias, era Deus. (4) Então enviou-lhes outro servo; e lhe bateram na cabeça e o
humilharam. (5) E enviou ainda outro, o qual mataram. Enviou muitos outros, em
alguns bateram, a outros mataram. Surpreendentemente, o proprietário não se
apressa em se vingar e punir os ofensores. Ele simplesmente envia outro servo, e
quando ele é morto, envia outro mais.
A seqüência de chamados de Deus ao seu povo, aparentemente sem
resposta, deve ter inspirado o escritor de Hebreus, quando relatou no cap.11.35-40,
141
os heróis da fé, “dos quais o mundo não era digno”(verso 38ª). Sem rodeios, Jesus
constatou a indisposição de seu povo de prestar contas a seu Deus, através do
tratamento que deram aos seus profetas que vieram em nome de Deus.
Para os ouvintes, até aqui era história, águas passadas, fatos conhecidos. Mas
Jesus continuou: (6) Faltava-lhe ainda um para enviar: seu filho amado. Por fim o
enviou, dizendo: ‘A meu filho respeitarão’. (7) “Mas os lavradores disseram uns aos
outros: ‘Este é o herdeiro. Venham, vamos matá-lo, e a herança será nossa’. Assim
eles o agarraram, o mataram e o lançaram para fora da vinha. “Todo o povo” ao
redor de Jesus, ouvindo-o atentamente, deve ter ficado escandalizado com o final
da história. “Faltava-lhe um...” Contra este último, na última tentativa de cobrança
da parte do dono, os lavradores conspiraram maldosamente, premeditadamente.
Na sua parábola, Jesus os acusou da intenção de apossar-se da vinha e querer
assumir papel do dono. Não se limitava a um plano somente; Jesus já apresenta a
eliminação deste “último” como fato consumado. Não fica difícil imaginar que o
auditório tenha entendido perfeitamente a situação. Nas dependências do Templo,
no âmbito de autoridade exclusiva da liderança religiosa, Jesus estava provocando
esta autoridade com a alusão de intensões sinistras contra este “último enviado de
Deus”. Não ficava difícil entender que Jesus se identificava com este “único filho”
enviado. Observe, que o filho foi morto dentro da vinha (Jerusalém) e depois jogado
fora. Mateus, que escreveu mais tarde, “adaptou” a parábola à história. Jesus foi
morto “fora da cidade Santa”. Assim, em Mateus (e Lucas), o filho foi lançado fora
da vinha e morto alí (Mat.21.39/Lucas 20.15). Essas as pequenas “adaptações” dos
Evangelistas são os primeiros sinais “apologéticos”.
(9) O que fará então o dono da vinha? A reação dos ouvintes foi imediata.
Segundo Mateus, foi o auditório que respondeu. Marcos coloca a sentença na boca
de Jesus. Seja quem for que a proferiu, a opinião era unânime: Virá e matará
aqueles lavradores e dará a vinha a outros! Em outras palavras, o triunfo final será
do dono da vinha e não dos lavradores maus. E para que seus ouvintes
entendessem que esta afirmação não se limitava a uma mera esperança, mas sim a
um fato, Jesus cita outra palavra profética. As Escrituras já anunciaram que, através
de uma rejeição viria o fundamento de algo novo e maravilhoso. No Salmo 118.22,23
(na Bíblia católica Salmo 117.22,23), o salmista exalta o poder, o amor e a sabedoria
de Deus. Os construtores, aqueles aos quais Deus confiou o Seu plano, isto é, seu
próprio povo, rejeitaria a pedra principal, mas Deus transformou essa pedra rejeitada
pelo Seu povo em “pedra principal”.
(10) Vocês nunca leram esta passagem das Escrituras? ‘A pedra que os
construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; (11) isso vem do Senhor, e é algo
maravilhoso para nós’ ”. De onde vinha a convicção firme de Jesus na sua missão?
Ele conheceu as palavras do grande profeta Isaías. Nessas palavras Jesus se via
representado; Ele sabia que, apesar de toda a oposição da parte das autoridades
de Israel, o Pai havia confiado a Ele a reconciliação não somente desse povo difícil,
mas até dos gentios (dos “não judeus”). Leiamos algumas citações do profeta,
palavras que Jesus tinha em mente, quando fez a declaração de que “vinha do
Senhor algo maravilhoso”.
142
“Antes de eu nascer, o Senhor me chamou;; desde meu nascimento Ele fez
menção de meu nome. Ele fez de minha boca uma espada afiada, na sombra de
Sua mão Ele me escondeu;; ... Ele me disse ‘você é meu servo, Israel, em que
mostrarei o meu esplendor’. Mas eu disse: ’Tenho me afadigado sem qualquer
propósito;; tenho gastado minha força em vão e para nada’. Contudo, o que me é
devido está na mão do Senhor, e a minha recompensa está com o meu Deus. E
agora o Senhor diz, aquele que me formou no ventre para ser o Seu servo, para
trazer de volta Jacó e reunir Israel a Ele mesmo, pois sou honrado aos olhos do
Senhor, e o meu Deus tem sido a minha força; Ele diz: ‘ para você é coisa pequena
demais ser Meu servo para restaurar as tribos de Jacó e trazer de volta aqueles de
Israel que Eu guardei. Também farei de você uma luz para os gentios, para que você
leve a Minha salvação até aos confins da terra’” (Is. 49.2-6).
Por trás de toda a oposição, Jesus viu o plano de Deus. Ele sabia que fora Ele o
escolhido. Deus já lhe havia dito, qual seria seu caminho e que este implicaria em
sofrimento (leia Isaías cap. 50.4-9).
(12) Então começaram a procurar um meio de prendê-lo, pois perceberam
que era contra eles que ele havia contado aquela parábola. Mas tinham medo da
multidão; por isso o deixaram e foram embora. O auditório de Jesus era enorme.
Entre os muitos peregrinos atentos às palavras de Jesus havia também oficiais do
Templo. A acusação contra eles, claramente enunciada na parábola, os deixara
enfurecidos. A eles, Deus havia confiado a tarefa de zelar pelo povo; como esse
pseudo-profeta ousava acusá-los e até anunciar que Deus lhes tiraria “a vinha” e a
daria a outros? Essas pregações não podiam continuar; a intervenção das
autoridades judaicas contra Jesus se tornou indispensável. No presente momento,
porém, a multidão entusiasmada ao redor dEle não permitia qualquer ação
punitiva.
O Evangelho de Marcos – cap.12.13-17 (NVI)
(12.13) Mais tarde enviaram a Jesus alguns dos fariseus e herodianos para o apanharem em
alguma coisa que ele dissesse. (14) Estes se aproximaram dele e disseram: “Mestre, sabemos que
és integro e que não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes a aparência dos
homens, mas ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. É certo pagar imposto a César ou
não? (15) Devemos pagar ou não?” Mas Jesus, percebendo a hipocrisia deles, perguntou: “Por que
vocês estão me pondo à prova? Tragam-me um denário para que eu o veja.” (16) Eles lhe
trouxeram a moeda, e ele lhes perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?” “De César”,
responderam eles. (17) Então Jesus lhes disse: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus”. E ficaram admirados com ele.
A semana da Páscoa era um período durante o qual o entusiasmo político no
subjugado povo judeu era muito evidente. A festa lembrava a libertação do Egito
e o povo estava dominado pelos romanos; qualquer aclamação de um herói
judeu facilmente acabaria em uma revolta, dando às forças de ocupação, razão
para violência. Era interesse inerente às autoridades do Templo, evitar qualquer
tumulto e, para isso, as atividades do pregador da Galiléia precisavam ser
cortadas, porém de maneira sutil para não aborrecer as multidões que gostavam
de ouvi-lo. Nas dependências do Santuário, a “Polícia do Templo”, a única força
armada judaica oficialmente tolerada, era responsável pela ordem. Cabia a ela
143
prender eventuais desordeiros. Se Jesus fosse apanhado em desobediência à
autoridade do Templo, seria possível prendê-lo com o apoio da lei. Do outro lado,
se Ele caísse numa emboscada em que provocasse instigar o povo à
desobediência perante a autoridade romana, também haveria como denunciálo e livrar-se dEle. As forças romanas, então, se ocupariam do suposto “rebelde”.
Assim, uma comissão formada de dois grupos distintos se apresentou a Jesus,
procurando apanhá-lo numa palavra errada. (13) Mais tarde enviaram a Jesus
alguns dos fariseus e herodianos para o apanharem em alguma coisa que ele
dissesse. Os fariseus, como sabemos, gozavam de simpatia popular porque eram
verdadeiros judeus, patriotas, não dados a aspirações de riqueza mundana,
conhecedores e intérpretes da lei, sempre agindo de acordo com o interesse do
povo judeu. Eles odiavam os romanos e não sendo políticos, dificilmente algum
deles entraria em acordo com os interesses dos ocupantes. Zelavam pelo
cumprimento da Lei de Deus e em questão de sua interpretação já haviam
travado vários confrontos com Jesus. Se Jesus pecasse contra a lei, seriam eles
que O apanhariam na falta. Junto com esses especialistas da lei vieram alguns
herodianos. O “rei fantoche”, Herodes, por tradição, apreciava as artes, o esporte
e a filosofia pagã. Como autoridade local, responsável também pela Galiléia e
tendo sido imposto pelos romanos, a estes devia obediência. Junto com os
fariseus vieram alguns adeptos do rei. Se Jesus revelasse alguma intenção contra
as autoridades romanas, seriam eles quem O pegariam. Na presença dos fariseus,
conhecidos como “anti-romanos”, eles julgariam ser fácil apanhar alguém em
palavra de desobediência política.
(14) Estes se aproximaram dele e disseram: “Mestre, sabemos que és integro e
que não te deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes a aparência
dos homens, mas ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. Não sabemos
até que ponto os elogios pronunciados pelos fariseus eram sinceros. Sabemos que
alguns deles tinham Jesus em alta estima por causa de Sua sabedoria. Quando
eles declararam que Jesus ensinava “o caminho de Deus”, eles Lhe atestaram que
instruía de maneira clara, ensinava bem a maneira pela qual Deus queria que o
povo pensasse e vivesse. Não havia como duvidar da religiosidade de Jesus e seu
respeito ante a lei.
De repente, alguém do grupo apresentou uma pergunta explosiva a Jesus: É
certo pagar imposto a César ou não? (15) Devemos pagar ou não?” Só podemos
entender a dinamite contida nesta pergunta se soubermos algo sobre o histórico
deste imposto. O texto original da pergunta, em grego, diz: “...é ‘permitido’
pagar...”, isto é, permitido pela Lei de Deus? A lei de Deus aprovaria esse tributo?
Essa era uma pergunta que fervilhava nos corações revoltados por ocasião da
Páscoa, época em que qualquer judeu sentia profundamente o peso da
inquisição romana. Ela pode ter levado os fariseus a consultar seriamente a Jesus,
mas a presença dos herodianos representava perigo. Poucos anos atrás, um tal
de “Judas Galileu” havia conclamado o povo à resistência contra os romanos,
declarando ser traição a Deus pagar tributo a senhores pagãos, que se faziam
deuses. A rebelião foi debelada cruelmente. Para então demonstrar seu desprezo
144
para com a “plebe supersticiosa judia”, Pilatos, o governador romano, havia
instaurado um tributo pagável diretamente ao odiado imperador em Roma. Para
ferir o judeu em sua religiosidade, mandou imprimir na moeda com a qual se
pagava esse tributo (“tributum capitis”), a imagem do imperador, fato esse que
vinha diretamente de encontro com o segundo mandamento de Deus. No verso
da moeda constava “TIBÉRIO CÉSAR AUGUSTO – FILHO DO DIVINO AUGUSTO,
SUMO-SACERDOTE”. A moeda era facilmente interpretada como uma blasfêmia
por qualquer bom judeu. Dos últimos sessenta e dois levantes dos judeus contra os
ocupadores gregos e romanos, entre Macabeus e Bar-Kochba (123 d.C.), todos
menos um deles começaram na Galiléia e com a negação desse tributo (cit.
Pinchas Lapide).
A cilada perante a qual Jesus se via, era quase perfeita: se Ele concordasse
com o pagamento, seria tido por todos os peregrinos presentes, sedentos de
liberdade, como covarde e traidor dos judeus; mas negando-o, perante os
ouvidos atentos dos herodianos seria desmascarado como rebelde político,
imediatamente preso por incitação ao povo.
Mas Jesus, percebendo a hipocrisia deles, perguntou: “Por que vocês estão
me pondo à prova? Tragam-me um denário para que eu o veja.” Fica evidente
que Jesus não possuía esta moeda, o “denário tiberiano”. O Talmude menciona
um tal Rabi Menachem Bem Simai, “filho dos Santos”, porque este nunca na sua
vida havia olhado para essa moeda, pois ela feria o segundo mandamento de
Deus: a proibição de fazer imagens. O mestre da Galiléia tampouco possuía essa
moeda, portanto, mandou que lha apresentassem.
(16) Eles lhe trouxeram a moeda, e ele lhes perguntou: “De quem é esta
imagem e esta inscrição?” A palavra chave é “imagem”, a mesma contida no
segundo mandamento de Deus: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma
imagem de qualquer coisa no céu, na terra ou nas águas debaixo da terra” (Ex.
20.4). A palavra “imagem” também lembra Gênesis 1.27: “Criou Deus o homem à
Sua imagem, à imagem de Deus o criou”. Jesus forçou a resposta de seus
interpeladores: “De César“, responderam eles. Eles tinham a moeda do odiado
tributo em seus bolsos e perguntavam se era “permitido” pagar o tributo!? Quanta
falsidade! (17) Então Jesus lhes disse: “Dêem a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus”. O original grego diz explicitamente “devolvam” no lugar do
“dêem” da nossa tradução. Vocês usam a moeda do imperador e não
consideram isso pecado? Mas pagar o tributo seria pecado? Então, primeiro
devolvam ao imperador o que é dele! Devolvam ao imperador seu dinheiro
amaldiçoado! Só devolvendo, ficarão puros. Só então poderão dar a Deus o que
é dEle, isto é: tudo! A moeda com a imagem do imperador devemos a este; mas
a nós mesmos, feitos à imagem de Deus, devemos a Deus e a Ele somente.
Muitos desentendimentos e trágicas implicações históricas vieram da forma
com que as palavras de Jesus foram entendidas na interpretação grega. O
pensamento hebraico era totalmente oposto. Entrou na história da Igreja a
trágica interpretação ocidental. Lutero, por exemplo, viu na resposta de Jesus a
sua “teologia dos dois reinos” confirmada. Dois Reinos que não se misturam. O de
Deus e o do governo. Para ele, devíamos obediência aos dois.
145
Do outro lado, o papa Bonifácio VIII usou no ano 1308, na bula papal “Unam
Sanctam” a argumentação de Jesus para exigir obediência ao Reino terreno da
Igreja. Nenhuma das duas grandes figuras da história cristã perguntou por que
Jesus, como bom judeu, podia na sua resposta mencionar primeiro os direitos de
César e só então falar dos direitos de Deus! Era algo inconcebível para um judeu!
E mais: ninguém havia perguntado a Jesus sobre o que é devido a Deus; a
pergunta limitava-se à obrigação para com o Imperador. Aos que interpelaram
Jesus interessava a questão do poder. Jesus, no entanto respondeu quanto à
obediência. Ele mesmo havia declarado em outro lugar que “ninguém pode servir
a dois Senhores” (Mateus 6.24).
“Tudo vem de ti, e nós apenas te devemos o que vem de tuas mãos” (2
Crônicas 29.14b). E ficaram admirados com ele. De uma aparente pergunta séria
quanto a limites de poder, escondendo uma cilada perigosa, Jesus havia
retornado à base de tudo, assim como Ele fez quando O perguntaram sobre o
direito mosaico de divorciar-se. Tudo devemos a Deus e somente podemos darnos a Ele se antes devolvermos a César o que é de César.
Há algo que é “de César” e que impede você de seguir a Jesus? Devolva-o!
Você foi feito à imagem de Deus, você não deve ser devedor de outro!
O Evangelho de Marcos – cap.12.18-27(NVI)
(18) Depois os saduceus, que dizem que não há ressurreição, aproximaram-se dele com a seguinte
questão: (19) “Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se um homem morrer e deixar mulher sem filhos,
seu irmão deveria casar-se com a viúva e ter filhos para seu irmão. (20) Havia sete irmãos. O primeiro
casou-se e morreu sem deixar filhos. (20) O segundo casou-se com a viúva, mas também morreu sem
deixar filhos. O mesmo aconteceu com o terceiro. (21) Nenhum dos sete deixou filhos. Finalmente
morreu também a mulher. (23) Na ressurreição, de quem ela será esposa, vistos que os sete foram
casados com ela?” (24) Jesus respondeu: “Vocês estão enganados! Pois não conhecem as E scrituras
nem o poder de Deus! (25) Quando os mortos ressuscitam, não se casam nem são dados em
casamento, mas são como os anjos dos céus. (26) Quanto à ressurreição dos mortos, vocês não
leram nos livros de Moisés, no relato da sarça, como Deus lhe disse: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus
de Isaque e o Deus de Jacó’? (27) Ele não é Deus de mortos, mas de vivos. Vocês estão muito
enganados”
Os saduceus, ao contrário dos fariseus, pertenciam a aristocracia
judaica. De entre eles, o “Sumo-Sacerdote” era escolhido, símbolo do orgulho
nacional e guardião da “superioridade religiosa judaica” perante o povo. Os
saduceus geralmente eram ricos, politicamente ativos, mas quanto à religião, eram
conservadores. Rejeitaram as extravagâncias e complicações da Lei oral e as
discussões sem fim dos fariseus. Com sua adesão estrita à Lei escrita, melhor, ao
Pentateuco (os cinco livros de Moisés), eles tinham os demais livros proféticos como
apêndice somente e desprezavam as intermináveis brigas dos fariseus, que
raramente chegaram a um comum acordo quanto à interpretação de textos. Eles
bem sabiam que a simpatia do povo estava com os fariseus e não com eles, pois os
146
fariseus eram pobres e visivelmente ocupados com vida piedosa, acreditando
piamente em um mundo futuro melhor e num Deus que recompensaria todos os
homens bons e justos pela miséria sofrida na terra. Como os saduceus pertenciam à
aristocracia e eram adeptos aos valores do mundo - o que fez com que o povo os
visse com um certo receio - eles procuravam no Sinédrio (na corte religiosa) o bom
entendimento com a maioria farisaica. Josefo, historiador judeu, lembrou que “os
principais sacerdotes e anciãos eram geralmente saduceus e que eles sempre
votaram com os fariseus, ‘porque o povo não queria que as coisas se passassem de
outra forma’”. Esta citação revela o peso da influência prática da opinião pública
sobre as decisões da corte religiosa judaica. Dos extensos discursos de Jesus nesses
seus últimos dias nos arredores do Templo, os Evangelhos somente registraram
algumas parábolas e tentativas de flagrante por parte das autoridades religiosas,
preocupadas com a crescente popularidade do Galileu. Após o fracasso dos
fariseus e herodianos em tentar pegar Jesus com uma palavra que lhes servisse
como justificação de prisão (estudo anterior),um grupo de saduceus se aproximou;
desta vez não apresentando um dilema moral e religioso, como foi o caso dos
fariseus, mas com a tentativa de ridicularizar a firme convicção de fé demonstrada
por Jesus nas suas pregações.
(18) Depois os saduceus, que dizem que não há ressurreição,
aproximaram-se dele com a seguinte questão: (19) “Mestre, Moisés nos deixou
escrito que, se um homem morrer e deixar mulher sem filhos, seu irmão deveria
casar-se com a viúva e ter filhos para seu irmão. A “lei do levirato” (Deut.25.7-10) foi
dada por Moisés com a finalidade de preservar a linha de descendência de cada
homem judeu. Não sabemos até que ponto a observância dessa lei era praticada
nos dias de Jesus. De acordo com essa lei, se uma esposa perde seu marido antes
de qualquer criança de sexo masculino ter nascido, o irmão do falecido marido
deve se casar com a viúva e a primeira criança que nasça desse novo casamento
deve ser considerada filha(o) do falecido. Dessa maneira, a linha de descendência
dele não desaparecerá. Em uma comunidade onde filhos eram vistos como sinal de
favor Divino e a ausência deles como castigo Divino, essa era uma questão
importante. Munidos com essa lei, o grupo apresentou uma história fictícia com a
finalidade de mostrar a Jesus o absurdo da crença na ressurreição dos mortos:
(20) Havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem deixar filhos.
(20) O segundo casou-se com a viúva, mas também morreu sem deixar filhos. O
mesmo aconteceu com o terceiro. (21) Nenhum dos sete deixou filhos. Finalmente
morreu também a mulher. (23) Na ressurreição, de quem ela será esposa, vistos que
os sete foram casados com ela?” Dois maridos já teriam sido suficientes para provar
seu ponto de vista, mas os saduceus levaram a história ao ridículo, ao absurdo. Se
houvesse ressurreição, assim os saduceus parecem ter argumentado, a mulher
“assassina” teria então sete maridos e de qual seria considerada esposa? Parece
que eles estavam projetando as condições humanas e suas tradições para uma
futura eternidade. (24) Jesus respondeu: “Vocês estão enganados! Pois não
conhecem as Escrituras nem o poder de Deus! Era dura a repreensão passada aos
mestres da lei. A lei que eles invocaram não diz respeito ao futuro. Era mera ordem
social, introduzida por causa da necessidade de procriação. A falta de sinceridade
147
ou então de discernimento do grupo, era evidente. Se de um lado aplicava
erroneamente regras culturais e sociais à eternidade com Deus, quanto ao mais,
nada sabiam do poder de Deus, duvidando “a priori” dessa possibilidade. Por que
razão alguém deveria desaparecer da presença de Deus somente porque morre?
(25) Quando os mortos ressuscitam, não se casam nem são dados em casamento,
mas são como os anjos dos céus.
Estas palavras não têm nada a ver com a lenda de que nós, uma
vez mortos, seríamos transformados em anjos. O que Jesus disse, se referiu à
condição específica como não-carnais. Assim como os anjos “não têm sexo”, as
pessoas quando morrem, estão saindo da condição de seres obrigados a se
reproduzirem. Esta própria existência além túmulo é que os saduceus negaram. (26)
Quanto à ressurreição dos mortos, vocês não leram nos livros de Moisés, no relato da
sarça, como Deus lhe disse: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de
Jacó’? Em Êxodo 6.1-6 Deus apareceu a Moisés numa sarça (arbusto) ardente, que
não se consumia no fogo. Como os saduceus alegam levar muito a sério os cinco
livros de Moisés, deveriam saber que o Deus imutável e eterno, sempre presente,
falou no “tempo presente”. Ele não “era” o Deus dos patriarcas, mas ainda o é. Com
isso, eles continuam na presença de Deus, vivos, em corpo. Enquanto a concepção
grega (e romana) via o corpo meramente como uma prisão para a alma imortal, a
concepção hebraica e bíblica era e continua sendo diferente. Nela, Deus trata com
o ser humano como um todo. Não somente a alma é que Ele salva. Jesus prometeu
aos discípulos serem “pescadores de pessoas” e não “de almas”. O nosso corpo é
santuário do Espírito Santo - ou não- (1.Cor.6.19,20), não a alma. O nosso corpo é
“para o Senhor e o Senhor é para o corpo” (1 Cor.6.13). Deus nos vê, como a
medicina moderna o faz, como uma unidade inseparável e assim, inseparável,
seremos perante Deus. O cristão não crê na imortalidade da alma, um conceito
pagão, pernicioso, que entrou devagarinho na Igreja cristã e nas mentes dos
cristãos, deixando de lado o que a Bíblia e principalmente o Novo Testamento dizem
a respeito da ressurreição do corpo (leia o capítulo 15 da primeira carta de Paulo
aos Coríntios).
(27) Ele (Deus) não é Deus de mortos, mas de vivos. Vocês estão
muito enganados”. Como os mestres da lei, hoje muitos “mestres de teologia”, sem
conhecimento das Escrituras e sem conhecimento do poder de Deus, não sabem
mais quais são as verdades básicas da fé cristã. Passam para filosofias e
especulações neo-pagãs em busca de projeções para conquistar “almas”
obedientes, fáceis de manipular em benefício próprio ou “da igreja”.
“Deus é Deus de vivos.”
“Assim será com a ressurreição dos mortos. O corpo que é semeado
é perecível e ressuscita imperecível; é semeado em desonra e ressuscita em glória; é
semeado em fraqueza e ressuscita em poder; é semeado um corpo natural e
ressuscita um corpo espiritual. Se há corpo natural, também há corpo espiritual...
assim como tivemos a imagem do homem terreno, teremos também a imagem do
homem celestial... pois é necessário que aquilo que é corruptível, se revista de
incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, de imortalidade, e então se cumprirá a
148
palavra que está escrita: “A morte foi destruída pela vitória”(1.Cor 15.42-44, 49, 5354).
Você conhece esta esperança?
O Evangelho de Marcos – cap.12.28-34 (NVI)
(28) Um dos mestres da lei aproximou-se e os ouviu discutindo. Notando que Jesus lhes dera uma boa
resposta, perguntou-lhe: “De todos os mandamentos, qual é o mais importante?” (29) Respondeu
Jesus: “O mais importante é este: “Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor.
(30) Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu
entendimento e de todas as suas forças. (31) O segundo é este: ‘Ame o seu próximo como a si
mesmo’. Não existe mandamento maior do que estes”. (32) “Muito bem, mestre”, disse o homem.
“Estás certo ao dizeres que Deus é o único e que não existe outro além dele. (33) Amá-lo de todo o
coração e de todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos
os sacrifícios e ofertas”. (34) Vendo que ele havia respondido sabiamente, Jesus lhe disse: “Você não
está longe do Reino de Deus”. Daí por diante ninguém mais ousava lhe fazer perguntas.
As discussões diárias de Jesus no Templo não somente atraíram
muitos peregrinos, elas também foram seguidas atentamente pelos religiosos,
divididos entre si quanto à avaliação da pessoa do Galileu. Havia questões nas quais
Jesus era solidário com alguns dos fariseus, e outras em que discordava deles. Havia
uma certa “simpatia” com Jesus quanto ao seu amor e respeito à lei religiosa,
embora nem sempre concordassem com Ele quanto à sua aplicação no dia-a-dia.
Em certa ocasião, os fariseus até salvaram a vida de Jesus, quando o alertaram a
respeito de Herodes, que estava procurando prendê-lo (Lucas 13.31). Foi a ousadia
de Jesus em ensinar “com autoridade”, sem que houvesse sido ordenado para isso,
que revoltou os religiosos. No estudo anterior vimos como Jesus havia silenciado a
boca dos saduceus, rivais dos fariseus. Embora não desejassem que a influência dEle
continuasse crescendo, a vitória de Jesus naquela discussão agradou aos fariseus,
pois como o próprio Jesus, eles criam na ressurreição. Neste contexto, um dentre os
fariseus, que havia ouvido as palavras sábias de Jesus, considerando-as muito boas,
aproximou-se dEle. (28) Um dos mestres da lei aproximou-se e os ouviu discutindo.
Notando que Jesus lhes dera uma boa resposta, perguntou-lhe: “De todos os
mandamentos, qual é o mais importante?” Os rabinos (na sua grande maioria
fariseus) costumavam envolver-se em longos debates sobre os mandamentos de
Deus, discutindo se um deles, em especial, era grande ou pequeno, pesado ou leve,
mais ou menos importante de que outro. Afinal havia, de acordo com a sua própria
interpretação, nada menos que 248 mandamentos positivos (o que Deus “disse” que
era para fazer) e 365 negativos (o que Deus proibiu fazer). Havia tendências
contrárias entre eles. Os achados nas cavernas de Qumran (anos 1947 – 1952), nos
permitem ter um melhor conhecimento das muitas correntes divergentes quanto à
aplicação da Lei de Deus no tempo de Jesus. Vários rabinos haviam tentado resumir
a lei em alguns poucos preceitos, sem muito êxito.
Religião é, acima de tudo, uma questão de seleção de prioridades
corretas. Sem isso, ela degenera para um amontoado de preceitos, onde os de
maior importância se confundem com questões secundárias. Algum tempo atrás,
149
Jesus havia censurado alguns dos fariseus quando lhes apontou sua obsessão em
oferecer a Deus o dízimo até de temperos de cozinha, negligenciado ao mesmo
tempo a prática de misericórdia e justiça (Mateus 23.23). Isso era confundir
prioridades!
Respondeu Jesus: “O mais importante é este: “Ouve, ó Israel, o
Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor. (30) Ame o Senhor, o seu Deus, de
todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as
suas forças. (31) O segundo é este: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. Não
existe mandamento maior do que estes”. No hebraico, a primeira palavra da
expressão “Ouve, ó Israel...” é “shema”, cujo significado é “ouça”. O culto na
sinagoga, ainda hoje, começa com o “shema”: Ouça! Nas casas de judeus, ainda
hoje, há um pergaminho, posto dentro de uma cápsula, preso à parte superior da
coluna direita da porta de casa (ou apartamento). Neste pergaminho, chamado
“mezuzah”, está escrita toda a “shema”, de sua forma mais longa, em 22 linhas
conforme regras bem estabelecidas: “Ouve ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, ...”.
Trata-se do próprio fundamento do monoteísmo, do conceito de um único Deus.
Nesta declaração está contida toda a Lei de Deus.
O “amor a Deus e ao seu próximo” não se limita a sentimentos. Jesus
declarou que este constituía-se de três níveis, abrangendo toda a pessoa na sua
unidade perante Deus. Com “coração” está resumido a totalidade da pessoa: suas
ações, pensamentos e sensações. Hoje podemos distinguir bem as três áreas em que
o amor deve-se manifestar: a alma é sinônimo da vida sentimental (as emoções
devem estar envolvidas quando amamos a Deus); entendimento vemos como
intelecto: com todas as forças da nossa razão devemos amar a Deus e forças
finalmente representa o nível de nossas ações. O nosso comportamento deve
espelhar o nosso amor para com Deus, na forma de obediência à Sua Palavra .
Amor a Deus e ao próximo não se limita a sentimentos, ele envolve e compromete a
pessoa inteira: intelectualmente, emocionalmente e no nível comportamental. Será
que verdadeiramente amamos a Deus e ao nosso próximo?
(32) “Muito bem, mestre”, disse o homem. “Estás certo ao dizeres que
Ele é o único e que não existe outro além dele. (33) Amá-lo de todo o coração e de
todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que
todos os sacrifícios e ofertas”. É com grande satisfação que o especialista da lei
aprovou a resposta de Jesus, chamando-O de “Mestre”. Ele foi honesto o suficiente
para expressar sua profunda impressão. Não ousou pronunciar o nome sagrado de
“Deus”, a quem somente se referiu na terceira pessoa (Ele) e revelou grande
entendimento, quando concluiu que esse amor excede a todos os sacrifícios e
ofertas. Este homem, embora membro da casta religiosa, comprometida com a
prática e necessidade de sacrifícios segundo a lei, havia compreendido que a
verdadeira adoração se revela em obediência, fruto do amor para com Deus.
Não compramos o favor de Deus com os nossos dízimos e rezas. Este
pensamento não era estranho aos profetas do Antigo Testamento: “Acaso tem o
Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à Sua
150
Palavra?” (1.Sam.15.12) e: “Pois desejo misericórdia e não sacrifícios; conhecimento
de Deus em vez de holocaustos” (Oséias 6.6). Veja também Miquéias 6.6-8; Isaías
1.10-17; Salmos 40.6,7 e 51.16,17.
(34) Vendo que ele havia respondido sabiamente, Jesus lhe disse:
“Você não está longe do Reino de Deus”. Quando Jesus viu que o homem havia
respondido sabiamente e com entendimento, Ele o encorajou. Enquanto milhares
do outros rabinos estavam envolvidos com trivialidades legais, este homem havia
captado a substância da lei de Deus. A resposta “você não está longe” não quer
dizer, como alguns defendem, que a este homem ainda faltava alguma coisa, por
não estar já “dentro” do Reino. Não, Jesus o convidou a entrar, a continuar nesta
direção. Quando o Reino se manifestar, este homem o reconhecerá imediatamente.
A muitos Jesus havia encorajado durante seu ministério, conforme o profeta Isaías
previu, quando descreveu o futuro “Servo do Senhor” : “...(Ele) não quebrará o
caniço rachado, e não apagará o pavio fumegante” (Is.42.3) Isso quer dizer: Jesus
não despreza o fraco, quando este mostra sinais de vida, de sede e de fome de
Deus.
Saiba que Ele também chama a você, leitor, e o aceita, mesmo
“rachado” como a imagem da “cana (ou vara) rachada” na citação de Isaías.
Daí por diante ninguém mais ousava lhe fazer perguntas. O
consentimento desse fariseu com Jesus parece ter tido conseqüências positivas. Daí
em diante, os religiosos O deixaram em paz, não O questionando mais em público.
Embora os “principais sacerdotes” (a cúpula) continuassem preocupados com Jesus,
esperando uma oportunidade para silenciá-lo de vez, o ambiente hostil nos
arredores do Templo onde Jesus ensinava havia lhe concedido uma breve trégua.
O Evangelho de Marcos – cap.12. 35-37 (NVI)
(35) Ensinando no Templo, Jesus perguntou: “Como os mestres da lei dizem que Cristo é filho de
Davi? (36) O próprio Davi, falando pelo Espírito Santo, disse: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à
minha direita até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés’ (37) O próprio Davi o chama de
‘Senhor’. Como pode, então, ser ele seu filho?” E a grande multidão o ouvia com prazer.
O grande profeta Isaías, 600 anos antes de Cristo, falou de um “rebento (broto)
de Jessé (pai de Davi), sobre o qual repousará o Espírito do Senhor” e em seguida
falou do julgamento com justiça (Is.11.2). Baseado nessa profecia e noutras mais, o
povo judeu sempre nutria a esperança de um Cristo (em hebraico: “Messias”),
biologicamente descendente do rei Davi.
Bartimeu, o cego de Jericó já havia clamado pelo “filho de Davi” e sem
saber, talvez invocado Jesus com seu título messiânico. A figura do “Filho de Davi”
como “Cristo” era esperada por muitos em Israel. Em achados nas cavernas de
Qumran, refúgio dos judeus durante a perseguição romana, encontravam-se
menções do “Messias da Justiça, rebento de Davi” (4 Q 285 Fragmento 7).
151
No texto de hoje em Marcos, Jesus questiona os mestres da lei quanto a essa
crença generalizada de um Cristo (Messias), descendente do rei Davi. Ensinando no
Templo, Jesus perguntou: “Como os mestres da lei dizem que Cristo é filho de Davi?
Pelo que nos parece, Jesus apontou para uma questão aparentemente sem
resposta. Veremos a argumentação de Jesus:
(36) O próprio Davi, falando pelo Espírito Santo, disse: ‘O Senhor disse ao meu Senhor:
Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos debaixo de teus pés’
Olhemos com cuidado o que Davi está dizendo: “O Senhor (Jeová) disse ‘ao meu
Senhor’ (Adonai)...” (Salmo 110.1) Pelo texto exposto, Davi está falando do ‘Senhor
dele’ quando se refere ao esperado Cristo. (37) O próprio Davi o chama de ‘Senhor’.
Como pode, então, ser ele seu filho?”
Eis a questão: como o Messias pode ser Senhor de Davi, sendo seu filho? O
próprio Davi o considera Senhor, não filho!
Marcos não nos revelou a solução do problema. Jesus tinha levado os
mestres da lei a um impasse. O Messias não podia ser meramente “filho de Davi”, se
Davi o chamou de “Senhor”. Segue-se que o verdadeiro “Cristo” (Messias) deveria
ser mais do que somente um descendente de Davi. Marcos relata que os mestres
da lei ficaram sem resposta e que o povo gostou. E a grande multidão o ouvia com
prazer.
É possível que a pergunta de Jesus tenha sido feita no meio de uma extensa
discussão sobre o assunto “Cristo”, isto é, a pessoa do esperado Messias. Os mestres
da lei deveriam ter argumentado que este seria um descendente de Davi, conforme
as Escrituras. Foi então que Jesus os questionou quanto a essa afirmação.
O Messias não é mero descendente da linhagem de Davi. Os mestres da lei
deveriam ter tido conhecimento disso. Com base em Números 24.17 (“...uma estrela
procederá de Jacó, e um cetro subirá de Israel...”) os essênios, um grupo
amplamente representado entre os fiéis esperavam duas figuras messiânicas. Nos
manuscritos achados em Qumran, foram encontradas referências a duas
personagens messiânicas, uma da linhagem de Davi e outra da linha de Arão, isto é:
sacerdotal. No texto com a numeração (11 Q Melch) encontramos a visão de
“Melquisedeque como Rei” junto ao “Anunciador do Evangelho”. Havia então a
compreensão de que junto com o Messias da linha davídica viria um representante
sacerdotal. Ao contrário de outros textos, em “11QMelch” não é Arão que
representa a linha sacerdotal, mas Melquisedeque.
A religiosidade dos essênios no tempo de Jesus, portanto, conhecia a
dimensão sacerdotal que o esperado Messias deveria evidenciar. Essa linhagem
sacerdotal, indispensável ao “Messias”, os mestres da lei ou desconheciam ou
negaram a Jesus. Assim, quando Jesus lhes demonstrou que o “Filho de Davi” das
Escrituras deveria ser mais do que meramente no sentido de seu descendente, nada
lhe souberam responder.
152
Jesus é nosso sacerdote. Sem Ele, não temos acesso a Deus. Se limitarmos
Jesus à sua linhagem humana, nunca O reconheceremos como “Deus conosco”.
Nunca será Salvador, mas “um bom homem” somente, alguém que nos apresenta
um padrão tão elevado que nunca alcançaremos.
A Epístola aos Hebreus (Novo Testamento) nos revela a visão dos apóstolos. O
escritor da Epístola apresenta-nos Jesus como “sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque”, sacerdócio sem início, sem fim. Segundo a visão de Hebreus, Jesus,
descendente de Davi, representava as duas linhas em uma pessoa só: Filho de Davi
e Sacerdote.
O escritor de Hebreus começa seu esboço com as palavras: “Havendo Deus
antigamente falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a
nós falou nestes últimos dias pelo Filho” (Hebr. 1.1).
De muitas maneiras Deus havia falado, e muitas faíscas de luz já foram vistas
pelos “antigos”. Disto dão testemunho todos os profetas e os manuscritos de
Qumran, descobertos nos anos 1947-52. Havia uma ampla visão, embora
desconectada, “Daquele” que viria da parte de Deus. Hoje, Deus nos fala pelo Filho,
segundo a carne descendente de Davi, mas perante Deus sacerdote segundo a
ordem de Melquesideque, sacerdócio sem início e sem fim (Hebreus 5.1-10). Sem a
dimensão sacerdotal de Jesus, ele se torna um mero herói fracassado. Como nosso
sumo-sacerdote, Ele “pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, de uma
vez por todas, e obteve eterna redenção ...” (confira Hebr.9. 11-15).
Os mestres da lei não aceitaram ouvir Jesus sendo chamado de “Filho de
Davi”, pois a expressão lhes designava “O Cristo”. Jesus lhes havia demonstrado que
“O Filho de Davi” também era “o Senhor de Davi” e eles não souberam contestá-lo.
Eles bem entenderam que Jesus, de maneira sutil, advogava este título para si.
Ainda faltava a Jesus aquilo que O credenciaria como sacerdote:
o sacrifício.
O Evangelho de Marcos – cap.12. 38-40 (NVI)
(38) Ao ensinar, Jesus dizia: “Cuidado com os mestres da lei. Eles fazem questão de andar com
roupas especiais, de receber saudações nas praças (39) e de ocupar os lugares mais importantes nas
sinagogas e os lugares de honra nos banquetes. (40) Eles devoram as casas das viúvas, e, para
disfarçar, fazem longas orações. Esses receberão condenação mais severa!”
Como já vimos em outro estudo, Jesus não era inimigo declarado dos fariseus,
ou vice-versa. Pelo seu modo de vida, em muito Jesus se assemelhava a eles. No seu
ensino, Jesus era igual a eles, só que ensinava “sem autorização” e atraiu mais
pessoas do que eles. O “rei” Herodes, que ordenara a morte de João, temia que
153
Jesus, com sua vasta congregação, fosse ninguém mais que “João Batista ressurgido
dentre os mortos” (e que viera para se vingar) (Mateus 14.2) e, portanto, buscou
apoderar-se de Jesus. Este, ao ouvir a intenção de Herodes, “retirou-se num barco
para um lugar deserto” (Mateus 14.13). Vemos que foram os próprios fariseus, que
procuraram salvá-lo, avisando-o do perigo (Lucas 13.31). Também lemos em João
3.1-2, como um dos fariseus chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus, se
portara diante de Jesus, dirigindo-se a ele como “Rabi” (Mestre), procurando por
instrução. Não havia, portanto, uma inimizade generalizada entre Jesus e os fariseus.
Quando Jesus pregava para o povo, chamando-o de “geração perversa e
sem fé” (Mateus 17.17) ou em outro lugar de “geração adúltera e pecadora”
(Marcos 8.38), Ele não fez nenhuma distinção entre os cidadãos comuns e os
religiosos. Ele simplesmente incluía a todos. Nenhum profeta ou pregador, em
qualquer época, tem agido diferente. Sabemos que “os principais sacerdotes e
escribas” começaram ficar “indignados” com Jesus, quando viram as maravilhas
que Ele operava e os aplausos que havia recebido (Mateus 21.15). No entanto, ao
não fazer nas suas pregações nenhuma distinção entre os do povo e os fariseus,
mestres da lei, alguns deles, principalmente os da alta corte religiosa, cada vez mais
se aborreceram com o “pregador da Galiléia”.
No texto de Marcos 12.38-40, acima, temos um resumo do Evangelista. Não
sabemos por que Marcos o coloca a esta altura dos acontecimentos. Sim, a
situação nesses quatro dias de ensino público no Templo, rodeado de gente,
permitia a Jesus fazer uma distinção mais clara entre verdadeiros amigos de Deus e
fingidores. A muitos dos religiosos, Jesus taxava de meros hipócritas. No resumo de
Marcos tomamos conhecimento das acusações, com as quais Jesus procurava
alertar o povo contra a hipocrisia dos mestres da lei.
(38) Ao ensinar, Jesus dizia: “Cuidado com os mestres da lei. Cuidado com “os
profissionais da fé”! Eles fazem da prática da piedade uma arte e fica difícil discernir
entre o verdadeiro e o falso. O nosso ditado “faça o que eu digo, mas não faça o
que eu faço” é próprio do julgamento que, às vezes, fazemos de quem fala bonito
mas não pratica o que prega. No nosso caso, vemos Jesus enumerar as práticas
com as quais esses “profissionais da fé” procuravam impressionar o povo comum:
Eles fazem questão de andar com roupas especiais, de receber saudações nas
praças (39) e de ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas e os lugares de
honra nos banquetes. É impressionante percebermos como nada mudou desde os
tempos de Jesus: Os “profissionais da fé” usavam roupas especiais, como hoje. Eles
gostavam de receber saudações públicas nas praças, o que corresponde à
exposição deles na mídia nos dias de hoje. Nas aparições públicas gostavam de
estar nos lugares mais importantes e, nos banquetes, nos lugares de honra. Alguma
coisa mudou? O lema de Jesus tinha sido “Não será assim entre vocês. Ao contrário,
quem quiser tornar-se importante entre vocês, deverá ser servo” (Marcos 10.43).
Enquanto Jesus procurava colocar na mente de seus discípulos regras totalmente
inversas, aqueles aos quais a história e o poder tinham delegado a tarefa de
representar a fé, ansiavam por grandeza e honra. Não havia e não há nada de
errado com alguém no lugar de honra, pessoas saudadas nas praças, vestidas com
as melhores roupas, mas esse não é o papel dos representantes de Deus!
154
Jesus apontou para o paradoxo da ostentação pública: (40) Eles devoram as
casas das viúvas, e, para disfarçar, fazem longas orações. De nada menos do que
de roubo, simulação e disfarce é que Jesus acusou aos religiosos. Viúvas eram, no
tempo de Jesus, as pessoas mais indefesas, ignoradas pela sociedade. Será que era
tão ruim assim? Todos os religiosos eram ladrões? Nas suas “Antiguidades”, o
historiador judeu Josefo, contemporâneo dos apóstolos, fala da corrupção reinante
entre sumo-sacerdotes e fariseus. “Os sumo-sacerdotes iam tão longe em seu
atrevimento que sequer hesitavam em enviar seus escravos às eiras e em fazê-los
recolher os dízimos devidos aos sacerdotes, com a conseqüência de que os
sacerdotes mais pobres morriam de fome”. O relato dessa corrupção na hierarquia
judaica consta da época dos apóstolos e não envolve diretamente os fariseus. Na
citação de Josefo, esses até aparecem como vítimas. No resumo de Marcos, Jesus
não se referiu à “corrupção geral” do clero. Ele apontou para o coração perverso
de “representantes de Deus”.
Não precisamos ir longe para entender o que, há dois mil anos, Jesus lhes
atribuía. As práticas das assim chamadas “Igrejas” e “Igrejinhas novas”, “Igrejas da
prosperidade”, “Igrejas da moda”, são as mesmas dos fariseus acima. As “longas
orações” servem para disfarce do roubo, do enriquecimento ilegal (do ponto de
vista de Deus) da parte desses “profissionais da fé”. Não que as igrejas tradicionais
estivessem isentas de culpa. Práticas de “simonia” (compra de cargos religiosos)
tornaram a Igreja rica durante séculos. Nos corações de alguns fariseus visados por
Jesus, a disposição para tanto já estava presente.
Esses receberão condenação mais severa!” O julgamento de um “profissional
da fé”, como os fariseus no nosso caso, será diferente do julgamento de um
ignorante. Aquele que sabe o que Deus espera dele será julgado de acordo com
aquilo que fingiu ser e não era. O pecador comum sabe que está em falta para
com Deus. Por isso o caminho para o perdão lhe será fácil: admitir a culpa e mudar.
O “profissional da fé” que ostenta e representa a Deus e nisso engana a si mesmo e
aos outros; ele que foi chamado para ensinar e não mais é digno disso, encontrará
um julgamento à altura, conforme as palavras de Jesus.
Não aponte para os outros! Pergunte-se a si mesmo, se a sua
“roupagem religiosa” é limpa ou se ela serve de disfarce. O disfarce pode servir à
sua própria religiosidade, à satisfação de suas próprias necessidades emocionais ou
para impressionar outros, não importa.
Ore comigo e com o salmista: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu
coração; prove-me, e conhece as minhas inquietações. Vê se em minha conduta
algo te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno” (Salmo 139.23,24).
Leia o salmo 139 inteiro como sua oração pessoal!
O Evangelho de Marcos – cap.12. 41-44 (NVI)
(41) Jesus sentou-se frente do lugar onde eram colocadas as contribuições, e observava a multidão
colocando o dinheiro nas caixas de ofertas. Muitos ricos lançavam ali grandes quantias. (42) Então,
155
uma viúva pobre chegou-se e colocou duas pequeninas moedas de cobre, de muito pouco valor.
(43) Chamando a si os seus discípulos, Jesus declarou: “Afirmo-vos que esta viúva pobre colocou na
caixa de ofertas mais do que todos os outros. (44) Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua
pobreza, deu tudo o que possuía para viver.”
Enquanto alguns comentaristas vêem no episódio acima uma parábola, a
grande maioria aceita o episódio acima como um momento real, vivenciado por
Jesus durante seus últimos dias de vida. No texto de hoje encontramos o último
“ensino” de Jesus registrado por Marcos. A partir do cap.13 Jesus falará como
profeta antes de, no cap.14, ser traído e entregue às autoridades para ser julgado e
executado.
(41) Jesus sentou-se frente do lugar onde eram colocadas as contribuições. O
complexo do Templo, de cujas edificações falaremos mais adiante, compreendeu
vários “Pátios”, ante-salas, salas e repartições. O primeiro estágio na região do
Templo, o assim chamado “Átrio dos gentios”, era um espaçoso pátio que
circundava o suntuoso Templo. Esse pátio era acessível até aos não-judeus. O seu
piso era de mármore da melhor qualidade. Apesar dos judeus e não-judeus (gentios)
serem igualmente bem-vindas nele, os gentios não tinham permissão de passar dele
para a parte mais íntima do Templo. Para que eles se lembrassem dessa restrição,
havia uma área menor, cercada por uma balaustrada de um metro e meio de
altura, na qual estava escrito, tanto em grego, quanto em latim, o seguinte aviso:
“Que nenhum homem de outra nação entre para dentro do alambrado ao redor do
Templo. Quem for pego será responsável por sua própria morte”.
Uma parte dessa placa foi encontrada e está exposta num museu em Istambul, Turquia (veja
figura pág. 158). Para os interessados, uma dica: Vejam em Atos 21.27-32: a prisão do Apóstolo Paulo
aconteceu porque alguns judeus achavam que ele, com seu companheiro não judeu, teria
ultrapassado este limite.
No meio desse pátio extenso se situava o Templo propriamente dito, cuja
entrada principal se chamava “Porta Formosa”. Por ela se chagava ao “Pátio das
Mulheres”. Tanto homens quanto mulheres eram permitidos ali. Assim como “o Pátio
dos Gentios” indicava que os mesmos não podiam ir além daquela área, o “Pátio
das Mulheres” estabeleceu o limite máximo permitido para as pessoas do sexo
feminino. Ele era equipado com grandes câmaras e dava acesso aos cofres do
tesouro. Junto à parede havia treze cofres em forma de trombeta para ofertas e
tributos. Os israelitas do sexo masculino tinham permissão para penetrar um pouco
mais, até uma área chamada “Pátio de Israel”, que era relativamente estreita. Mais
adentro encontravam-se a parte íntima do santuário, onde os sacrifícios eram feitos
e, mais adentro, o Lugar Santo e o Santo dos Santos, onde o sumo-sacerdote
entrava somente uma vez por ano.
Voltemos ao “Pátio das Mulheres”. As treze urnas (ou “gazofilácios”) destinadas
a receber ofertas e donativos, junto às paredes, tinham a forma de trombetas e
eram marcadas, cada uma, com uma letra do alfabeto hebraico, para que o povo
soubesse o propósito distinto para o qual aquele dinheiro seria usado: para o tributo
do Templo, sacrifícios, incensos, madeira ou qualquer outra coisa.
Pode ser que Jesus estivesse sentado perto da porta do pátio, nas
proximidades da “Porta Formosa”, observando entre outras coisas o movimento nos
156
vários ofertórios. Da “Porta Formosa” era possível avistar várias urnas ao mesmo
tempo. O Evangelista diz que Jesus: observava a multidão colocando o dinheiro nas
caixas de ofertas. Muitos ricos lançavam ali grandes quantias. O texto nos diz que
Jesus observava atentamente o povo que depositava alguma oferta nas urnas.
Várias personagens ricas depositavam grandes quantias e, como sabemos, de um
modo que chamava a atenção de todos. Jesus já havia condenado tal prática de
ostentação na filantropia, como sabemos por Mateus:
“Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros
para serem vistos por eles. Se fizerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do
Pai celestial. Portanto, quando você der esmola, não anuncie isso com trombetas,
como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados pelos
outros. Eu lhes garanto que eles já receberam a sua plena recompensa. Mas
quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a
direita, de forma que você preste a sua ajuda em segredo. E seu Pai, que vê o que é
feito em segredo, o recompensará” (Mateus 6.1-4)
Enquanto Jesus observava que personagens de destaque continuavam a
ofertar “mais para serem vistos pelos outros do que para Deus”, seguramente se
entristecendo profundamente com essa prática, repentinamente alguém prendeu a
atenção dele. (42) Então, uma viúva pobre chegou-se e colocou duas pequeninas
moedas de cobre, de muito pouco valor. O original diz que a viúva depositou duas
“leptas”, o que significa um quadrante de um assírio. Um assírio valia, naquele
tempo, dezesseis centavos de um denário, quer dizer, dezesseis porcento do “salário
de um dia”, quantidade insignificante portanto. Eram moedas pequenas, finas e
leves. Não sabemos como foi, em que circunstâncias Jesus percebeu esse ato,
talvez tímido, da mulher. No entanto, Ele notou o quanto custou à mulher doar
aquela quantia; obviamente era tudo do que ela dispunha. No meio de tanta
ostentação da parte dos ricos e do esplendor da magnífica edificação do Templo, a
atitude da mulher parecia ridícula, quase uma afronta. Em que essa quantia
miserável podia ajudar no serviço sagrado? (43) Chamando a si os seus discípulos,
Jesus declarou: “Afirmo-vos que esta viúva pobre colocou na caixa de ofertas mais
do que todos os outros. Não sabemos se Jesus chamou seus discípulos, dispersos nas
proximidades, para si imediatamente após observar a mulher ou se Ele lhes passou
esse ensino mais tarde, possivelmente à noite. Relatando-lhes o que havia
observado, fez uma avaliação totalmente oposta à comum daquilo que viu. Não
era a primeira vez que Jesus invertia os valores. “No Reino de Deus, os primeiros
(aqui) serão os últimos (lá)”, assim havia lhes dito e, em outra ocasião, dado uma
dica estranha para quem queria ser o maior: “este deveria ser servo de todos”. Para
Jesus, a oferta da pobre viúva (pela roupagem era possível identificar as viúvas) era
maior do que todas as outras ofertas juntas! Como?
(44) Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o
que possuía para viver.” Qual era a diferença entre as ofertas dos ricos e a da viúva
pobre? Jesus apontou para a origem da oferta, poderíamos dizer, para o caráter
dela. Era o que lhe sobrava? Ou tratava-se do indispensável, daquilo que faria muita
falta após o ato? Todos nós sabemos que o presente vale tanto quanto custa. Não
157
custa em termos financeiros a um billionário doar um milhão (é claro que lhe
causaria profunda dor pensar em algo semelhante) mas não lhe faria falta, depois.
Ao contrário da viúva; esta após ter deixado no cofre do Templo tudo que possuia,
desfazendo-se assim de sua “relativa segurança”, voltou a depender unicamente de
Deus, rico em misericórdia e do povo dele. Com a entrega das duas moedas ela
tinha abdicado da sua segurança, e isso lhe foi considerado maior obra do que
ofertas de belas quantias de dinheiro vindas de cofres abarrotados.
É muito fácil decorar o versículo: “Busquem, pois em primeiro lugar o Reino de
Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6.33),
mas é difícil confiar em Deus ao ponto de realmente depender dEle. Isso não
somente em termos de dinheiro, mas nas demais áreas da vida também. A
profunda convicção dos Antigos, de que “Deus não permitirá que o justo morreria
de fome” deve ser recuperada e valorizada por nós cristãos, mesmo se com isso
nadamos contra a maré da “teologia da prosperidade”, reinante em nossas igrejas.
Você está “nadando” em que direção?
Por enquanto, os ensinos de Jesus eram considerados pelos seus ouvintes
como meras palavras de um Rabi famoso. Só mais tarde os discípulos, a essa altura
ainda muitas vezes desatentos e lerdos, entenderão que foi o próprio Deus que lhes
tinha falado, transmitindo Suas metas e Seus conceitos, dando a conhecer o modo
pelo qual o Eterno olha o comportamento humano.
158
acima: placa de advertência (ref. pág. 155)
abaixo: desenho, Templo na época de Jesus
Aplicação
Para você, que está interessado em aplicar a Palavra na sua vida, eis duas abordagens do assunto
realizadas por homens de Deus do nosso tempo. A primeira aplicação nos permite avaliar o quanto
nós levamos a sério o nosso ofertar. No seu livro “Cristianismo puro e simples” (C.S.LEWIS,(1898 – 1963),
Martins Fontes 2005), diz:
“... Não acredito que alguém possa estabelecer o quanto cada um deve dar. Creio que a
única regra segura é dar mais do que nos sobra. Em outras palavras, se nossos gastos com conforto,
bens supérfluos, diversão etc. se igualam ao do padrão dos que ganham o mesmo que nós,
provavelmente não estamos dando o suficiente. Se a caridade que fazemos não pesa pelo menos
um pouco em nosso bolso, ela está pequena demais. É preciso que haja coisas que gostaríamos de
fazer e não podemos por causa de nossos gastos com caridade. Estou falando de “caridade” no
sentido comum da palavra... Para muitos de nós, o grande obstáculo à caridade não está num estilo
de vida luxuoso ou no desejo de mais prosperidade, mas no medo – na insegurança quanto ao futuro.
Temos de saber que esse medo é uma tentação. Às vezes, também o orgulho atrapalha a caridade;
somos tentados a gastar mais do que devíamos em formas vistosas de generosidade (gorjetas,
hospitalidade) e menos com aquelas que realmente necessitam do nosso auxílio...”.
A segunda aplicação fala da vida interior daquele que confia na providência Divina. Nee ToSheng, ou WATCHMAN NEE, como gostava de ser chamado, era um evangelista chinês. Ele foi preso
em 1952 por causa de sua fé, morrendo em 1972, após 20 anos de trabalhos forçados.
“Ora a teu pai que está em secreto;; e teu Pai que vê em secreto te recompensará.”
159
“Não há necessidade de inventarmos meios para chamar atenção para o nossa obra. Deus,
em Sua soberana procedência, pode muito bem assumir essa responsabilidade. Confiamos ao Senhor
nosso sustento, mas que necessidade há de tornar isso público? Sinto certa aversão quando vejo a
ênfase que os servos de Deus dão no fato de que estão vivendo pela fé. Cremos realmente no poder
de Deus e em Sua provisão? Se cremos, certamente podemos confiar que Ele fará conhecidas nossas
necessidades aos Seus santos e, assim, ordenará as coisas de modo que elas sejam supridas sem que
as anunciemos aos quatro ventos. Ainda que as pessoas concluam, diante de nosso modo de vida,
que temos outras fontes de renda e, conseqüentemente, retenham suas doações, não devemos nos
preocupar. Meu conselho para meus irmãos mais jovens é que se mantenham em silêncio, não
apenas com relação às suas necessidades pessoais, mas também à sua fé em Deus, para que
melhor possam prová-lO. Quanto maior a fé, menos comentários haverá sobre ela” (W.Nee. Uma
mesa no deserto, Editora dos Clássicos, 2004).
O Evangelho de Marcos – cap.13.1-4 (NVI)
(13.1) Quando ele estava saindo do Templo, um de seus discípulos lhe disse: “Olha, Mestre, que
pedras enormes! Que construções magníficas!” (2) “Você está vendo todas estas grandes
construções?”, perguntou Jesus. “Aqui não ficará pedra sobre pedra;; serão todas derrubadas.” (3)
Tendo Jesus se assentado no monte das Oliveiras, de frente para o Templo, Pedro, Tiago, João e
André lhe perguntaram em particular: “Dize-nos, quando acontecerão essas coisas? E qual será o
sinal de que tudo isso está prestes a cumprir-se?”
O Segundo Templo, edificado sob a liderança de Esdras e Neemias (a
partir de 537 a.C.) pelos judeus que haviam retornado do exílio, não se assemelhava
ao esplendor do primeiro Templo, edificado por Salomão (em 900 a.C.), mais tarde
destruído pelos invasores da Babilônia (586 a.C.).
Querendo ganhar a simpatia do povo judeu, que lhe era hostil por causa
de sua submissão aos romanos, Herodes, o Grande, (meio-judeu) havia iniciado no
ano 20 a.C. uma ampla reforma do Templo, substituindo peça por peça por outra
de maior valor e ricamente adornado. Embora Herodes não houvesse mudado as
medidas externas do Templo, ele aumentou sua altura. Os trabalhos no próprio
Templo levaram dois anos e meio sem, no entanto, impedir os rituais religiosos. Mais
outros oito anos foram gastos com as reformas das salas, galerias, pátios e muros. No
tempo de Jesus, os trabalhos de embelezamento ainda estavam em curso. Foram
concluídos somente nos anos 60, pouco antes de sua destruição definitiva pelos
romanos.
Na literatura rabínica lemos a respeito dessa construção: “Quem nunca
teve a oportunidade e ver o edifício de Herodes, nunca viu, em sua vida, uma
construção bonita”. Toda vida religiosa e cultural do judeu girava em torno desse
“Santo Monte” com seu Templo, casa de Deus. “Não se tem notícia, tanto em
tempos idos, quanto nos dias modernos, de uma construção sagrada igual ao
Templo em Jerusalém, tanto em arquitetura quanto em magnificência”
(cit.A.Edersheim).
(13.1) Quando ele estava saindo do Templo, um de seus discípulos lhe disse:
“Olha, Mestre, que pedras enormes! Que construções magníficas!” Todos do grupo
de Jesus, menos um, eram galileus, gente “da província”. Há três dias, Jesus estava
160
pregando no Templo, oportunidade de sobra para seus homens simples ficarem
impressionados com o esplendor e os cultos dessa monumental “Casa de Deus”. As
exclamações entusiasmadas dos discípulos revelaram profunda admiração com
esse santuário. Esperavam uma confirmação da boca do Mestre. Este, porém, ao
repetir a pergunta feita, proferiu uma sentença assustadora. (2) Você está vendo
todas estas grandes construções?”, perguntou Jesus. Aqui não ficará pedra sobre
pedra;; serão todas derrubadas.” Inconcebível! Nada nos é relatado sobre a
imediata reação dos discípulos. O que Jesus acabara de anunciar estava fora do
imaginável. Reinava penoso silêncio, enquanto, com corações pesados,
caminhavam rumo ao Monte das Oliveiras.
A profecia cumpriu-se cabalmente. Quando os judeus se rebelaram contra os
romanos, quarenta anos mais tarde, nos anos 70, Jerusalém foi invadida e dominada
por Tito, filho do imperador Vespasiano. A paciência dos romanos com esse povo
obstinado havia chegado ao fim. O Templo foi destruído. “Enquanto o santuário
ardia em chamas... não se demonstrava nenhuma piedade ou respeito para com a
idade das pessoas. Muito pelo contrário. Crianças e anciãos, leigos e sacerdotes,
todos eram cruelmente massacrados”(Josefo, History of the Jewish War, livro VI).
Todo o tesouro do Templo foi levado para Roma, junto com milhares de escravos
judeus. O arco de triunfo em Roma, ainda hoje, tem nos seus relevos a procissão dos
vencidos carregando os instrumentos do Templo (veja imagem). Em Jerusalém, o
imperador ordenou que toda a cidade e o santuário fossem destruídos
completamente, com exceção das torres mais altas e parte da muralha que
cercava o oeste da cidade. Os imensos blocos de pedra da parte de baixo do
“Muro das lamentações”, lugar sagrado para os judeus hoje em dia, datam do
tempo de Herodes (veja foto). Todo o resto das muralhas que cercavam a cidade e
a construção do Templo foram destruídos tão completamente, que nenhum visitante
futuro teria razão para perguntar se havia jamais habitação no lugar. Passou-se
arado e jogou-se sal, para decretar o seu fim. Israel havia deixado de existir como
unidade política e como nação. Após um posterior e último levante judeu sob “Bar
Kochba” (príncipe de Israel), último representante da nação judaica e a morte dele
e de seus seguidores, espalhados e esfomeados em cavernas no deserto, o
imperador Adriano mandou, no ano 163 d.C., erguer no lugar do antigo Templo
judaico um templo dedicado ao deus Júpiter (“Júpiter Capitolino”). Nenhum judeu
podia mais pisar no lugar, sob pena capital.
Hoje encontra-se na “praça do Templo” a bela mesquita Omar, santuário
muçulmano, construído após a tomada da cidade por eles em 637 d.C.
Voltemos ao nosso texto: Tendo Jesus se assentado no monte das Oliveiras, de
frente para o Templo, Pedro, Tiago, João e André lhe perguntaram em particular:
“Dize-nos, quando acontecerão essas coisas? Podemos imaginar a visão fascinante
do templo visto do Monte das Oliveiras, que fica defronte, do outro lado do vale. O
telhado do Templo, banhado num mar de glória dourado, os bonitos terraços dos
átrios e os blocos de mármore branco que pareciam brilhar com a luz do ocaso.
Pensar que essa glória toda estava para desaparecer?! Os quatro discípulos mais
161
íntimos de Jesus haviam se separado dos demais, para, em particular investigar a
respeito. A mente deles estava confusa ao ponderar o sentido daquela tremenda
predição e seus corações repentinamente ficaram cheios de tristeza e medo. A
questão do “quando” e dos sinais que precederiam essa fatalidade inconcebível
precisava ser esclarecida de imediato.
Muro das lamentações
Blocos grandes datam da época
herodiana (Jesus).
detalhe no Arco de triunfo em Roma
prisioneiros judeus carregando
tesouros do templo
O Evangelho de Marcos – cap.13.5-12 (NVI)
(13.5) Jesus lhes disse: “Cuidado, que ninguém vos engane. (6) Muitos virão em meu nome,
dizendo: ‘Sou eu’ e enganarão a muitos. (7) Quando ouvirem falar de guerras e rumores de guerras,
não tenham medo. É necessário que tais coisas aconteçam, mas ainda não é o fim. (8) Nação se
levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá terremotos em vários lugares e também fomes.
Essas coisas são o início das dores.
(9) Fiquem atentos, pois vocês serão entregues aos tribunais e serão açoitados nas sinagogas. Por
minha causa vocês serão levados à presença de governadores e reis, como testemunho a eles.
(10) E é necessário que antes o evangelho seja pregado a todas as nações. (11) Sempre que
serão presos e levados a julgamento, não fiquem preocupados com o que vão dizer. Digam tão
somente o que lhes for dado naquela hora, pois não serão vocês que estarão falando, mas o Espírito
Santo. (12) O irmão trairá seu próprio irmão, entregando-o à morte, e o mesmo fará pai a seu filho.
Filhos se rebelarão contra seus pais e os matarão. (13) Todos odiarão vocês por minha causa; mas
aquele que perseverar até o fim será salvo.
Marcos faz um resumo de palavras de Jesus. Este abrange quatro assuntos
sobre os quais Jesus tinha falado com seus discípulos. Todos giram em torno de
acontecimentos futuros. Quando o Evangelho foi escrito, haviam-se passado pelo
menos três décadas desde a morte de Jesus. Os judeus que haviam reconhecido
Jesus como O Cristo, já estavam sendo perseguidos e não comungavam mais no
Templo, nem nas sinagogas. Assim, muito do que Jesus anunciou quando estava
sentado defronte ao Templo, dois dias antes de sua morte, já havia se cumprido
quando Marcos anotou as predições de Jesus.
(13.5) Jesus lhes disse: “Cuidado, que ninguém vos engane. (6) Muitos virão
em meu nome, dizendo: ‘Sou eu’ e enganarão a muitos. Já em 132 d.C. o Rabi Aqiba
anunciou a chegada do Cristo na pessoa de Bar Kochba (“Filho das estrelas”). Este
162
liderou o último levante sangrento contra os romanos. Baseado em Num. 24.17
“...uma estrela surgirá de Jacó, e um cetro se lavantará de Israel”), Bar Kochba era
...visto por muitos como o esperado Cristo, por causa de seu breve êxito militar
contra os romanos. Dentro de três anos, no entanto, foi derrotado e seus seguidores
todos mortos. Desse tempo até hoje, inúmeros “cristos” têm surgido. Famoso, no
sentido trágico, ficou Sabbatei Zewi, um judeu polonês que se auto-denominou “o
Messias prometido”. No século 18, ele levou milhares de judeus que acreditaram ter
encontrado nele o Cristo, do leste europeu onde os judeus eram discriminados, em
direção à Jerusalém, onde proclamariam as profecias cumpridas. Preso no trajeto
pelos muçulmanos e ameaçado de morte, Zewi converteu-se ao Islã e seus
seguidores se dispersaram. Até em nossos dias temos notícias de “cristos”. Um dos
últimos, do qual tivemos notícias, é até brasileiro.
Só houve uma encarnação de Deus: em Jesus Nazareno. Reconhecê-lo
através do estudo da Palavra de Deus é o único meio de proteger-se contra o
engano.
(7) Quando ouvirem falar de guerras e rumores de guerras, não tenham medo.
É necessário que tais coisas aconteçam, mas ainda não é o fim. (8) Nação se
levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá terremotos em vários lugares e
também fomes. Essas coisas são o início das dores. O próximo assunto que o
Evangelista lembra, era como os discípulos deveriam encarar guerras e catástrofes
iminentes, isto é, prestes a acontecer. Para eles, a simples menção de uma possível
destruição do Templo igualava-se ao “fim do mundo”. Jesus corrigiu essa visão
distorcida. Nem tudo que aparenta ser um sinal do fim do mundo na verdade o é.
Isso também se aplica a “guerras e rumores de guerra”. Quando Jesus disse essas
palavras, o Império Romano, em geral, estava desfrutando um período de relativa
paz e estabilidade. Poucos anos mais tarde, um redemoinho político e militar
perturbaria o grande império. Essas revoltas e insurreições violentas não poderiam,
de maneira nenhuma, constituir-se em indicações infalíveis de que o fim do mundo
estivesse chegado. Desde os tempos de Jesus guerras e conflitos abalam nações e
através dos séculos, a profecia de “nação contra nação” está se cumprindo. Quem
nisto busca sinais, fixando até datas para o retorno de Jesus, está produzindo sinais
equivocados. Temos hoje a impressão de um aumento significativo de terremotos. Se
consultarmos as estatísticas, vemos que não é isso o que ocorre. Já no século 19
contavam-se nada menos que setecentos abalos. O que temos é uma melhor
informação desses fatos sísmicos. O aumento da fome mundial poderia chamar a
nossa atenção, mas Jesus deixou claro: “Isso ainda não é o fim”. Jesus diz (no verso
8) “estas coisas são o início das dores” (comparando os acontecimentos com um
parto). Elas marcam o início e não o fim. Elas são passos que nos levam em direção
do grande final. Citamos W.Henricksen, Marcos,pág.654:
“Apesar desse claro aviso dado pelo nosso Senhor aos discípulos, muitos
membros das igrejas dos nossos dias se enchem de admiração pelo ministro ou pelo
evangelista que fala, com aparente conhecimento, sobre “os Sinais dos Tempos” ,
querendo mostrar à sua audiência que esta ou aquela batalha terrível, um grande
terremoto ou uma fome devastadora, “de acordo com a profecia”, é sinal infalível
da volta iminente de Cristo.”
163
Agora poderíamos nos perguntar de que “fim” Jesus estava falando. Quem
seria a criança que viria através deste “parto” (a qual Jesus comparou os
acontecimentos mundiais)? O texto de Marcos muda repentinamente de foco. Mais
adiante, ele continuaria com o assunto “fim”. Não pensemos que Jesus tinha pulado
de um assunto para outro. É o relato que aborda somente trechos de, sem dúvida,
longas conversas de Jesus com seus angustiados seguidores.
(9) Fiquem atentos, pois vocês serão entregues aos tribunais e serão açoitados
nas sinagogas. Por minha causa vocês serão levados à presença de governadores e
reis, como testemunho a eles. O que Jesus abordou aqui, se referiu ao futuro próximo
dos discípulos. Dentro de poucos anos passariam de seguidores de um Mestre para
elementos perigosos, adeptos de uma seita que merecia ser extirpada da
sociedade judaica. Quando o Evangelho de Marcos foi escrito, essa situação já
havia se concretizado; portanto a lembrança do aviso prévio de Jesus estava viva e
muito atual. No livro de Atos podemos acompanhar o desenrolar da história. De um
grupo respeitado entre “os judeus”, bem visto pelo povo (Atos 2.47), os “do
caminho” (Atos 9.2) haviam se transformado em “ameaça para os judeus”. Eram
perseguidos, presos, torturados e mortos pelos religiosos, que viram neles
“blasfemadores”. O livro de Atos nos informa que Saulo, que mais tarde chamaria-se
Paulo, quando ainda era fariseu, na sua função de “Inquisidor” perseguia os cristãos
aplicando-lhes punições pesadas. Após a sua conversão, ele mesmo ia receber tal
tortura. Em 2 Cor.11.24, ele relata: “Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena
de acoites menos um”. Esse castigo era previsto em Deut. 25.2,3 e aplicado na
sinagoga na presença do sacerdote responsável. Imaginem o impacto dessas
palavras nos doze discípulos, inseguros e assustados. Não havia mais muito lugar
para euforia na companhia do grande e querido Mestre. Os ventos pareciam ter
mudado. Porém algo tornaria possível enfrentar esta situação: “Por minha causa”.
Não seria sofrimento sem sentido, seria um testemunho de fidelidade ao Senhor! (10)
E é necessário que antes o Evangelho seja pregado a todas as nações. É necessário!
Apesar das circunstâncias adversas, “por minha causa” era necessário anunciar o
Evangelho – a boa nova de que Deus chamava a cada um e que não havia mais
empecilhos para chegar-se a Ele! Novamente podemos perguntar: necessário para
quê? É necessário por um decreto de Deus que conhece o fim, cuja aproximação
nos é indicado pelos sinais já mencionados. Após esse imperativo, Jesus continuou:
(11) Sempre que serão presos e levados a julgamento, não fiquem
preocupados com o que vão dizer. Digam tão somente o que lhes for dado naquela
hora, pois não serão vocês que estarão falando, mas o Espírito Santo. (12) O irmão
trairá seu próprio irmão, entregando-o à morte, e o mesmo fará pai a seu filho. Filhos
se rebelarão contra seus pais e os matarão. “Não tenham medo! Se for ‘por minha
causa’ Eu serei responsável pelo que vocês tenham que falar. Não vos preocupeis!”
Não sabemos com que palavras exatamente Jesus teria dado esse consolo, pois
somente após Pentecoste os discípulos vieram a conhecer o “Espírito Santo” como
agente Divino. Portanto, entenderam e Marcos passou a seus irmãos romanos esse
consolo em palavras que estes precisavam compreender. Poucos anos mais tarde, o
imperador Nero daria início a 250 anos de perseguição brutal aos cristãos em todo
164
Império Romano. Portanto, Jesus não deixou seus discípulos com a ilusão de um
cristianismo leve e fácil. O preço que seus seguidores teriam que pagar era este.
(13) Todos odiarão vocês por minha causa; Às vezes me pergunto o que
fizemos de errado ou se a visão de Jesus era tão equivocada. Os que dizem
representar Jesus, hoje em dia, não admitem de forma alguma que se fale mal
deles. São respeitáveis e querem que todo mundo os respeite. Hoje, a Igreja quer ser
admirada, respeitada e honrada. Não foi dessa base que a Igreja surgiu. Como
seria, se Jesus (assim como andou na Galileia) hoje em dia aparecesse e visitasse as
igrejas? No seu livro “Os irmãos Karamasow”, o escritor russo Dostoiévski imaginou
esse encontro no capítulo denominado “O grande Inquisidor”. O que Jesus está
sentindo, vendo os “impérios religiosos” que os homens conseguiram levantar em o
nome dEle? Pense a respeito!
...mas aquele que perseverar até o fim será salvo. Essas palavras têm causado
muita controversa. Cada um a interpreta do seu jeito. Para os primeiros cristãos, o
significado era claro: quem preferiu o martírio à adoração a César, este sim,
perseverou até ao fim. A partir do momento em que a Igreja se tornou reconhecida
e honrada, a perseverança era medida cada vez mais na fidelidade aos credos
elaborados pelas igrejas. Com a proliferação das igrejas surgiram credos diferentes.
Qual deles era o “certo”? A situação se tornou abominável quando “guerras
religiosas” procuravam definir, “quem tinha razão”. Com outras palavras, “Cristo”
estaria com aquele que tinha maior poder terreno.
Não há um segmento sequer em que “a Igreja” não tenha traído ao seu
Mestre. Foram poucos os homens e as mulheres na história que tentaram, muitas
vezes contra a Igreja Oficial, praticar as metas que Jesus deixara. Você lembra o
que Jesus disse quanto a quem quer ser o maior? Quanto a quem quer ser o
primeiro? Quanto à oração? Quanto aos bens terrenos?
Perseverar até ao fim, hoje em dia é, antes de mais nada, continuar sendo fiel
ao que o Mestre mandou, não ao que a Igreja inventou e acrescentou. Isso pode ser
até útil e bom para o funcionamento de uma organização clerical, mas sem valor
para a salvação. Deus olha o coração, não o exterior. Você deve, sim, ser fiel às
metas de Jesus, no meio de sua Igreja, enquanto ela o permitir. Para tanto, tem que
conhecer a Palavra de Deus, os Evangelhos. Ali começa tudo. Uma advertência:
você vai até conhecer a inimizade anunciada por parte de próximos “por Sua
causa”!
O pior inimigo não é a perseguição. Na fartura e na prosperidade não há
lugar para Aquele que selou seu testemunho com sua vida. Simplesmente porque
pensamos não precisar mais dEle.
Se a sua Igreja pratica o que Jesus não ensinou ou condenou, o que você
“perdeu” naquele lugar, lugar que não conhece mais seu Mestre e seu Deus?
165
E caso você nem conhece a Jesus Nazareno, Deus encarnado, sobre o qual
esses estudos estão falando, como ousa se chamar cristão (= de Cristo)?
Pergunto: alguma coisa tem mudado na sua vida, desde que você vem nos
acompanhando no estudo do Evangelho de Marcos?
O Evangelho de Marcos – cap.13.14-23 (NVI)
(13.14) Quando vocês virem o ‘sacrilégio terrível’ no lugar onde não deve estar – quem lê, entenda –
então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes. (15) Quem estiver no telhado de sua casa
não desça nem entre em casa para tirar dela coisa alguma. (16) Quem estiver no campo não volte
para pegar seu manto. (17) Como serão terríveis aqueles dias para as grávidas e para as que
estiverem amamentando! (18) Orem para que essas coisas não aconteçam no inverno. (19) Porque
aqueles serão dias de tribulação como nunca houve desde que Deus criou o mundo até agora, nem
jamais haverá. (20) Se o Senhor não tivesse abreviado tais dias, ninguém sobreviveria. Mas, por causa
dos eleitos, ele os abreviou. (21) Se, então, alguém lhes disser: ‘Vejam, aqui está o Cristo’ ou: ‘Vejam,
ali está ele’, não acreditem. (22) Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão sinais e
maravilhas para, se possível, enganar os eleitos. (23) Por isso, fiquem atentos: avisei-os de tudo
antecipadamente.
Essas palavras, relatadas por Marcos, já têm dado muita dor de cabeça aos
comentaristas. Se defendermos a posição de que Jesus as pronunciou exatamente
nesses termos e nessa seqüência, realmente há espaço para muita especulação.
Acontece que o que parece ser um sermão fechado, na realidade é um resumo do
Evangelista. Nele encontramos tanto referências ao futuro imediato quanto
referências ao fim dos tempos e a volta de Jesus (a assim chamada “parousia”).
Profecias conhecem a existência de “sombras”.
Falamos de “sombras”, quando catástrofes se repetem em escala maior,
separadas pelo tempo. Assim, a anunciada destruição de Jerusalém pode ser vista
como “sombra” de uma outra catástrofe maior, a vir num futuro distante. A
interpretação de uma profecia depende sempre do lugar a partir do qual ela é
vista. O profeta vê num conjunto só tudo o que acontecerá como alguém que olha
por um binóculo. Ele enxerga vários horizontes, um atrás do outro, mas ele não pode
ver a distância que há entre uma e outra elevação. Ao que interpreta suas palavras,
cabe a tarefa de entender “os tempos”, quer dizer, qual das elevações é aquela
que ora vivemos. A profecia se cumprirá, sim, mas como saberemos se um aparente
cumprimento dela em nossos dias não é mera “sombra” de um cumprimento final?
Aos primeiros cristãos judeus, o fim do Templo significava fim do mundo e todas as
palavras de Jesus foram aplicadas a este futuro imediato. No entanto, as palavras
de Jesus se referem a tempos diferentes. Para nós pode ser mais fácil entender as
suas palavras, pois já vimos parte delas cumpridas; já entraram na história, enquanto
outras ainda haverão de se realizar.
(13.14) Quando vocês virem o ‘sacrilégio terrível’ no lugar onde não deve estar
– quem lê, entenda – No ano 168 antes de Cristo, o rei sírio Antíoco IV.Epifânio
mandou erguer um altar destinado ao deus Zeus no lugar Santo, poluindo-o e para
elevar a ira e o ódio dos judeus ao nível extremo, sacrificava nesse altar um porco,
166
animal impuro para os judeus. O profeta Daniel já havia previsto essa profanação
500 anos atrás (Dan.9.27/11.31/12.11). Todos os judeus, ainda com horror, lembravam
dessa abominação. Algo similar, disse Jesus, acontecerá no futuro, do qual aquele
sacrilégio terrível seria somente uma sombra.
O copista do Evangelho acrescentou à observação as palavras “quem lê,
entenda”. O Evangelho de Marcos foi escrito em Roma, para súditos romanos. Não
era recomendável no seu Evangelho acusar uma autoridade do passado com
nome, isso poderia criar problemas. Assim, ele colocou “quem lê, entenda do que
estou falando”.
Em que consistiria esse novo sacrilégio? Seria alguém que, novamente através
de violência, assumiria o lugar que somente pertence a Deus, exigindo adoração. O
“sacrilégio terrível” de Antíoco Epifânio é visto como sombra desse novo
acontecimento. Quando vocês virem acontecer algo similar, disse Jesus, “...então, os
que estiverem na Judéia fujam para os montes. (15) Quem estiver no telhado de sua
casa não desça nem entre em casa para tirar dela coisa alguma. (16) Quem estiver
no campo não volte para pegar seu manto”. Podemos resumir em uma palavra só:
Fujam! Não percam tempo! Sabemos que, quando as tropas romanas sitiaram
Jerusalém, os cristãos fugiram para a região da Peréia, além do Jordão, enquanto os
judeus se refugiaram no Templo. Quando esse foi tomado, conforme os relatos do
historiador Josefo, os soldados romanos andavam com dificuldades em meio ao
sangue que atingia a altura do tornozelo; tantos eram os mortos. Relatos da época
falam de entre 500 mil e um milhão de judeus brutalmente assassinados. É possível
que o grupo de cristãos daquela época foi salvo porque tinha obedecido
conscientemente à ordem de Jesus.
(17) Como serão terríveis aqueles dias para as grávidas e para as que
estiverem amamentando! (18) Orem para que essas coisas não aconteçam no
inverno. Mateus, que escreveu para judeus, acrescentou aqui: “...no inverno ou no
sábado” – o pensamento de ter que fugir para salvar sua vida quebrando o quarto
mandamento era pesado demais para judeus piedosos.
(19) Porque aqueles serão dias de tribulação como nunca houve desde que
Deus criou o mundo até agora, nem jamais haverá. (20) Se o Senhor não tivesse
abreviado tais dias, ninguém sobreviveria. Mas, por causa dos eleitos, ele os
abreviou. Embora os acontecimentos na queda de Jerusalém, à qual as palavras
anteriores se aplicam fossem terríveis, os versos 19 e 20 parecem falar de uma outra
tribulação, da qual aquela era somente uma sombra. Repentinamente Jesus parece
apontar para “o fim”. Alguns comentaristas sugerem que o verso 20 foi introduzido
mais tarde. Ele lembra a linguagem do apocalipse e é próprio da visão dos cristãos
durante a violenta perseguição que sofreram por parte do Império Romano. Seja
como for, não haverá paz e prosperidade no fim da história humana, como alguns
nos prometem. Haverá condições catastróficas em todas as áreas. Não será
perseguição religiosa somente. “Tribulação” pode constituir-se em dificuldades
ambientais extremas, num colapso ecológico e, com isso, num sofrimento humano
em escala de violência nunca vista.
167
(21) Se, então, alguém lhes disser: ‘Vejam, aqui está o Cristo’ ou: ‘Vejam, ali
está ele’, não acreditem. (22) Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que
realizarão sinais e maravilhas para, se possível, enganar os eleitos. Esse tempo
sobremodo difícil de maneira nenhuma será um tempo sem religião; pelo contrário.
Os “falsos profetas” (pregadores) e “falsos Cristos” (Salvadores) terão grande
audiência. Milagres e espetáculos, maravilhas e curas serão oferecidos para, “se
possível” enganar até os eleitos. Será que isso soa muito estranho para nós? Não
assistimos, pelo menos como sombra, tais coisas?
“Enganar os eleitos” seria o mesmo que destruir a fé? Não haverá necessidade
da destruição “da fé” - basta sua falsificação. Idolatria também é fé: fé no poder de
objetos. Resumindo: tudo é fé, só muda o objeto venerado. Até o ateu tem fé: fé em
si mesmo. Uma fé cristã que consiste somente em “convicção aprendida” é
destinada à derrota, assim que os ventos mudarem de direção. Fé viva é
convivência com o Santo, comunhão, vida e relacionamento pessoal.
No fim dos tempos, a proliferação e a banalização da religião estarão em
alta. Jesus não prometeu melhores condições para os seguidores de Cristo, quando
“o fim” se aproximar. Mas o que será esse “fim”? Veremos a respeito no próximo
estudo!
(23) Por isso, fiquem atentos: avisei-os de tudo antecipadamente. O mundo de
hoje está cheio de profetas. Cada um profetiza o que lhe parece bem e o que lhe
rende lucro. Jesus nos avisou a respeito das coisas futuras. Seu aviso: fiquem atentos
a esses sinais para que saibam interpretá-los!
O Evangelho de Marcos – cap.13. 24-37 NVI)
(13.24) Mas naqueles dias, após aquela tribulação, o sol escurecerá e a lua não dará a sua
luz; (25) as estrelas cairão do céu e os poderes celestes serão abalados. (26) Então se verá o Filho do
homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. (27) E ele enviará os seus anjos e reunirão os
seus eleitos dos quatro ventos, dos confins da terra até aos confins do céu.
(28) Aprendam a lição da figueira: quando seus ramos se renovam e suas folhas começam a
brotar, vocês sabem que o verão está próximo. (29) Assim, também, quando virem estas coisas
acontecendo, saibam que ele está próximo, às portas. (30) Eu lhes asseguro que não passará esta
geração até que todas estas coisas aconteçam. (31) Os céus e a terra passarão, mas as minhas
palavras jamais passarão. (32) Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o
Filho, senão somente o Pai. (33) Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo.
(34) É como um homem que sai de viagem. Ele deixa sua casa, encarrega de tarefas cada um de
seus servos e ordena ao porteiro que vigie. (35) Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando o
dono da casa voltará: se à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou ao amanhecer. (36) Se ele vier
de repente, que não os encontre dormindo! (37) O que lhes digo, digo a todos: Vigiem!”
(13.24) Mas naqueles dias, após aquela tribulação, o sol escurecerá e a lua
não dará a sua luz; (25) as estrelas cairão do céu e os poderes celestes serão
abalados. “Naqueles dias, após aquela tribulação...” O profeta Isaías descreveu o
“dia do Senhor” comparando-o como a mulher parturiente, “quando Deus fará
estremecer os céus e a terra mover-se-á do seu lugar” (Is.13.13). Ele também viu “o
sol se escurecendo ao nascer e a lua não mais resplandecendo” (Is.13.10). É desse
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dia que Jesus estava falando, dia em que “todas as mãos se debilitarão e o
coração de todos os homens se desanimará” (Is.13.7). Este “dia do Senhor” virá
depois da grande tribulação, assunto que estudamos na lição anterior.
Alguns anos atrás, foram lançados no mercado muitos livros querendo provar
que a menção bíblica desse “dia do Senhor” descreve uma guerra atômica com
seus efeitos conhecidos (na teoria): escurecimento do sol e da lua. Não podemos
afirmar que este será o caso. Entendemos, porém, que Jesus estava falando do “fim
da história”, algo inconcebível para nossa razão. Nós vemos o tempo como uma
linha reta, sem fim, porém a Bíblia fala de um “fim”. Não ficamos melhores crentes, se
nós nos perdemos na especulação a respeito. A fantasia do homem pode ser
frutífera e útil para muitas coisas. Para este dia, “dia do Senhor”, porém, ela não
dispõe dos recursos necessários para nos dizer algo além daquilo que a Bíblia afirma.
(26) Então se verá o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e
glória. Naquela hora, em que Deus declarar o FIM, a profecia de Daniel se cumprirá:
“...eis que vinha nas nuvens do céu um como o Filho do homem...” (Dan 7.13). Daniel
não apenas viu esse dia, mas descreveu o que ele trará: “... e dirigiu-se ao ancião de
dias (Deus) e o fizeram chegar até ele, e foi-lhe dado o domínio e a honra, e o reino
para que todos os povos, nações e línguas o servissem: o seu domínio é um domínio
eterno que não passará, e o seu reino o único que não será destruído” (Dan.
7.13,14). O profeta Daniel já vislumbrou esse dia, embora não soubesse datá-lo, dia
em que o temporal será substituído pelo eterno. Jesus, ao citar Daniel, estava se
referindo a esse dia que viria após um tempo de grande tribulação. Não de castigo
fala este dia, mas de consumação: (27) E ele enviará os seus anjos e reunirão os
seus eleitos dos quatro ventos, dos confins da terra até aos confins do céu. O povo
disperso, povo perseguido, eleito por Deus porque a Ele clamaram no tempo da
tribulação, esse seria reunido nesse dia. Não mais por esforço próprio, mas por mãos
divinas. Deus assumirá a história e nenhum dos que a Ele pertencem será esquecido
ou perdido.
Já nos primeiros anos da Igreja cristã, havia uma projeção viva desse “retorno”
de Jesus em glória. Quando os primeiros crentes vieram a falecer, sem que Cristo
tivesse voltado, os que ficaram levantaram a questão dos “que já dormiram”. Será
que estes perderiam a oportunidade da reunião com o Senhor? No capítulo 3 da
primeira carta aos Tessalonicenses, o apóstolo Paulo procurou tranqüilizar os irmãos a
respeito. Outros julgaram este dia já nas portas, porque interpretavam a perseguição
que sofreram como “a grande tribulação” e, portanto, já deixaram de trabalhar,
preparando-se para o encontro com o Senhor. A esses, o apóstolo manda, com
palavras duras, trabalhar ao invés de especular sobre a vinda desse dia (leia 2.Tess.
capítulo 2,1-2).
A visão de um final da história está fora dos parâmetros da nossa razão. Nem
por isso há como duvidar desse desfecho da história do nosso planeta terra.
Voltemos agora para o nosso texto: os discípulos, ou aqueles a quem as
palavras de Jesus foram dirigidas. Não muito diferente de nós, queriam saber o
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“quando” em que tudo isso viria a acontecer. Veremos o que Jesus lhes respondeu:
(28) Aprendam a lição da figueira: Quando seus ramos se renovam e suas folhas
começam a brotar, vocês sabem que o verão está próximo. A própria natureza nos
ensina a observar sinais. A figueira, quando começa a brotar, anuncia a chegada
do verão. Como os discípulos deveriam saber a respeito desse “fim”? Observando
sinais! (29) Assim, também, quando virem estas coisas acontecendo, saibam que ele
está próximo, às portas. Os sinais do tempo nos indicarão o “dia do Senhor”. Jesus
acabara de enumerar esses sinais. Desde os tempos dos apóstolos, cristãos tem
julgado presenciar esses sinais “do fim”. O próprio apóstolo Paulo estava convicto,
pelo que concluímos de suas cartas, que ainda veria esse dia. Na Idade Média, os
cristãos já anunciavam o fim. Lutero estava convencido de que presenciaria “os
últimos dias”. E hoje, pregadores anunciam os sinais do “fim dos tempos”.
A palavra do próprio Paulo aos Tessalonicenses (2.Tess. 2.2) nos exorta a não
nos comportarmos “como se o dia de Cristo estivesse já perto”. Esses “profetas” do
fim esquecem a parte principal dos sinais. Não serão as perseguições! Mais cruel do
que já foram no decorrer da história da Igreja não poderão ser. Falta o cumprimento
de Daniel 9.27, mencionado por Jesus (Marcos 13.14). Ainda temos liberdade para
cultuar o nosso Deus. Por enquanto vemos somente as sombras da hora em que,
novamente e em escala universal, “o sacrilégio terrível” estará no lugar onde não
deve estar. Para os judeus foi a hora em que o iníquo rei Antíoco Epifânio sacrificou
um porco no Templo de Deus – o pior dos sacrilégios possíveis. Para nós será a hora
da “abolição de Deus” pelo homem. Quando o homem assumir o lugar de Deus,
essa profecia se cumprirá em escala universal. Ainda há tempo, parece, mas Jesus
nos advertiu: Fiquem atentos!
(30) Eu lhes asseguro que não passará esta geração até que todas estas
coisas aconteçam. Gerações de comentaristas procuraram torcer essa frase de
Jesus, querendo provar que Jesus não se enganou. Que “geração” não passará até
que “todas essas coisas aconteçam”? O mais plausível seria a geração dos que
estavam com Jesus, seus contemporâneos. Mas hoje, no ano 2006, esse dia ainda
não chegou. Outros forçaram o conceito de “geração” para “raça dos judeus”, o
povo judeu. Esse, sim, ainda não passou e não passará. Não creio, pessoalmente,
que foi isso que Jesus queria dizer, mas posso estar errado. (31) Os céus e a terra
passarão, mas as minhas palavras jamais passarão. (32) Quanto ao dia e à hora
ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai. Nessas duas
afirmações temos duas realidades representadas. Quando Jesus falou como
profeta, afirmando aos seus discípulos as coisas vindouras, usando as palavras dos
profetas da Antiga Aliança, Ele falou dos desígnios eternos de Deus. Esses nunca
serão invalidados, como a terra (nosso planeta na sua forma atual) que passará,
sem dúvida. Mas quando Ele falou como homem, Jesus Nazareno, Ele falou como
judeu. Todos os Evangelhos nos mostram Jesus confiando plenamente em seu Pai.
Como profeta, Jesus não via a distância temporal entre seu ministério terreno e seu
reinado eterno. Ele cria firmemente na consumação imediata do Reino de Deus.
Todos os apóstolos viviam essa esperança de imediata revelação do poder e da
glória de Deus. O próprio Jesus afirmou que não sabia o “quando” - somente o Pai o
170
sabe. O único conselho, a melhor advertência que podia dar aos seus discípulos era
o seguinte: (33) Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo.
Parece que a afirmação: “Vocês não sabem...” não era suficiente. Várias
vezes houve tentativas por parte de cristãos de calcular a data da vinda de Jesus.
Baseando-se em Dan. 8.14 e 9.24-27, um tal William Miller (batista) chegou à data de
22.10.1844 para a vinda do Rei. Nesse dia, centenas de crentes que antes haviam
vendido tudo, esperavam em roupas brancas pela chegada de Jesus. Foi em vão.
Mais tarde, a senhora E. White justificou o fracasso do cálculo com a “não
observância de mandamentos” pelos crentes, entre eles a não observância do
sábado. Nasceu a igreja dos Adventistas do Sétimo Dia, cujos adeptos guardam
religiosamente o sábado “para não atrasar a volta visível do Senhor”.
Devemos respeitar a afirmação de Jesus não querendo saber mais do que Ele,
Deus encarnado, e continuar atentos.
As últimas palavras de Jesus, transmitidas por Marcos antes da páscoa, são
palavras de exortação para vigilância. (34) É como um homem que sai de viagem.
Ele deixa sua casa, encarrega de tarefas cada um de seus servos e ordena ao
porteiro que vigie. (35) Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando o dono
da casa voltará: se à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou ao amanhecer. (36)
Se ele vier de repente, que não os encontre dormindo! (37) O que lhes digo, digo a
todos: Vigiem!”
Parece que ainda não é a hora de Jesus voltar. Não seja enganado! Jesus
afirmou várias vezes: “de repente...”. A evolução do nosso planeta, guerras
potenciais, as catástrofes ecológicamente programadas, elas todas nos dizem: “de
repente!”.
Por isso: “Vigie!”
O Evangelho de Marcos – cap.14. 1-11 NVI)
(14.1) Faltavam apenas dois dias para a páscoa e para a festa dos pães sem fermento. Os
chefes dos sacerdotes e os mestres da lei estavam procurando um meio de flagrar Jesus em algum
erro e matá-lo. (2) Mas diziam: “Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo”.
(3) Estava Jesus em Betânia, reclinando à mesa na casa de um homem conhecido como
Simão, o leproso, aproximou-se dele certa mulher com um frasco de alabastro contendo um perfume
muito caro, feito de nardo puro. Ela quebrou o frasco e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus.
(4) Alguns dos presentes começaram a dizer uns aos outros, indignados: “Por que este desperdício de
perfume? (5) Ele poderia ser vendido por trezentos denários, e o dinheiro ser dado aos pobres”. E a
repreendiam severamente. (6) “Deixem-na em paz”, disse Jesus. “Por que a estão perturbando? Ela
praticou uma boa ação para comigo. (7) Pois os pobres vocês sempre terão com vocês, e poderão
ajudá-los sempre que o desejarem. Mas a mim vocês nem sempre terão. (8) Ela fez o que pôde.
Derramou o perfume em meu corpo antecipadamente, preparando-o para o sepultamento. (9) Eu
lhes asseguro que onde quer que o evangelho for anunciado, em todo o mundo, também o que ela
fez será contado em sua memória”.
(10) Então Judas Iscariotes, um dos Doze, dirigiu-se aos chefes dos sacerdotes a fim de lhes
entregar Jesus. (11) A proposta muito os alegrou, e lhe prometeram dinheiro. Assim, ele procurava
uma oportunidade para entregá-lo.
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No Evangelho segundo João, cap. 11.45-57, você encontra uma descrição
detalhada do dia em que os líderes religiosos decidiram pôr fim às atividades de
Jesus, mas ainda não sabiam como fazê-lo. Marcos resumiu este momento em duas
frases somente. (14.1) Faltavam apenas dois dias para a páscoa e para a festa dos
pães sem fermento. Os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei estavam
procurando um meio de flagrar Jesus em algum erro e matá-lo. (2) Mas diziam: “Não
durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo”.
A festa da páscoa trazia inúmeros peregrinos à cidade Santa. Esta ficava
totalmente lotada. Nesses dias, as tropas romanas de ocupação permaneciam em
estado de alerta, pois temiam tumultos entre os religiosos que facilmente poderiam
assumir caráter político. Os romanos tinham concedido liberdade plena aos judeus
para suas celebrações religiosas, desde que a ordem pública e a segurança não
fossem colocadas em risco. Dar fim a Jesus, nestes dias agitados, não seria uma
tarefa fácil. Como vimos anteriormente, Jesus era amado pelo povo. Eliminá-lo
durante a festa seria algo impossível, pois com certeza o povo interferiria. O melhor
seria encontrar um meio de, - assim os chefes dos sacerdotes consideraram – dar fim
a Jesus antes da festa, mas como? Já era quarta-feira e sexta, ao anoitecer, os
rituais sacrificais no templo teriam seu início. O tempo urgia.
(3) Estava Jesus em Betânia... Devemos retornar alguns dias para a noite do sábado
anterior. Após a subida cansativa de Jericó, Jesus pernoitava na casa de Simão. É
isso que os estudiosos estão concluindo. Vamos seguir as conclusões deles. Por
razões teológicas, o incidente com “certa mulher na casa de Simão” foi colocado
por Marcos momentos antes da ceia.
Estava Jesus em Betânia, reclinado à mesa na casa de um homem conhecido
como Simão, o leproso... A tradição vê em Simão um parente de Lázaro (João
cap.11), curado de sua lepra por Jesus. Pelo menos quinze homens achavam-se
presentes neste jantar, aparentemente oferecido em honra a Jesus. Seguindo a
prática greco-romana não se sentaram mas “deitaram-se” à mesa. Apoiados pelo
braço esquerdo num travesseiro, com as pernas esticadas para trás, deitavam-se em
torno de uma mesa baixa (veja figura). Enquanto os convidados, de acordo com o
costume da época, estavam “reclinados à mesa”, ...aproximou-se dele certa mulher
com um frasco de alabastro contendo um perfume muito caro, feito de nardo puro.
Nardo era extrato de uma raiz seca, um perfume de extremo valor.
Imagine o jantar animado, composto de homens e de uma mulher (João a
chama de “Maria de Betânia”) que se aproximava discretamente detrás de Jesus.
Pela ordem em que se deitava na mesa, só era possível aproximar-se de alguém por
trás, por onde as pernas descansavam. Ela quebrou o frasco e derramou o perfume
sobre a cabeça de Jesus. Subitamente, a casa toda encheu-se com a fragrância, o
jantar foi interrompido e todos os olhares voltavam-se para a mulher. Esta
continuava a despejar o conteúdo do frasco, até a última gota, sobre o corpo de
Jesus (João menciona os pés ungidos). Esta cena ficou marcada, indelevelmente,
na memória dos apóstolos: era um escândalo! Primeiro, uma mulher ousou
interromper a festa. Segundo: que ato tolo, que desperdício! (4) Alguns dos
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presentes começaram a dizer uns aos outros, indignados: “Por que este desperdício
de perfume? Nas cabeças dos homens presentes a mesa, os cálculos rapidamente
foram feitos: “o valor desse perfume extrapolava trezentos denários, isto é: mais do
que o salário de um ano de trabalho! Que desperdício escandaloso! Quantas
famílias pobres não pudessem ter sido alimentadas com esse dinheiro!” Logo, no
meio do murmúrio geral, alguém assumiu o papel de acusador e, questionando a
atitude da mulher, sentenciou: (5) Ele (o perfume) poderia ser vendido por trezentos
denários, e o dinheiro ser dado aos pobres”. E a repreendiam severamente. Pobre
mulher! Por onde ela olhava, encontrou semblantes zangados. A desaprovação do
ato realizado por ela era geral. Esses homens, tão empenhados em “ajudar aos
pobres”, não haviam capturado a linguagem de amor dessa mulher.
(6) “Deixem-na em paz”, disse Jesus. “Por que a estão perturbando? Jesus se
apressou em defender a mulher. Literalmente, o texto diz: “deixe estar!” E continuou:
“Por que vocês estão criando problemas para ela? Ela fez uma coisa bonita, única
em sua criatividade e generosidade. Vocês se importam com os pobres?” (7) Pois os
pobres vocês sempre terão com vocês, e poderão ajudá-los sempre que o
desejarem. Mas a mim vocês nem sempre terão. Aqueles que tanto se interessavam
pelos pobres não compreenderam o que a mulher, instintivamente, havia
percebido: que talvez fosse essa a última oportunidade de honrar o Mestre amado.
Com a intuição própria da mulher, ela sentiu que o tempo da presença dEle estava
prestes a findar. Apesar dos vários avisos de Jesus, dados aos seus seguidores
machos, estes não entenderam a hora. Quebrando o silêncio que repentinamente
caiu sobre os presentes, Jesus declarou como Ele mesmo estava entendendo a
atitude da mulher: (8) Ela fez o que pôde. Derramou o perfume em meu corpo
antecipadamente, preparando-o para o sepultamento. Mesmo sem ter consciência
do fato, essa mulher O havia ungindo para sua morte e sepultamento.
Jesus não mantinha ilusões sobre seu futuro próximo. Ele via sua subida para
Jerusalém como parte do cumprimento da profecia; tinha que andar por esse
caminho sozinho, em obediência ao Pai. E esta mulher O havia preparado para seu
sepultamento, sem o saber. (9) Eu lhes asseguro que onde quer que o evangelho for
anunciado, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua
memória”. A sensibilidade e o desprendimento da mulher, cujo amor era maior do
que a vergonha perante a reprovação geral “do público masculino”, valia mais do
que juramentos de fidelidade até a morte de seus discípulos. O que essa mulher
havia demonstrado faria parte das Boas Novas para sempre. Não são altos brados
que impressionam a Deus. É ao coração aflito a que Deus responde e o qual Deus
honra.
Nem todos os presentes haviam concordado no seu íntimo com a justificativa
dada por Jesus. Era dinheiro demais! Para um dos discípulos em particular, que havia
seguido a Jesus desde a Galiléia e tinha posto nEle todas as suas esperanças de
libertação, aquilo que acabara de testemunhar era definitivamente demais! Ele se
havia mantido fiel ao Mestre na esperança de ver com seus olhos a libertação de
Jerusalém e agora este seu Mestre declarou estar sendo preparado para o seu
sepultamento. Como tesoureiro do grupo, o fato do desperdício já o havia
173
aborrecido. Agora, o anúncio de seu sepultamento e a glorificação dessa mulher
irresponsável por Jesus passaram do limite! Repentinamente abriram-se seus olhos:
fora enganado o tempo todo! Este não podia ser aquele que, até então,
considerava ser, isto é: o Messias prometido. Era preciso colocar um fim imediato!
Como já fora dada uma ordem de procura e captura de Jesus pelas autoridades
(João 11.57), qualquer informação confidencial a respeito dEle valia ouro.
(10) Então Judas Iscariotes, um dos Doze, dirigiu-se aos chefes dos sacerdotes
a fim de lhes entregar Jesus. Até hoje os estudiosos discordam sobre a verdadeira
motivação de Judas. É compreensível, humanamente falando, que os demais
discípulos mais tarde, esquecendo-se de seu próprio comportamento vergonhoso,
tenham julgado a atitude de seu ex-colega com extrema severidade. Quanto mais
tempo transcorria na história da igreja, pior ficava a fama daquele que “traiu Jesus”.
De Evangelho para Evangelho, a descrição dele piora e, finalmente, no relato de
Atos, atinge o cúmulo do horror possível. O que será que motivou um homem que
havia perseverado durante três anos, em bons e maus momentos com Jesus, a
mudar de lado? Continuaremos observando a tragédia desse homem.
(11) A proposta muito os alegrou, e lhe prometeram dinheiro. Assim, ele procurava
uma oportunidade para entregá-lo. Supõe-se que Judas tenha concordado em
informar o paradeiro noturno do grupo em determinado dia. No entanto, esta é uma
possibilidade entre várias outras, apenas.
174
EXEMPLAR EXCLUSIVO - PARTICULAR
VENDA OU COMERCIALIZAÇÃO EXPRESSAMENTE PROIBIDO
175
O Evangelho de Marcos – Introdução para cap.14
Caro leitor, você nos tem acompanhado na leitura do “Evangelho segundo
Marcos” até hoje. A partir do capítulo 14, verso 12, encontraremos o que chamamos
“a paixão” do Senhor. O relato da paixão é o coração do Evangelho.
Enquanto os apóstolos viviam e davam testemunho do que viram e ouviram,
não havia necessidade de relatos escritos. A esperança de um retorno imediato do
Senhor em glória (veja estudo anterior) pairava entre os novos cristãos. Por essa
razão, várias cartas do Novo Testamento foram escritas antes dos Evangelhos. Os
grupos de novos cristãos precisavam, com urgência, de instrução quanto às suas
reuniões. As cartas dos apóstolos cumpriam essa função.
Na medida em que os apóstolos (testemunhas) desapareceram, surgiu a
necessidade de relatos escritos a respeito da pessoa do Salvador que pudessem
manter vivo o testemunho, antes dado pelos apóstolos. O que mais interessava aos
novos crentes em todo mundo era o seguinte: como o Salvador foi morto? E mais: As
testemunhas diziam que Ele estaria vivo novamente: o que aconteceu de fato?
Assim, os relatos da morte e ressurreição surgiram como raiz dos Evangelhos.
Nas cartas do apóstolo Paulo (escritas anos antes dos Evangelhos),
encontramos várias citações de “tradições” que ele, Paulo, havia recebido de
testemunhas. Essas são, por assim dizer, a semente, a partir da qual cresceram os
nossos quatro “Evangelhos”. Vamos ler o que se sabia, por exemplo, antes dos
Evangelhos serem escritos:
“Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi (de testemunhas): que
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as escrituras, foi sepultado e ressuscitou no
terceiro dia, segundo as escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Depois disso
apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria das quais ainda vive,
176
embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os
apóstolos...” (1.Cor 15.3-7).
Paulo ainda menciona outras tradições recebidas, por exemplo, acerca da
ceia do Senhor. Essas palavras são anteriores aos Evangelhos. Ele dizia: “Pois recebi do
Senhor (isto é: a instituição não é minha!) o que também lhes entreguei: que o Senhor,
na noite em que foi traído, tomou o pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o
meu corpo, que é dado em favor de vocês;; façam isto em memória de mim’. Da mesma
forma, depois da ceia ele tomou o cálice e disse:’ Este cálice é a nova aliança no meu
sangue; façam isto, sempre que o beberem em memória de mim’” (1.Cor 11.23-26).
A partir de “tradições” como as acima citadas, o relato da paixão foi tecido
como se tece uma toalha e, mais tarde, incluindo outras fontes (logias: coleção de
palavras autênticas de Jesus) e relatos de testemunhas da segunda geração,
surgindo, assim, o que hoje denominamos “O Evangelho”. O Evangelho de Lucas,
por exemplo, é resultado de uma extensa pesquisa de Lucas (que não conhecia
Jesus pessoalmente), com pessoas que, ou conviviam com Jesus ou ouviram falar
dEle (Lucas 1.1-4). Resumindo: Os Evangelhos cresceram a partir do relato da paixão.
Toda a história da paixão, começando com a última ceia até ao momento da
sepultura, desenvolveu-se em 24 horas numa seqüência impressionante e muito
rápida. Os próprios Evangelhos deixam claro que os discípulos fugiram quando Jesus
foi preso, após a ceia. Nenhum dos discípulos foi testemunha ocular dos demais
acontecimentos: interrogatórios, tortura, crucificação. Tinham fugido assustados. Há
uma remota possibilidade de João ter presenciado o primeiro interrogatório na casa
do sumo-sacerdote.
Quando comparamos o relato da paixão nos quatro Evangelhos, vemos
algumas incompatibilidades. Essas, em nada invalidam o relato em si; são
conseqüência dos caminhos diferentes da tradição das respectivas fontes.
De onde os Evangelistas tiveram suas informações? Dos acontecimentos da
paixão? Claro, cada Evangelista dispunha de algumas informações particulares.
Entre os membros da primeira Igreja cristã, da qual “muitos sacerdotes” faziam parte
(Atos 6.7 e 15,5), havia testemunhas oculares do processo e dois deles haviam até
participado da sessão que julgara Jesus (José de Arimatéia e possivelmente
Nicodemos). Aos poucos, juntava-se assim o relato.
Os rumores recentes a respeito de um “Evangelho de Judas”, descoberto
recentemente no Egito e a necessidade de uma reinterpretação do papel de Judas,
será que conferem? Os Evangelhos são a raiz do anti-semitismo? Essas e outras
questões polêmicas não vamos deixar de considerar.
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Ao estudar o relato da paixão segundo Marcos, lembremos que temos diante
de nós o que, na verdade, o apóstolo Pedro sabia dos acontecimentos e o que dele
passou a Marcos. Porém, o próprio Marcos também dispunha de informações
particulares. Veremos!
O Evangelho de Marcos – cap.14. 12-16 (NVI)
(14.12) No primeiro dia da festa dos pães sem fermento, quando se costumava sacrificar o
cordeiro pascal, os discípulos de Jesus lhe perguntaram: “Aonde queres que vamos e te preparemos
a refeição da Páscoa?” (13) Então ele enviou dois de seus discípulos, dizendo-lhes: “Entrem na
cidade, e um homem carregando um pote de água virá ao encontro de vocês. Sigam-no (14) e
digam ao dono da casa em que ele entrar: O Mestre pergunta: Onde é o meu salão de hóspedes, no
qual poderei comer a Páscoa com meus discípulos? (15) Ele lhes mostrará uma ampla sala no andar
superior, mobiliada e pronta. Façam ali os preparativos para nós”. (16) Os discípulos se retiraram,
entraram na cidade e encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito. E prepararam a Páscoa.
(14.12) No primeiro dia da festa dos pães sem fermento, quando se costumava
sacrificar o cordeiro pascal, os discípulos de Jesus lhe perguntaram: “Aonde queres
que vamos e te preparemos a refeição da Páscoa?” A descrição de Marcos não nos
permite identificar o dia certo em que os discípulos interpelavam Jesus a respeito da
comemoração. A “Festa dos pães asmos” (sem fermento) remete a Deut. 16.1-8 e
perdura por uma semana toda. Ela inclui até mesmo o dia em que se comia o
cordeiro pascal.
Todo Jerusalém agitava-se com a preparação da maior festa anual, da
celebração da libertação do Egito, da Páscoa. Calcula-se uma população de
40.000 pessoas para o Jerusalém da época. Durante os dias da festa, mais de
100.000 peregrinos tiverem que ser alojados. A preocupação dos discípulos para
com um lugar apropriado é compreensível. A celebração exigia um lugar espaçoso,
mobiliado. Aonde encontrariam esse lugar numa cidade totalmente lotada?
(13) Então ele enviou dois de seus discípulos. Para entender essa ordem de
Jesus precisamos voltar alguns dias para atrás. Desafiando a ordem dos principais
sacerdotes e que era a de delatar o paradeiro do grupo (João 11.45-57), Jesus
entrou abertamente em Jerusalém, sendo saudado pelo povo. Durante alguns dias
ensinava abertamente nos arredores do Templo, sempre rodeado de muita gente.
Essa popularidade lhe servia de proteção. Todo cair de tarde, Jesus sumia com seu
grupo, passando as noites em lugares desconhecidos. Não havia momento
oportuno de silenciar de vez o galileu indesejado. Durante a comemoração da
Páscoa, na intimidade com seu grupo em alguma casa da cidade, seria mais fácil
apoderar-se dele sem causar tumulto. Consciente desse perigo, Jesus guardava
silêncio a respeito da localização até perante os Doze. Ele sabia que havia um entre
eles, capaz de denunciá-lo. Somente Pedro e João, homens de confiança (Lucas
22.8), foram enviados com diretrizes bem claras a fim de preparar o lugar da ceia.
(13) Então ele enviou dois de seus discípulos, dizendo-lhes: “Entrem na cidade,
e um homem carregando um pote de água virá ao encontro de vocês. Sigam-no.
Não creiamos que Jesus estava fazendo previsões sobrenaturais sobre o que os dois
encontrariam, mas que Jesus tinha informações concretas quanto a uma
178
determinada casa, que o receberia com alegria. Os estudiosos desenvolveram
várias teorias sobre quem seria esse homem, carregando um pote de água. A
grande cidade dispunha somente de uma única fonte de água viva, no seu ponto
mais baixo: a fonte de Siloé. As casas dos ricos estavam sendo abastecidas com
cisternas. Para as demais havia uma intensa movimentação de carregadores, tanto
mulheres, escravos e homens. Naquela fonte os dois deveriam encontrar-se com
certo homem e segui-lo.
(14) E digam ao dono da casa em que ele entrar: O Mestre pergunta: Onde é o
meu salão de hóspedes, no qual poderei comer a Páscoa com meus discípulos?
(15) Ele lhes mostrará uma ampla sala no andar superior, mobiliada e pronta. Façam
ali os preparativos para nós”. O dono da casa em que o carregador de água
entrou, provavelmente já era conhecido de Jesus. “Façam os preparos na sala que
ele lhes mostrará”, disse Jesus.
Alguns historiadores têm levantado a tese de que esta era a casa da mãe de
Marcos. Sabemos que a mãe do Evangelista morava numa casa ampla na cidade
alta, onde posteriormente os primeiros cristãos se reuniam (Atos 12.12), muito
provavelmente também o lugar de Pentecoste (Atos 2). Alguém da casa do próprio
Evangelista poderia esconder-se atrás da descrição discreta do homem, carregador
de água. A maioria dos comentaristas, porém, discorda dessa abordagem.
Seja como for, a quem hoje vai a Jerusalém procurando por locais históricos,
será mostrado “o cenáculo onde Jesus instituiu a ceia”, no primeiro andar de uma
casa ampla. A indústria de turismo religioso vive de “lugares sagrados” como esse.
Na realidade, nada sobrou da cidade de Jerusalém antes de 70 d.C. Não ficou
pedra sobre pedra. As descrições dos quatro Evangelistas tampouco fornecem a
menor pista que poderiam nos indicar com certeza o lugar da casa onde Jesus
celebrou a ceia. Da cidade que Jesus conheceu, somente dois lugares foram
identificados com segurança. O primeiro é a escada que leva da fonte de Siloé
para a cidade velha. Ela foi encontrada pelos padres dominicanos debaixo de 10
metros de entulho (veja imagem pág.179) e hoje é administrada pelos padres
assuncionistas. Por essa escada subiu Jesus com seu grupo, indo à casa onde
encontraria lugar para celebrar a ceia. E pela mesma escada desceria, tarde da
noite, com seu grupinho de onze, indo para o jardim onde seria preso.
O segundo lugar identificado, com altíssima probabilidade, é o lugar da
sepultura de Jesus, lugar onde aconteceu a ressurreição, fato decisivo e principal do
cristianismo. O livro “The tomb of Crist”, Ed.National Book Network, 1999 ou Random
House,em 2000, mostra o caminho pelo qual a arqueologia junto com técnicas de
informática trilhou para encontrar esse Santo lugar.
(16) Os discípulos se retiraram, entraram na cidade e encontraram tudo como
Jesus lhes tinha dito. E prepararam a Páscoa. O lugar que encontraram era amplo:
os treze homens seriam bem acomodados. Livre de perturbação exterior, Jesus
podia mais uma e pela última vez, reunir-se com seu grupo de seguidores para
discussão, comunhão, meditação e oração. No dia seguinte seria o grande dia de
Páscoa. Os dois enviados prepararam tudo conforme o ritual exigia.
179
Ouvindo os melhores peritos na comparação dos quatro Evangelhos
concluímos que Jesus, na noite que seguia, comemorava uma ceia festiva, não a
própria Páscoa (Pessach). A comemoração da própria Páscoa - com o cordeiro
morto - ficaria para o dia seguinte.
Mas Jesus não mais a celebraria na intimidade com seus discípulos. Estaria só,
morrendo aos poucos, abandonado, pregado no instrumento mais cruel de tortura
que se conhecia na época: a cruz romana para execução de criminosos.
Escada da fonte de Siloé à cidade velha (autentica)
O Evangelho de Marcos – cap.14. 17-22 (NVI)
(14.17) Ao anoitecer, Jesus chegou com os Doze. (18) Quando estavam comendo, reclinados
sobre a mesa, Jesus disse: “Digo-lhes, que certamente um de vocês me trairá, alguém que está
comendo comigo”. (19) Eles ficaram tristes e, um por um, lhe disseram: “Com certeza, não sou eu!”
(20) Afirmou Jesus: “É um dos Doze, alguém que come comigo do mesmo prato. (21) O Filho do
Homem vai, como está escrito a seu respeito. Mas ai daquele que trai o Filho do Homem! Melhor lhe
seria não haver nascido”. (22) Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o, e o deu
aos discípulos, dizendo: “Tomem, isto é o meu corpo”.
(14.17) Ao anoitecer, Jesus chegou com os Doze. Com essas breves palavras,
Marcos inicia seu relato da última ceia de Jesus com seus discípulos.
Podemos perguntar: “chegou aonde”? O que sabemos é que havia um
cenáculo (ampla sala de jantar) no andar de cima de uma casa (14.12) e nada
mais quanto à sua localização; a Igreja sempre procurou identificar o lugar da ceia
180
de Cristo. Pistas arqueológicas nunca foram encontradas. Em Atos 1.13 lemos sobre
um cenáculo como lugar de encontro da primeira Igreja cristã, onde possivelmente
aconteceu Pentecoste (Atos 2). Na tradição da Igreja e no seu interesse por
definição do lugar geográfico da ceia de Cristo, esses dois “cenáculos”
mencionados se juntaram e temos, pelo fim do século 2, notícias de uma “pequena
igreja de Deus” no Monte Sião, onde, pela tradição, o Espírito Santo havia descido.
No seu lugar, o imperador Constantino ergueu em 348 ou 350 a “Igreja dos
Apóstolos”(denominada “Mãe de todas as Igrejas”). Desde o século sete a tradição
atribui a esse local tanto o Pentecoste quanto o lugar onde Jesus lavou os pés dos
apóstolos (João 13); mais tarde, também, como local do falecimento de Maria. Para
nosso estudo, porém, esses detalhes históricos têm somente caráter informativo.
Marcos, também, não perdeu tempo em definir lugares. Ele testemunhou aquilo que
ali aconteceu e isso é o que nos interessa:
(18) Quando estavam comendo, reclinados sobre a mesa,... A ceia de Jesus
não era um jantar comum; ela seguia a tradição festiva judaica. O longo jantar era
aberto com a bênção sobre o pão e sua distribuição aos participantes. Em seguida
veio o jantar em si, durante o qual havia tempo para conversa e meditação. Marcos
nos conta o que, logo após o início do jantar, aconteceu: Jesus disse: “Digo-lhes,
que certamente um de vocês me trairá, alguém que está comendo comigo”. As
conversas no jantar festivo, na véspera da Páscoa, costumavam ser alegres;
comemorava-se a lembrança do livramento da escravidão egípcia.
Repentinamente, as conversas dos presentes foram interrompidas pelas palavras
pesadas de Jesus. Já há algum tempo, Jesus deve ter notado como o coração de
um deles havia se afastado da comunhão. Ele sentiu o abismo que agora O
separava daquele que algum dia foi chamado para segui-lo. Seu coração ficou
pesado demais. E nada podia fazer para trazer esse homem de volta. Compartilhar
essa sua dor com seus discípulos foi o que lhe era possível, uma vez que Jesus
reconheceu nas circunstâncias da época o cumprimento das profecias. A atitude
de Judas era pior do que a derrota: “um dos que comem comigo”, “um dos meus”;
era traição advinda de alguém em quem havia confiado, chamado, escolhido para
ser dEle. Quem já foi traído por aquele em quem confiava conhece a amargura
dessa dor.
(19) Eles ficaram tristes e, um por um, lhe disseram: “Com certeza, não sou eu!”
O que Jesus acabara de prever era impossível acontecer, pelo menos com “eles”,
pensavam. Como acontece conosco, hoje em dia, as coisas ruins, as atitudes más,
acreditamos sempre que são tomadas pelos “outros”, nunca por nós. Devem ter
surgido protestos e juras de fidelidade da parte dos Doze. Trair o Mestre,
principalmente na situação em que o grupo se encontrava, não! A tradução de
Almeida cita a pergunta atônita dos discípulos: “Porventura, sou eu?” Espanto,
medo e revolta pela atitude lhes foram creditadas.
(20) Afirmou Jesus: “É um dos Doze, alguém que come comigo do mesmo
prato. (21) O Filho do Homem vai, como está escrito a seu respeito. Mas ai daquele
que trai o Filho do Homem! Melhor lhe seria não haver nascido”. Alguém que come
comigo do mesmo prato!!! Como é dolorosa uma tal afirmação! Jesus não tinha
dúvida nenhuma tanto da hora quanto da intenção de Judas Iscariotes. Que
181
tragédia está contida nas palavras: “melhor lhe seria não haver nascido”. Não havia
nenhuma intenção de vingança nessas palavras, só tristeza por uma vocação
perdida. A Igreja, infelizmente, tem interpretado as palavras com as quais Marcos
relatou a referência ao traidor como um chamado ao ódio. Perguntamos: O que
sabemos sobre a motivação íntima desse homem, que um dia, esperançoso e
decidido, havia abraçado o discipulado e permanecido com Jesus durante três
longos anos? Quais foram as suas esperanças colocadas nesse discipulado? Judas
Iscariotes era o único “não-galileu” entre os discípulos. Será que a frustração
crescente com suas perspectivas pessoais do futuro Reino, da forma como ele o
imaginava e não via sendo concretizada, o levaram à decisão de pôr um fim? Há
comentaristas bíblicos que levantam a hipótese de que Judas, com sua intervenção,
queria forçar Jesus a finalmente revelar seu poder. Ao invés de ver Jesus
caminhando para o poder e a glória, parecia a ele que tudo estava acabando. No
relatório de Marcos percebemos que Pedro não entendeu a quem Jesus estava se
referindo quando mencionou um traidor entre eles, nem notou o momento em que
Judas se retirou da mesa, decidido ao “agora”. “Agora” era hora de agir, pois
prestando Judas atenção às conversas, havia obtido as informações quanto ao
lugar onde o grupinho pretendia pernoitar. Era essa a oportunidade esperada!
Como já notamos, o jantar festivo teve seu início com a bênção sobre o pão.
A bênção do pão consiste em uma oração de agradecimento a Deus: “Louvado
seja Jahvé, nosso Deus, Rei do mundo, que deixa crescer o pão da terra”. Jesus
seguiu a tradição, partindo o pão, após tê-lo abençoado. (22) Enquanto comiam,
Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o, e o deu aos discípulos, O ambiente havia
ficado pesado. Jesus sabia que a morte O esperava. Havia anunciado durante todo
Seu ministério a chegada do Reino de Deus. Mesmo na certeza de sua morte
iminente, Jesus continuou crendo na manifestação desse Reino. Sua morte não
podia impedir a consumação daquilo que Deus prometera. Por essa razão ao partir
o pão, passando-o para seus discípulos, Jesus acrescentou algo novo: dizendo:
“Tomem, isto é o meu corpo”.
As palavras de Jesus passaram por tradições culturais e hoje em dia temos
dificuldades em interpretá-las corretamente. O judeu não conhece “corpo” em
contraposição à “alma”, como o grego. Para ele, o homem é uma unidade
inseparável. Portanto, Jesus não se referiu à “carne”. Suas palavras deveriam ter sido
“bis’ri” em aramaico, quando se referiu ao “corpo”. “Bis’ri” ou “sõma” (em grego)
significam o homem em sua totalidade. A palavra mais apropriada hoje seria
“pessoa”. O homem não “tem” sõma, ele é sõma (Bultmann). Com essa palavra
Jesus caracterizou o pão como Sua pessoa, seu “Eu”. “Este pão sou EU. Neste pão
EU estou presente”.
Essas palavras eucarísticas percorreram um longo caminho de tradição até
nós. Primeiro, das “Bis’ri” pronunciadas por Jesus para os usadas no primeiro século
pela igreja primitiva: “toûtó estin to soma mou” (em grego). Alguns séculos mais
tarde mudaram para o “Hoc est corpus meum” (em latim,Vulgata), usadas até o 2º
182
Concílio da Igreja Católica Romana (1965) e de lá ao “este é meu corpo”(em
português) dos nossos dias.
O mais apropriado seria portanto “Isto sou EU” ou então “Isto é a Minha
pessoa”. Seja como for, não são as “palavras certas” que salvam. O que importa
salientar é que não se trata de “carne” contrariamente a “sangue” nas palavras
eucarísticas. A Bíblia entende a pessoa como inteira, unidade inseparável.
Que benefício você tem encontrado na ceia? Quais as associações na sua
mente, quando você participa do partir do pão? O que ela significa para você?
O Evangelho de Marcos – cap.14. 23-26 NVI)
(14.23) Em seguida tomou o cálice, deu graças, ofereceu-o aos discípulos, e todos beberam. (24)
E lhes disse: “Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. (25) Eu lhes
afirmo que não beberei outra vez do fruto da videira, até aquele dia em que beberei o vinho novo no
Reino de Deus”. (26) Depois de terem cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras.
A ceia festiva da véspera da páscoa durava três horas ou mais. Não cabia
pressa. Havia oportunidade para conversa, meditação, canto e oração, enquanto
se comia. O Evangelista Marcos, no seu relato, ignorou a parte mais extensa, o
próprio jantar e menciona apenas aquilo que lhe pareceu importante para as igrejas
novas: as palavras eucarísticas.
No decorrer da história houve transformações importantes na maneira de se
comemorar a eucaristia. Vejamos: A própria ceia de Jesus obedeceu à tradição
judaica. Ao gesto da bênção do pão seguiam as palavras que hoje chamamos
“eucarísticas” sobre o pão partido. Seguia então o demorado jantar (que terminava
com o gesto do vinho), novamente com a bênção proferida, conforme a tradição,
onde Jesus acrescentou as “palavras eucarísticas” sobre o vinho. O encontro
terminava com o canto do tradicional “Hallel”, isto é, parte dos salmos 114 a 118.
A comunhão ao comer em conjunto, ainda hoje, é essencial no oriente. Assim,
também, as primeiras comunidades cristãs dos anos 30 até 40 tiveram seu “jantar
ágape” entre a bênção eucarística do pão no início e o gesto do vinho com as
palavras eucarísticas a respeito, ao encerrar a ceia (veja desenho ao final).
Pela carta de Paulo aos Coríntios (cap. 11.17-34) vemos que essa prática logo
causou problemas nas comunidades, pois havia aproveitadores que vieram somente
para “encher a barriga”. Quando ao fim do jantar em comunhão chegava a vez
dos escravos, cujo trabalho os obrigava a permanecer no serviço até tarde, não
havia mais comida nem bebida disponível. Paulo censurou duramente essa prática
e recomendou uma alteração que tornou-se prática nas igrejas paulinas até aprox.
60 d.C. O jantar “ágape” antecedeu à celebração da “eucaristia” (ou: “partir do
pão”). Esta seria celebrada somente após a alimentação de todos. Assim, todos os
que participavam do partir do pão já estavam fartos.
183
Na segunda parte do primeiro século, com o crescimento das comunidades
onde não era mais possível dar esta atenção aos participantes, houve outra
mudança. O jantar “ágape” ficou para depois da distribuição do pão e do vinho”,
não mais tendo ligação direta com a celebração. Observamos essa prática nos
Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). O próprio Marcos, cujo relato
estamos estudando, não se detém mais no jantar quando relata a “última ceia”;; ele
só menciona o “partir do pão” e o gesto do vinho. O mártir Justino († 165 d.C.) já não
sabia mais nada do “jantar ágape” e limitou a eucaristia à “distribuição das Santas
Dádivas” somente. O “jantar ágape” havia desaparecido.
Assim, tanto a missa como o culto evangélico hoje não conhecem mais o
“jantar ágape”. O seu lugar foi tomado pelo “Serviço da Palavra”, do “Sermão”.
Após este, tanto na missa como no culto evangélico, é celebrado o “partir do pão”
ou a eucaristia.
Esse breve relato tem valor informativo somente. Ele não altera o profundo
significado da “ceia” que celebramos ainda hoje. O que mudou pertence à cultura
e tradições ligadas a ela. O crescimento das comunidades logo tornou impraticável
a celebração íntima com a festa “ágape” como centro. Infelizmente perdeu-se
assim o aspecto comunitário e nivelador nas igrejas, onde ficava patente e visível
que todos eram iguais perante Deus. Não há melhor demonstração da condição
indispensável, na qual celebramos o “partir do pão” ou seja, a eucaristia: não há
nem rico nem pobre, não há escravo nem livre, nem importante nem insignificante,
nem estudado nem ignorante. Na “ceia” somos todos pertencentes à mesma
categoria, todos igualmente participantes da Graça Salvadora de Jesus.
(14.23) Em seguida tomou o cálice, deu graças, ofereceu-o aos discípulos, e
todos beberam. O jantar presumivelmente durou várias horas, com suas longas e
intensas conversas, influenciadas pelas previsões sombrias proferidas por Jesus. No
decorrer do jantar, por três vezes os participantes bebiam cada um de seu cálice.
Ao iniciar a ceia, Jesus havia pronunciado a bênção do dia. Após iniciar o jantar,
após a tradicional fórmula litúrgica de seu tempo: “Ha lachma anja...” (Este é o pão
da aflição que nossos pais comeram no Egito. Quem tiver fome, venha e coma a
páscoa...) conforme Deut. 16.3, tomou-se do cálice pela segunda vez. No fim da
ceia, pela terceira vez o cálice era levantado e o anfitrião, no nosso caso Jesus,
pronunciou as tradicionais palavras sobre o “cálice da bênção”. Para surpresa de
todos, Jesus acrescentou a este gesto algo incomum e novo: Ele passou o seu cálice
para todos, a fim de que todos dele bebessem. (24) E lhes disse: “Isto é o meu
sangue da (nova) aliança, que é derramado em favor de muitos.
Os profetas Ezequiel (cap.16) e Jeremias (cap. 31) anunciaram que algum dia
haveria algo Novo: “Eis que dias vêem, diz o Senhor, em que farei um concerto novo
com a casa de Israel e com a casa de Judá, não conforme o concerto que fiz com
seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar do Egito...” (Jer.31.31ss). No
pior ponto da história do povo judeu, no fim do séc. 6 a.C., os profetas vislumbravam
o fim temporal e qualitativo da aliança de Deus através de Moisés, quando os tirou
184
do Egito. Na comemoração da (antiga) aliança (ou concerto) através de Moisés é
que os judeus até então celebravam a páscoa.
Agora, nesse cenáculo, estava-se realizando aquilo que os profetas
anunciavam e pelo qual se esperava durante longos 500 anos: no cálice que Jesus
passou para os seus, a chegada da nova realidade era anunciada. A palavra “nova
aliança” fala do cumprimento, conclusão, superação de todas as alianças até hoje
determinadas por Deus. “Nova aliança” nada menos significa do que “realização
final”.
Podemos perguntar: como o cálice passado aos de Jesus confirma
participação nessa nova realidade, nessa “nova aliança” declarada por Deus?
Resposta: Em todo lugar onde Jesus convida à comunhão com Ele, acontecem
Graça, Perdão e Reconciliação com Deus. Essa é a “Boa Nova” do Evangelho.
O sangue é usado no judaísmo e nos escritos do Antigo Testamento como
sinônimo de morte violenta. “No meu sangue” quer dizer “graças a...” (lit. força).
“Meu sangue da nova aliança” significa, então, “Nova aliança, ratificada graças à
minha morte violenta”. Essa morte abre ao homem a possibilidade de comunhão
livre com Deus. O sangue de Jesus, figuradamente, é a razão da Nova ordem
escatológica de Salvação (lit. “do bem”).
Não há dúvida de que Jesus desde a Galiléia sabia que o que lhe esperava
era uma morte violenta. Os profetas já a anunciaram (Daniel 9.26 / Isaías cap. 53
como um todo e principalmente verso 8). Se Sua missão era verdadeira, confirmada
por Deus e não um mero engano, o propósito eterno de Deus se concretizaria
apesar dessa morte, ou melhor, através de Sua morte. Essa também seria a
interpretação que o apóstolo e teólogo Paulo nas suas epístolas daria mais tarde.
O Evangelista Mateus acrescentou ao gesto de Jesus em passar o cálice para
todos, o imperativo: “Bebam todos dele” (Mat. 26.27b). Na comunhão da “ceia”
anunciamos a Nova Ordem e sua plenitude na consumação dos tempos. Hoje já
estamos fazendo parte da realidade apocalíptica.
Pouco mais tarde, nas comunidades não-judaicas, gregas, o apóstolo Paulo e
com ele Lucas, acrescentam as palavras “façam isso em memória de mim” para
melhor compreensão dos cristãos sem conhecimento da tradição judaica (Lucas
22.19).
No “cálice da bênção” a ênfase está na “Nova aliança” graças ao “sangue”
(como sinônimo de morte violenta) e não no “sangue” em si. O cálice anuncia a
Nova Aliança de Deus, graças ao sangue derramado de Jesus. Ele anuncia uma
Nova ordem, onde a obra de Deus é fundamental e não mais a obediência aos
mandamentos, sempre falhos. A Nova ordem estabelece o perdão dado, a
reconciliação feita. Qualquer um que chegar à presença de Deus tomando posse
daquilo que Jesus lhe concedeu, será aceito e será salvo.
185
A Igreja, no decorrer dos séculos, tem infelizmente recorrido à superstição na
distribuição dos assim chamados “elementos da ceia” ou da missa. Tem incorporado
o conceito pagão de “carne” e “sangue”, algo totalmente estranho ao pensamento
judeu e bíblico. Decorrendo dessa aculturação dos conceitos bíblicos nasceram as
mais cruéis brigas, heresias e superstições quanto à “carne” e “sangue” distribuídos
na eucaristia.
(25) Eu lhes afirmo que não beberei outra vez do fruto da videira, até aquele
dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”. “Amém”, disse Jesus (o que é
traduzido com “eu lhes afirmo”) “esta será a última vez que cearei com vocês”. O
termo “fruto da videira” não deve ser tomado literalmente. Ele compreende a ceia
como um todo. Usar este termo para querer provar que Jesus tomou suco e não
vinho, como alguns querem, beira ao ridículo e denuncia ignorância.
“Não mais” ou “não outra vez” como na tradução na NVI, é no grego
(literalmente “me”) a forma mais determinada de negar uma ação futura. Com a
ceia que acabara de celebrar depois daquelas palavras Jesus encerrou uma
prática; era a última ceia conforme o rito antigo. Se Ele, de um lado, tinha plena
convicção daquilo que Ele enfrentaria da parte do clero (portanto não mais cearia
aqui com os seus), Ele expressou profunda certeza quanto ao Reino de Deus e sua
concretização através da morte dEle. Aquilo que nessa “última ceia” tinha seu
término, encontrará sua plenitude e concretização nas “bodas do cordeiro”, como
João, o visionário, definiu (Apoc 19.7) e cearemos novamente com Ele (Apoc. 3. 20).
O “partir do pão” assim se transforma em uma gloriosa visão daquilo que está
reservado aos que a Ele pertencem.
(26) Depois de terem cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras. A
comemoração festiva teve seu fim com o canto do tradicional salmo. Como Marcos
escreveu para “não-judeus” que não conheciam os salmos, ele colocou “um hino”
no lugar de “salmo”. Cansado e pensativo, o grupo com os onze e seu Mestre saiu
para o escuro da noite.
186
M
83
AGAPE
CEIA
CEIA
AGAPE
O Evangelho de Marcos – cap.14. 27-31 NVI)
(14.27) Disse Jesus: “Vocês todos me abandonarão. Pois está escrito: ‘Ferirei o pastor, e as
ovelhas serão dispersas’. (28) Mas, depois de ressuscitar, irei adiante de vocês para a Galiléia”. (29)
Pedro declarou: “Ainda que todos te abandonem, eu não te abandonarei!” (30) Respondeu Jesus:
“Asseguro-lhe, que ainda hoje, esta noite, antes que duas vezes cante o galo, três vezes me negarás“.
(31) Mas Pedro insistia ainda mais: “Mesmo que seja preciso que eu morra contigo, nunca te negarei”.
E todos os outros disseram o mesmo.
O anúncio de Jesus, de que um entre seus seguidores seria o instrumento
através do qual Jesus acabaria nas mãos de seus inimigos, deveria ter causado
muita discussão e contradições entre seus discípulos. Jesus não tinha ilusões quanto
ao que as próximas horas trariam. No seu íntimo, tinha chegado à conclusão que no
momento crucial todos seus seguidores O abandonariam. Lembrou de uma palavra
do profeta Zacarias: (14.27) Disse Jesus: “Vocês todos me abandonarão. Pois está
escrito: ‘Ferirei o pastor, e as ovelhas serão dispersas’ (Zac.13.7).
Você consegue imaginar a dor sentida pelo “Bom Pastor” ao prever a
dispersão dos “seus” em conseqüência de sua morte iminente? O que O consolava
foi a firme esperança da intervenção de Deus Pai. A morte física não invalidaria o
propósito Divino o qual Ele, Jesus, anunciara. Não, Ele novamente apareceria aos
seus, na mesma Galiléia onde, pela primeira vez, tinha chamado os Doze para o
discipulado. (28) Mas, depois de ressuscitar, irei adiante de vocês para a Galiléia”.
Pedro, sempre precipitado, não estava interessado no que Jesus acabara de dizer.
O que o interessava era o “agora”. A previsão da debandada geral havia ferido
gravemente seu orgulho. Será que Jesus não sabia que ele, Pedro, era homem em
que o mestre podia confiar? Os demais talvez fugissem quando a situação
esquentasse, mas ele não!
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(29) Pedro declarou: “Ainda que todos te abandonem, eu não te
abandonarei!” Algo tão incrível como abandonar seu Senhor, Pedro não era capaz
de imaginar. Sinceramente, convencido de si mesmo, julgou impossível o que pouco
tempo depois faria de maneira tão vergonhosa.
Não pense que você seja melhor que Pedro! Seu problema era que não
conhecia a si mesmo o suficiente; exatamente o problema seu, meu e de todos nós
que procuramos saber quem somos até no divã do psicanalista, nos dias atuais.
Como irei reagir em situações que não conheço, se nem a mim mesmo conheço o
suficiente? É dessa problemática que o salmista fala quando clama no salmo
139.23,24: “ Sonda-me, o Deus, e conhece o meu coração...”. O grande Davi, após
ter sido surpreendido pelo seu próprio pecado, confessou que somente “na tua luz
vemos a luz” (Salmo 36.9). Você já chegou a esta conclusão? Somente Um me
conhece o suficiente e faço bem em convidá-lO a dirigir meus passos. “Vê se em
minha conduta algo te ofende, e dirige-me pelo caminho eterno” (Salmo 139.24).
(30) Respondeu Jesus: “Asseguro-lhe, que ainda hoje, esta noite, antes que
duas vezes cante o galo, três vezes me negará“. Jesus viu diante de si não somente
um possível abandono da parte de Pedro em qualquer dia futuro. Numa
declaração chocante, Jesus marcou a iminência do previsto: “antes que duas vezes
cante o galo” – na terceira das quatro vigílias da noite, entre meia-noite e três da
manhã iria acontecer o incrível. Jesus tinha que seguir seu caminho sozinho. O
Evangelista João nos relata uma conversa em que Pedro havia se oferecido para
seguir Jesus até a morte (João 1337,38). Aparentemente não era capaz de entender
o teor do que Jesus lhe disse e insistiu em professar sua lealdade: (31) Mas Pedro
insistia ainda mais: “Mesmo que seja preciso que eu morra contigo, nunca te
negarei”. E todos os outros disseram o mesmo. No termo “todos” não reside
segurança: “todos” podem estar errados em suas concepções. Hoje sabemos que
apesar de sua intenção de manterem-se unidos ao seu Senhor, todos o
abandonaram e fugiram quando O viram ser preso e levado embora.
Eles haviam se unido ao seu Senhor sendo convencidos de que, através dEle, o
prometido Reino de Deus tornaria forma, aconteceria nessa terra e eles estariam
com Ele neste Reino. Um fim tão trágico da empreita, como estava a anunciar-se,
estava fora do que eram capazes de entender. Preferiram apostar em alguma
dificuldade passageira que, unidos, venceriam. De alguma forma, seu Senhor ia se
livrar e triunfar sobre seus inimigos.
Talvez possamos tirar duas pequenas lições para nossa vida. A primeira: para
os discípulos não havia como entender a situação de outra maneira senão a
conclusão a que chegaram. Estavam dispostos a continuarem com seu Senhor. No
entanto, O abandonaram. De maneira similar, nós tampouco somos capazes de
cumprir promessas a Jesus. Podemos, sim, pedir que Ele nos guarde e guie. O poder
de nos mantermos fiéis ao Senhor não está conosco... está com Ele. Não caia na
tentação de prometer a Deus o que não está em suas mãos!
188
O segundo ensinamento do episódio consiste em perceber que Jesus, na
situação em que se encontrava, consciente do perigo que corria, não armou um
plano para enfrentar o inevitável. Pela segunda vez deveria ter ouvido o inimigo
sussurrar no seu ouvido o que lhe havia proposto no deserto logo após ter sido
batizado por João: “Tudo isso te darei, se você me adorar” (Mateus 4.9). Ainda dava
tempo para armar uma solução e entender-se com o clero. No entanto, mais uma
vez Jesus decidiu confiar no Seu Pai e esperar Seu livramento da parte dEle.
Quantas vezes não estamos em
situações onde temos que decidir se
optamos por livramento pelas próprias
mãos ou, então, por esperar sermos
justificados por Deus. Essa segunda
alternativa se chama fé. Ela funciona
enquanto estamos nos caminhos de
Deus. Não funcionará se você espera
que Deus o livre das conseqüências da
malandragem.
O seu caminho que você está
trilhando, permite a você esperar o
livramento da parte de Deus?
O Evangelho de Marcos – cap.14. 32-42 (NVI)
(14.32) Então foram para um lugar chamado Getsêmani, e Jesus disse aos seus discípulos:
“Sentem-se aqui enquanto vou orar”. (33) Levou consigo Pedro,Tiago e João, e começou a ficar aflito
e angustiado. (34) E lhes disse: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem
aqui e vigiem”. (35) Indo um pouco mais adiante, prostrou-se e orava para que, se possível, fosse
afastada dele aquela hora. (36) E dizia: “Abba,Pai, tudo te é possível. Afaste de mim este cálice;;
contudo, não seja o que eu quero, mas sim o que tu queres”. (37) Então, voltou aos seus discípulos e
os encontrou dormindo. “Simão”, disse Ele a Pedro, “você está dormindo? Não pode vigiar nem por
uma hora? (38) Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O Espírito está pronto, mas a carne
é fraca.” (39) Mais uma vez Ele se afastou e orou, repetindo as mesmas palavras. (40) Quando voltou,
de novo os encontrou dormindo, porque seus olhos estavam pesados. Eles não sabiam o que lhe
dizer. (41) Voltando pela terceira vez, Ele lhes disse: “Vocês ainda dormem e descansam? Basta!
Chegou a hora! Eis que o Filho do homem está sendo entregue nas mãos dos pecadores. (42)
Levantem-se e vamos! Aí vem aquele que me trai!”
(14.32) Então foram para um lugar chamado Getsêmani. O caminho pelo
qual o grupo dos homens saiu da cidade, cansado e conturbado, é uma rota antiga
em uso há séculos. Por ela fugiu o rei Davi de seu filho sedento pelo poder, há 1000
anos, descalço e chorando, junto com seus homens (2 Sam.15.23). O caminho por
onde o pequeno grupo se movimentou, nesse dia do mês era iluminado pela pálida
luz da lua e, à direita dos homens cansados, erguiam-se vários grandes túmulos que
189
lançavam longas sombras. O de Zacarias, em forma de pirâmide e que ainda hoje
existe, já estava ali quando Jesus por ele passou, rumo ao jardim Getsêmani à
procura de solidão. O apóstolo João menciona um jardim sobre o ribeirão Cedrom
(18.1), onde Jesus ia muitas vezes com seus discípulos. Desde o século 4 este jardim é
localizado perto desse riacho. Aos peregrinos atuais, três locais são apresentados: o
jardim Franciscano, o Getsêmani russo e Getsêmai armênio. O nome “Getsêmani”
tem sua raiz em duas palavras hebraicas: “gath” (Prensa) e “Shemânîm” (Azeite).
Supõe-se que naquele jardim com suas grandes oliveiras havia uma prensa para o
precioso produto. Bom azeite só podia ser produzido em locais frescos, por exemplo
em cavernas. Portanto, a descoberta de uma caverna natural com a entrada de 10
por 17 metros ajudou a localizar este jardim que no tempo de Jesus era propriedade
particular e murado. Outras vezes Jesus já o havia procurado para o descanso ou
para o pernoite.
... e Jesus disse aos seus discípulos: “Sentem-se aqui enquanto vou orar”. Para
os discípulos não era algo incomum Jesus retirar-se para orar sozinho. Muitas vezes O
viram fazer isso. Neste momento, o coração de Jesus estava sedento da comunhão
com seu Pai Celeste; Ele precisava, com urgência, sentir que não estava
abandonado pelo Pai, uma vez que já sabia que ficaria só dentro de poucas horas.
A grande maioria dos seus seguidores não havia captado o quanto seu mestre
estava angustiado.
Assim, Jesus se afastou do grupo que, provavelmente na entrada da caverna,
havia se instalado para o merecido descanso. O dia havia sido longo, começara
com a procura do local para a ceia pascal, com os preparativos em si e depois com
a demorada ceia que ocorreu sob as sinistras previsões de uma possível traição. As
palavras de despedida haviam deixado o grupo confuso. (33) Levou consigo Pedro,
Tiago e João, e começou a ficar aflito e angustiado. Relatórios posteriores, assim
como o Evangelho de João, não mencionaram mais a tamanha aflição e angústia
pela qual Jesus passava, com medo de, com isso, diminuir a glória do Senhor. Jesus
precisava da comunhão não só com Deus; Ele procurou também a proximidade dos
três discípulos principais, nos quais Ele mais confiava. Estes se tornaram testemunhas
oculares da agonia que havia tomado conta do seu Mestre.
A vontade do Pai, durante os três anos de ministério sempre procurada e
cumprida, a esta altura exigiu alguma coisa a mais, algo que Jesus ainda não
conhecia. O doador da vida, Cristo, do qual a morte e as doenças haviam fugido
tantas vezes durante seu ministério, ao qual a morte não tinha direito adquirido,
entendeu que chegou a hora de dar a sua vida pelas vidas de seus amigos. (34) E
lhes disse: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem
aqui e vigiem”. (35) Indo um pouco mais adiante, prostrou-se e orava para que, se
possível, fosse afastada dele aquela hora. Os três observavam como Jesus se afastou
um pouco e, ao contrário do costume judeu de orar com mãos erguidas, caindo no
chão e “prostrado em terra” começou a clamar com voz alta. Por algum tempo O
escutaram, mas logo o cansaço os venceu.
Já houve perguntas e escândalos pelo fato do Filho de Deus, tendo dado há
muito tempo seu “sim” aos caminhos do Pai, ter caído em tal angústia e pavor
190
perante a morte. Apontaram para pessoas que, a contrário de Jesus, a enfrentaram
com serenidade, como Sócrates, por exemplo. Quem olha o episódio de Getsêmani
desse ângulo, não tem compreendido o sentido da história da Salvação. Deus veio
em carne (“incarnatus est”). A luta do homem-Deus era, mas não unicamente,
contra a morte física. Jesus estava sendo afligido porque procurava da parte do Pai
a confirmação de que essa sua morte não seria em vão. Enquanto o teólogo Paulo,
mais tarde, compreendeu pelo Espírito Santo que em Jesus o sacrifício perfeito foi
realizado, justificando os homens de uma vez para todas e tornando desnecessários
outros sacrifícios, para Jesus essa certeza ainda era fé e obediência aos caminhos
do Pai. Até então, Jesus nunca havia questionado a vontade do Pai para com Ele.
Agora, porém, frente à morte, o pavor era natural pois Jesus era tanto homem (e
sofreu a morte como tal), quanto Deus, que, em pessoa, fora julgado, rejeitado e
sacrificado. Essa compreensão dupla fez Jesus tremer. (36) E dizia: “Abba,Pai, tudo te
é possível. Afaste de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, mas sim o
que tu queres”. Como homem, era pesado demais cumprir a profecia que Jesus
bem conhecia (leia Isaías cap. 53). Dentro de poucos minutos poderia alcançar o
cume do monte das Oliveiras e desaparecer na escuridão, quem sabe para depois
tentar outro começo. A tentação era grande, mas outra vez Jesus decidiu em favor
da obediência ao Pai.
(37) Então, voltou aos seus discípulos e os encontrou dormindo. “Simão”, disse
Ele a Pedro, “você está dormindo? Não pode vigiar nem por uma hora”? Somente
Marcos nos traz a pergunta tão direta e amarga de Jesus a Pedro: “Simão, tu
dormes? Não podes vigiar comigo nem por uma hora?” Pedro nunca a esqueceu.
(38) Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O Espírito está pronto, mas a
carne é fraca.” Jesus viu o perigo até por parte de seus seguidores. Vigiem! E como
para justificar o pavor que Ele mesmo sentia, confessou (parafraseando): “meu
espírito está pronto, mas eu sou fraco, preciso de sua ajuda e companhia!”. (39)
Mais uma vez Ele se afastou e orou, repetindo as mesmas palavras. (40) Quando
voltou, de novo os encontrou dormindo, porque seus olhos estavam pesados. Eles
não sabiam o que lhe dizer. Após outra vez derramar seu coração perante seu Pai,
encontrou seus discípulos cochilando e quando os chamou, estes não sabiam nem
justificar seu comportamento. Estavam simplesmente exaustos e sonolentos demais
para notar o que se passava.
(41) Voltando pela terceira vez, Ele lhes disse: “Vocês ainda dormem e
descansam? Não sabemos por quanto tempo Jesus orou. Suas palavras, quando
voltou pela terceira vez, revelaram decepção e aceitação do fato ao mesmo
tempo. O mestre agora lhes pareceu diferente: seguro e decidido. Exortou seus
amigos sonolentos a se levantarem: Basta! Chegou a hora! Eis que o Filho do homem
está sendo entregue nas mãos dos pecadores. (42) Levantem-se e vamos! Aí vem
aquele que me trai!” Na conversa com Seu Pai havia recebido força e confirmação
para o seu caminho.
Ainda enquanto falava, ouviu barulho de gente, viu luzes trêmulas de tochas
acesas iluminando o bosque. Na entrada da caverna Jesus ficou esperando pela
chegada da turba barulhenta que se aproximou. Só uma pessoa podia saber onde
191
Jesus se encontrava a essa hora: Judas, aquele que saiu durante a ceia e
desapareceu na noite (João 13.30).
O Evangelho de Marcos – cap.14. 43 (NVI)
(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze.
Os relatos a partir desse momento são fragmentados. Enquanto a prisão de
Jesus aconteceu rapidamente e no meio de uma confusão geral, os
acontecimentos posteriores, como interrogatórios e julgamento, carecem de
testemunhas de dentro do círculo dos discípulos. Fatos isolados, relatados ou
lembrados por pessoas, que mais tarde se tornaram cristãs, montaram a história
como a temos nos quatro Evangelhos. Por essa razão há notáveis diferenças nos
quatro relatos quanto ao que realmente aconteceu naquela noite. O Evangelho de
Marcos, como o mais antigo e o de João nos parecem ser os mais exatos. No relato
de Marcos (Pedro) há lacunas, momentos dos quais o evangelista não dispunha de
informações. O Evangelho de João muitas vezes nos ajuda a preenchê-las. É nos
relatos da paixão que os vestígios da tradição da Igreja aparecem mais
nitidamente. Percebemos evoluções na compreensão daquilo que transformou o
mundo, abrindo o Reino de Deus a nós que estávamos longe dele. Nós, os gentios.
(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze. O exemplo
mais dramático de como a tradição consegue influenciar a crença é a pessoa de
Judas. Depois da prisão de Jesus, ele não aparece mais no Evangelho de Marcos,
desaparecendo assim na escuridão da história. De lá para cá, sua imagem foi-se
mudando ano a ano para pior. No Evangelho de Mateus, posterior ao de Marcos,
ele já apareceu com o título de “ávido por dinheiro que finalmente se enforcou”
(26.14 e 27.3-10). Em Lucas é apresentado como “traidor possesso pelo diabo” (6.16
e 22.3) e em Atos “sofre uma morte horrível e acaba no inferno” (1.16-20/25). No
Evangelho de João, escrito mais tarde ainda, é chamado de “diabo e ladrão”, que
traiu o mestre por dinheiro (6.70 e 12.6). Pelos anos 120/130, Papias, um dos pais da
Igreja, apresentou nos seus escritos Judas como exemplo supremo do “homem da
perdição, cujo cadáver, quando esticado no chão, cheirava tão mal que ninguém
podia passar por perto sem tampar o nariz”. Como se tornou possível que esse
discípulo que andou durante três anos com seu Senhor, acabou sendo amaldiçoado
e lembrado dessa forma?
Os primeiros cristãos, historicamente tão perto do martírio de Jesus, não
conseguiam aceitar o fato da traição por alguém em que o Mestre confiava. A
traição despertava nos primeiros cristãos as emoções e os sentimentos que hoje
vemos espelhados nos escritos, quando se referem a Judas. Não somos melhores do
que eles, que pelo menos ficaram profundamente revoltados. A traição de Jesus
simplesmente não nos comove como antigamente o fez. O que é pior?
Até hoje, a pessoa de Judas continua envolta em mistério. O movimento
gnóstico dos primeiros séculos procurava justificá-lo, criando uma realidade espiritual
atrás daquela que Jesus anunciava. Judas teria servido a essa. O “Evangelho de
192
Judas”, recém-descoberto, sem valor histórico, é um exemplo dessa interpretação
fantasiosa. Na procura do verdadeiro Judas e da motivação para seu ato
tampouco faz sentido a carimbá-lo simplesmente como ladrão, que por dinheiro
vendeu seu mestre. Tão simples não é! Havemos de procurar mais a fundo.
Primeiramente devemos entender em quê a tal “traição” consistia. Parece que
Judas se dispôs a informar às autoridades religiosas a respeito de hora e lugar onde
podiam prender Jesus sem que houvesse tumulto, e “sem que a multidão estivesse
presente” (Luc.22.6). A cidade estava repleta de peregrinos e qualquer ação malsucedida, como confusão ou engano quanto à pessoa aprisionada, podia
desencadear desordem e perigo para o clero, pois os militares romanos estavam de
prontidão por causa da festa.
Na pergunta a respeito do “porquê” mergulhamos mais fundo. Judas
certamente não era um “espião” infiltrado no grupo dos Doze, como já fora
sugerido. Tudo indica que ele se juntou aos muitos seguidores (dentre os quais mais
tarde foi convidado para fazer parte dos Doze) vindo da remota vila de KerijotHezron ao sul de Hebron. Todos os demais discípulos eram galileus, vindos da região
onde Jesus iniciou seu ministério. Judas como único “não-galileu” veio de longe, o
que prova que seu anseio pela nova mensagem era verdadeiro. Parece que foi
exatamente esse anseio pela concretização do Reino de Deus que o levou à ruína.
A partir das declarações de Jesus quanto ao sofrimento que O aguardava,
Judas viveu uma profunda e crescente decepção para com o seu Mestre. Talvez
ainda tivesse chegado à Jerusalém na expectativa da imediata e poderosa
revelação desse Reino, mas para seu desencanto teve que constatar que, a partir
da purificação do Templo, tudo apontava para a catástrofe e o fim. A certa altura,
quem sabe já enquanto na Galiléia, talvez somente em Jerusalém, Judas entrou em
contato com as autoridades religiosas. Por João (11.45-57) sabemos que essas,
quando ouviram os relatos da ressurreição de um morto por Jesus (Lázaro) e que
chegaram a causar espanto em Jerusalém, editaram um decreto que obrigava
cada judeu fiel a denunciar o paradeiro de Jesus. Da mesma forma os decretos
papais durante o longo período da Inquisição obrigavam os fiéis a denunciarem
hereges, mesmo se da própria família. Assim, Judas se via entre sua crescente
decepção com o “projeto do Reino” e sua obrigação como fiel judeu perante as
autoridades religiosas. No seu íntimo havia optado por, na hora oportuna, entregar
seu Mestre. A gota d’água foi o incidente na casa de Maria, em Betânia (veja
Marcos 14.10,11). Ali Jesus havia declarado, quando ungido por uma mulher,
considerar o ato como sua “preparação para o sepultamento”. Sepultamento? Fora
essa a visão do seu mestre? Daí em diante, para Judas era somente uma questão
de tempo e oportunidade pular do barco e pôr fim a esse “movimento fracassado”.
Caso for essa a interpretação correta, como a maioria dos comentaristas
aposta, a história de Judas é uma tragédia. Tragédia de um homem cujo projeto de
vida ruiu. Enquanto os demais discípulos, embora desorientados, continuavam fiéis a
seu Mestre, Judas era radical. Alguns levantam a hipótese de que Judas, com sua
193
ação, queria forçar Jesus a mostrar poder, quase obrigá-lo a revelar quem era,
trazendo o Reino “agora e já”.
Mateus sabe de um posterior remorso de Judas quando ele percebeu seu erro, o
que só aumentou a sua tragédia (Mateus 27.1-10).
Seja como for, quem somos nós para julgar a esse homem e mandá-lo para o
inferno? A nossa história brasileira conhece muitos que se escandalizaram com
Cristo, pois não O entenderam. Hoje, grandes personalidades, jornalistas de rádio e
TV contam prazerosamente como um dia estavam perto do Evangelho, mas devido
“ao que viram e viveram”(entre os “cristãos”), chegaram a escandalizar-se com
Cristo e hoje O desprezam e disso ainda se gabam, bem ao contrário de Judas.
Você que lê, se você está seguindo a Jesus, peça a Ele que Ele o(a)
mantenha fiel. Você sozinho corre perigo de vida, se continuar julgando somente
pelo que você consegue ver e sentir: bênçãos, revelações, provas.
Dê liberdade a Jesus para usar tudo quem lhe ocorrer para seu bem eterno!
O Evangelho de Marcos – cap.14. 43-52 (NVI)
(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze. Com ele estava uma multidão
armada de espadas e varas, enviada pelos chefes dos sacerdotes, mestres da lei e líderes religiosos.
(44) O traidor havia combinado um sinal com eles: “Aquele que eu saudar com um beijo, é ele:
prendam-no e levem-no em segurança”. (45) Dirigindo-se imediatamente a Jesus, Judas disse:
“Mestre”, e o beijou. (46) Os homens agarraram Jesus e o prenderam. (47) Então, um dos que
estavam por perto puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha. (48)
Disse Jesus: “Estou eu chefiando alguma rebelião, para que vocês venham me prender com espadas
e varas? (49) Todos os dias eu estive com vocês, ensinando no Templo, e vocês não me prenderam.
Mas as Escrituras precisam ser cumpridas”. (50) Então todos O abandonaram e fugiram. (51) Um
jovem, vestindo apenas um lençol de linho, estava seguindo Jesus. Quando tentaram prendê-lo, (52)
ele fugiu nu, deixando o lençol para trás.
(14.43) Enquanto Ele ainda falava, apareceu Judas, um dos Doze. Com ele
estava uma multidão armada de espadas e varas, enviada pelos chefes dos
sacerdotes, mestres da lei e lideres religiosos. Judas não sabia ao certo onde o
grupo poderia ter ido depois de terem deixado o Cenáculo, mas como o Getsêmani
era um lugar que Jesus visitava com freqüência, ele tentou essa possibilidade e foi a
correta. Judas vinha à frente da turba que logo se aproximou do grupinho assustado
em volta do Mestre.
Quem, afinal, prendeu Jesus? Nesse ponto, há muita divergência. Enquanto
os três Evangelhos sinóticos apontam para autoridades judaicas, João menciona o
destacamento de soldados romanos e foram estes que prenderam Jesus.
Reconhecidos peritos judaicos contemporâneos (Haim Cohn), terminantemente
excluem a possibilidade de terem sido judeus os que prenderam Jesus, pelo simples
fato de os romanos nunca se terem dado a apoiar uma ação movida pelo clero. O
194
clero com sua Polícia do Templo bem podia prender, julgar e até aplicar castigos
segundo a lei, mas nesses casos os romanos não interferiam: era assunto religioso
que não os interessava. Uma cooperação dos dois poderes parece improvável; as
fontes históricas da época deixam isso evidente. Sobra só uma compreensão do
texto, coincidindo com o relato do discípulo e apóstolo João, embora sendo
negligenciada nas interpretações costumeiras: foi uma escolta romana que prendeu
Jesus (João 18.12). Em sua companhia ou atrás vieram representantes da polícia do
Templo e alguns religiosos. Na escuridão, bem parecia ser uma multidão se
aproximando: soldados com espadas, e junto o bando com porretes (não varas), e
se constituía na tropa do Templo. Judas, indo à frente, dirigiu-se imediatamente
(como o texto frisa) a Jesus, identificando-O dentre o grupo.
(44) O traidor havia combinado um sinal com eles: “Aquele que eu saudar
com um beijo, é ele: prendam-no e levem-no em segurança”. (45) Dirigindo-se
imediatamente a Jesus, Judas disse: “Mestre”, e o beijou. O beijo de Judas ficou
para a história, provocando horror e repúdio ao longo das gerações. Foi o sinal para
que não houvesse demora e, mais importante, pudessem levar Jesus “em
segurança”, isto é, rapidamente, evitando tumulto. (46) Os homens agarraram Jesus
e o prenderam. Na confusão que se seguiu, cada uma das testemunhas acabou
vendo algo levemente diferente. Enquanto Pedro, como pai do Evangelho de
Marcos, não percebeu reação nenhuma da parte de Jesus quando o traidor o
apontou para os soldados, Mateus e João, cada um, lembravam desse momento
dramático de forma diferente. (47) Então, um dos que estavam por perto puxou a
espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha. Todos os quatro
Evangelistas mencionam a reação “de um dos que estavam por perto”. Esse
“alguém” aproveitou a pequena confusão que havia se instalada e avançou com a
espada, ferindo um servo do sumo sacerdote, evidentemente à frente junto com
Judas. Foi censurado pelo próprio Jesus; aí ele recuou e fugiu. Era Pedro, aquele que
havia jurado fidelidade a Jesus, pouco antes. Somente João nos revelou a
identidade desse “alguém” (João 18.10-11). Supõe-se que somente quando não
podia mais ser possível punir a Pedro (porque já havia falecido), que João tornou
pública a identidade do único que procurou resistir à prisão de Jesus.
Aqui deveria seguir o verso 50: Então todos O abandonaram e fugiram. Todo
episódio no jardim não durou mais do que alguns minutos. Jesus estava sendo
levado embora, e somente João observou que “amarrado”, como se fosse um
criminoso.
A polícia do Templo, presente, nada teve a fazer na prisão de Jesus, exceto tirá-lo
da custódia romana tão rápida e discretamente quanto possível e levá-lo à
presença do sumo sacerdote.
A defesa verbal de Jesus, dirigida aos religiosos, encaixada entre os versos 47 e
50, parece pertencer ao interrogatório posterior. Marcos a colocou para o momento
da prisão. (48) Disse Jesus: “Estou eu chefiando alguma rebelião, para que vocês
venham me prender com espadas e varas? (49) Todos os dias eu estive com vocês,
ensinando no templo, e vocês não me prenderam. Mas as Escrituras precisam ser
195
cumpridas”. Estes “vocês” aos quais Jesus se referiu, eram os chefes dos sacerdotes,
obviamente. Ele os encarará logo em seguida.
(51) Um jovem, vestindo apenas um lençol de linho, estava seguindo Jesus.
Quando tentaram prendê-lo, (52) ele fugiu nu, deixando o lençol para trás. Somente
Marcos registrou esse acontecimento, considerado pela maioria dos comentaristas
como sendo João Marcos. Seus algozes quase o pegaram, não fosse sua espantosa
destreza em livrar-se da camisa (lençol) escapando no fim. É dessa forma sutil que o
autor “assina em baixo com letras minúsculas”, seu Evangelho, como pintores
costumam fazer, escondendo sua identidade. Da casa da mãe, onde possivelmente
se deu a última ceia, havia seguido ao grupo, observando de longe. Interessante
notar que o destacamento de soldados que veio prender Jesus, não demonstrou
nenhum interesse em aprisionar também os seguidores do “pregador da Galiléia”.
Não representavam também eles perigo para a ordem pública?
Na lição seguinte procuraremos entender por que Jesus fora levado à
presença do sumo sacerdote e não para uma prisão romana, a poucos metros do
jardim, no Forte Antônia. Quem, afinal, havia dado a ordem de prisão?
O Evangelho de Marcos – cap.14. 53a (NVI)
(53a) Levaram Jesus ao sumo sacerdote;...
Antes de continuarmos, devemos inteirar-nos a respeito da pessoa e da
função do sumo sacerdote, bem como dos líderes religiosos e do Sinédrio presidido
por ele. Dois mil anos de interpretação livre, sem conhecimento de leis judaicas e
jurisdição da época, fizeram das personagens acima pessoas mal intencionadas,
preocupadas apenas em como matar Jesus. Embora não saibamos se Caifás (o
sumo sacerdote) era homem íntegro ou se era desprovido de honestidade e
decência, impelido em ações insinceras, devemos partir da premissa de seu
interesse em um julgamento a favor do bem nacional e religioso judeu. Se já de
início carimbamos as autoridades judaicas como culpadas pela morte de Jesus,
falhamos com a verdade. Essa se apresenta um pouco mais complexa e é ela que
nos interessa.
Era lei judaica que o sumo sacerdote fosse designado vitaliciamente, sendo
indicado pelo “Grande Sinédrio dos Setenta e Um”, mas os governadores romanos
introduziram a novidade de que a nomeação seria feita e desfeita por eles ao seu
bel-prazer. Dessa forma, os sumo sacerdotes sempre eram romanófilos (simpáticos
aos romanos), de confiança e através deles os romanos podiam efetivamente
controlar os judeus. Ao mesmo tempo, o sumo sacerdote era o símbolo do orgulho e
aspirações nacionais judaicas e de sua superioridade religiosa. A vida nacional
religiosa concentrava-se no Templo em Jerusalém, do qual o sumo sacerdote era o
elevado guardião e supremo comandante. Ele era o único homem “eleito” e
qualificado para entrar no Sagrado dos Sagrados, no Templo, uma vez por ano
(Levítico 16.32); ele, que estava mais próximo de Deus e ungido para representar o
povo perante de Deus.
196
A polícia do Templo era a única força armada judaica oficialmente tolerada.
O sumo sacerdócio limitava-se a umas poucas famílias da aristocracia saducéia, um
único clã em Jerusalém, que tinha os recursos necessários para pagar os elevados
custos decorrentes do cargo. Sabemos que a nomeação para o sumo sacerdote
tornara-se uma fonte lucrativa de receita privada para os governadores romanos –
se um ocupante do posto não podia ou não queria pagar o preço, seria deposto, e
um mais acessível o substituiria.
Do ponto de vista das relações externas, o sumo sacerdote era
encarado pelo governador romano como chefe e porta-voz da nação judaica. Essa
preferiu que qualquer contato inevitável com o inimigo romano fosse feito por seu
próprio fantoche. Era uma situação curiosa e ambivalente: por um lado, os judeus
desprezavam os sumo sacerdotes como fantoches dos romanos; por outro, tinham
de usar e usaram os bons ofícios sacerdotais em mediação com as autoridades
romanas. Os judeus desprezavam os sumo sacerdotes por suas relações saducéias e
por seus defeitos morais, profissionais; por outro lado, tinham que reconhecê-los e os
reconheciam como ocupantes legais do mais alto posto nacional e religioso.
Não se sabe muito sobre Caifás, sumo sacerdote perante o qual Jesus
compareceu. Consta no Evangelho de João que era genro de um precursor de
nome Anás (João 18.13). Vemos tanto Anás como Caifás qualificados durante o
governo de Pilatos (Lucas 3.2). Caifás ocupou o posto por dezoito anos, de 18 a 36,
um período muito mais longo do que o de Pilatos como governador da Judéia. Foi
dito que o próprio fato de que Pilatos permitiu a Caifás permanecer no cargo sem
perturbá-lo durante o seu mandato, depõe a favor de uma grande amizade e um
estreito entendimento entre os dois (Josefo, Antiguidades, 18,2,2). Sugeriu-se também que
o sucessor de Pilatos livrou-se de Caifás como um gesto amistoso de conciliação
para com os judeus, que detestavam o sumo sacerdote pelo que fizera com Jesus.
O fato de que era uma pessoa nomeada por Roma, que em última análise
devia responder por seus atos diante do governador romano e que era por ele
destituível, deve ter estimulado a aspiração natural do sumo sacerdote para dirigir os
assuntos internos dos judeus tão branda e eficientemente que não haveria qualquer
fundamento para uma interferência militar romana. Do outro lado, lhe seria de
pouca ajuda ser reconhecido como sumo sacerdote pelo governador romano, se
como tal não fosse aceito pelos próprios judeus.
O governador romano da Judéia, por sua vez, era inacessível, porque suas
ambições e seu dever que tinha de executar nessa odiada terra da Judéia, eram
tão incompatíveis e sem afinidade com as – para ele - “idéias nativas, inteiramente
bárbaras e a cosmovisão de um povo deploravelmente retardado” como o dos
judeus, que prestar muita atenção à algazarra deles seria perda de tempo e de
esforço.
Após olharmos a pessoa do sumo sacerdote e a situação difícil na qual este se
encontrava quando Jesus foi julgado, estudaremos a função e o âmbito legal do
Sinédrio, presidido por ele. Uma concepção mais clara a respeito dessas autoridades
religiosas e suas funções nos permitirá entender melhor aquilo que naquela noite
antes do Pessach (páscoa) realmente aconteceu.
197
O Evangelho de Marcos – cap.14. 53-55 (NVI)
(53b) ... e então se reuniram todos os chefes dos sacerdotes, os líderes religiosos e os mestres da lei.
(54) Pedro os seguiu de longe até o pátio do sumo sacerdote. Sentando-se ali com os guardas,
esquentava-se junto ao fogo. (55) Os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio estavam procurando
depoimentos contra Jesus, para que pudessem condená-lo à morte, mas não encontravam nenhum.
(53b) ... e então se reuniram todos os chefes dos sacerdotes, os líderes religiosos e os
mestres da lei.
Para lograr êxito, o sumo sacerdote dependia ostensivamente do bom
funcionamento do Sinédrio, composto de saduceus em minoria e fariseus em grande
maioria. Ele próprio, sendo saduceu por nascimento e convicção pessoal e
provavelmente romanófilo, preferiu aliar-se aos fariseus e deixar que eles vencessem,
porque sabia que gozavam da afeição e da confiança da grande massa da
população. Era através dos fariseus que ele buscou sempre atingir o povo. A opinião
pública da Judéia e em Jerusalém era tão anti-romana quanto era pró-farisaica.
Sabemos que a concepção saducéia era de adesão estrita e exclusiva à Lei escrita,
sem as extravagâncias e complicações da Lei oral dos fariseus, onde os eruditos
discutiam interminavelmente sobre o alvo e conteúdo das mesmas. Embora
houvesse tensões entre saduceus e fariseus, sacerdotes, anciãos e escribas, uma
preocupação lhes era comum: a preservação dos poderes do Sinédrio e a
prevenção de outras intromissões romanas sobre eles. Reuniram-se então as diversas
facções religiosas às pressas a convite urgente do sumo sacerdote na própria casa
dele. O fariseu Nicodemos (João cap. 3) fazia parte dos mestres da Lei, enquanto
José de Arimatéia (Mat.27.57) pertencia aos anciãos. Desse homem, que nutria
grande simpatia para com Jesus e provavelmente se tornou cristão pelo que
vivenciou, Marcos recebeu valiosas informações sobre o que aconteceu naquela
noite.
(54) Pedro os seguiu de longe até o pátio do sumo sacerdote. Sentando-se ali
com os guardas, esquentava-se junto ao fogo. Repentinamente Marcos muda de
foco e menciona Pedro. Sabemos que todos os discípulos haviam fugido
aterrorizados por ocasião da prisão de Jesus. Logo depois, dois deles se
recuperaram, começando a seguir o grupo que levava seu mestre preso, embora à
boa distância. Por João (18.15,16) sabemos, que ele, por ser conhecido de alguém
do círculo do sumo sacerdote, entrou junto com o grupo no pátio, mas Pedro ficou
do lado de fora. Foi pela iniciativa de João que foi permitido a Pedro entrar
também. Enquanto Jesus era entrevistado pelo sumo sacerdote, Pedro permanecia
junto aos guardas que tinham acabado de trazer seu mestre preso. Como a noite
era fria, esquentava-se junto ao fogo que os guardas haviam aceso.
Voltemos ao interior da casa do sumo sacerdote, onde Jesus se encontrava.
São incontáveis as interpretações que já se fizeram a respeito do interrogatório
ao qual Jesus fora submetido. Ficaremos com a que nos parece a mais correta. De
acordo com João (18.19-24), foi o sumo sacerdote, na presença de representantes
convocados em caráter de urgência, quem interrogou a Jesus, não o Sinédrio
inteiro. Este por disposições legais não podia reunir-se nessas condições. O único
198
com poderes para condenar para pena capital era o assim chamado “Pequeno
Sinédrio”.
(55) Os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio estavam procurando
depoimentos contra Jesus, para que pudessem condená-lo à morte, mas não
encontravam nenhum... Antes de perguntarmos que tipo de depoimento as
autoridades religiosas na casa do sumo sacerdote procuravam, vale lembrar que na
manhã seguinte, logo ao “iniciar-se o expediente” do tribunal romano, Jesus seria
entregue e julgado pelos romanos e executado de acordo com a lei romana. Essa
lei romana não interessava de maneira alguma para investigações preliminares
judaicas, nem para assuntos religiosos. Tampouco interessavam aos romanos
depoimentos preliminares quaisquer. Os oficiais romanos eram perfeitamente
capazes de eles próprios levarem a efeito investigações e os “açoites” aplicados
certamente contribuíam para tornar suas investigações muito efetivas.
Todos os Evangelhos concordam em que o “Sinédrio” não se preocupou
em absoluto com qualquer crime segundo a lei romana; preocupou-se como o que
Jesus dissera e fizera quanto ao Templo e com suas aspirações messiânicas e
doutrinárias - assuntos que não interessavam ao governo romano. Se, de acordo
com os religiosos, era realmente necessário pôr um término ao ministério de Jesus e
impedi-lO de divulgar ainda mais suas doutrinas, era o Sinédrio que deveria estar
preparado para tomar as medidas necessárias, penais ou administrativas. Entretanto,
entregando-O aos romanos para julgamento ou crucificação, estariam confessando
sua incapacidade ou incompetência de manter a lei e a ordem entre os judeus. Esta
admissão era exatamente o que os romanos teriam saudado como pretexto bemvindo para privar o Sinédrio de sua relativa autonomia em questões judaicas. Não
interessava ao sumo sacerdote a entrega de Jesus aos romanos. Por que então O
entregou?
A jurisdição judaica tratava de acordo com a lei judaica; podia tomar
conhecimento apenas por aquela lei e crimes nela definidos, só podendo adotar os
procedimentos criminais que aquela lei permitia. Com Roma havia se instalado uma
segunda jurisdição penal, a romana. Os tribunais judeus exerciam exclusiva jurisdição
penal no que diz respeito a atos que eram crimes apenas de acordo com a lei
judaica, e a corte do governador romano exercia exclusiva jurisdição penal no que
diz respeito a atos que eram crimes apenas contra a lei romana.
O “Pequeno Sinédrio” podia julgar qualquer judeu por qualquer crime que
fosse segundo a lei judaica, condená-lo à morte e praticar a execução, e o
governador romano não interferia de qualquer maneira. No caso de Jesus, se fosse
condenado por blasfêmia, seria o apedrejamento, conforme a lei (Lev.24.16). Por
outro lado, devemos presumir que os romanos não aplicariam a condenação à
morte por causa de um tribunal judaico ou outro tribunal não-romano, mas só
executariam criminosos julgados e condenados por um tribunal romano por crimes
contra o direito romano. Por exemplo, o crime de profanar o sábado (shabat) ou de
idolatria (Nm.15.35/ Dt. 21.21), crimes somente de acordo com a lei judaica,
199
incorreriam somente na exclusiva jurisdição dos tribunais judaicos e o governador
romano nunca reivindicaria jurisdição sobre eles, pois o direito romano não
considerava qualquer dos dois atos como crime.
Se fundamentamos a crucificação de Jesus com pressão judaica sobre a
jurisdição romana, como de praxe, estamos errados. Vemo-nos diante do fato de
Jesus ter sido condenado por Pilatos por razões políticas (subverter o povo, Lucas
23.2; ser um malfeitor, João 18.30; de se fazer rei, João 19.12), e não religiosas, e
sendo executado através da pena que a lei romana previa para este crime.
Ficam duas perguntas no ar: quem ordenou a prisão de Jesus? Qual foi a
razão do interrogatório prévio na casa do sumo sacerdote durante a noite que
precedeu o processo diante de Pilatos?
O Evangelho de Marcos – cap.14. 56-61a (NVI)
(56) Muitos testemunharam falsamente contra Ele, mas as declarações deles não eram coerentes.
(57) Então se levantaram alguns e declararam falsamente contra Ele: (56) Nós O ouvimos dizer:
‘Destruirei este templo feito por mãos humanas e em três dias construirei outro, não feito com mãos de
homens’ “. (59) Mas, nem mesmo assim, o depoimento deles era coerente. (60) Depois, o sumo
sacerdote levantou-se diante deles e perguntou a Jesus: “Você não vai responder à acusação que
estes lhe fazem?” (61) Mas Jesus permaneceu em silêncio e nada respondeu.
A investigação pelo sumo sacerdote e representantes dos principais
sacerdotes, anciãos e escribas a qual Jesus foi submetido naquela noite teve
personagens com pontos de vista muito diferentes, mas unidas em um propósito:
fazer recuar o acusado nas suas afirmações. A prisão de Jesus por soldados
romanos, acompanhado de perto pelos sacerdotes, escribas e anciãos, finalmente
lhes havia proporcionado a oportunidade que há muito estavam esperando. A
situação, no entanto, era muito delicada, pois Jesus era aclamado pelo povo e,
para eliminá-lO sem causar tumulto, todo cuidado era pouco. Até agora, tudo
estava andando de acordo com a estratégia elaborada presumivelmente pelo
sumo sacerdote. Ele bem lembrava: a polícia do Templo havia se mostrado
ineficiente em prender Jesus. Algum tempo atrás, por ocasião da Festa dos
Tabernáculos, quando Jesus os havia provocado abertamente no Templo, haviam
procurado prendê-lo, mas os guardas enviadas para essa missão voltaram sem Ele,
impressionados pelo que ouviam Jesus dizer. Não se podia confiar nem na própria
Polícia do Templo (João 7.44-52). Caifás, o sumo sacerdote, mais tarde havia
voltado ao assunto, defendendo a necessidade de eliminação, justificando-a com a
sua posição delicada perante o governador (João 11.47-57). Sua oportunidade
finalmente havia chegado e o assassinato parecia possível sem que ele, o sumo
sacerdote, perdesse sua reputação perante a massa do povo que amava Jesus.
Uma denuncia aos romanos, por atividades contra a segurança pública,
envolvendo Judas, havia culminado na prisão do pregador e Judas lhes havia
indicado até o paradeiro do acusado.
200
Cedo na manhã seguinte, Jesus seria interrogado e julgado, não por eles, mas
pelo poder político militar. Que situação melhor poder-se-ia imaginar? Dessa forma
não eram eles quem daria cabo ao pregador, mas os romanos. O Sinédrio ficaria
com mãos limpas perante a massa dos peregrinos que enchia a cidade. O pedido
de Caifás ao governador, no sentido de conceder a custódia do acusado durante a
noite, com a promessa de entregá-lo cedo à jurisdição romana, graças ao bom
relacionamento entre os dois foi aceito. Qualquer coisa que pudesse ser feita por
eles, tinha de ser naquela noite. Agora Jesus estava em suas mãos. Na manhã
seguinte Jesus seria entregue ao braço secular para sua possível eliminação física.
A Igreja aprendeu com Caifás. Nos séculos da Inquisição a Igreja também
apontava os hereges, torturando e entregando-os em seguida ao braço secular
para eliminação física. Assim ela ficou com “mãos limpas”, exatamente como Caifás
e o Sinédrio lhes havia ensinado.
Voltando à noite antes do grande Pessach (páscoa): Os presentes ao
interrogatório noturno podiam ser divididos entre si, mas quanto ao tratamento de
Jesus, eram unânimes. Os saduceus O odiaram pelo fato de Jesus assemelhar-se a
um fariseu nas suas interpretações independentes da Lei escrita e, mais ainda, pelo
seu desprezo pelos ricos (Mateus 19.24); entre os fariseus era odiado por inveja e
porque “ensinava sem autorização” prévia deles. Haim Cohn, especialista na
tradição legal judaica, com fama internacional, argumenta que Anas e Caifás
fizeram tudo que eles humanamente podiam fazer, para salvar Jesus frente ao
iminente julgamento político, querendo dEle somente a renúncia a suas pretenções
messiânicas, para então poder defendê-lO perante Pilatos. Parece não ser essa a
interpretação do Evangelista.
(56) Muitos testemunharam falsamente contra Ele, mas as declarações deles
não eram coerentes. As acusações levantadas por testemunhas convocadas às
pressas não serviam pois se contradiziam entre si. (57) Então se levantaram alguns e
declararam falsamente contra Ele: (56) Nós O ouvimos dizer: ‘Destruirei este templo
feito por mãos humanas e em três dias construirei outro, não feito com mãos de
homens’ “. (59) Mas, nem mesmo assim, o depoimento deles era coerente. O
Evangelista João relata que Jesus, ao expulsar os cambistas do Templo, tinha
desafiado o pessoal com as palavras: “Destruí este santuário, e em três dias o
reconstruirei” (João 2.19). Havia se referido à temporalidade daquela construção e
apontado para o santuário do seu corpo na ressurreição. Ao citar aquelas palavras
cometeram o erro de atribuir a Jesus a destruição do Templo, o que não era o caso.
Nem acerca dessa acusação as testemunhas convenceram. (59) Mas, nem mesmo
assim, o depoimento deles era coerente.
Para o sumo sacerdote, o que estava em jogo era a reputação do Sinédrio.
Ele estava consciente da imensa popularidade de Jesus e da posição abalada do
sumo sacerdote e do Sinédrio. O que importava era convencer Jesus a abandonar
suas preocupações religiosas e messiânicas perante esse egrégio concílio. Ele sabia
da sorte que esperava esse judeu nas mãos dos romanos. Foi ele mesmo que cuidou
201
de encaminhar a denuncia à jurisdição romana. Agora tratava-se de dissuadir Jesus,
de fazê-lo abandonar suas idéias cismáticas. Caso não o fizesse e Jesus morresse nas
mãos dos romanos, o próprio Sinédrio correria o perigo de ser acusado pelo povo de
não ter feito nada para salvar Jesus dos odiados romanos e da morte humilhante e
cruel de um compatriota judeu. A crucificação de um judeu, mais ainda quando
um favorito do povo, era uma afronta ao povo judeu e mais uma vez o Sinédrio
nada faria para salvar a honra do povo.
Caso Jesus renunciasse suas pretenções, garantindo fidelidade à lei, seria
muito mais fácil para o Sinédrio justificar a morte de Jesus perante seu povo,
alegando a desmascaração e confissão do suposto profeta.
(60) Depois, o sumo sacerdote levantou-se diante deles e perguntou a Jesus:
“Você não vai responder à acusação que estes lhe fazem?” (61) Mas Jesus
permaneceu em silêncio e nada respondeu. Devemos pressupor que Jesus sabia do
seu iminente julgamento diante de Pôncio Pilatos; se já não sabia antes, sua prisão
por soldados romanos não lhe pode ter deixado qualquer dúvida. Ele bem
percebeu a motivação egoísta por trás da atitude do sumo sacerdote. Enquanto
dele se esperava que refutasse as acusações, Jesus guardou silêncio. Ele bem sabia
que o propósito desse julgamento não era o de vindicar o justo, mas sim fazer com
que o Sinédrio triunfasse. Acima de tudo, sabia e aceitou no seu íntimo o que o
profeta Isaías, a respeito dEle, havia dito setecentos anos atrás: “Ele foi oprimido e
humilhado, mas não abriu a sua boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e,
como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca... Porquanto
foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo foi ele
ferido...” (Is. 53.7 – leia o capítulo todo).
O interrogatório parecia fracassar, quando o sumo sacerdote resolveu intervir
novamente e fazer a pergunta crucial.
O Evangelho de Marcos – cap.14. 61b-65 (NVI)
(61b) Outra vez o sumo sacerdote lhe perguntou: “Você é o Cristo, o Filho do Deus Bendito?”
(62) “Sou”, disse Jesus. “E vereis o Filho do Homem assentando à direita do Poderoso, vindo com as
nuvens do céu.” (63) O sumo sacerdote, rasgando as próprias vestes, perguntou: “Por que precisamos
de mais testemunhas? (64) Vocês ouviram a blasfêmia. Que acham?” Todos o julgaram digno de
morte. (65) Então alguns começaram a cuspir nele; vendaram-lhe os olhos e, dando-lhe murros,
diziam: “Profetize!” E os guardas o levaram, dando-lhe tapas.
Durante seu ministério, Jesus nunca havia declarado abertamente aos judeus:
“Eu sou o Messias”. Uma tal declaração certamente não teria sido interpretada da
forma correta; mas sendo revelado como tal, sim, muitas vezes havia sido. Da parte
do povo muitos viam n’Ele o tão esperado Messias. Ele preferiu entender e autodenominar-se como o “Filho do Homem”. Como em tudo na sua vida terrena, Jesus
sempre esperava tais confirmações da parte do seu Pai. Conforme havia declarado
aos judeus, seu próprio testemunho a seu respeito, até de acordo com a lei judaica,
não era válido; quem testemunhava junto com Ele era seu Pai (João 5.31,32). Nessa
202
confirmação da missão dEle pelo Pai Jesus continuava esperando, até mesmo em
face à morte.
Quando parecia que o interrogatório ia fracassar, levando a lugar nenhum,
Caifás repentinamente agiu, fazendo a pergunta principal e dispensando assim
todas as considerações secundárias. A esperança no Messias (Mashiach em
hebráico ou meshicha em aramáico) havia surgido com força no século antes de
Cristo, sendo idealizada nos Salmos Salomônicos: uma figura salvadora tanto no
campo teológico como político. Embora muito perto de Deus, seria portanto
homem, e não Deus. Caifás resolveu questionar o ponto principal: Quem ele diria
que era? Pela resposta saberia julgar as aspirações do acusado. (61b) Outra vez o
sumo sacerdote lhe perguntou: “Você é o Cristo, o Filho do Deus Bendito?” Não
sabemos se essa foi a única pergunta feita a Jesus pelo sumo sacerdote ou se este o
havia interrogado antes quanto aos seus ensinamentos. Lembramos da anotação
de Marcos em 14:49, onde Jesus disse: “Todos os dias estava convosco no Templo,
ensinando, e não me prendestes!” (o que parece ser uma parte da argumentação
de Jesus quanto à sua doutrina). Compare João 18.20-21. A pergunta final do sumo
sacerdote representou uma armadilha; Jesus viu-se obrigado a assumir sua posição.
Seja como for, a resposta de Jesus levou o sumo sacerdote e os religiosos ao
desespero. (62) “Sou”, disse Jesus. “E vereis o Filho do Homem assentando à direita
do Poderoso, vindo com as nuvens do céu.” (63) O sumo sacerdote, rasgando as
próprias vestes, É, com efeito, um ritual pré-estabelecido e norma da lei judaica que,
ao ouvir profanado o nome Divino, a corte e as testemunhas devem rasgar suas
vestes.
... perguntou: “Por que precisamos de mais testemunhas? (64) Vocês ouviram a
blasfêmia. Que acham? Há muita controvérsia entre os eruditos quanto à gravidade
das palavras enunciadas por Jesus. Em que consistia essa blasfêmia pronunciada por
Jesus? Não podemos apontá-la com precisão, pois o Evangelho somente nos
transmitiu estas poucas palavras de Jesus.
Levítico 24.16 determina pena capital para quem blasfemar o nome de Deus;
Números 15.30 para o profeta que desprezar a palavra de Deus, transgredindo seus
mandamentos. Deuteronômio 18.20 finalmente estabelece pena capital por aquele
que, sem ordem de JHWH, pronunciar ou interpretar Sua palavra. Há uma menção
em SDt. 21.22 (outra versão de Deuteronômio) da pena capital para quem estender
sua mão ao “principal” (entende-se “Deus”).
O crime capital de blasfêmia é cometido quando o sagrado e inefável Nome
de Deus, composto pelas letras YHWH (Yahweh, Jeová), for expressamente
pronunciado pelo blasfemo. Conforme a lei judaica, o rasgar das vestes se segue
somente à enunciação desse único nome Divino .
Eruditos da lei judaica, como Haim Cohn, não aceitam as habituais
interpretações cristãs de que as palavras “Eu sou” (Ani hui), expressão aliás muito
usada na fala cotidiana ou nem mesmo a referência ao estar “assentado à direita
de Deus” tenham infringido a unicidade de Deus. Nem a aplicação do salmo 110.1 à
Sua pessoa ou Sua vinda com as nuvens do céu (Daniel 7.13) em si constituiriam
blasfêmia. O que mais intrigava o distinto colégio era ouvir que eles, sim eles, iriam
203
ser julgados pelo acusado, vindo da parte de Deus. Esse homem não se fazia Deus?
É verdade que a expressão “Filho do Homem” em si, e quando Jesus a empregou
para falar de si próprio na terceira pessoa, sugeriu que ele se tinha não apenas
como um membro da raça humana, mas de ser o eleito que Deus “transformaria no
Senhor do mundo”. Seja como for, a essência do que o sumo sacerdote ouviu e
entendeu selou a sorte de Jesus. Não podemos, de forma alguma, determinar com
exatidão em qual crime desses o sumo sacerdote fundamentou seu parecer.
Esse galileu não havia injuriado ao Senhor, curando como provocação no
santo dia de sábado (Num 15.30,31)? Ele não se fez Deus ao perdoar pecado? Não
falava o que Deus não havia mandado ao interpretar a Escritura sem autorização
oficial? (Dt.18.20)
Há uma outra interpretação não menos plausível do “rasgar as vestes” pelo
sumo sacerdote. Era um antigo e bem conhecido costume judaico, rasgar as vestes
em sinal de aflição, também. Observamos que nada diz sobre se os demais também
rasgaram as suas vestes, como o ritual exigia; somente Caifás o fez. Cohn sugere que
a atitude do sumo sacerdote consistia sinal de desespero perante seus esforços de
fazer Jesus desistir de sua afirmação messiânica. Essa atitude equivalia a uma
rejeição da tentativa do sumo sacerdote de conseguir salvar a reputação do
colegiado através da renúncia de Jesus. Para ele, Jesus caminhava teimosamente
rumo ao seu desastroso destino e ele, o sumo sacerdote, nada podia alegar para
justificar-se perante o povo judeu. Todo seu esforço havia sito em vão! Jesus merecia
mesmo a morte!
Não acreditamos que o colégio reunido às pressas na casa do sumo
sacerdote tenha agido contra sua Santa Lei; acreditamos que a própria palavra de
Jesus, quando respondeu à pergunta principal, tenha servido para a conclusão:
Todos o julgaram digno de morte. Não merecia outra coisa! Como Jesus já estava
sob a jurisdição romana e obrigado a comparecer logo na manhã seguinte perante
ao governador, não havia necessidade do Sinédrio aplicar a pena capital
conforme a Lei e tradição judaica previam: “Apedrejar, pendurar durante um dia e
depois, vergonhosamente enterrar” (Josefo, Ant IV 8,6). Considerando a imensa
popularidade de Jesus entre o povo, isso era algo impossível de ser executado pelo
Sinédrio. O julgamento pelo governador os livraria do impasse. E “ele” não merecia
qualquer intervenção em seu favor.
(65) Então alguns começaram a cuspir nele; vendaram-lhe os olhos e, dandolhe murros, diziam: “Profetize!” E os guardas o levaram, dando-lhe tapas. O sumo
sacerdote havia se esforçado para prever-se quanto à sua reputação e a do
Sinédrio frente a iminente execução de Jesus pelos odiados romanos. Havia
ordenado à Polícia do Templo que obtivessem a custódia de Jesus (convocando
até pela madrugada) o Grande Sinédrio e Jesus obstinadamente havia reafirmado
sua missão messiânica e insistido em seu cumprimento; não havia se curvado diante
da autoridade religiosa. A frustração de seus esforços pode ter-se expressado na sua
indignação e desilusão de formas diferentes, menos civilizadas. Alguns dos
convidados explodiram em socos contra o acusado. Jesus foi agredido fisicamente;
204
a raiva e a frustração dos colegiados não se confinaram a limites civilizados,
principalmente quando celebres autoridades religiosas zombaram do profeta cujos
olhos estavam vendados. A ineficácia de uma vigília longa pode ter roubado aos
juizes e aos espectadores mais apaixonados seus últimos requisitos de auto-controle.
Estafado e enfraquecido, sendo humilhado, o acusado permanecia em pé,
calado. Em seu íntimo procurava manter a comunhão com seu Pai, em quem
confiava. Ele sabia o que estava escrito a seu respeito, seu ministério e sua
provação: “O Senhor me deu língua de eruditos, para que eu saiba dizer boa
palavra ao cansado. Ele me desperta todas as manhãs, desperta-me o ouvido para
que eu ouça como os eruditos. O Senhor Deus me abriu os ouvidos, e eu não fui
rebelde, não me retraí. Ofereci as costas aos que me feriam e as faces, aos que me
arrancavam os cabelos; não escondi o rosto aos que me afrontavam e me cuspiam.
Porque o Senhor Deus me ajudou, pelo que não me senti envergonhado; por isso fiz o
meu rosto como um seixo (pedra) e sei que não serei envergonhado. Perto está o
que me justifica; quem contenderá comigo? Apresentemo-nos juntamente; quem é
o meu adversário? Chegue-se para mim. Eis que o Senhor Deus me ajuda; quem há
que me condene? Eis que todos eles, como um vestido, serão consumidos; a traça
os comerá” (Isaías 50.4-9).
O Senhor JHV O justificaria e confirmaria; essa convicção dava força a Jesus,
necessária para enfrentar o sofrimento. Nunca o Pai O havia abandonado desde os
dias do batismo, quando O havia declarado “O Meu Filho amado” (Marcos 1.11).
Não o abandonaria agora!
Será que eu tenho coragem de deixar Deus ser para mim tudo o que Ele diz
que será?
O Evangelho de Marcos – cap.14. 66-72 (NVI)
(66) Estando Pedro em baixo, no pátio, uma das criadas do sumo sacerdote passou por ali. (67)
Vendo Pedro a aquecer-se, olhou bem para ele e disse: “Você também estava com Jesus, o
Nazareno”. (68) Contudo, ele o negou, dizendo: “Não o conheço, nem sei do que você está falando”.
E saiu para o alpendre. (69) Quando a criada o viu lá, disse novamente aos que estavam por perto:
“Esse ai é um deles”. (70) De novo, ele negou. Pouco tempo depois, os que estavam sentados ali
perto disseram a Pedro: “Certamente você é um deles. Você é galileu!” (71) Ele começou a se
amaldiçoar e a jurar: “Não conheço o homem de quem vocês estão falando!” (72) E logo o galo
cantou pela segunda vez. Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe tinha dito: “Antes que
duas vezes cante o galo, você me negará três vezes”. E se pôs a chorar.
Entre relatórios acerca do julgamento de Jesus encontramos essa história que
faz parte dos quatro Evangelhos. Quem a preservou para a posteridade?
Obviamente, o próprio Pedro a contou aos primeiros cristãos, assumindo o seu
fracasso. Os três Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) têm sua fonte em
Marcos, sendo essa a mais remota. O relatório que João nos deu no seu Evangelho
205
(18.15-18 e 25-27), é ligeiramente diferente pois ele, João, era outra testemunha.
Contou-nos como ele próprio que esteve presente no pátio vivenciou a cena.
Não havia faltado coragem a Pedro; muito pelo contrário. Era ele que
enfrentando o grupo que viera para prender Jesus, enfrentou o servo do sumo
sacerdote. Era Pedro que, ao contrário dos outros nove, juntamente com João foi
discretamente seguindo ao grupo que levou seu Mestre preso. Ao chegarem na
casa do sumo sacerdote, João entrou para o pátio da casa, mas Pedro teve que
esperar do lado de fora do portão. O Evangelho de João diz: “O outro discípulo
(João), que era conhecido do sumo sacerdote, voltou, falou com a moça
encarregada da porta e fez Pedro entrar (18.16b).
Era uma noite fria da primavera e os guardas da Polícia do Templo
ascenderam uma fogueira para se aquecer no meio do amplo pátio que ficava em
nível inferior, em meio aos aposentos da casa do sumo sacerdote.
(66) Estando Pedro em baixo, no pátio, uma das criadas do sumo sacerdote
passou por ali. (67) Vendo Pedro a aquecer-se, olhou bem para ele e disse: “Você
também estava com Jesus, o Nazareno”. Parece que no momento em que Pedro
entrou no pátio, a criada vendo-o, suspeitou dele. O rosto de Pedro ficou iluminado
pela luz da fogueira. Fixando-o com o olhar, a criada aproximou-se e fez um
comentário repentino sobre Pedro. De onde vieram a intrepidez e ousadia da
empregada? Pedro ficou apavorado. A situação estava se tornando muito delicada
para ele. Ainda bem que, até então, os guardas não o haviam notado. (68)
Contudo, ele o negou, dizendo: “Não o conheço, nem sei do que você está
falando”. E saiu para o alpendre. Ele sabia que, neste momento, seu Mestre estava
sendo interrogado lá dentro e ele, Pedro, acabou sendo apontado como um dos
seguidores do suposto “criminoso”. Era hora para negar e sumir. Já não se lembrava
das repetidas promessas feitas horas antes. Para tanto, respondeu fingindo não
saber do que a moça estava falando. Levantou-se e caminhou discretamente em
direção ao portão. Para seu infortúnio, o mesmo encontrava-se fechado. Não
conseguiu ir além do vestíbulo, o qual, através do portão, conduzia para fora.
Enquanto isso, a criada continuava seguindo-o com seu olhar.
(69) Quando a criada o viu lá, disse novamente aos que estavam por perto:
“Esse ai é um deles”. A moça, vendo na atitude de Pedro sua suspeita confirmada,
ficou mais ousada e passou a informar aos “que estavam perto” a presença de um
dos seguidores do “homem que está lá em cima”, trazido para interrogatório.
(70) De novo, ele negou. Frustrado com o ambiente fechado que não lhe
dava margem para escapar, não havia como recuar: negou outra vez. Pelo que
lemos, nos parece que as informações da criada acabaram dando em nada e
Pedro, após algum tempo (Lucas informa um período de mais de uma hora), voltou
a sentar-se perto da fogueira. Com o decorrer das horas e as conversas fluindo,
Pedro começou a participar dos palpites. De repente alguém notou: esse sujeito
tinha um forte sotaque, estranho para os habitantes da região, e esse sotaque era o
da Galiléia, região do “homem interrogado”.
206
Pouco tempo depois, os que estavam sentados ali perto disseram a Pedro:
“Certamente você é um deles. Você é galileu!” “O seu modo de falar o denuncia!”
(Mateus 26.73b). Agora tudo ou nada! (71) Ele começou a se amaldiçoar e a jurar:
“Não conheço o homem de quem vocês estão falando!”
Para piorar, um dos guardas, parente do homem cuja orelha Pedro cortara,
olhou para Pedro e perguntou: “Eu não te vi com ele no olival?” Apontado de novo,
irritado e agitado, Pedro começou a praguejar e a jurar, procurando despistar
desesperadamente seus acusadores. Pelo que parece, seu juramento trouxe certo
alívio à situação. Aos poucos, as conversas voltaram para outros assuntos. Pedro
continuou sentado, porém calado, pensando em como livrar-se da situação.
E logo o galo cantou pela segunda vez. Então Pedro se lembrou da palavra
que Jesus lhe tinha dito: “Antes que duas vezes cante o galo, você me negará três
vezes”. Pedro ficou pensando no falso juramento que fez, negando seu Mestre,
quando de súbito a voz do galo interrompeu suas considerações. No seu ouvido, o
canto deve ter soado como prenúncio do seu julgamento. Não foi exatamente isso
que Jesus tinha lhe avisado? Era perto das três da madrugada.
Lucas que escreveu seu Evangelho com base em mais outras fontes,
menciona que, logo após o cantar do galo, Jesus foi levado, através do pátio, rumo
à sua cela. Seu rosto cheio de hematomas, resultado dos murros que havia
recebido, virou-se lentamente para Pedro. Os olhares dos dois se encontraram por
alguns segundos. Para Pedro, o mundo desabou.
E se pôs a chorar. O forte Pedro desatou a chorar. Levantou-se o mais rápido
possível. Só lhe restava desaparecer! Ele, um dos discípulos mais chegados a Jesus,
havia traído seu Mestre!
Pedro não fracassou por covardia, não; falhou tentando ser fiel ao Mestre,
seguindo-O. Não fugiu, como os demais. Era homem de grande coragem, mas
quando se esqueceu por um momento da dependência de Deus, o fracasso
aconteceu.
Nada mais ouvimos de Pedro durante a crucificação de seu Mestre. Havia
seguido e servido a Jesus como um dos mais fiéis discípulos. Sua negação e o olhar
penetrante e triste do seu Mestre foram a despedida do seu amado Jesus. Pedro
nunca mais viu Jesus em vida. Para ele, não mais existia caminho de volta para
perdão e reconciliação. Será que existe uma dor mais amarga e dura do que a da
consciência acusadora?
Se não fossem a fidelidade e o amor de Deus, onde estaríamos todos nós?
Encontraremos Pedro de novo em Mc. 16.7, onde um anjo ordena às
mulheres que foram ao túmulo de manhã bem cedo: “...digam aos discípulos e a
Pedro....” situação onde Jesus, o Ressurreto, os encontraria a todos (incluindo Pedro,
o fracassado) de novo, na Galiléia.
207
Não havia caminho de volta para Pedro, mas sim para Jesus, que buscou
Pedro e confiou a ele a grande comissão. Isso é Graça.
O Evangelho de Marcos – cap.15.1-2a (NVI)
(15.1) De manhã bem cedo, os chefes dos sacerdotes com os líderes religiosos, os mestres da lei e
todo o Sinédrio chegaram a uma decisão. Amarrando Jesus, levaram-no e o entregaram a Pilatos.(2)
Você é o rei dos judeus?”, perguntou Pilatos. “Tu o dizes”, respondeu Jesus.
Pelos relatos dos Evangelistas não sabemos exatamente quantos sacerdotes
faziam parte do interrogatório junto ao sumo sacerdote. O Sinédrio “todo”, como
Marcos o menciona, compreenderia 71 membros. Sabemos que logo cedo, após o
tumulto que se seguiu ao interrogatório por um número reduzido de pessoas, que
Jesus foi apresentado ao assim chamado “Sinédrio todo”. Dificilmente todos os 71
membros sinedriais estavam presentes, pois para ratificação de uma sentença
(pronunciado por esse tribunal religioso) 23 votos já eram suficientes.
(15.1) De manhã bem cedo, os chefes dos sacerdotes com os líderes
religiosos, os mestres da lei e todo o Sinédrio chegaram a uma decisão. Observamos
que Marcos menciona uma “decisão”, não uma sentença. A decisão deve ter sido,
como tudo indica, entregar o acusado ao Poder Romano sem nenhuma
manifestação de simpatia ou de defesa. Pelo contrário, a teimosia do acusado em
insistir em suas aspirações messiânicas merecia punição. Amarrando Jesus, levaramno e o entregaram a Pilatos.
Uma coorte romana sob o comando de um tribuno havia sido eniviada para
prender Jesus no jardim Getsêmani. Isso demonstra que existia uma acusação de
caráter político pendente perante ao governador. Os romanos nunca se dariam ao
trabalho de ajudar a resolver uma questão simplesmente religiosa dos judeus.
Lembramo-nos da recepção real de Jesus por ocasião de sua chegada em
Jerusalém, das grandes multidões de judeus que sempre O rodeavam, das
aclamações a rei – essas coisas não podiam ter sido ocultadas de Pilatos, o
governador. Quaisquer pretensões a rei, quando notadas ou denunciadas,
mereceriam investigação severa e devida punição por parte do governador.
Sabemos que o “praetorium” dos governadores da Judéia ficava em Cesaréia
e não em Jerusalém. Em virtude da festa da Páscoa, por uma razão de segurança, o
governador se deslocava para Jerusalém, residindo nesse período no palácio do rei,
supostamente localizada na “Torre de Antônia”, perto do Templo.
A respeito do caráter de Pliatos temos um testemunho um tanto devastador.
Era um homem cruel e usualmente colérico no exercício de suas funções. Uma
leitura superficial dos Evangelhos nos sugere que era um homem preocupado até
certo grau com a justiça, sendo vencido pelo clamor dos judeus. Essa versão nos
parece inverosímil.
208
Filo de Alexandria, um contemporâneo de Pilatos, filósofo e teólogo judaico
(15 aC até 45 d.C), relatou no seu escrito “Legatio ad Gajum”, alguns feitos desse
governador que encontrava prazer em ofender e humilhar seus súditos judeus. Para
ofendê-los, já no primeiro ano de seu mandato mandou colocar no palácio do rei
Herodes em Jerusalém escudos dourados, o que foi encarado pelos judeus como
provocação. Não sendo atendido em seus clamores, os judeus se dirigiram
pessoalmente a César, o imperador em Roma. Este, conhecendo o povo judeu,
ordenou a remoção dos escudos e sua transferência para o “Templo de Augusto”
em Cesaréia. Pilatos se vingou, imprimindo moedas com figuras pagãs,
escandalizando com isso cada judeu adepto à “Lei de Deus”, que proíbe qualquer
tipo de imagens com o intuito de evitar cair no pecado de adoração (Ex.20.2,3,4).
Josefo (37 até 110 d.C) descreveu Pilatos como um anti-semita brutal no
exercício de seu poder governamental. Somente para aborrecer os habitantes de
Jerusalém, mandou sua tropa de 5.000 homens com suas insígnias pagãs entrar
marchando na cidade Santa durante a noite, causando grande protesto.
Para garantir o abastecimento da cidade de Jerusalém com água potável,
construiu um canal de abastecimento de 40 quilômetros de extensão, trazendo
água da distante Belém até dentro da “Casa de Deus”, lesando para isso o tesouro
do Templo. Sufocou os protestos, massacrando milhares de judeus com extrema
crueldade. A mesma brutalidade demonstrou com os Samaritanos em 36 d.C.,
quando ordenou matá-los enquanto estes estavam reunidas no seu Santo Monte em
Siquém. Os protestos dos Anciãos Samaritanos perante o governador da Síria (a
quem pertencia a região), finalmente resultaram na convocação do governador à
Roma e na sua demissão. Exilado na França, Pilatos morreu na cidade de Vienne e,
de acordo com Filo de Alexandria, cometeu suicídio abrindo-se os pulsos, no banho.
Se procuramos o equilíbrio entre os relatos relativamente benignos dos
Evangelhos a respeito da pessoa de Pilatos e os testemunhos históricos chocantes,
descobrimos por detrás do inegável caráter negativo, um típico representante do
oportunismo político. O que o interessava eram carreira e vantagem pessoal. Sob a
máscara de um homem forte e cruel havia um homem inseguro e covarde, um
homem comprometido, que temia pela sua posição.
Pilatos chegou ao seu posto em 26.d.C. como favorito de Sejan, homem forte
em Roma. Quando seu protetor perdeu o poder em 31 d.C., para manter-se no
poder, Pilatos precisava de amigos, tanto em Roma como em Jerusalém. Não podia
mais arriscar-se, pois desde o dia 18 de outubro de 31 d.C., sem amigos em Roma,
qualquer falha processual lhe custaria o poder. Essa fraqueza política pode elucidar
o comportamento do déspota perante Jesus.
Foi no ano 36 d.C., que ruiu seu reinado em virtude do ato bárbaro
mencionado acima contra os Samaritanos. Todo seu esforço, desde 31 d.C., em
evitar qualquer provocação aberta do povo judeu não lhe valia nada.
209
(2) Você é o rei dos judeus?”, perguntou Pilatos. Por causa dessa acusação
específica Jesus deveria ser julgado. O governador era autoridade executiva; seus
poderes decorriam do “imperium” e seus julgamentos eram necessários para manter
a ordem e segurança pública.
Era poder do imperador, e só dele, nomear qualquer “rei dos judeus”. Ele o
fizera antes, com Herodes, e o faria novamente, no caso de Agripa (Atos 25).
Segundo a lei romana, a reivindicação de ser rei de uma província sob domínio
romano implicava em insurreição e alta traição: era, pela Lex Julia maiestatis,
decretada por César em 46 a.C., um crime capital, conhecido como crimen laesae
maiestatis - o crime de lesar a majestade do imperador. O governador tinha a
obrigação de julgar; ele não tinha escolha: se uma acusação sob a Lex Julia tivesse
sido proferida, ele era obrigado a proceder ao julgamento.
A ausência da menção de uma acusação formal em Marcos não significa
que nenhuma tenha sido proferida. A prisão de Jesus na noite anterior por uma
coorte romana, pressupõe que uma acusação havia sido formulada, e a
disponibilidade do governador logo de manhã cedo para o julgamento só pode ser
explicada se a acusação fosse conhecida por antecipação. A pergunta de Pilatos :
“Você é o rei dos judeus?” demonstrava conhecimento da acusação contra Jesus.
Quando um judeu era acusado de menosprezo ao imperador, crime de traição
segundo a lei romana, ele devia ser julgado e a acusação de se dizer “rei dos
judeus” configurava tal crime de traição.
O governador tinha três caminhos a seguir: julgá-lo culpado e condená-lo;
julgá-lo inocente e absolvê-lo; ou achar que o caso não estava provado e pedir
maiores provas. Neste último, recorreria à tortura para extrair uma confissão.
Apenas numa situação não eram necessários nem tortura nem depoimento:
quando o acusado confessava e se declarava culpado por iniciativa própria.
“Tu o dizes”, respondeu Jesus. À pergunta do governador: “Você é o rei dos
judeus?”, Jesus replicou: “Tu o dizes”.
O que era que Jesus queria dizer com essas suas palavras? Concordou,
confessando? Negou, procurando desfazer o mal-entendido? Ou deixou a critério
do próprio governador? Acima de tudo: quem Ele confessou ser?
O Evangelho de Marcos – cap.15.2-5 (NVI)
(2) Você é o rei dos judeus?”, perguntou Pilatos. “Tu o dizes”, respondeu Jesus. (3) Os chefes
dos sacerdotes o acusavam de muitas coisas. (4) Então Pilatos lhe perguntou novamente: “Você não
vai responder? Veja de quantas coisas o estão acusando”. (5) Mas Jesus não respondeu nada, e
Pilatos ficou impressionado.
210
A resposta de Jesus ”Tu o dizes”, à primeira vista, confunde o leitor. Todos os
quatro Evangelistas a mencionam (Marcos 15.2; Mateus 27.11; Lucas 23.3 e João
18.37). Perguntamos: em questões de direito, ela é uma declaração de culpa?
Alguns eruditos acham que isto implicava simplesmente numa recusa de Jesus em
responder à acusação, não equivalendo a uma confissão e nem a uma negação.
Outros sustentam que implicava numa negação: em outras palavras, Jesus disse ao
governador: “vós dizeis que eu sou rei dos judeus, mas eu não o digo em absoluto”;
isto parece ser sustentado pela imediata reação do governador, contida apenas no
Evangelho de Lucas: tendo ouvido a resposta “Vós o dizeis”, Pilatos disse: “Não vejo
neste homem crime algum” (23.4).
Para elucidar melhor essa questão de interpretação, citamos a interpretação
de Cohn, especialista em direito judaico, que diz:
“Indubitavelmente, Jesus poderia ter sido menos equívoco, sendo sugerido
que ele deliberadamente preferiu ser vago ou que os Evangelistas deliberadamente
tornaram vaga sua resposta – com o objetivo de realçar o mistério de sua missão. Em
qualquer caso, a resposta parece não apenas não conter uma negação, mas até
conter uma admissão, em sílabas muito polidas e reverentes. A frase “vós o disseste”,
ou “como dizeis”, não é desconhecida, mesmo na maneira moderna de falar, como
um modo de afirmação; e no aramaico e hebreu daqueles tempos era de uso
regular e amplo, mais especialmente como resposta que aquiescia a perguntas
embaraçosas formuladas por alguém em posição de autoridade.
Tivesse Jesus desejado negar a acusação, nada teria sido mais fácil para ele
do que replicar a Pilatos um não, claro e inequívoco: ‘Eu não sou o rei dos judeus,
nem nunca pretendi ser’. Mas Jesus não quis absolutamente negá-lo: a seus olhos, e
em seus lábios, aquilo deveria significar a retratação de uma missão em que ele,
firme e sinceramente, acreditava... É altamente provável que Jesus tenha
acrescentando uma explicação para sua condição de rei (João 18.36,37); seu reino
não era deste mundo e, portanto, ele não era espécie de rei que Pilatos poderia
imaginar. Se assim o fez, torna-se imediatamente plausível que ele se confessou
culpado: ele era rei dos judeus, mas num sentido teológico e moral, e o reino celeste
que ele reivindicava não era idêntico aos reinos políticos da terra...
No pensamento romano, em contraste com o judeu, não havia distinção clara
entre reinos secular e divino... O imperador romano era, ex-ofício, o próprio Deus...
Uma reivindicação por qualquer mortal, dentro do Império, de um título divino
competitivo e exclusivo não podia ser admitida ou tolerada pelo imperador: ele era
o governante divino, com exclusão de todos os outros...”
Embora Cohn não reconhecesse em Jesus o Messias pelo qual os judeus
esperavam, ele entende muito bem, melhor do que muitos interpretes
contemporâneos, as sutilezas do processo de Jesus.
(3) Os chefes dos sacerdotes o acusavam de muitas coisas. Tem-se como
certo que não mais que a quatro ou cinco representantes das três facções do
Sinédrio era permitido acompanhar o processo perante Pilatos. Não devemos pensar
que “os principais sacerdotes” se ausentariam do Templo nesse dia tão importante
211
véspera do Pessach (Páscoa), para testemunhar perante o governador, a não ser
que a tal fossem compelidos; não tiveram alternativa. Sabemos pelos outros
Evangelistas que as acusações levantadas durante o processo, da parte deles, eram
exclusivamente políticas. Nada havia de religião, pois isso não interessava ao
governador. “Pervertedor do povo”(Luc 23.14);; “Alvoroçando o povo... desde a
Galiléia (Subversivo)” (Luc.23.5);; “Malfeitor” (João 18.30) e crua chantagem
mediante ameaça de denúncia ao imperador em Roma: “se deixares esse homem
livre, amigo de César não és, qualquer que se faz rei é contra César” (João 19.12).
(4) Então Pilatos lhe perguntou novamente: “Você não vai responder? Veja de
quantas coisas o estão acusando”. A resposta de Jesus dada a Pilatos e mais a
agitação verbal dos representantes do clero não deixaram dúvidas no governador
politicamente experimentado. Como Marcos mencionará daqui a pouco (Verso 10),
Pilatos logo entendeu que por inveja tinham entregue Jesus. Era “jogo sujo”.
(5) Mas Jesus não respondeu nada, e Pilatos ficou impressionado. O silêncio de
Jesus o impressionou e ainda hoje em dia nos impressiona. O que Ele tinha a dizer já
o declarou. O interrogatório na casa do sumo sacerdote lhe havia revelado a real
intenção de seus acusadores. Pilatos somente estranhou o comportamento do
acusado. Para ele, este era apenas outro julgamento de rotina, o de um tolo e
teimoso judeu, vítima de seu próprio fervor religioso. Ele não podia ter noção de que
o julgamento daquela manhã passaria para a história como o mais importante
acontecimento para a humanidade.
No encontro de Jesus com Pilatos vemos representada toda a tragédia
humana e a da Igreja, desde Constantino (330 d.C.). Não só duas personalidades
totalmente contrárias encontram-se frente a frente; são duas filosofias contrárias de
vida, uma excluindo a outra. No cap. 18.38, João nos relata no seu Evangelho a
pergunta do governador: “Que é a verdade?”(que, para Nietzsche, se constituía na
única frase inteligente nos evangelhos). Esta pergunta nasceu da filosofia que,
desde há muito e até hoje determina o rumo da história desse mundo: Sucesso,
Felicidade e Poder. Na resposta de Jesus: “O meu reino não é deste mundo...”,
vemos exatamente o contrário. Para a alma daquele que habita nesse reino onde
Jesus é Rei, o Império Romano com sua política de poder e todos os que o seguiam,
são como um nada. Duas visões de dimensões contrárias se confrontavam. No
mundo histórico, os romanos crucificaram Jesus de Nazaré – seu destino. Na outra,
contrária, Roma estava sendo condenada à perdição, e a cruz se tornara penhor
da redenção – essa era a “vontade de Deus”.
Você ainda lembra do episódio onde Jesus, no início de seu ministério, foi
tentado no deserto e fez a escolha? O tentador lhe apresentava três “conselhos
sábios” para a execução e sucesso de seu ministério: Pão, Felicidade e Poder. Essas
são as necessidades básicas do homem. Até hoje elas determinam o curso da
história; são as leis naturais da sobrevivência. Jesus não aceitou nenhuma das três
propostas. Havia colocado acima dessas necessidades uma outra, “necessidade
número um”, a saber, a dependência da vontade de Deus. Ao longo de seu
212
ministério, Jesus se deparava com a aparentemente maior “necessidade número
dois”, a saber, Pão, Felicidade e poder. Queriam proclamá-lo rei (João 6.15);
propagar suas curas, o que Ele na maioria das vezes proibiu; exigiam dEle provas
patentes de sua majestade (Marcos 8.11). Até Pedro quis poupá-lo do sofrimento
(Marcos 8.32,33) e na cruz, Jesus era provocado uma última vez, sendo desafiado a
mostrar seu poder descendo do madeiro (Marcos 15.29-32). Se, numa única dessas
oportunidades, Jesus tivesse feito a menor concessão à “necessidade número dois”,
(a humana), todos O teriam aceito como rei.
Movimentos sociais ou religiosos costumam começar com uma pessoa ou com
um pequeno grupo, semelhante à nascente de um rio nas alturas das montanhas.
Na medida em que as águas descem, o pequeno riacho se transforma em rio,
crescendo a cada metro que percorre, até desembocar no infinito mar. Em termos
de movimento, a fama e o poder de uma iniciativa tendem a crescer; caso
contrário, está condenado à extinção. No caso de Jesus aconteceu exatamente o
contrário: O êxito, as massas de entusiasmados seguidores caracterizaram o
começo. “Todo o povo” correu atrás dEle. Como Jesus não fazia a menor
concessão à “necessidade número dois”, o número de discípulos diminuía cada vez
que contrariava essa necessidade humana, fazendo com que morresse após o
ministério de três anos, abandonado e sozinho. A vida de Jesus assemelha-se mais a
um pôr-do sol, a uma transição do êxito para fracasso perante o mundo. Por essa
razão, o mistério de Jesus somente é acessível e pode revelar-se somente a um
grupo limitado de pessoas, para os quais a “necessidade número um” está acima
da “dois”. “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua
alma? Ou, que dará o homem em recompensa de sua alma?” (Mateus 16.24).
Quem é de Jesus, sabe que todo poder desse mundo passará; filosofias e
impérios religiosos desaparecerão, mesmo quando nos referimos a todo esse
“mundo melhor” que dizemos estar construindo, ou à nossa religião. Todo capital do
universo humano perde seu significado quando surge a pergunta infinitamente mais
importante: “Como reparo o dano de minha alma?” ou, em outras palavras: “Onde
está o perdão?” A tragédia da vida humana está no tempo, que é irreversível. Cada
passo humano, cada erro, cada pecado ficará impregnado como pegadas em
barro mole, endurecendo para sempre. Não há como voltar e consertar nada!
A tragédia nossa e da Igreja como um todo, está no fato de escolhemos a
opção “necessidade número dois” para construção do “Reino de Deus” na terra.
Jesus rejeitou as três propostas do tentador no deserto, porém a Igreja construiu seu
Império recorrendo ao uso de “Pão, Proteção (ou Felicidade) e Poder”.¹
Tomamos a liberdade de encaixar essas considerações particulares no exato
momento em que Jesus encara o governador: a vontade de Deus versus o visível, o
transitório. É por essa razão que os que são de Jesus vivem a tensão entre duas
realidades: um anacronismo, uma contradição, que somente terá seu desfecho
quando Jesus voltar, na consumação do tempo. Ainda não chegamos ao “Agora
veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus” de Apoc.12.10. Ainda, e até
213
aquele momento, viveremos “pela fé e não pelo que vemos” (2 Cor.5.7). Ainda
estamos como que diante de Pilatos, sendo questionados com a sua pergunta;
ainda Cristo não tem onde repousar sua cabeça (Mateus 8.20). Enquanto o homem
usar o poder, o pão, a pompa e promessas de felicidade para levantar e manter
seu “reino de Deus”, não chegamos ao “... e Deus habitará com eles. Eles serão
povo de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda
lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque
as primeiras coisas já passaram” (Apoc.21.4). Foi essa esperança viva dos primeiros
cristãos que venceu o Império Romano.
Jesus nunca mandou fundar uma organização ocupada em criar ritos,
venerações, objetos santos e administrar bênçãos, mas sim a “ensinar o homem a
observar tudo aquilo que Ele havia ensinado aos discípulos” (Mateus 28.20). Este
“discipulado” somos exortados a viver, mesmo dentro de todas as organizações
humanas, até que o “Reino de Deus” seja estabelecido por Ele na consumação do
tempo (Fil. 3.20,21-4.1).
Qual é a sua primeira necessidade ? Pense!
¹ A melhor representação da tragédia religiosa encontramos em “Os irmãos Karamazow” de
Dostojewski, (1821 – 1888), onde o Grande Inquisidor manda o Jesus dos Evangelhos embora, pois as
metas de Jesus Nazareno ameaçam o sucesso do Império Religioso, levantado “com tanto custo,
suor e sangue”. Leia!
O Evangelho de Marcos – cap.15.6-15 (NVI)
(6) Por ocasião da festa, era costume soltar um prisioneiro que o povo pedisse. (7) Um homem
chamado Barrabás estava na prisão com os rebeldes que haviam cometido assassinato durante uma
rebelião. (8) A multidão chegou e pediu a Pilatos que lhe fizesse o que costumava fazer. (9) Vocês
querem que eu vos solte o rei dos judeus?” perguntou Pilatos, (10) sabendo que fora por inveja que os
chefes dos sacerdotes lhe haviam entregado Jesus. (11) Mas os chefes dos sacerdotes incitaram a
multidão a pedir que Pilatos, ao contrário, soltasse Barrabás. (12) Então, o que farei com aquele a
quem vocês chamam rei dos judeus?” perguntou-lhes Pilatos. (13) “Crucifica-o”, gritaram eles. (14)
“Por que? Que crime ele cometeu?”, perguntou Pilatos. Mas eles gritavam ainda mais: “Crucifica-o!”
(15) Desejando agradar a multidão, Pilatos soltou-lhes Barrabás, mandando açoitar Jesus e o
entregou para ser crucificado.
(6) Por ocasião da festa, era costume soltar um prisioneiro que o povo pedisse.
(7) Um homem chamado Barrabás estava na prisão com os rebeldes que haviam
cometido assassinato durante uma rebelião. Numa rebelião recente, as forças
romanas haviam feito vários homens prisioneiros e, como de praxe, esses foram
sentenciados à morte por crucificação. Pelo menos três deles esperavam pela
execução. De um deles temos o nome: Barrabás. Os dois demais encontraremos
mais tarde, sendo executados juntamente com Jesus. A tradição da igreja católica
mais tarde lhes conferiu nomes fictícios. Um é chamado de “Dimas”. O outro não nos
lembramos.
214
(8) A multidão chegou e pediu a Pilatos que lhe fizesse o que costumava fazer.
Nada sabemos pela lei romana do costume mencionado. E. Stauffer (autor do livro:
Jesus, pessoa e história), vê nele uma concessão momentânea e voluntária aos judeus,
por parte da jurisdição romana, por causa de sua perda da mesma em questões
políticas e como certa compensação pelas atrocidades dos anos anteriores.
Nos relatos de Josefo (Bell II 9,4) encontramos a seguinte menção: “...o dia em
que Pilatos veio a Jerusalém, o povo o rodeou quando ele sentou na sella (no
tribunal) para julgar ...” Assim também, nessa madrugada, certamente alguns
transeuntes se juntaram para ouvir e, ocupados com as múltiplas tarefas do Pessach,
logo passar adiante. Onde Marcos chamou os curiosos de “multidão”, ele
certamente exagerou. O lugar onde Pilatos julgava não era amplo. Era o assim
chamado “praetorium”, supostamente na Torre Augusta (com sua localização
debaixo da atual “Via Dolorosa”).
Seja como for, os representantes do Sinédrio, ao dar a condenação de Jesus
como certa, aproveitaram para lograr outro êxito: livrar ainda um dos zelotas,
através de um favor ocasional. Foi “a multidão” que propôs a Pilatos a repetição do
ato de benevolência de anos passados. Foi aí que Pilatos enxergou uma
oportunidade. (9) Vocês querem que eu vos solte o rei dos judeus?” perguntou
Pilatos, (10) sabendo que fora por inveja que os chefes dos sacerdotes lhe haviam
entregado Jesus. (11) Mas os chefes dos sacerdotes incitaram a multidão a pedir
que Pilatos, ao contrário, soltasse Barrabás. Os sacerdotes, como representantes do
povo, sabiam que o povo como um todo se escandalizaria com a crucificação de
Jesus, Rabbi amado e venerado. Se pelo menos livrasse outro “rebelde”, (zelota),
homem que o povo tinha como herói patriota, o veredicto sobre a ineficácia do
Sinédrio no caso de Jesus ficaria mais amena. Não poder-se-ia alegar que o Sinédrio
perante o governador não tivesse lutado em prol de judeus condenados à pior e
mais humilhante forma de tortura e execução: a crucificação.
(12) Então, o que farei com aquele a quem vocês chamam rei dos judeus?”
perguntou-lhes Pilatos. (13) “Crucifica-o”, gritaram eles.
Erramos na nossa
interpretação se vemos as interferências dos representantes do clero como
determinante e Pilatos como um governador fraco, titubeando perante os “nativos”,
como costumava chamá-los. Ele não toleraria intervenção de judeus em qualquer
processo segundo a lei romana. O processo de Jesus era um julgamento romano
que resultou numa sentença romana executada por carrascos romanos. A Pilatos
não interessava se alguém aplaudia ou protestava; isso não era coisa que o
preocupasse. Ele media tranqüilamente as forças para depois pronunciar seu próprio
juízo.
(14) “Por quê? Que crime ele cometeu?”, perguntou Pilatos. Mas eles gritavam
ainda mais: “Crucifica-o!” A Pilatos não importava deixar um judeu viver ou morrer.
Ele era capaz de ditar o veredicto. Não via no “homem tolo” razão para pena
capital e perguntou novamente pelo crime cometido, não levando a sério a
confissão de culpa “do rei dos judeus”. Esse homem não era perigoso.
215
Somente no Evangelista João encontramos a chave para a compreensão da
súbita mudança na postura de Pilatos. Caifás e seus homens sabiam da posição
fraca de Pilatos perante César. Sabiam que a acusação de alguém auto-declararse rei era “traição”. “Se deixares esse homem livre, não és amigo de César! Quem se
diz rei, opõe-se a César!”(João 19.12) Essa fala o governador entendeu bem. Todo
aquele que se fazia rei falava contra César, e este dificilmente entenderia ou
perdoaria um governador que deixasse um homem acusado ser solto depois deste
expressamente se confessar culpado de “falar contra César”. Nessas circunstâncias,
não restava a Pilatos outra alternativa senão condenar Jesus. Aquilo que Marcos,
poupando a imagem do governador, apresentou como favor perante “o povo”
nada mais era do que derrota do homem forte. Covardemente ele cedeu. (15)
Desejando agradar a multidão, Pilatos soltou-lhes Barrabás, mandando açoitar Jesus
e o entregou para ser crucificado.
O Evangelho de Marcos – cap.15.15b-20 (NVI)
(15b) Pilatos soltou-lhes Barrabás, mandando açoitar Jesus e o entregou para ser crucificado.
(16) Os soldados levaram Jesus para dentro do palácio, isto é, ao Pretório, e reuniram toda a tropa.
(17) Vestiram-no com um manto de púrpura, depois fizeram uma coroa de espinhos e a colocaram
nele. (18) E começaram a saudá-lo: “Salve, rei dos judeus!” (19) Batiam-lhe na cabeça com uma
vara e cuspiam nele. Ajoelhavam-se e lhe prestavam adoração. (20) Depois de terem zombado dele,
tiraram-lhe o manto de púrpura e vestiram-lhe suas próprias roupas. Então o levaram para fora, a fim
de crucificá-lo.
Pilatos soltou-lhes Barrabás, mandando açoitar Jesus. Segundo a lei romana, a
tortura (flagelação) era automaticamente incluída em toda sentença de morte, e
em geral se presume que a flagelação de Jesus foi parte da punição capital que lhe
foi infligida (cit.Cohn). Pelos Evangelhos segundo Mateus e Marcos, no entanto,
entendemos que foram dois procedimentos distintos: primeiro ser açoitado e depois,
por nova ordem, a entrega para crucificação. Embora o Evangelista não nos tenha
dado detalhes do procedimento adotado, sabemos dos pormenores por relatos da
época. O acusado, despido, era amarrado com os braços esticados para cima,
numa coluna de modo que suas costas ficassem expostas aos carrascos. Os açoites
eram aplicados, como ainda hoje em dia nos países sob a lei islâmica da shaaria
(Irã, Arábia Saudita, Afeganistão e outros), nas costas encurvadas e nuas das vítimas.
Dois homens administravam a punição, um de cada lado. Os sulcos deixados pelas
cordas do chicote, nas quais pequenos pedaços de chumbo ou estilhaços de ossos
eram inseridos, rasgando a pele da vítima, se tornavam tão profundas que, não
raras vezes, a punição em si já resultava na morte do vitimado. Quando não
levavam a isso, a perda de sangue fazia do castigado um ser irreconhecível e
debilitado ao extremo. O filme “A paixão de Cristo”, lançado há algum tempo,
explorou essa cena de forma chocante.
Embora o Evangelho de Marcos (e todos os demais) não nos esclareçam
quanto à flagelação ou às torturas a que foi submetido Jesus, sabemos de fontes
216
romanas qual o tratamento normalmente reservado aos acusados de “laesae
maiestatis” (lesar sua majestade o imperador). Deixando de lado sua extrema
crueldade, era um meio muito eficaz, tendo-se firmado tão arraigadamente no
sistema de aplicação da lei, que o encontramos usado em larga escala não apenas
na Roma imperial, mas também na Igreja medieval, onde durante quatrocentos
anos, (1400 até 1802 da nossa época), o Ofício da “Santa Inquisição” o fez valer
com extrema crueldade contra todo tipo de “hereges” da cristandade.
O fato de Jesus, mais tarde, ter desmaiado no caminho para o local da
execução confirma a gravidade da tortura sofrida.
... e o entregou para ser crucificado. Há indícios de que Pilatos ordenou que
Jesus fosse açoitado (torturado) para fazê-lo renunciar a suas pretenções. Quando
Jesus, depois de flagelado, recusou a se retratar, ele O “entregou” para ser
crucificado, ou seja, condenou-O à morte na cruz. Na condução dos julgamentos
criminais, os governadores não estavam presos a quaisquer regras fixas de
procedimento: a quem e como interrogar, recorrer ou não à tortura, eram questões
que cabiam a cada um deles somente.
Se essa foi a situação de Jesus, seu julgamento ocorreu num momento em
que ainda lhe era possível livrar-se da responsabilidade por um crime capital. João
nos conta que Pilatos, antes da flagelação, renovou pelo menos duas vezes suas
perguntas a Jesus (João 18.33,35,37). Devemos lembrar que Pilatos procurou evitar a
criação de mais um mártir para os judeus, pois isso lhe custaria alto preço político,
mas como vimos, o recado dos sacerdotes a respeito de uma possível queixa
perante o imperador por sua atitude dúbia era decisivo para a sentença final.
(16) Os soldados levaram Jesus para dentro do palácio, isto é, ao Pretório, e
reuniram toda a tropa. Não sabemos em que estado o corpo de Jesus encontravase após a sessão de tortura. Como Pilatos não conseguiu despertar piedade nos
sacerdotes com o ensangüentado condenado, não lhe restava alternativa:
entregou-O para ser crucificado, dando o caso por encerrado.
Por algum tempo Jesus permaneceu nas mãos dos legionários, acostumados
com a crueldade contra criminosos. Esses, juntando todo o destacamento para a
farra, O levaram para dentro do palácio, longe de espectadores, a fim de divertir-se
à custa daquele estranho e ridículo “rei”. (17) Vestiram-no com um manto de
púrpura, depois fizeram uma coroa de espinhos e a colocaram nele. (18) E
começaram a saudá-lo: “Salve, rei dos judeus!” Os soldados, havendo Jesus despido
suas roupas, puseram um manto “real” sobre Ele. Como um rei deveria também ter
um cetro, eles puseram um caniço em sua mão direita. Esse item é declarado
apenas por Mateus e implícito em Marcos. Então, um a um o saudaram, ajoelhandose diante dEle, zombando dEle com fingida adoração sarcástica: “Salve, rei dos
judeus”. A crueldade encontrou seu apogeu na preparação de uma “coroa” de
espinhos, planta hoje conhecida como Spina Christi, provavelmente encontrada às
pressas nas proximidades e colocada na cabeça de Jesus. Não era uma grinalda de
louro, semelhante à usada pelos imperadores romanos ou ganhadores de prêmios
nas Olimpíadas. Era sim uma coroa “apropriada” para um “rei ridículo judeu”. O
217
manto “real” e a coroa com seus espinhos longos e pontudos, fazendo correr gotas
de sangue pelo rosto do “rei”, satisfizeram tanto o instinto de escárnio como serviam
de divertimento. O “Salvador dos judeus” havia se tornado espetáculo e passatempo para os embrutecidos soldados.
(19) Batiam-lhe na cabeça com uma vara e cuspiam nele. Ajoelhavam-se e
lhe prestavam adoração. Os insultos doíam ainda mais que as agressões físicas.
Adoração, a comunhão mais preciosa que Jesus conhecia na intimidade com o Seu
Pai, virou deboche. Cuspir no rosto de um indefeso ainda hoje é uma das piores
humilhações imagináveis. Aquele, que enviado por Deus foi entregue “aos gentios”,
sofreu toda a depravação e o sadismo do coração humano. Será possível
imaginarmos o tamanho da angústia e da dor no coração do Senhor? Era Deus
entregue nas mãos dos homens.
Você sabe que até hoje Deus sofre o ultraje e o escárnio humano quando
você O rejeita? Não importa se por ignorância ou por negação.
(20) Depois de terem zombado dele, tiraram-lhe o manto de púrpura e
vestiram-lhe suas próprias roupas. Não sabemos se os soldados ou seu oficial se
cansaram, se o tempo estava esgotado ou, por alguma outra razão, tiveram
compaixão de Jesus. De acordo com João 19.4ss, Pilatos, uma vez mais entrou em
cena. Ele conduziu Jesus para fora, ainda com o manto de cor púrpura e a coroa
de espinhos. Um espetáculo patético é exposto ao público que ainda esperava ver
o final: “Eis o homem!” disse o governador, já sem forças para mudar o veredicto.
Em seguida, ao contrário do que era costume (a saber: o condenado ser
levado despido), Jesus recebeu suas próprias roupas de volta. Então o levaram para
fora, a fim de crucificá-lo.
Normalmente, o condenado à crucificação seria açoitado durante todo o
percurso até chegar ao local da execução, com os braços amarrados no próprio
instrumento pelo qual sofreria a morte. Já seria uma questão de graça ou
indulgência se lhe fosse permitido carregar apenas a trave da cruz (patibulum) sem
ser preso a ela.
Por alguma razão, o procedimento com Jesus foi diferente. Veremos !
218
C
O Evangelho de Marcos – cap.15.21-22 NVI)
Então o levaram para fora, a fim de crucificá-lo. (21) Certo homem de Cirene, chamado
Simão, pai de Alexandre e de Rufo, passava por ali, chegando do campo. Eles o forçaram a carregar
a cruz. (22) Levaram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar da Caveira.
Então o levaram para fora, a fim de crucificá-lo.
Como já dissemos, um condenado seria preso, amarrado às vigas (furca) da
cruz e acoitado durante todo o percurso até o lugar da crucificação. O patibulum
(trave horizontal) seria pregado ao poste que ficava permanentemente no local de
crucificação, assim formando a cruz. O condenado podia ser atado ou pregado
ainda antes de começar sua caminhada, ou quando chegasse ao local. Por uma
questão de lei, transportar pelo menos o patibulum era parte integral da punição e
nenhum condenado podia se livrar disso.
Pelo que o texto nos diz, Jesus parece ter carregado o patibulum, ele próprio,
somente durante parte do trajeto, até cair sob seu peso, quando então os soldados
pediram a um homem que estava por ali, chamado Simão, que O aliviasse do
patibulum e o carregasse no lugar de Jesus.
(21) Certo homem de Cirene, chamado Simão, pai de Alexandre e de Rufo,
passava por ali, chegando do campo. Não sabemos se Jesus tinha originalmente
uma constituição física fraca e por isso era insuficientemente forte para suportar uma
carga tão pesada, ou se O tinham maltratado de tal forma que fez Jesus sucumbir
sob o peso do madeiro. Nenhum Evangelista nada menciona a respeito.
Durante seu ministério, Jesus repetidamente havia advertido seus seguidores
de que “qualquer um que desejasse segui-lO, que negue a si mesmo, tome a sua
própria cruz e O siga” (Mateus 16.24 e outras). Hoje em dia costumamos espiritualizar
essa frase, dizendo que nossa vida “é uma cruz” semelhante. A razão dessa
metáfora aplicada a Jesus é muito mais real do que hoje pensamos. “Carregar nos
ombros sua cruz” é termo encontrado na própria literatura talmúdica, podendo
219
portanto ter sido uma metáfora em uso comum já nos dias de Jesus, uma vez que
era encontrada a toda hora como memorial de advertência.
A crucificação era, com efeito, o único modo de execução “praticado pelo
governo” de Roma na Judéia, sendo aplicada amplamente. No ano 4 antes de
Cristo, o governador romano Varo, ordenou que dois mil combatentes da resistência
judaica fossem crucificados nas montanhas de Jerusalém. Após a crucificação de
Jesus vemos o governador Tibério Alexandre sentenciar Jacó e Simão, filhos de
Judas, o Galileu, à morte por crucificação; poucos anos depois, uma segunda
crucificação em massa de zelotas foi ordenada pelo governador Quadratus. Depois
veio Félix (Atos 23.24ss), que superou seus antecessores crucificando não apenas
rebeldes e zelotas, mas também qualquer cidadão suspeito de colaborar com eles.
Mandou crucificar, num só dia, 3.600 judeus ou matá-los no caminho da cruz. O
imperador Tito mandou que os prisioneiros feitos durante o cerco a Jerusalém fossem
crucificados nas muralhas da cidade e, dias depois, 500 morreram desse modo. Os
soldados, assim relata Josefo, tiveram de torcer as infelizes vítimas nas posturas mais
macabras “porque o número delas era tão grande e não havia espaço para as
muitas cruzes, nem bastantes cruzes para os muitos corpos”. Portanto, podemos
deduzir que Jesus, nas suas caminhadas pelas montanhas, inúmeras vezes deparouse com cruzes ou postes usados para tal, vazios na espera do condenado ou ainda
com os corpos pendurados. O costume romano que proibia enterro de corpos
crucificados, estabeleceu expor as vítimas nas cruzes, mesmo após suas mortes, para
repasto de chacais e abutres. Ser devorado e dilacerado pelas “aves dos céus e
animais da terra” era encarado como uma punição suplementar, merecida pelos
homens condenados.
Julgamos necessário esse comentário a respeito da prática da crucificação.
Não será a própria morte na cruz que distinguirá Jesus como Salvador. Havia
milhares de outros sendo torturados e mortos na cruz. Há muitas práticas devocionais
focalizando as dores físicas de Jesus como mistério Divino. Não é o lamento ou a
compaixão pelo crucificado que nos redime ou nos aproxima de Deus. O que será,
então? A resposta virá mais tarde.
Voltando ao nosso texto: Jesus, coberto com suas próprias roupas sobre o
corpo dilacerado, carregou o patibulum sem ser preso nele, quando subitamente
sucumbiu. Talvez por algum motivo, os soldados e seu oficial tiveram compaixão por
Ele.
Eles o (Simão Cirene) forçaram a carregar a cruz. Legalmente era
expressamente proibido pedir a um inocente passante que transportasse a cruz de
um condenado; isso significaria transferir parte da sentença a um estranho.
A distância direta do Pretório até o Gólgota não ultrapassa algumas centenas
de metros. Qual o percurso escolhido pelo centurião? Quintiliano, um escritor
romano († 90 d.C.) escreveu: “Sempre que crucificamos, escolhemos as ruas mais
movimentadas onde a multidão chega a ver o condenado, a fim de amedrontála...” As ruas de Jerusalém, nessa véspera da maior festa religiosa, estavam repletas
220
de peregrinos. Não fica difícil imaginarmos a tropa de soldados com três criminosos
ensangüentados à frente abrirem caminho na multidão, rumo a uma pedreira de
calcário abandonada, tradicional lugar de execução, fora dos muros da capital.
Junto com Jesus foram levados dois outros condenados (Luc.23.32). Uma grande
multidão se ajuntou, quando a notícia correu: “Estão levando aquele que pregava
no Templo, poucos dias atrás!”
Quando Jesus sucumbiu sob o peso do patibulum, seja por misericórdia ou
porque estavam com pressa, os soldados forçaram o primeiro homem forte que, por
acaso, passou por perto, a pegar e carregar o madeiro. Marcos nos deixou seu
nome: Simão de Cirene. Simão era um judeu da diáspora, procedente da cidade
portuária de Kyrene, na costa africana. Não sabemos se havia vindo como
peregrino a Jerusalém, por causa da Páscoa ou, se entrando naquele exato
momento na cidade, viera do acampamento fora dos muros ou se a menção de
Lucas “vindo do campo” quer dizer que viera do trabalho. Pode até ser que esse
homem havia protestado com voz alta demais contra essa nova monstruosidade
romana. Seja como for, foi obrigado a carregar “o madeiro” e com isso, ele ficou
impuro, sendo impedido de participar do culto e das festividades do Pessach
(Páscoa) no Templo. Toda sua viagem foi perdida por causa desse incidente!
Nada mais sabemos desse homem a não ser os nomes de seus dois filhos:
Alexandre e Rufo. Quando o apóstolo Paulo, anos mais tarde, escreveu sua carta à
Igreja em Roma, saúda Rufo e menciona que a mãe dele, a mulher de Simão, havia
se tornado como “mãe” para com o grande apóstolo (Ro 16.13).
O encontro “acidental” do “Cirenense” com Jesus no caminho da cruz
transformou a vida da família de Simão e seus filhos haviam se tornado membros
conhecidos na Igreja de Roma.
(22) Levaram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar da
Caveira. Quem hoje acompanha a procissão solene das tardes de sexta-feira pela
“Via Dolorosa”, cantando e orando sob a liderança de monges franciscanos, não
segue em nada o trajeto original pelo qual Jesus fora levado. Somente na chegada
à Igreja do Santo Sepulcro o peregrino encontra o lugar histórico. Tanto o caminho
das procissões na “Via Crucis” como o número e localização das estações mudaram
várias vezes durante os séculos. Das sete estações conhecidas no séc. 14 aumentouse para doze no séc.16 e, no século 17, o peregrino já ora em 14 estações.
Atualmente se discute uma décima-quinta, lembrando a ressurreição – afinal, a vida
de Jesus não terminou com a morte (estação 14), mas com a ressurreição.
Pelas nove horas da manhã no dia 14 do mês Nisan¹, o comando da
execução chegou ao lugar chamado “lugar da caveira”. Uma pedreira de calcário
abandonada havia deixado intocada em seu meio uma elevação de pedra com
qualidade inferior, parecendo uma caveira. Nela, tradicional lugar de execuções
romanas, três postes permanentes esperavam pelos condenados.
221
O sumo sacerdote e os religiosos zelosos e responsáveis estavam com suas
consciências tranqüilas. Estavam convictos de terem prestado um imenso serviço a
Deus, a saber: eliminaram um homem que ameaçava a estrutura do Templo e seu
serviço sagrado. A ordem religiosa nesse dia sagrado fora reestabelecida e nada
mais os impedia de comemorar o Pessach no Templo, assim como Deus havia
ordenado na Sua santa Lei.
O grande Dostojewski , escritor russo, julgou bem: Todos nós no lugar deles, e
com a mesma consciência tranqüilizada, faríamos o mesmo.
¹ mês do calendário judaico correspondendo a março/abril
O Evangelho de Marcos – cap.15.22 b (NVI) - AVALIAÇÃO HISTÓRICA Então o levaram para fora, a fim de crucificá-lo. (21) Certo homem de Cirene, chamado
Simão, pai de Alexandre e de Rufo, passava por ali, chegando do campo. Eles o forçaram a carregar
a cruz. (22) Levaram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar da Caveira.
“Então o levaram para fora, a fim de crucificá-lo”.
Você possivelmente ficou se perguntando por que o Evangelista Marcos nada
menciona da mulher, chamada Verônica, que teria oferecido ao Salvador um
tecido para enxugar seu rosto cheio de sangue e suor, quando Ele estava a
caminho do Gólgota. A Igreja Católica sustenta saber daquele episódio.
Milagrosamente o rosto de Jesus acabou sendo gravado naquele tecido.
Quatrocentos anos mais tarde, do nada, apareceu esse tecido e desde então o
“véu de Verônica” está sendo venerado na Igreja. O que há de real nessa história
toda?
OS “VÉUS DE VERÔNICA”
Nas paróquias do mundo inteiro, principalmente nas que ainda mantêm a
denominada “procissão do encontro” realizada na semana santa, às sextas-feiras
santas, é apresentado o “véu de Verônica” aos fiéis presentes.
Explicam os padres católicos que esse ato relembra a mulher piedosa
(Verônica) que, condoída do sofrimento de Jesus a caminho do Calvário, irrompe
do meio da multidão e, com uma toalha, enxuga o suor e sangue que escorriam
pela face do Senhor e que este, então, ficaram indelevelmente gravados no tecido.
Similarmente, a cada 5º domingo da quaresma, o “verdadeiro véu de Verônica”, um
pedaço de tecido de 17 centímetros de largura e 24 de altura, com a imagem de
um rosto, é apresentado aos fiéis no Vaticano, resguardando-se uma boa distância
dele. Um dos quatro pilares que sustentam a Cúpula da Basilica de São Pedro, leva
até o nome da venerada mulher.
222
A pequena igreja de Manopello, vila a 200 km de Roma, abriga um segundo
“véu autêntico de Verônica”, venerado anualmente por mais de 250.000 peregrinos.
No final de agosto de 2006, o papa Bento XVI visitou a pequena Igreja em
Manopello e, ajoelhado, rezou por alguns minutos diante do véu. A Igreja sustenta
que no ano de 1506 (há exatamente 500 anos), um anjo desfarçado de peregrino,
teria batido à porta da casinha de um “doutor Leonelli” em Manopello, entregandolhe um pacote. Nesse embrulho havia o dito véu.
Um terceiro “véu de Verônica” encontra-se no tesouro da Catedral de
Aachen, na Alemanha. No mundo inteiro circulam pelo menos 20 tecidos
“autênticos” com a imagem do rosto de Jesus.
Qual desses “véus” é o verdadeiro, ... se é que há algum?
O padre Jesuíta Henrique Pfeiffer da Pontífica Universidade de Roma revelou,
em agosto 2006, à revista alemã “Der Spiegel”, que o tecido realmente se
encontrara guardado até uns 400 anos atrás, no pilar da Basílica de São Pedro, em
Roma. Durante obras de restauração ele sumiu. Anos depois foi vendido por ladrões
de relíquias à pequena igrejinha de Manopello. O “véu” que anualmente está sendo
apresentado em Roma é uma cópia apenas. A visita do papa e sua oração perante
o véu de Manopello confirmam a tese de que o próprio papa o considera como
“verdadeiro” e que o véu anualmente apresentado aos peregrinos em Roma é
apenas uma reprodução.
VIA CRUCIS
A lenda sustenta que uma mulher de nome Verônica limpou com esse tecido
o rosto do nosso Senhor, quando este estava a caminho do Gólgota. Uma das
estações, a antiga VI, da “Via Crucis” em Jerusalém lembrava a mulher. Em 1991, o
Papa Paulo II eliminou essa estação e mais outras quatro que não tinham base
histórica ou bíblica, dando a todas elas uma nova destinação.
A história do véu, no entanto, continua.
OS EVANGELHOS
Nenhum dos quatro Evangelhos sabe algo a respeito de um véu. Todos eles
são muito suscintos quando mencionam a ida de Jesus até o Gólgota. João usa um
versículo só.
Mateus menciona mulheres chorando e sendo advertidas por Jesus. Marcos e
Lucas mencionam o Cireneu, que carregou o patíbulo de Jesus. A carta de Paulo
aos Romanos confirma a existência desse homem. Nada lemos de Verônica.
VENERAÇÃO DE OBJETOS NA RELIGIÃO MONOTEÍSTA? COMO?
Das três religiões monoteístas (Judaísmo, Islã e Cristianismo) somente o
cristianismo conhece imagens veneradas. Por ser proibido pelo segundo
Mandamento do Decálogo, o uso de imagens e relíquias é visto como blasfêmia no
judaísmo e semelhantemente no Islã.
223
Onde e quando a prática de objetos venerados entrou na Igreja Cristã, sendo
tão claramente proibida no Decálogo? “Não farás para ti ídolos, nem figura alguma
do que existe em cima, nos céus, nem em baixo, na terra, nem do que existe nas
águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto,
pois Eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento” (Ex.20.4, Bíblia Sagrada, Ed.Vozes).
Até o terceiro século a igreja cristã não conheceu imagens no culto. Ela fez de
tudo para evitar semelhanças com crenças pagãs.
Quando, a partir do século quarto, povos inteiros foram “cristianizados por
decreto imperial”, a veneração de “objetos sagrados” e as hoje chamadas
“quermesses” instalaram-se por razões práticas. Não havia templos suficientes nem
catecismo para os novos “cristãos”. Eram analfabetos, vieram de cultos onde deuses
visíveis eram adorados com festas e comida. A Igreja se via em dificuldades. Para
que demolir templos bonitos, se esses poderiam ser usados para o novo culto? O que
apresentar como divino às hordas de bárbaros feitos cristãos? Como entusiasmá-las
pela nova fé?
Para compensar a falta de “divindades visíveis”, a missa e todo tipo de serviço
religioso tomavam aspectos cada vez mais pomposos. A partir das festas
comemorativas para os mártires, além da veneração à Maria desenvolvera-se uma
crença nos santos e serventia aos santos que nada ficava a dever à superstição dos
pagãos; aliás, superava-a em muito. Os mártires e suas festas praticamente tomaram
o lugar dos deuses pagãos e de suas festas, tanto no Ocidente quanto no Oriente.
Foi o papa Gregório, o Grande (590-604) que resolveu facilitar para os novos
membros do Império o acesso ao culto “cristão”. Ele escreveu a Mellitus:
“Os templos pagãos não precisam nem ser destruídos nesse povo, apenas a
imagem dos ídolos. Benza-se água, aspergindo-a no interior desses templos, erijam-se
altares e levem-se relíquias até lá. Pois se os templos forem bem construídos, basta fazer
com que da adoração dos demônios seja transferida para o serviço do verdadeiro Deus,
para que o povo, ao ver que seus templos não foram destruídos, renuncie de coração
ao engano e, no conhecimento e na veneração do verdadeiro Deus, tenha mais prazer
em reunir-se nos lugares habituais. Como no sacrifício pagão costumam abater muitos
bois, também nesse sentido a celebração deve ser reestruturada, de maneira que no dia
da consagração da igreja ou nas datas de nascimento dos mártires, cujas relíquias lá
estão guardadas, comemorem uma festa sob ceias religiosas. Pois retirar com rigidez
tudo ao mesmo tempo, sem dúvida, é impossível; quem quer subir às alturas, precisa
escalar degrau por degrau, não subir aos saltos.”
E sobre as relíquias, em geral, ele escreve:
“Como fontes que trazem salvação, o Senhor Cristo nos deu as relíquias dos Santos
que, de múltiplas maneiras, exalam suas benemerências como um bálsamo
perfumado. E ninguém seja incrédulo! Pois se de uma rocha dura jorrou água,
porque Deus assim o quis, por que então é incrível que das relíquias dos mártires jorre
bálsamo perfumado?”
(Fonte: Zange. Kirchengeschichte.Gütersloh)
Já por volta de 400, Vigilantius queixava-se da prática das relíquias, conforme
Jerônimo relata:
224
“Quase que vemos instituída a servidão dos pagãos na igreja: à clara luz do sol
acendem-se enormes velas de cera, e por toda a parte beija-se em adoração
qualquer poeira, guardada em precioso envoltório de linho numa urna. Grandes
honras prestam tais pessoas aos santos mártires, que acreditam ter que iluminá-los
com velas baratas, ao passo que o Cordeiro, que está sentado no trono, no
radiante esplendor da sua glória, é que as ilumina.”
Na Idade Média a Igreja vivia uma verdadeira febre de relíquias e objetos de
culto. Ela mesma criou e abastecia esse mercado altamente lucrativo. Sob o papa
Sixtus (1471-1485) tudo se vendia, sejam ossos de mártires, apóstolos, leite da Virgem,
panos e pedaços da cruz de Cristo, etc. A imaginação não encontrou limites. Como
a procura de “objetos sagrados” ultrapassou em muito a oferta, no séc. 12 sob o
papa Gregório VII (Hildebrando), oficinas de falsificação foram instaladas e onde
relíquias e documentos foram falsificados e multiplicados para abastecer o mercado
(Fonte: DeRosa Peter. Vicars of Crist, Bantam Press).
Foi no século cinco, após a imperatriz-mãe Helena alegar ter trazido um
pedaço de madeira de Jerusalém, parte da cruz de Cristo, que apareceram as
primeiras relíquias relacionadas à paixão do Senhor. A primeira menção de um “véu”
consta do século cinco, também. Como não havia nenhuma base histórica ou
bíblica para essa “relíquia”, a Igreja criou a lenda de Verônica, que mais tarde
entrou na santa tradição.
Na Idade Média, o mercado de relíquias foi visto como “normal”. A
população era analfabeta e dependia do clero para ser instruída. Imagens eram
justificadas como sendo “a Bíblia do povo que não sabia ler”. O Papa Sixtus (1471)
teve uma idéia genial em como ampliar o mercado, quando criou indultos. Com
eles, a Igreja não se via mais obrigada a “multiplicar relíquias”. O povo pagava por
simples promessas vindas de Roma ( e continua pagando).
Como, ainda hoje, em pleno século 21, ossos, imagens, pedaços de madeira e
até vidros embaçados estão sendo venerados no lugar do Deus único? Como as
igrejas Neo-Pentecostais podem aderir a essa prática pagã, inventando seus
próprios objetos sagrados?
O Evangelho de Marcos – cap.15. 23-25 NVI)
(23) Então lhe deram vinho misturado com mirra, mas ele não o bebeu. (24) E o crucificaram.
Dividindo as roupas dele, tiraram sorte para saber com o que cada um iria ficar. (25) Era a hora
terceira, quando o crucificaram.
As penas descritas como legalmente aplicáveis de acordo com as leis do
Antigo Testamento eram o apedrejamento (Deut. 17.5), o fogo (Lev 20.14), o
enforcamento ou estrangulamento (Josué 8.29) e a espada (Deut.20.13). Não se
conhecia a crucificação. Pendurar vivo, por crucificação ou de outra forma,
consistia em uma “afronta a Deus”;; em uma profanação da terra santa. A prática
225
de “pendurar” um condenado depois de morto, “para que tema e jamais se
ensoberbeça” (Deut.17.3) era prática reservada aos idólatras e aos blasfemos.
A crucificação de pessoas vivas era uma maneira persa (Irã) de execução e
deve ser considerada como extremamente desumana, principalmente por causa
da duração do suplício. Dependendo do modo como o condenado era colocado
na cruz, a morte demorava horas ou até dias para chegar. Voltaremos ao assunto
mais adiante.
(23) Então lhe deram vinho misturado com mirra, mas ele não o bebeu. Era um
antigo costume judaico que um homem condenado, quando levado para o lugar
da execução, tinha de receber um gole de vinho com incenso dentro “para que
seu espírito se perdesse”, isto é, ficasse inconsciente. Foram, conforme fontes
judaicas, “as queridas mulheres de Jerusalém” que se apresentaram e trouxeram o
vinho e lho ofereceram. Jesus não bebeu o vinho; sua consciência esteve desperta
durante as seis horas seguidas que ficou pendurado na cruz.
(24) E o crucificaram. A prática romana era amarrar o condenado na cruz
com cordas, e não pregá-lo. Todas as fontes, no entanto, afirmam que Jesus foi
pregado. Qual a diferença?
A crucificação era conhecida em Roma como a morte mais grave e mais
cruel (summum suplicium), originalmente mantida somente para executar escravos e
estrangeiros ou como pena para crimes hediondos. O horror geral que o suplício
despertava pode ser sentido nos nomes dados às partes da cruz, instrumento de
tortura: a vítima ficava de pé numa assim chamada “tábua infeliz” (infelix lignum) e
era pendurada numa “viga infame” (infames stipes). Cícero, escritor romano, a
considerou a mais cruel e terrível penalidade e recentemente ela foi definida como
“o ponto culminante da arte do torturador” (Goguel).
Nos crucifixos (que, sem entendermos o que estamos fazendo quando os
expomos como enfeites pessoais) Jesus parece descansar. Na crucificação real,
porém, a posição em que o corpo está sendo esticado, leva aos poucos, um por
um, cada órgão vital interno a se dilacerar, literalmente “a se rasgar”. Ao mesmo
tempo, a respiração está sendo dificultada ao máximo, e somente um grande e
doloroso esforço do condenado, apoiando-se com seus pés na “tábua infeliz” por
alguns momentos, lhe permitia tomar um pouco de fôlego. Dessa forma, com as
articulações sendo luxadas e os órgãos vitais internos sendo dilacerados aos poucos,
a vítima estava sendo torturada e mortificada em “câmara lenta”.
A diferença em amarrar as vítimas (modo geral) ou pregá-las, como no caso
de Jesus, está no tempo do suplício. Há relatos de crucificações romanas através da
colocação com cordas, onde a vítima ficou suspensa por dias, sendo
morta
finalmente por aves de rapina ou chacais ou morrendo de sede.
O imperador Cláudio exprimiu certa vez o desejo de testemunhar uma
crucificação, motivo pelo qual vários condenados foram, um dia, crucificados
226
diante de seus olhos; depois de olhar para eles por muitas horas, Cláudio se
impacientou ou cansou-se, ordenando que fossem mortos.
Os condenados pregados na cruz não sobreviviam por tanto tempo, pois os
pregos abriam feridas na carne e os condenados perdiam muito sangue durante a
suspensão. No caso de Jesus, a necessidade de apressar a morte se dava à
aproximação da festa do Pessach (Páscoa). Nenhum judeu morto podia ficar
pendurado a partir do cair da noite; seria profanação da terra. Jesus foi crucificado
pelas nove horas da manhã da véspera da grande festa. Até ao anoitecer, ele tinha
que morrer e ser baixado da cruz, junto com os dois zelotas crucificados juntos. Os
romanos conheciam essa lei religiosa dos judeus e a respeitavam para não causar
revolta (algo que não os interessava), principalmente durante a Páscoa, quando a
cidade estava repleta de, usando a ótica dos romanos, “peregrinos fanáticos”.
Os judeus, com suas leis rígidas quanto ao sábado, até mencionam os pregos
usados em crucificações. Estes pregos, uma vez usados, eram tidos como
“apetrechos médicos”, pois estavam cheios de sangue e esse tinha, na crença
popular, poderes de cura. Ao contrário de qualquer outro esforço físico, os rabinos
permitiam ao judeu carregar “pregos de crucificados” aos sábados! A opinião
médica da época, no entanto, estava dividida quanto ao uso para o qual estes
pregos deviam ser recomendados: havia aqueles que os julgavam infalíveis para
diminuir inchações e inflamações; outros os preferiam como cura contra
queimadura da urtiga, e um célebre médico ulterior insistiu em prescrevê-lo para o
tratamento da febre terçã (Cohn).
É provável que a crença na “virtude médica dos pregos” tenha sido
importada de Roma, juntamente com a cruz: ali eles estavam sendo aplicados aos
epilépticos e até para deter a expansão de doenças infecciosas e epidêmicas.
Uma observação: Ficamos surpresos pelo fato de católicos e para-evangélicos
participarem da crença popular no poder de “pedaços de madeira da cruz”, ou
similar. Pelo que sabemos, contudo ainda não se descobriu o mercado desses
pregos!...
No ano de 1968, a arqueologia fez uma descoberta interessante: a “urna do
crucificado em Giv’at há-Mivtar”. Ela data da primeira parte do século primeiro
(período de Jesus) e nos permite ter uma idéia de uma das muitas variedades de
cucificação da época (veja no anexo).
Dividindo as roupas dele, tiraram sorte para saber com o que cada um iria
ficar. Uma pessoa condenada à morte era despida do que tinha sobre o corpo
antes da execução e o executor tinha o direito de reclamar os despojos como
propriedade sua. A partilha da roupa entre os soldados da guarda seguia um
costume romano, a “lex de bonis damnatorum“. Nos nossos crucifixos, Jesus aparece
com o sexo discretamente envolto com um pano; na realidade Ele foi crucificado
nu, tirando-lhe a última dignidade; outra humilhação do sentimento judeu. Não há
227
notícia do “direito da toalha” que o Talmude concedeu aos condenados ao
apedrejamento, para esconder o sexo. Somente a partir de 425 d.C. a tradição
cristã conhece uma tanga; a imagem mais antiga, um amuleto gnóstico do
segundo século, mostra Jesus crucificado nu. Como sua túnica era de uma peça
única, “sem costura, toda tecida de alto a baixo” (João 19.23), ela não fora
cortada; a sorte determinou seu novo proprietário. O filme “O Manto Sagrado” (Fox
Clássicos 1953) pertence à lenda; nada mais sabemos desse manto. Os carrascos
assim partilharam os poucos bens de Jesus: túnica, sandálias, possivelmente um cinto
e um pano de cabeça, enquanto Ele jazia pregado.
O salmo 22 que foi escrito quinhentos a mil anos antes e já descreveu detalhes
do sofrimento do Messias, previu essa cena: “Repartem entre si as minhas vestes e
sobre a minha túnica deitam sorte” (verso 18/19). A alegação de alguns
comentaristas de que os Evangelistas “inventaram” esse detalhe para construir
“provas” não convence pelo simples fato de duas fontes independentes e linhas
diferentes de tradição (Marcos e João) mencionarem o fato. Esse é uma dos mais
de duzentos detalhes das Escrituras confirmando Jesus como o Messias prometido
pelos profetas.
Era a hora terceira, quando o crucificaram. Eram nove horas da manhã.
228
229
230
O Evangelho de Marcos – cap.15.26-32 (NVI)
(26) E assim estava escrita na acusação contra ele: O REI DOS JUDEUS. (27) Com ele
crucificaram dois ladrões, um à sua direita e um à sua esquerda, (28) e cumpriu-se a Escritura que
diz: “Ele foi contado entre os transgressores”. (29) Os que passavam lançavam-lhe insultos,
balançando a cabeça e dizendo: “Ora, você que destrói o Templo e o reedifica em três dias, (30)
desça da cruz e salve-se a si mesmo!” (31) Da mesma forma, os chefes dos sacerdotes e os mestres
da lei zombavam dele entre si, dizendo: “Salvou os outros, mas não é capaz de salvar a si mesmo!
(32) O Cristo, o Rei dos judeus... Desça da cruz, para que o vejamos e creiamos!” Os que foram
crucificados com ele também o insultavam.
Estamos acostumados com a imagem de Jesus crucificado e o “Titulus”, a
placa com a acusação, razão do suplício, por cima dele. A história não conhece
nenhum caso onde o “titulus” esteve colocado na cruz propriamente dita. A placa
com a acusação costumava ser colocada do lado da cruz. Os quatro Evangelistas
divergem quanto ao lugar da placa, mas todos a mencionam.
(26) E assim estava escrita na acusação contra ele: O REI DOS JUDEUS. Pilatos
intitulou Jesus na “placa da acusação” de “rei dos judeus”. Ele odiava esse povo
que levava qualquer governante ao desespero com seu fanatismo religioso. Ele
sabia muito bem que eles haviam acabado de conquistar uma vitória política, pois
ele teve que ceder, ao ser ameaçado por eles. Portanto, agora aproveitou para
escarnecer deles. Ao formular a acusação, ele estava dizendo: “Aqui está Jesus, o
único rei que vocês conseguiram produzir e merecem, um rei crucificado e acima
de tudo, crucificado a pedido de vocês”. Sabemos por João, que os sacerdotes não
gostaram do “titulus” no caso de Jesus, reclamando e exigindo que fosse tirado o
título de rei e especificado que “ele somente dizia que era rei” (João 19.21,22). O
governador, cansado deles, respondeu com um seco e definitivo: “o que escrevi,
escrevi”, dando o caso assim por encerrado.
(27) Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita e um à sua esquerda,
(28) e cumpriu-se a Escritura que diz: “Ele foi contado entre os transgressores”. No dia
14 do mês de Nisan, três pessoas foram sentenciadas e executadas. O lugar de Jesus
era no meio, entre dois “ladrões”, como a nossa tradução os chama. Como a
crucificação não era aplicada a simples ladrões, é mais provável que os dois eram
zelotes, revolucionários políticos, pegos num tumulto anti-romano. Aproveitando a
oportunidade, Pilatos mandou que os dois fossem executados junto com Jesus, o
que exigiu pressa. Mais tarde, a Igreja primitiva, ao consultar as Santas Escrituras,
entendeu a passagem de Isaías 53.12 como profecia se cumprindo. Leia o capítulo
53 de Isaías com atenção!
(29) Os que passavam lançavam-lhe insultos, balançando a cabeça e
dizendo: “Ora, você que destrói o Templo e o reedifica em três dias, (30) desça da
cruz e salve-se a si mesmo!” A rua mais movimentada, na direção Oeste, sai da
cidade numa distância de aproximadamente 50 metros do Gólgota, onde os muros
II e III da cidade formam uma esquina (veja desenho a seguir). Na véspera do
grande dia do Pessach, milhares de peregrinos passaram por ela. Alguns deles
231
provavelmente detiveram-se por alguns minutos, vendo o movimento no meio da
pedreira, revoltados com a mais nova brutalidade romana na véspera da grande
festa; outros talvez procuravam informações que os ajudassem entender a cena
macabra. Seguramente, a maioria ficou parada e muda por alguns instantes, vendo
compatriotas sendo crucificados nas mãos dos detestáveis romanos. Pessach era a
festa em que se comemorava a libertação do povo da escravidão no Egito. No
presente momento, porém, os peregrinos eram defrontados com outro ”Egito”,
dentro de sua própria terra. Seguramente o ódio contra a força ocupadora
prevalecia. No mundo todo, infelizmente, também há gente para haurir algum
prazer doentio no espetáculo de torturas infligidas a outros.
Com sua ação corajosa no Templo, dias atrás, virando as mesas dos cambistas
e protestando contra o mercado na casa de Deus, por certo Jesus havia feito
inimigos. A esses interessava manter o grande negócio religioso. Na sua discussão
com os sacerdotes após o feito, Jesus havia previsto o fim do culto sangrento no
Templo, vislumbrando um outro templo e um culto espiritual (Leia João 2.18-20).
Línguas más, na sua ignorância torcendo as próprias palavras de Jesus,
aproveitaram para, num misto de inveja e ódio, insultar o crucificado, dando-lhe o
troco, como pensavam. Depois de alguns olhares na cena degradante, também
desapareceram na multidão, continuando seu caminho, entrando ou saindo da
cidade.
(31) Da mesma forma, os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei zombavam
dele entre si, dizendo: “Salvou os outros, mas não é capaz de salvar a si mesmo!
Alguns representantes do Sinédrio, na sua função como testemunhas, estavam
presentes no momento da crucificação. Cabia ao sumo sacerdote delegar a
função de presenciar a execução e esperar pela confissão e renúncia do blasfemo.
A Santa Lei previa absolvição para quem renunciasse na morte; dessa forma o sumo
sacerdote poderia absolver o crucificado, para que entrasse no descanso em paz e
não amaldiçoado por Deus. Nada disso aconteceu; Jesus não os atendeu. À certa
distância da cruz, os religiosos se aconselharam entre si. Sabiam das notícias de que
Jesus, durante seu ministério, havia realizado muitos sinais. Não podiam
compreender como alguém que ajudava aos outros, não era capaz de salvar a si
mesmo.
(32) O Cristo, o Rei dos judeus... Desça da cruz, para que o vejamos e
creiamos!” O tempo urgia. Às 13.30 horas começava a liturgia no Templo. O dia,
“Dia da Preparação”, era chamado “maior”, porque 14 de Nisan nesse ano caiu na
véspera de sábado (João 19.31). Até ao início do descanso sabático, às 18 horas,
um extenso programa litúrgico havia de ser celebrado no Templo e nenhum
sacerdote poderia faltar. A pressão do tempo e o cinismo perante o homem
pendurado levou os religiosos a desfiar o crucificado: “Desça da cruz, para que o
vejamos e creiamos!” Como o Evangelista João, possivelmente a única testemunha
ocular da crucificação, não menciona nenhum insulto público da parte dos
sacerdotes, entendemos que aqueles que tinham participação ou interesse na
eliminação de Jesus não se manifestaram abertamente, temendo o desprezo das
232
massas. A visão de corpos se torcendo em agonia, ou imóveis e impotentes,
somente agrada aos mais pervertidos, e os sacerdotes não pertenciam a essa
escória humana. O próprio Jesus havia previsto a atitude do clero, quando alertava
seus discípulos em João 16.2: “...virá o tempo quando quem os matar pensará que
está prestando culto a Deus”.
Daí em diante, Marcos não mais menciona os representantes do Sinédrio. Esses
se retiraram; sua obrigação fora cumprida. Podiam confirmar, oportunamente, a
não-renúncia, a execução, a eliminação do “pseudo-profeta” e dedicar-se agora,
no Templo, ao culto ao Santo Deus, junto com os digníssimos senadores.
Os que foram crucificados com ele também o insultavam. Enquanto os dois
zelotas viam em Jesus companheiro de suplício, mostravam-se solidários com Ele. Na
medida em que, pelos insultos que recebeu, tomaram conhecimento das alegadas
“ambições” de Jesus, contrariando com isso diametralmente a visão zelótica do
“Reinado exclusivo de Deus”, voltaram-se contra Ele, fazendo suas piadas. Juntandose ao tipo de gozação dos sacerdotes, desafiaram Jesus a se salvar e a eles
também (Lucas 23.39).
Os minutos pareciam horas. Jesus permaneceu em silêncio, possivelmente
sem sentidos, em alguns períodos. Somente o destacamento de soldados com o seu
oficial continuaram debaixo da cruz, matando o tempo com jogos de sorte e
conversas à toa. Os gemidos, vindo dos corpos pendurados por cima deles, não os
comoveram. Para eles, essa era somente uma das muitas execuções já realizadas e
outras mais iam ser ordenadas.
Por enquanto, três classes de pessoas aparecem como figurantes no Gólgota.
Primeiro: os soldados, alheios ao que acontece e embrutecidos. A maioria dos
“cristãos nominais” não considera Jesus digno de interesse qualquer. Jesus?! E daí?!
Segundo: os zelotas, companheiros de sorte, no seu desespero descarregando sua revolta naquele que, ao seu ver, queria ser mais nobre que eles e sendo
martirizado à toa, sem ter arriscado sua vida na luta contra os odiados invasores
romanos. Um grande movimento religioso pensa, em parte, como os dois zelotas. A
luta pela liberdade implica em sacrifício pessoal, em luta política e social. O mal
deve ser vencido, usando seus próprios recursos. Não basta amar. O mal deve ser
atacado e dominado para ser extinto, criando dessa forma a condição básica para
a vinda do Reino de Deus.
Terceiro: os sacerdotes, obcecados, cuidando das assuntos Divinos e
convencidos do seu modo religioso de executar a vontade de Deus. “O fim justifica
os meios”. Esse tem sido o lema da Igreja cristã por séculos.
Você pertence a qual desses grupos?
233
O Evangelho de Marcos – cap.15. 33-37 (NVI)
(33) E houve trevas sobre toda a terra, do meio-dia até às três horas da tarde. (34) Por volta
das três horas, Jesus bradou em alta voz: “Eloí, Eloí, lama sabactâni?”, que significa: “Meu Deus! Meu
Deus! Por que me abandonaste?” (35) Quando alguns dos que estavam presentes ouviram isso,
disseram: “ Ouçam! Ele está chamando Elias”. (36) Um deles correu, embebeu uma esponja em
vinagre, colocou-a na ponte de uma vara e deu-a a Jesus para beber. E disse: “Deixem-no. Vejamos
se Elias vem tirá-lo daí”. (37) Mas Jesus, com um alto brado, expirou.
234
(33) E houve trevas sobre toda a terra, do meio-dia até às três horas da tarde.
Os Evangelistas relatam um escurecimento de aproximadamente três horas durante
o suplício de Jesus. Não há dúvida quanto à historicidade do fato, embora nenhum
eclipse possa ter sido a causa naqueles dias de primavera, em tempo de lua cheia.
Não importa tanto qual a causa. Os primeiros cristãos, ainda judeus, imediatamente
ligaram esse acontecimento à profecia das Escrituras Sagradas. Eles tinham como
certo que, com a morte de Jesus, havia chegado o tão esperado “Grande dia do
Senhor” e que Deus agora faria justiça, como haviam prometido os profetas. O
profeta Amós, 700 anos atrás, já falou desse dia: “Naquele dia”, declara o Senhor,
“farei o sol se pôr ao meio-dia e em plena luz do dia escurecerei a terra.
Transformarei as suas festas em velório e todos os seus cantos em lamentação. Farei
que todos vocês vistam roupas de luto e rapem a cabeça. Farei daquele dia um dia
de luto por um filho único, e o fim dele, como um dia de amargura” (Amos 8.9,10).
Eles identificaram o dia da morte de Jesus com o “dia de JAHWÉ”. Para eles, Deus
estaria a julgar o mundo. (Leia Sofonias 1.14-18, que descreve “o grande dia do
Senhor”). Todas essas considerações estão implícitas na observação de Marcos: “...
houve trevas sobre a terra”. Para todo judeu, como foi para João Batista, o
julgamento de Deus marcaria esse grande dia.
No entanto, não houve castigo. Contrariando as perspectivas humanas, Deus
abriu o caminho à Sua presença com um sacrifício feito por Ele. Cansado do culto
sangrento no Templo, por si incapaz de remover qualquer pecado (leia Isaías 1.1020), Ele colocou Seu relacionamento com o homem sobre uma nova base: Graça
(veja mais adiante).
Jesus fora crucificado com o rosto virado para o Templo, onde a liturgia teve
seu início às 13.30 com o sacrifício do cordeiro do dia. Jesus conhecia a liturgia da
festa. Dia 14 de Nisan, no “Grande dia da Preparação”, os vinte e quatro anciãos
do regime sacerdotal, presentes em Jerusalém somente nas três grandes festas de
peregrinações anuais, se apresentariam nesse exato momento para dar início ao
Santíssimo Ritual do “Sacrifício para perdão”. Um número incontável de ovelhas
trazidas pelos pais de família seria morto pelos sacerdotes e o sangue pascal e
remissor seria aspergido no Altar. Mais tarde, pelas três horas da tarde, as trombetas
marcariam a hora da prece vespertina. A matança dos cordeiros pascais
continuaria. Os levitas tocariam as harpas e cantariam o Hallel: “Não morrerei, mas
vivo ficarei para anunciar os feitos do Senhor” (Salmo 118.17). “A pedra que os
construtores rejeitaram tornou-se pedra angular, isso vem do Senhor e é maravilhoso
aos nossos olhos” (118.22,23). Encerrada a matança dos cordeiros, trombetas e
cornetas anunciariam ao mundo o fato de “Deus ter declarado paz e reconciliação
no Altar, coberto de sangue”. O povo festivo começaria a deixar o Templo, junto
com os cordeiros mortos para, em família, ainda antes do pôr do sol proclamar o
início do descanso sabático, passando em seguida para a refeição pascal. Essa
traria à memória o sétimo dia da criação: “Assim foram acabados os céus e a terra,
e tudo o que neles há. No sétimo dia Deus já havia consumada a obra que realizara,
e nesse dia descansou...” (Gen 2.1,2).
235
O barulho festivo dos rituais do Templo em andamento ecoava na pedreira
abandonada com as três cruzes na caveira (Calvário) no seu meio. Poucas pessoas
ainda permaneciam junto aos homens pendurados.
Sabemos por fontes romanas, que homens crucificados ainda falavam
enquanto pendurados. Últimas ordenanças dadas por um crucificado costumavam
ser respeitadas. Os quatro Evangelhos nos transmitem no total sete sentenças de
Jesus: uma em Marcos, a mesma em Mateus, três outras em Lucas e mais três em
João. Será que Jesus expressou-se de maneira tão distinta como o que encontramos
registrado nos quatro Evangelhos? Pelos relatos de Justino (2º século d.C.), por
exemplo, sabemos que as vítimas falaram muito. Jesus deve ter dito mais do que os
Evangelistas nos transmitiram. Cada um deles registrou apenas aquelas palavras que
julgou mais de acordo com a sua compreensão pessoal da paixão e, ainda assim,
somente de forma abreviada. Cada “logion” (palavra autêntica de Jesus)
examinado no seu contexto, portanto, é legítimo. Marcos se limita a mencionar um
só:
. (34) Por volta das três horas, Jesus bradou em alta voz: “Eloí, Eloí, lama
sabactâni?”, que significa: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” Veja o
contrário dos fatos: Nos salmos encontrados nas cavernas de Qumram, o “Mestre da
justiça” (figura de líder espiritual dessa seita) vez e outra confessa: “Tu não me
abandonaste, lo asabthani”!
Jesus orou de maneira diferente. Ele que vivia na íntima comunhão com seu
Pai Celeste; Ele pelo qual Deus falava com Seu povo; Ele que declarou
ousadamente sua vocação e autoridade perante a mais alta corte religiosa judaica
(Marcos 14.62); Ele que foi condenado (14.64); será que esse Deus anunciado por Ele
e confirmado como real através de sinais e milagres, agora atenderia a Jesus,
glorificando-O perante o mundo? Nada disso aconteceu. O Deus de Jesus havia
abandonado seu Servo! Publicamente entregue, abandonado no mais íntimo de
Sua alma. Jesus mesmo o confessou. As palavras em Marcos 15.34 são verídicas.
Ninguém na igreja primitiva teria coragem de inventá-las; seria blasfêmia. Nenhum
erudito ou comentarista pode nos fazer crer que Jesus triunfou na cruz. Quem
triunfou na cruz foi Deus. Jesus foi entregue nas mãos dos gentios. Era um
“scandalon” para seu tempo, um escândalo (1.Cor.1.23). Ainda hoje o é. Nenhum
mártir jamais fora tão abandonado por Deus como o Jesus crucificado.
No inferno do silêncio de Deus, Jesus não jogou fora sua fé no Seu Pai. Ele não
“amaldiçoou a Deus e morreu” (conforme o conselho da mulher de Jó;; 2.9). Ele se
agarrou a Seu Deus, continuando a chamá-lO: “Meu Deus, Meu Deus”. O Deus de
Jesus havia abandonado seu servo, mas Jesus não abandonou Seu Deus. Jesus
havia chegado à última barreira da liberdade e emancipação, a liberdade
assustadora da fé. O que Ele orou na cruz, com voz audível, era o salmo 22. Marcos,
de acordo com o costume judaico, menciona somente as primeiras palavras do
salmo. Provavelmente Jesus recitou o salmo todo, até às palavras de paz; talvez só
até ao clamor de sede (verso 15). As testemunhas debaixo da cruz ficaram
236
assustadas. Não era essa a renúncia esperada. Estavam ouvindo um salmo
messiânico, atualíssimo no judaísmo dos dias de Jesus. (35) Quando alguns dos que
estavam presentes ouviram isso, disseram: “Ouçam! Ele está chamando Elias”.
A semelhança entre o hebráico “Eli” e o aramaico “Eloí”, idioma de Jesus, e o
nome do profeta do Antigo Testamento foi, provavelmente, suficientemente próxima
para que mentes ignorantes interpretassem mal o clamor de Jesus. Na melhor das
hipóteses podemos considerar que a crença judaica dizia que Elias introduziria o
Messias, e viveria um pouco ao lado dEle como seu assistente e restaurador. Leia
Malaquias 4.5,6, os últimos versos do Antigo Testamento, e compare com Marcos
9.13).
(36) Um deles correu, embebeu uma esponja em vinagre, colocou-a na ponte
de uma vara e deu-a a Jesus para beber. E disse: “Deixem-no. Vejamos se Elias vem
tirá-lo daí”. Fontes judaicas informam que um vaso com vinagre sempre estava
disponível e ao alcance da mão no local de uma crucificação. Vinagre, como
outros líquidos oferecidos quando a decomposição no crucificado já se iniciara,
serviam para apressar a morte. Nem todos debaixo da cruz tinham prazer no que
viram e ouviram. Quem quer que tenha sido o que deu a ordem, demonstrou
compaixão com Jesus. Aquele que a executou, seja por impulso próprio ou por
obediência a uma ordem, não deu água a Jesus, que lhe poderia matar a sede,
nem vinho, que lhe poderia obscurecer seus sentidos, mas vinagre, que nem alivia a
sede, nem anestesia. Aquele que levou a bebida a Jesus sabia que ela contribuiria
para apressar a morte e abreviar a agonia. Talvez para disfarçar, a pessoa brincou,
sugerindo aguardar o aparecimento do profeta. Pela simples atitude de oferecer
vinagre ao moribundo já dera sua resposta.
Jesus recitava o salmo 22 “pela hora nona”, isto é, entre 14 e 15 horas. A partir
daquele momento só recitava, com poucas forças ainda, as preces sabáticas e as
usadas pelo judeu na hora da morte. Pelas 15 horas, o som das trombetas do Templo
ecoaram no calvário. Era hora da oração vespertina. Israel inteira rezava nesse
momento a liturgia: “Nas Tuas mãos estão as almas dos vivos e dos mortos. Nas tuas
mãos entrego meu espírito. Tu me salvaste, Senhor, Deus da aliança...em o nome do
Senhor, Deus de Israel: na minha direita Miguel, na minha esquerda Gabriel, na
minha frente Uriel, atrás de mim Rafael e acima de minha cabeça a presença de
Deus...” (cit.Stauffer. Vida e morte de Jesus). O “Crucifixus” no Gólgota provavelmente
ouvia e também orava, porém da forma como tinha aprendido nos dias de Sua
infância. Lucas nos transmitiu algumas de suas palavras do salmo 31, salmo de
lamento e louvor: “Abba (paizinho), nas tuas mãos entrego meu espírito”. João, por
sua vez, ouviu pessoalmente a voz trêmula de Jesus que recitava partes do
“sabbathkiddusch”, oração com a qual todo pai de família, algumas horas mais
tarde daria início à ceia pascal. Chamou a atenção de João a palavra que ali
aparece por três vezes: “...consumado” (fonte Gen. 2,1.2). Ele a transmitiu a nós no
seu maravilhoso Evangelho (João 19.30). (37) Mas Jesus, com um alto brado,
expirou.
237
A obra de reconciliação de Deus com o homem, naquele dia memorável,
não se realizou no Templo, no Altar coberto com o sangue de cordeiros inocentes,
mas no Gólgota. A partir daquela hora, nada mais o homem poderia apresentar a
Deus como “mérito”, uma vez que matou e eliminou O Verbo enviado por Ele.
Daquele momento em diante, Deus somente pode ser conhecido através da “Graça
imerecida”, pela fé somente; não mais através de esforço religioso, ritos ou boas
obras. Com o sacrifício no Gólgota, todo e qualquer serviço sacrifical operado pelo
homem perdeu seu sentido. Agora é Deus aquele quem dará, porque decidiu dar,
não porque merecemos alguma coisa.
Com a morte de Jesus, a ordem antiga de culto chegou ao fim; Deus agora
atende a todos que se voltam para Ele, independentemente de merecimentos.
Infelizmente, o ritual de sacrifício continua como peça-chave na prática litúrgica da
Igreja Católica Romana. Em cada missa, Jesus novamente é morto “sem sangue” e
apresentado por homens pecadores a Deus.
O homem pecador nunca poderá apresentar um sacrifício perfeito, capaz de
reconciliá-lo com Deus Santo. A partir do Gólgota, o homem depende
exclusivamente da misericórdia de Deus, a qual se chama GRAÇA.
O sacrifício perfeito a Deus foi oferecido, uma vez por todas, no Calvário e vale
por toda a eternidade.
Leia a carta aos Hebreus!
O Evangelho de Marcos – cap.15. 38 (NVI)
(38) E o véu do Santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo.
(38) E o véu do Santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo.
A sentença parece estranha, aparentemente sem ligação com o contexto.
Observamos, no entanto, que ela segue de imediato à constatação do falecimento
de Jesus Nazareno (mas Jesus, com um alto brado, expirou). A que véu o Evangelista
está se referindo? No Templo havia dois véus separando compartimentos. O primeiro
véu cobria a porta que ligava o átrio ao Santuário. O segundo separava o “Santo”
do “Santo dos Santos” (Ex.26.33). Atrás desse segundo véu, num compartimento de
10x10x20 metros (ao qual somente uma vez por ano, por ocasião da “Festa da
expiação” (Jom Kippûr) o sumo sacerdote teve acesso) “habitava a presença de
Deus”. Até ao tempo do Exílio (aprox. 500 a.C.) ali encontrava-se a “Arca da
Aliança”. A Arca, e os demais utensílios, foram todos levados para Babilônia (Iraque)
e nunca mais apareceram. No tempo de Jesus, este Santíssimo lugar, portanto,
estava vazio
(o filme de Indiana Jones, caçando a Arca, carece de qualquer base histórica, pois a Arca
nada tem a ver com o cálice que Jesus usou na última ceia. Nada se sabe sobre o paradeiro final da
Arca).
238
Anualmente, quando o sumo sacerdote entrava na presença de Deus, ele
aspergia o sangue de um carneiro e o de um novilho (Lev.16.3,4,15) na parte interna
do véu, para fazer expiação do pecado dele, de sua família e do povo como um
todo. Após esse ritual, o sumo sacerdote saía e declarava ao povo como um todo
que Deus havia perdoado o pecado de todos e que eles estavam limpos
novamente.
Este véu se interpunha entre o povo e Deus. Somente o sumo sacerdote podia
ministrar, através dele, para alcançar o perdão para o povo.
Referindo-se ao momento em que Jesus morreu, Marcos declarou: E o véu do
Santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo. Não há nenhum relato histórico
a respeito de um rasgo nesse véu no Santuário. Devemos ter como certo que
Marcos, com um profundo entendimento espiritual viu como a morte de Jesus
rasgou o véu que separava o povo de Deus. A velha ordem do culto que tornava
necessário um intermediador humano havia chegado ao fim. O rasgo começou em
cima e foi até em baixo. Deus, simbolicamente, o rasgou; não foi o homem. O
acesso a Deus agora está livre, nenhum véu o esconde mais! O escritor da Carta aos
Hebreus diz assim: “Quando Cristo veio como sumo sacerdote... ele adentrou o
maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo homem, isto é, não pertencendo a
esta criação. Não por meio de sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio
sangue, ele entrou no Santo dos Santos, de uma vez por todas, e obteve eterna
redenção (Hebr.9.11,12). O apóstolo Paulo diz o mesmo em Romanos 5.1,2:
“...justificados, pois, pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, por
meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça, na qual agora estamos
firmes...”
Foi a redescoberta desse caminho aberto que levou à Reforma Protestante
que, infelizmente, dividiu a cristandade e a divide até hoje.
O famoso “logion” (palavra autêntica de Jesus) que serviu como acusação
contra Ele: “...você que destrói o Templo e o reconstrói em três dias...” já se cumprira.
Com sua morte, Jesus aboliu o culto sacerdotal e com isso o Templo como
necessidade. Um novo Templo, “não feito pelo homem”, estava a ser levantado
(Marcos 15.29).
Podemos perguntar como o judeu, conhecedor das Escrituras, lida com as
profecias que apontam tão claramente para Jesus como O Cristo. Sabemos pelos
relatos de Atos como a igreja primitiva enfrentava oposição da parte do Sinédrio.
Quando o novo movimento ganhou proporções não esperadas e uma igreja de
“não judeus” se formara, as autoridades judaicas recorriam a artifícios que, até hoje,
são usados na interpretação das profecias. Vejamos somente às duas peças chaves
da identificação do Messias: Isaías cap.53 e o salmo 22 (leia os dois!).
Com o surgimento dos primeiros Evangelhos escritos, a tradição rabínica
ajustou as lendas do nascimento de Moisés à descrição dada pelos Evangelistas ao
239
nascimento de Jesus. No capítulo 53 de Isaías, o judeu quer reconhecer a descrição
do sofrimento do grande profeta e legislador da lei, Moisés.
No meio do século dois, o Rabi Meïrs se fez notório por sua polêmica anti-cristã.
A partir dele, a tradição judaica aplica o salmo 22 à rainha Ester. Até aquele
momento, nem as lendas em volta da famosa rainha (Josefus Ant.11,6, 1/13) sabiam
do salmo 22 na boca da rainha.
A partir do séc.2 d.C., porém, a tradição rabínica passou a datar os três dias
do jejum nos dias 14.,15 e 16 de Nisan (Ester 4.15,16). O dia da matança dos
cordeiros, 14 de Nisan, segundo Sanh 43ª, é o dia da crucificação de Jesus. Nesse
dia, a tradição de Rabi Meïrs diz que a Rainha rezava o salmo 22. Passando pelos
aposentos de seu palácio em Susã (Irã), clamou no seu pavor da morte: “Meu Deus,
Meu Deus, por que me abandonaste?” Os filhos maus de Hamã zombavam:
“Confiou no Senhor, que o livre, pois nele tem prazer” (Salmo 22.8). Amanhã
pregaremos os judeus na cruz! Ester, porém, clamava a Deus na sua aflição:
“Abriram contra mim suas bocas...como água me derramei, e todos os meus ossos se
desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio de minhas
entranhas. A minha força se secou como um caco de barro e a língua se me pega
ao paladar...me rodearam cães, o ajuntamento de malfeitores me cercou,
traspassaram-me as mãos e os pés...” (Salmo 22.13-16). Até o verso 19 se cumpriu em
Ester, sempre conforme a interpretação anti-cristã, pois “os filhos de Hamã tendo
Ester como vencida, partilhavam as roupas dela e jogaram sorte sobre seu manto de
púrpura(Salmo 22.18). Ester, porém, clamou a Deus: “Tu Senhor, não te afastes de
mim, força minha! Apressa-te em socorrer-me! Livra a minha alma da espada, e a
minha predileta do cão. Salve-me da boca do leão...”(Salmo 22.19,20). Sua oração
fora ouvida. E quando ela com alta voz (!) –compare com Marcos 15.37 - clamou
“Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste? – ela imediatamente foi atendida,
encontrou graça perante o rei, tornou-se salvadora de seu povo e todos os inimigos
dos judeus foram crucificados(Fonte: Stauffer E. Jesus, pessoa e história, DALP, 1957).
Nem no livro canônico de Ester (Antigo Testamento) nem nos comentários
rabínicos até a tal data encontramos essa abordagem do salmo 22.
A cruz de Jesus é escândalo não apenas para Nietzsche e seus seguidores
modernos. O apóstolo Paulo já escreveu à Igreja em Corinto: “...os judeus pedem
sinais miraculosos e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos a Cristo
crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios,
mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de
Deus e a sabedoria de Deus...” (1.Cor.1.22-24).
A cruz era o fim dos cultos sangrentos no Templo e é o fim dos cultos onde o
homem depende de intermediação humana, portanto cultos que têm necessidade
de permanente repetição. Com a cruz começou a verdadeira “Nova Era”, onde
Deus vem ao encontro do pecador e lhe oferece SUA GRAÇA uma vez por todas,
excluindo quaisquer formas de pagamento (obras ou ritos).
240
Conhecemos a inimizade dos judeus negando conscientemente O Cristo;
provamos a inimizade do mundo na sua sabedoria e convivemos com uma
“cristandade sem Cristo”.
A nossa alegria se baseia em: “... Esta é a aliança que farei com eles, depois
daqueles dias, diz o Senhor: Porei as minhas leis em seu coração e as escreverei em
sua mente. Dos seus pecados e iniqüidades não mais me lembrarei. Onde esses
pecados foram perdoados, não mais há necessidade de sacrifício por eles” (Hebr.
10.16-18).
Rasgou-se o véu que separava o homem de Deus!
O Evangelho de Marcos – cap.15. 39-41 NVI)
(39) Quando o centurião que estava em frente de Jesus ouviu seu brado e viu como ele
morreu, disse: “Realmente este homem era o Filho de Deus!” (40) Algumas mulheres estavam
observando de longe. Entre elas estavam Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago, o mais
jovem, e de José. (41) Na Galiléia elas tinham seguido e servido a Jesus. Muitas outras mulheres que
tinham subido com ele para Jerusalém também estavam ali.
(39) Quando o centurião que estava em frente de Jesus ouviu seu brado e viu
como ele morreu, disse: “Realmente este homem era o Filho de Deus!” Podemos
encontrar comentários diferentes quando se trata do centurião. A lenda cristã tardia
até lhe atribuiu nomes: nos “atos apócrifos de Pilatos” (séc.3) ele é chamado
Longino;; no também apócrifo “evangelho de Pedro” ele aparece como Petrônio; e
segundo Crisóstomo († 407 d.C.) ele até morreu como mártir cristão. Essas são lendas
sem base histórica.
Outros querem ver no episódio somente uma redação cristológica da Igreja
primitiva. Como o Evangelista iniciou seu relato com as palavras “Evangelho de Jesus
Cristo, Filho de Deus” (1.1), eles dizem que Marcos inventou as palavras do centurião
para encerrar a vida de Jesus com a mesma afirmação, dessa vez da parte do
“mundo”.
As lendas levam tudo para o campo do misticismo, com o que a mensagem
perderia sua credibilidade. As críticas teológicas não transmitem vida. Como
devemos entender o texto?
Fiquemos com o texto, como Marcos no-lo traz. O centurião deve ter ouvido
que Jesus, conforme a acusação, “alegava ser o rei dos judeus” e, como romano,
tirou suas próprias conclusões a respeito desse povo fanático e, em particular, do
homem crucificado sob essa acusação. Deve tê-lo observado, percebendo que
esse judeu, de alguma forma era diferente. Não mais podemos colocar na sua fala
do que um romano é capaz de dizer. Como romano, ele conheceu muitos deuses.
Deuses romanos eram mortais também. Mais tarde, os próprios Césares se
declarariam deuses. O centurião reconheceu em Jesus alguém maior e concluiu:
“este era um filho de deus”, grande, como os muitos deuses que ele conhecia, um
“homem divino”(theios aner, no grego). Observe que a nossa tradução não é fiel.
Ela quer “dar uma mãozinha“ a Deus. Deus não precisa disso. O texto no original
241
grego em Marcos diz: “este era um filho de Deus”, “um deles” e não O Filho de Deus.
Lucas, com sua formação grega, entendeu melhor a fala do centurião. No
Evangelho de Lucas, o centurião diz: “Na verdade, este homem era justo”(Lucas
23.47).
Jesus somente pode ser reconhecido como O Filho de Deus quando
permitimos que o Espírito Santo nos ilumine, baseado na Palavra do Evangelho. A
Palavra desse Evangelho que acabamos de estudar, tem como objetivo despertar
você para o fato de Deus ter enviado a Jesus, identificando-se de tal maneira com
Ele que Jesus podia dizer: ”Quem me vê, vê o Pai”(João 14.9).
Você quer conhecer a Deus? Conheça Jesus!
(40) Algumas mulheres estavam observando de longe. Entre elas estavam
Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago, o mais jovem, e de José. No mapa
da página 232 (Jerusalém nos anos 30), você vê como a estrada principal passava
relativamente perto do Gólgota, a menos de 100 metros de distância. Acredita-se
que daquele lugar as testemunhas e inclusive as mulheres observavam a cena.
Nada podiam fazer para confortar Jesus. Segundo Tacitus não era permitido nem a
familiares nem a amigos aproximarem-se da cruz, nem demonstrar aflição. Não
podiam demonstrar emoção, chamar, acenar, chorar... tudo fora reduzido ao assistir
calado. Nunca mais as mulheres esqueceriam a cena. De dentro da multidão
ficaram observando incógnitas. Compare Lucas 23.35: “e todo o povo observava”.
Quem eram as três mulheres mencionadas? Maria Madalena, ou melhor Maria
de Magdala, vila localizada na margem sudoeste do Mar da Galiléia. Ela era a Maria
que, depois da ressurreição de Cristo, “permaneceu junto à entrada do túmulo,
chorando” (João 20.11-18); definitivamente ela não é a mulher pecadora de Lucas
7. Não há nenhum indício de um relacionamento amoroso de Maria com Jesus. A
mídia hoje em dia só vende quando publica escândalo. Conseqüentemente,
aproveita-se até do Evangelho para denegrir. Essa Maria de Magdala fora liberta
por Jesus de um caso muito sério de possessão demoníaca (Lucas 8.2) e ela lhe
rendeu eterna gratidão por isso.
Acredita-se que Maria de Magdala, como líder de um grupo de cinco a dez
mulheres, seguiu a Jesus para Jerusalém. Ela se transformou em testemunha da
morte de Jesus e observou onde e como Jesus fora colocado no túmulo (Marcos
15.47). Todos os Evangelistas afirmam que fora ela a primeira pessoa que descobriu o
túmulo vazio! (Marcos 16.1 e João 20.1). A essa mulher, com toda a razão, pode ser
concedida entre as mulheres a mesma posição que Pedro tinha entre os apóstolos
homens. (Nesse ponto, mas somente nesse, os “Gnósticos” têm razão)
Por que ela sempre é transformada em amante de Jesus, seja em filmes ou
romances (Da Vinci!)? Ela era de Magdala, cidade greco-helenista, perto da Via
Maris, a poucos quilômetros de Tiberias. Magdala era uma cidade com vida cultural
pulsante, com palácios luxuosos (Escavações Corbo e Loffredo 1971-1977). O
Talmude previa castigo Divino para essa cidade “por causa de sua riqueza e sua
depravação”. Se Lucas fala de sete demônios expulsos de uma mulher rica dessa
cidade, podemos ter como certo que o caso era grave quando Jesus a libertou
(Lucas 8.1-3).
242
Desde os tempos do papa “Gregório, o Grande” († 604) corre a interpretação
errônea que identifica Maria de Magdala com a Maria de Lucas 7.36-50, por quem
Jesus fora ungido. O erro provém da aparente proximidade de Lucas 8.2 com Lucas
7.36-50, embora em nenhum Evangelho vemos a possessão associada a um modo
de vida pecaminosa. A crença popular começou a identificar três mulheres distintas
em uma só: em Lucas 7.36-50, na casa do fariseu Simon Jesus é ungido por uma
pecadora conhecida; em Marcos 14.3-9, na casa do Simão leproso Jesus é ungido
por uma mulher de Betânia; e finalmente em João 12.1-8, Jesus na casa de Lazaro é
ungido por Maria de Betânia, irmã de Lázaro. A Igreja Católica Romana
institucionalizou o erro da “mulher pecadora”, estabelecendo o dia 22 de Julho
como “Festa da penitência (da pecadora) Maria Madalena”. A Igreja Ortodoxa
Grega não participa desse culto à Madalena.
No século onze surgiu a lenda de que Maria Madalena, junto com Lázaro
(João 11) e suas duas irmãs Maria e Marta, havia migrado após a morte de Jesus,
para o sul da França (Provence). Segundo essa lenda seus corpos mais tarde teriam
sido enterrados em Aix-en-Provence ou em St.Maximin. Os “seus túmulos” (!) se
transformaram em alvos de grandes romarias romanas. Uma das rotas de
peregrinação dos dias atuais tem seu ponto de partida nesses túmulos
mencionados. É o famoso caminho que leva o peregrino para o túmulo de São
Tiago de Compostela.
Não é de se admirar que mentes pervertidas completassem o pecado da
tradição com detalhes picantes: Maria Madalena se encontrara engravidada por
Jesus e ela teve ali um filho. Desse filho de Jesus com Maria nasceu uma linhagem
de nobres franceses... Santa tradição da Igreja, declarada por Roma de igual valor
às Escrituras Sagradas! onde você chegou com seus “acréscimos”?! Quantos erros
foram introduzidos através dela na sã doutrina!! Vale notar que as cruzadas do
século 12 tiveram seu início nessa região da França. Sob a visão dessa lenda, nada
mais empolgante havia para o clero do que voltar a Jerusalém liderado pelos quem
sabe “descendentes de Jesus” para livrar Sua terra natal da mão dos muçulmanos.
Salomé, por sua vez, era irmã da mãe de Cristo e mãe dos filhos de Zebedeu,
pai dos discípulos Tiago e João (Marcos 1.19-20). Maria, mãe de “Tiago o menor” e
José era provavelmente a esposa de Cleopas (Lucas 24.18).
(41) Na Galiléia elas tinham seguido e servido a Jesus. Muitas outras mulheres
que tinham subido com ele para Jerusalém também estavam ali. Aqui ouvimos algo
a respeito de um ministério geralmente ignorado. Na Galiléia essas mulheres haviam
seguido e servido a Jesus cuidando da questão da comida, hospedagem e
descanso, dentro do que lhes era possível. Não era fácil sustentar um grupo de pelo
menos 20 pessoas diariamente. A menção de pelo menos uma mulher de posses
dentro do grupo, Joana (Lucas 8.1-3), esposa de um procurador de Herodes, que
“lhes prestava assistência com os seus bens” focaliza o trabalho importante de
suprimento realizado por essas mulheres fiéis.
243
Um outro aspecto ainda merece a nossa atenção. O grupo liderado, como
cremos, por Maria de Magdala, não seguia a Jesus à certa distância, como tanto a
cultura judaica como a grega e romana rezavam, mas seguia em comunhão com
os Doze e outros mais. Parece que fizeram parte ativa do grupo junto com seu
amado e venerado “Mestre”. Quando Jesus pregava, estavam sentadas aos seus
pés, junto com os demais. Nada sabemos de um convite de Jesus ao discipulado, à
atividade de pregação, mas Jesus as queria junto. Elas faziam parte e discutiam
junto. Esse comportamento de Jesus que aceitava mulheres na sua companhia, era
um comportamento “escandaloso”. O estudo da Torá (Lei de Deus) e receber ensino
era assunto exclusivamente dos homens! Rabi Eliezer sentenciou: “Prefiro ver a Torá
consumada por chamas do que entregue a mulheres!”; e em outro lugar ele disse:
“Quem ensina a Tora à sua filha, ensina-lhe tolice”(Sota 3,4). Jesus em nada
discriminava as mulheres quanto às coisas de Deus. Somente em ocasiões muito
particulares Jesus tomou para si os Doze para confissões mais íntimas (veja Mateus
20.17, Lucas 9.10 e 18.31).
O relacionamento de Jesus com a mulher era livre de preconceitos.
Contrariando a todos os ilustres de seu tempo, não temeu a proximidade da mulher;
aceitava-a como parceira nas Suas pregações (Lucas 10.38-42); permitiu ser tocado
por mulheres doentes; Ele mesmo tocava em mulheres impuras (Marcos 1.29-31; 5.2143; 7.24-39). Na questão do divórcio assumiu a defesa da mulher (Lucas 7.36-50 e
João 7.53-8.11) e, diferente dos Rabinos de seu tempo, mostrou-se disposto a aceitar
até a réplica de mulher (Marcos 7.24-30).
Pelo texto entendemos que várias outras mulheres haviam subido à Jerusalém
por ocasião da páscoa, talvez lideradas por Maria Madalena, talvez junto com seus
maridos. Jesus era galileu e seu povo O amava. Uma parte da profecia de Zacarias
12.10-12 se cumprira nessas mulheres fiéis e nas suas famílias naquele dia:
“...derramarei sobre a cada de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém o espírito da
graça e das súplicas; olharão para mim a quem transpassaram; pranteá-lo-ão como
quem pranteia por um unigênito...Naquele dia será grande o pranto em Jerusalém...
A terra pranteará cada família à parte”.
O judeu pode reconhecer O Cristo através das Escrituras; para ele, essas são
fundamentais para o reconhecimento do Messias. O conteúdo dos termos bíblicos
como “culpa”, “pecado”, “substituto”, “salvação” e “redenção” foram mudando a
partir do século 16 e o homem moderno encontra reais dificuldades com a
linguagem bíblica. Não há respostas fáceis e rápidas. Como a morte de uma pessoa
pode reconciliar todas as outras com Deus? Sem a luz que vem de Deus, somente
pela razão não chegaremos à revelação de Cristo em nós. Estudando com atenção
o Evangelho, clamando a Deus, você pode receber essa luz!
No Gólgota encontramos o sinal maior de amor, amor que se dava pelos
outros em troca de nada. Onde Jesus está pendurado, Deus em pessoa está
sofrendo. Porém, Deus não castigou o mundo, Ele aceitou ser recusado e se “deu
por nós”. O apóstolo Paulo formulou o grande mistério Divino assim: “Deus estava em
Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas
244
transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação” (2 Cor.5.19). Não foi a Igreja
que deu essa interpretação à morte de Jesus. Ele mesmo lha deu (Marcos 10.45 ou
14.24).
No momento em que a cruz para você não mais representa escândalo, mas
sim Deus lhe estendendo Sua mão, houve salvação. Naquele momento você não se
orgulhará mais em você (“generosamente”) “ter aceito Jesus”, mas vencido
reconhecerá e agradecerá por você ter sido aceito por Deus.
O Evangelho de Marcos – cap.15. 42-47 (NVI)
(42) Era o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado. Ao cair da tarde, aproximando-se
o sábado, (43) José da Arimatéia , membro de destaque do Sinédrio, que também esperava o Reino
de Deus, dirigiu-se corajosamente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. (44) Pilatos ficou surpreso ao
ouvir que ele já tinha morrido. Chamando o centurião, perguntou-lhe se Jesus já tinha morrido. (45)
Sendo informado pelo centurião, entregou o corpo a José. (46) Então José comprou um lençol de
linho, baixou o corpo da cruz, envolveu-o no lençol e o colocou num sepulcro cavado na rocha.
Depois fez rolar uma pedra sobre a entrada do sepulcro. (47) Maria Madalena e Maria, mãe de José,
viram onde ele fora colocado.
Há um desacordo entre os Evangelistas quanto ao dia em que Jesus tomou a
última refeição junto com seus Doze. Está comprovado que a versão de João
prevalece. Com respeito a essa noite, os “sinóticos” (Mateus,Marcos e Lucas)
erraram ou não souberam precisar com exatidão. A noite, em Marcos 14.12, ainda
não era a noite do sacrifício dos cordeiros pascais; era a noite anterior.
Aqui Marcos volta ao calendário real e concorda com João. O dia da
preparação era sexta-feira. Jesus morreu numa sexta-feira e foi enterrado ainda na
sexta-feira. (42) Era o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado. Neste ano, o
“Dia da preparação” incidiu numa sexta-feira e a páscoa fora celebrada num
sábado. Por essa razão, em João 19.31 aquele sábado é chamado de “grande”. A
data da morte de Jesus – hora da morte dos cordeiros pascais e muitas vezes posta
em dúvida é confirmada pelas seguintes fontes: Apoc.5.6; 1.Cor 11.23; o apócrifo
“evangelho de Pedro” (2.5 e a tradição anterior rabínica: “no dia da preparação foi
pendurado Jesus de Nazaré (Sanh 43ª e 47ª). Até a polêmica anti-cristã da tradição
de Ester confirma a data.
Às seis horas da tarde começava o sábado, dia em que todo serviço humano
devia parar. Sábado era e é Descanso do Senhor (Gen. 2.2 e Ex.20.8-11).
A lei romana estabelecia que um condenado depois da execução não podia
ser enterrado. Os crucificados, em particular, eram abandonados na cruz até que as
feras e aves de rapina os devorassem. O enterro de um crucificado sem autorização
era crime. Na Palestina, a situação se apresentou um pouco diferente. Sabemos por
Josefo que os judeus sempre foram muito cuidadosos e escrupulosos no que diz
respeito ao enterro dos seus mortos, especialmente aqueles mortos pela
245
crucificação romana. O enterro de uma pessoa era assunto de elevadíssima
importância.
Deut. 21.22,23 diz: “Se alguém houver pecado, passível de pena da morte, e
tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no
madeiro durante a noite, mas, certamente, o enterrarás no mesmo dia; porquanto o
que for pendurado no madeiro é maldito de Deus; assim, não contaminarás a terra
que o Senhor, teu Deus, te dá em herança”. Josefo confirmou a validade dessa lei
para o século primeiro. Os romanos se viam obrigados a ceder; comprometeram-se
em não tocar nessas santas leis judaicas para não causar mais problemas. Assim,
quando alguém solicitava a liberação de um corpo de judeu, o pedido geralmente
era deferido.
Ao cair da tarde, aproximando-se o sábado, (43) José da Arimatéia, membro
de destaque do Sinédrio, que também esperava o Reino de Deus... A esta altura
aparece um homem do qual até agora nada ouvimos. José de Arimatéia (em
hebraico: Haramati, ou “das terras altas”) era membro de destaque do Sinédrio
(Mateus 15.43 e Lucas 25.50) e, segundo alguns eruditos, era pessoalmente
conhecido pelos Evangelistas e lhes serviu como fonte de informações de primeira
mão. Não sabemos se José participou na sessão da noite anterior, mas Marcos nos
diz que: “também esperava o Reino de Deus”. Lucas lembra que ele “não tinha
consentido na decisão e no procedimento dos outros” (23.50). Esse nobre membro
do Sinédrio devia ter acompanhado aflito o caso de Jesus e, no presente momento,
ele decidiu agir. O fato reforça a tese de que a reunião do Sinédrio não teve como
resultado pré-estabelecido a condenação de Jesus, como se costuma dizer nos
púlpitos e sem melhor conhecimento de causa. Foi, sim, a tentativa de extrair de
Jesus a renúncia de suas aspirações messiânicas para depois, perante o governador,
empenhar-se a favor ou contra o acusado político de acordo com o resultado da
sessão noturna. Jesus era um preso político.
(José) ... dirigiu-se corajosamente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. A atitude
de José não estava isenta de risco. Como judeu piedoso ele arriscava “contaminarse” ao tocar em um cadáver, sendo com isso excluído do iminente cerimonial da
Festa conforme estabelecia a Lei. Como membro de destaque do Sinédrio ele se
expôs desnecessariamente perante Pilatos. Revelou um interesse descomunal por
alguém que, como membro da instituição, havia condenado o executado. O
aparente zelo religioso de José, procurando evitar a contaminação da terra santa
neste caso específico, chamou a atenção de Pilatos.
(44) Pilatos ficou surpreso ao ouvir que ele já tinha morrido. José de Arimatéia
estava com pressa. Faltava somente algo em torno de duas horas para o início do
sábado. Até ali Jesus tinha que ser enterrado. Mesmo assim, Pilatos hesitou em liberar
o cadáver. Como a morte por crucificação era, geralmente, um processo lento,
Pilatos se surpreendeu com a informação de que Jesus já havia morrido. Chamando
o centurião, perguntou-lhe se Jesus já tinha morrido. (45) Sendo informado pelo
centurião, entregou o corpo a José. A distância entre o palácio de Herodes e
Gólgota não era grande (veja desenhos); mesmo assim, a consulta ao centurião,
246
sobre o qual ouvimos na leitura anterior, demorava. Finalmente Pilatos autorizou a
liberação dos corpos. Não era somente Jesus; eram três mortos a serem enterrados
antes das 18 horas. No caso dos dois outros crucificados, para morrerem mais
rapidamente, foram esmagadas suas pernas (João 19.32).
(46) Então José comprou um lençol de linho, baixou o corpo da cruz,
envolveu-o no lençol e o colocou num sepulcro cavado na rocha. Numa única
sentença Marcos reuniu todo um trabalho extenso a ser coordenado por José.
Parece que a própria frase já demonstra pressa. Enquanto alguns empregados de
José corriam para o mercado para comprar um lençol, outros ajudaram a descer o
corpo de Jesus da cruz. Não era tarefa fácil. O corpo estava sujo, cheio de sangue.
Soltar braços e pernas dos pregos era um trabalho brutal. Para a preparação
habitual do corpo, que incluía lavagem e unção com óleo, não havia nem tempo
nem lugar. Aquele ritual que em ocasiões normais era realizado em casa, sob portas
fechadas, José com seus ajudantes tiveram de fazê-lo de improviso, ao pé da cruz,
sob a rocha. Em volta deles corriam parentes e amigos dos dois zelotas que também
tiveram que desaparecer antes do anoitecer. Assim parece plausível que Marcos
nada mencionou de lavagem ou embalsamento do corpo. O Evangelista João diz
que José teve entre seus ajudantes outro membro do Sinédrio, Nicodemos, e que
esse nobre havia trazido às pressas o bálsamo (João 19.39). Nicodemos havia
consultado Jesus algum tempo atrás, durante a noite;; era ele um “discípulo
anônimo” (veja João cap.3). Quando chegou o lençol, embrulharam o corpo do
morto, como de costume. A noite ameaçava a chegar e com ela o início do
sábado. Havia necessidade de depositar Jesus num túmulo imediatamente. Marcos
só mencionou “um sepulcro cavado na rocha”.
O apóstolo João nos ajuda a localizar o túmulo. Conforme João 19.41 esse se
encontrava “num jardim” (compare Josefo em Bell V 4,2). Nas paredes da antiga
pedreira, a poucos metros da elevação do Gólgota, havia vários túmulos cavados.
O lugar era usado como necrópole há centenas de anos, desde a desativação da
pedreira. Notamos a pressa do grupo pela anotação de João em 19.42: “ali pois, por
causa da preparação dos judeus (início do sábado) e por estar perto o túmulo,
depositaram o corpo de Jesus”. “Depois fez rolar uma pedra sobre a entrada do
sepulcro”. Fica-nos a impressão de uma solução provisória.
Voltemos uma hora para trás. O grupo de homens ainda estava trabalhando
apressadamente, fazendo Jesus descer da cruz, preparando-o para o transporte. Ali
Marcos fez uma observação importante: (47) Maria Madalena e Maria, mãe de José,
viram onde ele fora colocado. Havia pessoas observando tudo, sem se expor. Não
ajudaram como era de se esperar, uma vez que se tratava de seu amado Mestre.
Lembremos que os discípulos de Jesus haviam fugido. Subestimamos a fidelidade e o
amor das mulheres se pensamos que essas, pertencendo ao grupo mencionado na
leitura anterior, tenham se afastado também quando viram Jesus falecer e sucumbir
na cruz. Continuavam observando, embora aquilo que eram obrigadas a assistir
ultrapassasse suas forças. Quando apareceram homens desconhecidos, elas se
esconderam, assustadas. Nunca haviam visto nem José de Arimatéia nem
247
Nicodemos na companhia de Jesus. Eram estranhos. O que esses homens
desconhecidos fariam com o corpo de seu amado Mestre? Para onde o levariam?
A Igreja primitiva credita às mulheres a informação do lugar do túmulo.
Somente por causa dessas mulheres, testemunhas oculares, é que podemos
comemorar a ressurreição, ao invés de nos lembrarmos de um túmulo desconhecido
ou um corpo sumido. Foram elas, voltando no primeiro dia da semana, cedo, para
embalsamar o corpo (trabalho não realizado na sexta-feira por causa da falta de
tempo) que descobriram o túmulo vazio!
Como a Santa Lei mandava, tanto os nobres Sinedristas como as mulheres
cuidavam de correr para casa para realizar a necessária purificação antes do
sábado, cujo início era definido com o aparecimento da primeira estrela, por volta
das 18 horas. O silêncio baixava sobre a pedreira. Reinou o descanso sabático.
O Evangelho de Marcos – cap.15. 46 b NVI) - ACOMPANHA O GRÁFICO ! Anexo ao verso 46b “... e o colocou num sepulcro cavado na rocha. Depois fez rolar uma
pedra sobre a entrada do sepulcro”.
Voltemos ao verso 46. Tudo indica que temos no túmulo uma realidade
histórica. A Igreja primitiva conheceu seu lugar. Sendo ainda uma pequena
comunidade de judeus que reconhecia Jesus como SENHOR ela se reunia por
ocasião da páscoa também nesse lugar.
248
O túmulo é importante porque ele também é o lugar da ressurreição de Jesus.
Veja o que aconteceu com esse lugar do tempo desde Jesus até hoje e compare
com o mapa em anexo.
30 d.C. Nos primeiros anos, a Igreja primitiva conhece o lugar e o venera
como lugar da ressurreição. Dez anos depois, a região de Gólgota é incorporada à
cidade. Quando Tito destrói Jerusalém (66-73), a região continua abandonada,
enquanto a “igreja cristã” durante algum tempo está exilada em Pella (Jordânia).
Em 135 d.C. o imperador Adriano reconstrói uma nova cidade no lugar da
antiga Jerusalém. Ela se chama “Colônia Aelia Capitolina”. Os grandes projetos
arquitetônicos incluem o aterro da região incorporada, sendo que tanto a caveira
como os túmulos desaparecem debaixo dos escombros. Por acaso ou não, ele
manda construir exatamente em cima do local do túmulo o “Templo de Afrodite”
(na mitologia grega corresponde a Vênus). Essa construção ajudará Constantino em
sua procura do Gólgota, 200 anos mais tarde.
326 d.C. O imperador Constantino (o primeiro imperador romano cristão)
ordena que encontrem os dois lugares Santos, escavando a região. Ele isola Gólgota
e faz o mesmo com o túmulo, deixando as duas rochas isoladas. É possível dar a
volta pelos dois lugares a pé. Quando Eusébio († 340), contemporâneo de
Constantino, visita o local, ele observa sobre a respeito do túmulo: “Estranho ver na
área vasta uma única rocha que abriga um só túmulo”. Por cima da rocha do
túmulo Constantino manda levantar uma rotunda de 38m de diâmetro.
614-638: Os persas sob as ordens do Califa Omar invadem a cidade,
destruindo as construções de Constantino. No lugar onde havia o Templo que Jesus
conheceu, o Califa Abd el-Malik ergue a Mesquita Al Aksa (Mesquita da Rocha).
Novas instalações por cima de Gólgota são destruídas em 1009 pelo Sultão El
Hakim. Em sua ira seus soldados eliminam a rocha do túmulo com picaretas quase
que por completo, deixando somente um pequeno pedaço (que hoje encontramos
na Igreja do S.S.)
Século 12: Em 1048 os cruzados invadem a cidade e erguem sobre o restante
da rocha deixada pelos furiosos soldados de El Hakim uma cripta aberta na direção
leste. Esta cripta forma o centro da basílica que é levantada na direção do sol
nascente.
Hoje: A Basílica de hoje corresponde, no geral, à dos cruzados. Em 1808, a
pequena cripta edificada pelos Franciscanos em 1555 sofreu um incêndio; ela foi
derrubada por inteiro e substituída por uma cripta no estilo barroco, pouco
impressionante. Quem nela hoje procura algo verdadeiro encontra-o numa
pequena capela (9), na parede traseira da edícula, onde um monge copta pede
249
esmola e convida o visitante para tocar no restante da rocha (3) deixada intacta
pelos soldados de El Hakim em 1009.
Na construção de uma cisterna no mosteiro copta, em 1885, anexo à Igreja do
Santo Sepulcro, foi descoberto um sistema de túmulos judaicos. No complexo da
Igreja, atrás da Rotunda, na capela síria há um acesso a túmulos do século primeiro,
chamados “Túmulo de José de Arimatéia” (10).
Quem hoje em dia visita a “Igreja do Santo Sepulcro” (único lugar
historicamente comprovado) na esperança de uma profunda experiência espiritual,
ficará frustrado. A Igreja consiste em um complexo confuso de capelas, parecendo
quiosques, e Igrejas em estado lamentável e indigno, testemunhas da disposição
irreconciliável das várias igrejas cristãs. Cada uma ocupa um pedacinho e vigia com
olhos de Argus seu território, impedindo ao máximo o acesso das outras e até
impossibilitando a manutenção necessária da parte das demais. No seu interior há o
“Santo Sepulcro”, um modelo de pseudo-arte de túmulo, construído no século 19,
pertencendo à Igreja Grega (8). Tudo lembra mais um bazar do que uma Igreja.
Mesmo assim, é possível encontrar um pequeno pedaço da “caveira”, um resto de
Gólgota (3) e o lugar de restos da pedra onde havia o túmulo em que aconteceu a
ressurreição. Daquele lugar, na festa da páscoa, saem os peregrinos cristãos para as
ruas, cantando, com tochas acesas nas mãos, anunciando o evento.
(O livro de Biddle Martin, “The tomb of Crist”, editado em inglês, em 1999, pela National Book
Network, e em 2000 em edição de luxo pela Random House, demonstra como a reconstituição do
lugar do túmulo foi levada a efeito. Ele permite a reconstrução da antiga rotunda de Constantino
através de métodos gráficos de computação e assim remete o leitor de volta ao passado.
Conclusão:
O Espírito Santo trabalha no seu modo peculiar, discreto, contrariando todo o
esforço religioso de identificá-lo ou retê-lo em determinado lugar. As pessoas querem
assegurar-se da presença dEle em “lugares santos”. Quem visita esta Igreja, esse
lugar histórico e com isso quer encontrar algo mais, talvez ouça O Espírito Santo lhe
dizer o mesmo que já anunciou às mulheres que, neste mesmo lugar, assentadas,
choraram desesperadas “porque levaram o nosso Senhor!”: “...vocês buscam Jesus,
o Nazareno, que foi crucificado? Ele ressuscitou ;; não está mais aqui...” (Marcos
16.6ss).
Quem hoje procura Jesus no túmulo, em “Santos Lugares”, em Igrejas ou
objetos, ficará decepcionado. Ele não mais está nesses lugares! Hoje, você O
encontra nas pessoas, nas quais Ele habita pelo Seu Espírito Santo. Todas essas
pessoas formam o “corpo místico” de Cristo. Elas não se limitam a um Templo, uma
denominação ou confissão. Deus as conhece e elas esperam pela volta do seu
Senhor.
250
251
O Evangelho de Marcos – cap.16.1-8 (NVI)
(16.1) Quando terminou o sábado, Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago,
compraram especiarias aromáticas para ungir o corpo de Jesus. (2) No primeiro dia da semana, bem
cedo, ao nascer do sol, elas se dirigiram ao sepulcro, (3) perguntando umas às outras: “Quem
removerá para nós a pedra da entrada do túmulo?” (4) Mas, quando foram verificar, viram que a
pedra, que era muito grande, havia sido removida. (5) Entrando no sepulcro, viram um jovem vestido
de roupas brancas assentando à direita, e ficaram amedrontadas. (6) “Não tenham medo”, disse ele.
“Vocês estão procurando Jesus, o Nazareno, que foi crucificado. Ele ressuscitou! Não está aqui.
Vejam o lugar onde o haviam posto. Vão, e digam aos discípulos dele e a Pedro: Ele está indo
adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês o verão, como Ele lhes disse”. (8) Tremendo e assustadas,
as mulheres saíram e fugiram do sepulcro. E não disseram nada a ninguém, porque estavam
amedrontadas.
(16.1) Quando terminou o sábado, Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de
Tiago, compraram especiarias aromáticas para ungir o corpo de Jesus. Ainda era
sábado, só que já passava das dezoito horas. Os bazares estavam novamente
abertos. A mulheres que encontramos observando como o corpo de Jesus fora
colocado no túmulo, preocupadas com a decomposição que certamente
aconteceria, não perderam tempo. Compraram as especiarias usadas para o
embalsamamento do corpo logo ao anoitecer, para que sem mais nenhum atraso
pudessem ir ao túmulo bem cedo, na manhã seguinte, para realizar o trabalho que
não fora realizado na sexta-feira.
(2) No primeiro dia da semana, bem cedo, ao nascer do sol, elas se dirigiram
ao sepulcro... As mulheres haviam passado o sábado preocupadas com a falta de
dignidade no enterro do Senhor. Enquanto andavam em direção à região do
Gólgota, surgiu-lhes uma preocupação enorme. Haviam notado, sexta à tarde, o
esforço dispensado pelos homens para fechar o túmulo. (3) ... perguntando umas às
outras: “Quem removerá para nós a pedra da entrada do túmulo?” Não havia
ninguém nas proximidades nessa hora do dia que pudesse ajudá-las. (4) Mas,
quando foram verificar, viram que a pedra, que era muito grande, havia sido
removida. A preocupação das mulheres entrou na história. Qual não foi o seu
espanto quando encontraram a pedra já removida.
Inúmeras teorias que põem em dúvida o túmulo vazio já foram apresentadas.
Disseram que as mulheres se confundiram; que estavam procurando no lugar errado.
Nada teria sido mais fácil às próprios pessoas, membros do Sinédrio, que colocaram
o corpo de Jesus no túmulo, do que apontar o lugar certo e com isso abortar a
história do túmulo vazio. Não, as mulheres sabiam o lugar exato do túmulo de Jesus.
A primeira reação das mulheres ao verem a entrada livre deve ter sido de espanto.
Mortos não abrem seus túmulos! Alguém roubara o corpo de Jesus? Preocupadas e
apressadas entraram onde imaginaram estar o corpo de seu Mestre.
(5) Entrando no sepulcro, viram um jovem vestido de roupas brancas
assentado à direita, e ficaram amedrontadas. Ao invés de poder demonstrar uma
última vez o seu amor e sua fidelidade pelo desejo de embalsamar o corpo, atitude
que durante todo o sábado lhes ocupara a mente, o grupinho de mulheres se viu
252
perante um jovem envolto em roupas brancas, sentado exatamente à direita, onde
deveria estar o cadáver. O que será que lhes veio à mente naquele momento? O
que as mulheres menos esperavam era uma intervenção sobrenatural. Elas pararam
assustadas. Sabiam que Jesus fora colocado naquele lugar. Onde Ele estaria? Por
ora, não lhes interessava tanto quem era o moço de branco. Só mais tarde
entenderiam que fora talvez um anjo, um mensageiro celestial e não um homem
qualquer. O que as assombrou era a ausência daquele que vieram embalsamar.
Onde Ele estava? Antes que pudessem colocar seus pensamentos em ordem, o
moço lhes falou: (6) “Não tenham medo”, disse ele. “Vocês estão procurando Jesus,
o Nazareno, que foi crucificado. Não havia dúvida de quem o moço de branco
falava. “Ele ressuscitou! Não está aqui. Vejam o lugar onde o haviam posto”. As
palavras mais chocantes que as mulheres ouviram eram: “Ele não está aqui!” A
informação de que alguém “ressuscitara” sem ter quem visivelmente o ressuscitasse
não lhes fazia sentido. Nunca ouviram falar em ressuscitar, mas sim em roubo de
corpo, algo mais comum quando se tratava de criminosos executados e
pranteados. O mensageiro deve ter notado o estado das mulheres, pois como
querendo ajudá-las na compreensão de um fato, apontou para o banco vazio
dizendo: “Vejam o lugar onde o haviam posto”.
Não restou dúvida: o lugar onde Ele havia sido colocado, uma declividade
dentro do túmulo, estava vazio. As mulheres podiam ver isso muito bem; haviam
entrado para dar-lhe a última demonstração de apreço e reverência. Elas não
somente viram como a declividade estava vazia, mas também como tudo estava
bem arrumado ali dentro (João 20.6,7).
Todo esse encontro inesperado ocorreu em questão de segundos. Não havia
tempo para reflexão. Antes que as mulheres pudessem se dar conta do que estava
acontecendo, o mensageiro lhes dirigiu uma ordem: “Vão, e digam aos discípulos
dele e a Pedro: Ele está indo adiante de vocês para a Galiléia”. Lá vocês o verão,
como Ele lhes disse”.
Mais tarde lembrariam o fato com toda nitidez. Pedro, cujo último contato
com seu amado Mestre fora um ato de traição, ele era lembrado pelo mensageiro,
sim. A informação dada pelo mensageiro era a seguinte: Jesus não está aqui no
túmulo. Ele estaria indo adiante para Galiléia, Sua terra natal, onde cresceu e
ministrava. Lá O encontrariam. As mulheres nada mais observaram.
(8) Tremendo e assustadas, as mulheres saíram e fugiram do sepulcro. E não
disseram nada a ninguém, porque estavam amedrontadas. Recompostas do
primeiro susto, tratavam de fugir. Saíram correndo do lugar, perplexas e trêmulas. A
tradução literal do grego também permite a versão: “estavam fora de si”. Embora
mais tarde se lembrassem das palavras que o moço lhes dirigiu, no presente
momento as palavras dele não lhes faziam sentido. Pelo que Marcos nos relata, as
mulheres fugiram e não falaram com ninguém, com medo, obviamente, de serem
consideradas enlouquecidas. Todos sabiam que Jesus havia morrido.
253
Nós, que lemos o relatório de Marcos, entendemos: o túmulo foi encontrado
vazio. Este era um fato. Todos os quatro Evangelistas o relataram. O que aconteceu?
O que significaria a mensagem do moço de branco?
Neste exato lugar acaba o manuscrito de Marcos.
Várias teorias já foram elaboradas para explicar o fim abrupto do Evangelho.
Quem escreveu então os versos nove a vinte do capítulo 16?
O Evangelho de Marcos – Introdução para cap.16.9-20 (NVI)
E não disseram nada a ninguém, porque estavam amedrontadas. ...
Embora nas nossas Bíblias, tanto católicas quanto protestantes, constem os
versos de nove a vinte, há uma dúvida considerável a respeito de sua autenticidade
(isto é, se foram escritos por Marcos).
Os manuscritos mais antigos como o “B” e “Aleph” (Vaticano e Sinaítico), o
Códice K (textos latino-africanos) e o Sinaítico Siríaco não contêm esse final. Os mais
antigos pais da Igreja como Clemente de Alexandria († 215 d.C.) ou Orígenes († 254
d.C.) não o conheciam. De acordo com Eusébio († 340 d.C.) as cópias mais exatas
do Evangelho de Marcos terminam com o verso 16.8. Quem incluiu os versos 9 a 20
na sua Vulgata foi Jerônimo († 420). A partir do séc. 10 todos os manuscritos incluem
o nosso trecho final.
Além dos versos 9-20 das nossas Bíblias existem mais duas outras versões
abreviadas, não contempladas. Uma delas apareceu no Egito e diz: “Mas o que
quer que elas tenham ouvido, relataram brevemente para Pedro, e àqueles com
ele. Por intermédio deles, Jesus enviou, um pouco depois, de leste a oeste, a
proclamação sagrada e imperecível da salvação eterna.” Uma outra versão do
final, com o nome “Freerlogion”, apareceu no século quinto e também está
descartada.
Se os versos 9 a 20 forem somente um “antigo apêndice”, como a grande
maioria dos eruditos afirma, gostaríamos de saber o “porquê” de Marcos não
terminar seu Evangelho. Ou, se ele o terminou: O que aconteceu com o final do seu
Evangelho? Não o sabemos. O mais provável é que tenha se perdido. Conhecemos
somente cópias dos manuscritos. O original de Marcos não existe mais.
Os que defendem a autenticidade dos versos 9-20 levantam a seguinte
hipótese: Como Marcos escreveu seu Evangelho provavelmente em Roma, a morte
de Pedro o obrigou a interromper seu trabalho. Com a morte de Paulo após a
segunda prisão do apóstolo, a igreja tinha que fugir, espalhando-se assim pela Ásia
Menor e Norte da África. Foi ali que Marcos escreveu seu resumido final e a cultura
diferente em que se encontrou espelhou-se no texto. Mais tarde o resumo fora
254
encaminhado para Roma. Como já estavam circulando muitas cópias, somente em
algumas o final de Marcos pude ser acrescentado, o que explicaria tanto sua falta
nos mais antigos manuscritos quanto o estilo e as palavras diferentes usadas no
texto.
A maioria dos estudiosos, porém, vê nos versos 9 a 20 a mão de um autor
desconhecido do segundo século d.C. Percebemos que o trecho resume os
acontecimentos mais importantes dos outros três Evangelhos: versos 9-11 originados
em João; versos 12 e 13 em Lucas; verso 14 em João; 15 e 16 em Mateus; 17 e 18 em
Lucas e finalmente 19-20 em Mateus. O mais provável é que temos nesse final uma
compilação resumida, originada nos outros três Evangelhos, já em curso.
Contra a autoria de Marcos há importantes argumentos pertinentes tanto ao
estilo quanto ao conteúdo. O mais importante é que em Marcos 1-8 o “jovem
vestido de branco” diz às mulheres para avisarem “os discípulos e a Pedro que
Jesus”, então ressuscitado de entre os mortos, “os encontrará na Galiléia”. Espera-se
então que, se quaisquer aparecimentos do Senhor forem registrados, sejam aqueles
que aconteceram na Galiléia. O que realmente acontece é o oposto: os versículos 9
– 20 nunca sequer mencionam o lugar onde os aparecimentos ali sumariados
aconteceram, se na Judéia ou na Galiléia. O Evangelho de João nos informa que o
aparecimento de Jesus para Maria de Magdala, o primeiro a ser mencionado,
aconteceu na região de Jerusalém; o aparecimento aos dois discípulos a caminho
de Emaús aconteceu também na mesma vizinhança. Até o encontro mencionado
no verso 14 não tem nada a ver com a Galiléia. Não seria normal que Marcos desse
continuidade ao conteúdo de 1-9?
A pouca ligação entre os dois trechos do capítulo 16 fica evidente também
na menção da pessoa de “Maria de Magdala”, comumente chamada de “Maria
Madalena”. Ela já fora citada, pouco antes, por duas vezes (Marcos 15.47 e 16.1) e é
bem conhecida do leitor. Agora, no verso 9 ela é introduzida como se não tivesse
nunca sido mencionada, sendo até qualificada: “Maria Madalena, da qual expelira
sete demônios” (cf. Lucas 8.2).
Marcos nem sequer fez menção à ressurreição de Cristo. Mas registrou a
promessa de uma reunião de Jesus e seus discípulos na Galiléia, lugar que nem é
mencionado no trecho em questão.
Há outras observações revelando uma mão desconhecida e com as quais
não perderemos nosso tempo. Devemos admitir que não conhecemos o final
original que Marcos deu a seu Evangelho. Não sabemos o que aconteceu com as
últimas linhas. Temos, no entanto, os outros três evangelhos, Mateus, Lucas e João,
cobrindo essa lacuna.
No decorrer do estudo do trecho dos versos 9 a 20 veremos que o final
presente é um resumo instrutivo que nos mostra a visão da Igreja primitiva do
primeiro século e início do segundo e como ela via os acontecimentos. Enquanto
temos nos outros três Evangelhos o relato, os fatos registrados, há nos versos 15 a 20
255
do final de Marcos, já visível, a primeira interpretação da Igreja e sinais da tradição
aparecendo.
Vamos ao estudo desses versos finais de Marcos?
O Evangelho de Marcos – cap.16.9-14 (NVI)
(15.9) Quando Jesus ressuscitou, na madrugada do primeiro dia da semana, apareceu
primeiramente à Maria Madalena, de quem havia expulsado sete demônios. (10) Ela foi e contou aos
que com ele tinham estado; eles estavam lamentando e chorando. (11) Quando ouviram que Jesus
estava vivo e fora visto por ela, não creram. (12) Depois Jesus apareceu noutra forma a dois deles,
estando eles a caminho do campo. (13) Eles voltaram e relataram isso aos outros; mas também nestes
eles não creram. (14) Mais tarde Jesus apareceu aos onze enquanto eles comiam; censurou-lhes a
incredulidade e a dureza de coração, porque não acreditaram nos que O tinham visto depois de
ressurreto.
Como hoje sabemos, os “novos cristãos”, na sua quase totalidade ainda
judeus, por 20 ou 30 anos após a morte de Jesus não elaboraram escritos a respeito
do Salvador. Havia a expectativa de uma iminente volta do Senhor e, para qualquer
informação necessária seus discípulos estariam presentes, podendo relatar tudo ao
vivo. Enquanto havia testemunhas oculares, pessoas que conheciam Jesus ou até
andavam com Ele, ninguém pensava em redigir relatos. As primeiras igrejas fora do
país surgiram principalmente através do ministério de Paulo e ainda não havia
nenhum Evangelho escrito. As cartas de Paulo aos Tessalonicenses e aos de Corinto
foram escritas antes que existisse um dos quatro Evangelhos do Novo Testamento;
não havia ainda relato pormenorizado da vida e obra de Jesus. Existiam, sim,
coleções de palavras do Senhor (logias) e, provavelmente, alguns manuscritos
usados mais tarde na composição dos Evangelhos de Marcos e Mateus.
Na carta de Paulo aos cristãos em Corinto (Grécia) temos o “credo” mais
antigo, a base doutrinária sobre o Salvador e a razão da fé: “... que Cristo morreu
pelos nossos pecados, segundo as Escrituras e que foi sepultado, e que ressuscitou
no terceiro dia...”(1.Cor.15.4). No capítulo 15 dessa carta encontramos a
argumentação apostólica a respeito da ressurreição abordada cuidadosamente e
com base nas Escrituras do Antigo Testamento, como em nenhum outro lugar nas
Escrituras. Faltavam ainda aos novos cristãos relatos com detalhes quanto à vida e o
ministério do Senhor. Paulo elaborou na sua carta aos de Corinto também a mais
antiga lista de testemunhas da ressurreição: “Ele apareceu a Céfas (Pedro) e,
depois, aos Doze. Depois foi visto por mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, dos
quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois foi visto por
Tiago, mais tarde por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também
por mim, como por um nascido fora do tempo... pois eu perseguia a igreja de Deus”
(1.Cor.15.5-8). Como ex-fariseu, como bom judeu, ele se “esqueceu” na sua lista das
mulheres às quais Jesus apareceu. Devemos lembrar que, na cultura judaica, o
testemunho de uma mulher, assim como a de uma criança, não valia. Paulo
256
tampouco conhecia todos os relatos de pessoas que haviam visto Jesus, mas dos
que tinha conhecimento, ele relatou.
Quando o primeiro Evangelho foi escrito, possivelmente entre 20 e 40 anos
após a ressurreição de Jesus, já não havia muitas testemunhas vivas. Marcos, como
os demais – com exceção de João – dependia de tradições, relatos passados
oralmente para a nova geração. Se compararmos todas as listagens das pessoas às
quais Jesus ressurreto apareceu, perceberemos algo interessante: Todos aos quais
Ele apareceu, nas mais diversas ocasiões, eram seguidores dele. Ninguém que não
era dEle, jamais O viu. Esse fato é muito importante quando procuramos ter uma
“percepção da natureza do novo corpo de Jesus”. Ele era real, mas ao mesmo
tempo somente visível para os Seus.
O breve relato em Marcos 16 afirma que a primeira pessoa a quem Jesus
apareceu, fora Maria de Magdala. O Evangelista João afirma o mesmo em (João
20.11-18). (15.9) Quando Jesus ressuscitou, na madrugada do primeiro dia da
semana, apareceu primeiramente à Maria Madalena, de quem havia expulsado
sete demônios. Também foram as mulheres que primeiro descobriram o túmulo
vazio. Por João sabemos algo mais dos acontecimentos naquela manhã e que se
seguiam numa seqüência impressionante. O relato de Marcos encerra com as
mulheres correndo assustadas. Sabemos por João que, após recuperarem-se do
primeiro susto, elas foram às pressas à procura de Pedro e João (“o discípulo
amado”) e esses, tomando conhecimento do túmulo vazio, dispararam em direção
ao sepulcro. Encontraram-no vazio (João cap. 20) e voltaram “sem saber o que
pensar”. Não haviam encontrado ninguém.
O Evangelho de Marcos deixa implícito que Maria de Magdala voltou ao
túmulo e ali ficou sentada, chorando. Foi então que ela viu Jesus (João 20.11-18).
(10) Ela foi e contou aos que com ele tinham estado; eles estavam
lamentando e chorando. (11) Quando ouviram que Jesus estava vivo e fora visto por
ela, não creram. Resumidamente somos informados que Maria não encontrou
ouvidos para seu relato. Sabemos pelos outros Evangelhos que as mulheres foram
vistas como “loucas” e sua notícia fora taxada de “delírio de mulheres” (Lucas). Um
bom número dos antigos seguidores havia se trancado para chorar e lamentar. Não
passava na cabeça de nenhum deles que o Senhor os havia avisado por três vezes.
Não se lembravam daquelas palavras, nem as haviam levado em consideração na
época (veja Marcos 10.32-34).
(12) Depois Jesus apareceu noutra forma a dois deles, estando eles a caminho
do campo. (13) Eles voltaram e relataram isso aos outros; mas também nestes eles
não creram. Em duas sentenças, apenas, o escritor nos lembra dos dois discípulos a
caminho de Emaús (Lucas 24.13-35). Nem a esses dois que voltaram correndo a fim
de informar os demais, deram crédito. Por que haviam de acreditar num “boato de
um mestre vivo”, uma vez que todos sabiam que Ele havia morrido?
257
(14) Mais tarde Jesus apareceu aos onze enquanto eles comiam; censuroulhes a incredulidade e a dureza de coração, porque não acreditaram nos que O
tinham visto depois de ressurreto. Com poucas palavras somos informados de outro
aparecimento do Senhor, dessa vez no meio dos onze ex-discípulos (compare Lucas
24.36-43 e João 20.19-29). Ao invés de serem confortados e elogiados pelo seu
“canto fúnebre” foram duramente repreendidos pelo fato de não terem dado
crédito às palavras das mulheres! Coração duro sempre encontra dificuldades em
perceber a mão de Deus presente!
Esse breve resumo das aparições de Jesus em Marcos, no entanto, é
fragmentado. Comparando todos os Evangelhos entendemos que durante
quarenta dias Jesus veio de diferentes maneiras e comungou com os seus, tanto em
Jerusalém como na Galiléia. Supõe-se que os relatos não mantiveram a ordem
cronológica, pois o aviso do moço de branco era: “Vão até à Galiléia, ali Ele os
encontrará”. Em João cap. 21, encontramos Pedro e mais cinco dos antigos
discípulos de volta na Galiléia; de volta à antiga atividade profissional. Parece que,
para Pedro, tudo acabara. Melhor era esquecer e continuar onde estava antes de
encontrar-se com Jesus. Mas Jesus o chamou de novo no mesmo lugar onde, três
anos atrás, o tinha convidado a segui-lo. (compare 1Cor.15.5ª). Pode ser que as
demais aparições de Jesus, aparentemente em Jerusalém, foram posteriores ao
encontro relatado em João cap. 21.
Mais importante do que estabelecer uma ordem cronológica das aparições
de Jesus é compreender dois fatos. Para a mente humana o “compreender”
depende da disposição de “aceitar” esses fatos.
O primeiro: O túmulo foi encontrado vazio. Não vingou nenhuma tese até hoje
levantada para explicar esse fato, a não ser essa que Deus O havia transformado e
dado a Ele um novo corpo. A oração de Jesus, quando clamou por ser “glorificado”
(João 17.1-5) fora respondida. Deus havia nomeado Jesus SENHOR. A igreja primitiva
criou um cântico que expressava o que o túmulo vazio lhes dizia. Você o encontrará
em Filipenses cap. 2. 5-11.
O segundo, testemunhado por mais de 500 pessoas: Ele vive! (1 Cor. 15.6). Ele
se revela aos Seus. Ainda hoje! Ele ainda pode ser tocado: pela fé. Para nós, nãojudeus, Ele é o único caminho ao Pai, Deus de Israel. Sem Jesus nunca
conheceremos a Deus YAHWE. Ele no-LO revelou.
O Evangelho de Marcos – cap.16.15-18 (NVI)
(15.15) E disse-lhes: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas. (16)
Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. (17) Estes sinais
acompanharão os que creram: em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; (18)
pegarão em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum; imporão as
mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados”.
258
(15.15) E disse-lhes: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as
pessoas.
Os últimos três versos do Evangelho de Mateus são conhecidos pelos cristãos
como “A Grande Comissão”: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra.
Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai
e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes
ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mateus 20.18-20).
São essas palavras que se espelham na resumida ordem de Marcos (16.15). Sabemos
que a visão dos judeus-cristãos do ano 30, quando Jesus ressuscitou, ainda não
estava aberta para encarar uma missão mundial. Foi preciso haver Pentecoste e
duros ensinamentos da parte do Ressurreto, principalmente a Pedro (compare Atos
cap.10 e Gálatas cap.2), até que a ordem como acima registrada, fosse aceita e
cumprida. No verso 15, o escritor justifica a pregação fora da Judéia e fora do
âmbito judeu como uma ordem dada por Jesus.
(16) Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado.
Sabemos por João 4.1, que Jesus não batizava, mas sim seus discípulos, pelo menos
no início do ministério. Depois não ouvimos mais nada dessa prática até ao
momento da ascensão do Senhor. O batismo com o qual os discípulos concorreram
com João Batista, como consta em João 4.1, era o batismo para purificação. O
batismo ordenado por Jesus é diferente. O batismo bíblico não purifica; ele é o
batismo “em um Nome”. Ser batizado, biblicamente, significa identificação,
“agregação ao corpo de Cristo” (Cullmann). O escritor dos versos finais de Marcos não
mais especifica o batismo, como acontece em Mateus. Para ele, a prática do
batismo já está fora de contestação. Ele só conheceu um batismo, o batismo cristão.
Mas ele resumiu demais sua sentença e com isso já causou muita discussão,
principalmente entre novos convertidos. Embora a ênfase na frase do verso 16 esteja
na fé, como fica com as pessoas que não forem batizadas? Até parece que
somente a fé não salva. Desde cedo, o batismo assumiu na Igreja o caráter de um
sinal de adesão, perdendo no decorrer dos séculos seu real significado. Era
inconcebível alguém crer sem ser membro da Igreja. Como membro de Igreja,
obviamente já era batizado. Mais uma vez vemos já no verso 16 traços da tradição
da Igreja primitiva que batizava imediatamente ao se confessar cristão. A paulatina
perda de importância da necessidade de fé e a valorização do ritual do batismo
levou, através dos séculos, a uma religião vazia, com liturgias pomposas. Somente na
Reforma Protestante do séc.16, a primazia da fé foi reestabelecida.
(17) Estes sinais acompanharão os que creram: em meu nome expulsarão
demônios; falarão novas línguas; (18) pegarão em serpentes; e, se beberem algum
veneno mortal, não lhes fará mal nenhum;
Os versos 17 e 18 apresentam um registro controverso a respeito de alguns
“sinais” que, como o texto indica, Jesus teria prometido aos seus discípulos. Nem
todos esses “sinais” encontram apoio nas Escrituras. Quando lemos o livro de “Atos”,
percebemos que Deus confirmava a palavra dos apóstolos com sinais e maravilhas.
Antes do fim do primeiro século, contudo, esses sinais cessaram. Ficou a palavra.
Crisóstomo e Agostinho (Santo Agostinho) eram da opinião de que esses dons, com
259
a morte dos apóstolos deixaram de existir. Embora a situação contemporânea esteja
repleta de propaganda de curas e maravilhas, sentimos falta de verdadeiras
manifestações Divinas. O que não falta é malandragem e manipulação. Essa é uma
realidade que devemos reconhecer, mesmo se não sabemos justificar a nossa
própria pobreza. Expulsão de demônios reais em o nome de Jesus ainda é
conhecida, mas muito rara. Várias doenças antigamente atribuídas a demônios, são
diagnosticadas e devidamente tratadas. A psiquiatria, em especial, reconhece que
há um campo onde seus recursos são ineficazes, onde poderes não explicados
atuam sobre pessoas.
Esses fenômenos e exorcismo verdadeiro não podem ser confundidos com as
“lutas livres” dos canais de TV, apresentadas nos palcos de determinadas igrejas.
Onde há comprometimento com o maligno mesmo, verdadeira autoridade
espiritual em o nome de Jesus é indispensável para poder atuar contra. Não se trata
daquelas brincadeiras ridículas e de mau gosto de “pastores” e que conhecemos
pela TV.
A habilidade de falar em novas línguas nunca é mencionada nos quatro
Evangelhos. Não é uma habilidade genuinamente cristã, uma vez que não se
restringe à cultura judáica ou cristã. Outras culturas, como a indígena, também
conhecem esse fenômeno. Somente em uma igreja do Novo Testamento todo, na
bagunçada igreja em Corinto é que esse dom apareceu e causou imensa confusão,
tornando necessária a intervenção de Paulo (veja caps. 12,13 e 14 da primeira carta
aos Coríntios). Não pode ser, de maneira alguma, sinal inconfundível da mente ou
do Espírito de Jesus, embora muitas Igrejas o afirmem. Os fatos testemunham contra
elas.
Em nenhum lugar nas Escrituras há menção ou alusão da capacidade de
pegar em serpentes venenosas ou beber veneno mortal sem sofrer mal algum. Mais
uma vez vemos a tradição da Igreja primitiva aparecendo. Quando o apóstolo
Paulo pegou involuntariamente em uma serpente na ilha de Malta (Atos 28.1-6) e
nada ocorreu, ele não apresentou o fato como “sinal” de Cristo, mas como um
perigoso incidente em que Deus o protegeu. Na Igreja primitiva logo cursavam
histórias e lendas a respeito de cobras e venenos que nada podiam contra fiéis.
Semelhantemente, vemos hoje a Bíblia aberta em cima da TV como “talismã”
contra a obra maligna. Trata-se da mesma imaturidade espiritual, para não dizer,
superstição.
Tertuliano († 200 d.C.), por exemplo, relatou na sua “Obra contra os Hereges”
cap. 36, episódios da vida do apóstolo João, já ancião, sendo torturado por causa
de sua fé. Diz que, certa vez, o sumo sacerdote do Templo de Ártemis em Éfeso,
onde João passou os últimos anos de sua vida, ofereceu ao apóstolo um cálice com
veneno para provar a sua santidade. Esse, discernindo a malícia, solenemente fez o
sinal da cruz sobre o cálice e imediatamente uma cobra venenosa pulou do cálice.
Rubens, o grande pintor da Renascença, guardou a cena numa de suas famosas
pinturas: “João com o cálice”.
260
Como o velho apóstolo não abdicou de sua fé, ele foi preso, levado para
Roma e colocado dentro de uma caldeirão cheio de óleo fervente. Tertuliano
garantiu que isso em nada afetou o apóstolo; saiu do caldeirão ileso e sem ter
sofrido qualquer dano.
Não é para se admirar que lendas como essas, em tempos de perseguição
fossem usadas para levantar a fé dos cristãos. No verso 18 do último capítulo de
Marcos temos o reflexo direto da tradição de lendas nascendo entre os fiéis. A Igreja
Católica Romana anualmente lembra do “Martírio de João” (no caldeirão). Mas
esses relatos pertencem ao âmbito de lendas.
Se você lê os Evangelhos, você não encontrará historinhas desse gênero. Tudo
é sereno e real.
... imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão curados”. Até mesmo o
dom de operar curas milagrosas, apesar de ser definitivamente mencionado nos
Evangelhos, merece ser melhor considerado. A Igreja , através da carta de Tiago,
cap. 5.13-16, colocou a oração de cura dentro do seu contexto sadio: óleo como
“remédio” usado na época;; confissão de pecados para livrar o doente de sua
eventual culpa e a oração de fé. Curas “a preços combinados”, como vemos hoje
em dia praticadas por Igrejas que acima de tudo se chamam “evangélicas”, são um
escândalo que desonra o nome de Jesus.
Nos versos que encontramos como apêndice ao Evangelho de Marcos (1518), já vislumbramos sinais da prática da Igreja primitiva e o início de tradições. O
Santo Evangelho na mão dos homens, tornar-se-á religião formal, vazia e seca, se
não for vivificado através da ação do Espírito Santo toda vez que o lermos.
Você agora entende por que você deve alimentar sua alma principalmente
nos Evangelhos e examinar toda e qualquer prática de sua religião ou Igreja,
comparando-a com o que Jesus ensinou?
Jesus não fundou simplesmente uma Igreja. Ele chamou você para segui-lO, o
que significa: decidir viver nas mesmas condições, na mesma dependência de Deus
e sustentado pelo mesmo poder que sustentou Jesus Nazareno.
Você acha difícil demais?
261
O Evangelho de Marcos – cap.16.19-20 (NVI)
FINAL DO ESTUDO
(15.19) Depois de lhes ter falado, o Senhor Jesus foi elevado aos céus e assentou-se à direita
de Deus. (20) Então, os discípulos saíram e pregaram por toda parte; e o Senhor cooperava com eles,
confirmando-lhes a palavra com os sinais que a acompanhavam.
O anexo ao Evangelho de Marcos encerra o livro com uma declaração de
cunho teológico. Teologia é a ciência que procura pensar e expressar em termos
concretos as realidades de Deus.
(15.19) Depois de lhes ter falado... Tudo que o autor sabia de Jesus Nazareno,
foi dito. Agora ele olha para a frente. No Evangelho de Marcos encontramos pouca
informação referente à fase pós-ressurreição. O melhor e o mais detalhado resumo
dos acontecimentos que se seguiam ao domingo da páscoa foi elaborado por
Lucas, o “pesquisador” (Lucas cap.24 e Atos 1.1-11). Aqui, o autor do “apêndice” ao
cap. 16 de Marcos fala em termos teológicos. A ascensão de Jesus é relatada tanto
em Lucas 24.50-55 quanto em Atos 1.6-11(as duas vezes pelo evangelista Lucas).
... o Senhor Jesus foi elevado aos céus Após um período de quarenta dias,
durante os quais Jesus aparecia aos Seus de diversas formas, Ele não mais foi visto. A
ascensão, em si, foi um ato de Deus e que consistiu em afastá-lo da visão dos
discípulos na ocasião em que ficaram de olhos fitos no céu procurando-o. Lucas
menciona no seu relatório a Teófilo que “algo como uma nuvem” envolvia o Senhor
enquanto se desvanecia. A terra conhecida na época, era vista como plana,
limitada, e o céu se econcontrava, geograficamente, em cima e o Hades (Inferno)
em baixo. Quando a Bíblia diz que Jesus foi “elevado” ao céu, ela não quer sugerir
uma elevação geográfica, nem uma viagem espacial. Jesus desapareceu perante
seus discípulos e quando procuravam por Ele, receberam instrução por dois “varões
de branco” (Atos 1.10,11). Hoje diríamos que eles tiveram uma “visão” de dois seres
celestiais. A informação que receberam está no Evangelho resumida em uma só
frase, mas fora suficiente para determinar o futuro comportamento de seus
seguidores. Assim como Jesus determinou enquanto estava com eles, resolveram
aguardar em Jerusalém a “promessa do Pai”, o batismo com o Espírito Santo.
... e assentou-se à direita de Deus. Novamente encontramos um termo de
cunho teológico: “assentar-se à direita de Deus”. Assentar-se à direita do Pai é
ocupar a posição de Soberano em nome de Deus (Salmo 110.1). Essa foi a
compreensão da Igreja quando ela chegou a considerar Jesus “Filho de Deus”. Esse
título foi o resultado de muita discussão e elaboração teológica na Igreja primitiva.
Inicialmente Ele era visto e reconhecido “Senhor” somente (cf. carta de Tiago). Para
chegar a ser reconhecido como Divino, a Igreja levou muitos anos.
A “Bíblia de Genebra” menciona como atributos concedidos pela “ascensão”
(que era tanto um fato histórico, porque aconteceu em determinado momento e
lugar, quanto espiritual, porque “Cristo foi entronizado”, como diríamos): o poder
junto ao Pai, a onipresença e seu ministério celestial. Se hoje entendemos Cristo
como “nosso sacerdote” (Hebr. 9.23-28 e outros) é porque Ele foi “assunto ao céu”.
262
Assim, a breve sentença do verso 19 contém um universo teológico cuja
procura da plena compreensão da natureza e do ministério de Jesus a Igreja
começou a trabalhar.
(20) Então, os discípulos saíram e pregaram por toda parte; e o Senhor
cooperava com eles, confirmando-lhes a palavra com os sinais que a
acompanhavam.
Onde o Evangelho de Marcos termina, começa a história da Igreja. No livro de
Atos encontramos algo referente ao futuro ministério de Pedro e Paulo. Pouco
sabemos do ministério de João e praticamente nada (fora de lendas e tradições)
dos demais apóstolos.
Marcos foi pioneiro na criação de um novo tipo de literatura: a do Evangelho.
Num processo histórico, cuja evolução não conhecemos a fundo, a Igreja associou
a Marcos a figura de Leão.
Não é um leão qualquer aquele que nos olha quando lemos seu Evangelho. É
um leão místico que ultrapassa tudo o que é humano. Nas esculturas antigas em
catedrais e igrejas, assim como em pinturas, Marcos é representado junto com o
“Leão com asas”.
Marcos superou-se a si mesmo ao anotar, coordenar e apresentar o mistério
do “Leão de Judá”
Mais tarde, o apóstolo João se encontrará perante a autoridade e o poder de
Jesus, numa visão enquanto estava exilado na ilha de Pátmos. (veja Apoc.5.5).
“Vi, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por
dentro e por fora, de todo selado com sete selos. Vi, também, um anjo forte, que
proclamava em grande voz: “Quem é digno de abrir o livro e de lhe desatar os selos?”
Ora, nem no céu, nem sobre a terra, nem debaixo da terra, ninguém podia abrir o livro,
nem mesmo olhar para ele. Eu chorava muito, porque ninguém foi achado digno de
abrir o livro, nem mesmo de olhar para ele. Todavia, um dos anciãos me disse: “Não
chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os
seus sete selos”.
Então, vi no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé,
um Cordeiro como tendo sido morto. Ele tinha sete chifres, bem como sete olhos, que
são os sete espíritos de Deus, enviados por toda terra. Veio, pois, e tomou o livro com a
mão direita d’Aquele que estava sentado no trono e, quando tomou o livro, os quatro
seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se perante o Cordeiro, tendo cada
um deles uma harpa e taças de ouro, cheias de incenso, que são as orações dos santos,
e entoaram um novo cântico, dizendo:
‘Digno és, de tomar o livro e abrir-lhes os selos,
porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus
os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e
para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes;
e reinarão sobre a terra’.
263
Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos
anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando
em grande voz:
‘Digno é o Cordeiro que foi morto
de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força
e honra, e glória, e louvor’.
Então, ouvi, que toda criação que há no céu e sobre a terra e sobre o mar e,
tudo o que neles há, estava dizendo:
‘Àquele que está sentado no trono e ao cordeiro,
seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio
pelos séculos dos séculos’.
E os quatro seres viventes respondiam: “Amém!”
(Apocalipse, capítulo 5)
Amém!
Anexo BIBLIOGRAFIA Estudo de Marcos – UMBET (2005/6)
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SP 09.2006
264
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