Auto da Barca do Inferno Gil Vicente Sobre o autor Nasceu em 1454 ou 1466 em Guimarães(?) e morreu entre 1536 e 1540. É o maior dramaturgo português, pertence ao primeiro Renascimento. Sua primeira peça. O Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro foi encenada por ocasião do nascimento do príncipe, futuro D. João III, inaugurando o teatro português. 1 Viveu em um contexto marcado por grandes descobertas e, ao mesmo tempo, pelo ambiente palaciano, medieval, religioso, conservador. Enquanto o restante da Europa vivia a ascensão da burguesia e a Idade Moderna, Portugal se debatia entre mercadores e senhores que não aceitavam a agonia do Feudalismo.(Benjamin Abdala Junior) Características da obra vicentina Primeiro a priorizar o texto literário em detrimento da cenografia e do espetáculo. Cultura teológica, expressa uma concepção teocêntrica numa época de transformações. O homem de seu tempo é seu objeto de preocupação, indivíduos de qualquer categoria social, pois vivem em um contexto em que os costumes se degradam 2 Cria tipos sociais, definindo a personagem a partir de seu vestuário característico, do tipo psicológico e da linguagem peculiar. (Abdala Junior) Não perdoou nada. Acreditou na função moralizadora do teatro, denunciou a imoralidade dos religiosos, os mais atacados pelo autor. Gil Vicente não se identificava com os valores da burguesia, estava enraizado numa concepção teológica. Acreditava que a crítica ao homem podia abrir sua consciência e reaproximá-lo de Deus. O paraíso está reservado ao simples, humilde, não aos religiosos corruptos ou aos usurpadores e exploradores do povo. 3 Considerações sobre o Auto da Barca do Inferno A obra busca sistematizar a ética de seu tempo, com a alegoria de um julgamento após a morte, de que participam o Diabo e o Anjo e as almas se defrontam com seu destino na eternidade. As condenações e absolvições seguem um rígido código moral e cristão, recheado de humor e sarcasmo.(Ivan Teixeira) Alegoria Representação de uma ideia abstrata, um tipo social ou uma entidade espiritual por meio de uma personagem. (Francisco Achcar) Na obra, tais figuras alegóricas compõem um quadro crítico da sociedade portuguesa da época. A crítica de Gil Vicente não se dirige às instituições em si mesmas, mas aos indivíduos que as corrompem. 4 Organização das cenas Sucessão de quadros que não se ligam por causa e efeito: o Diabo e o Anjo decidem o destino das almas que representam classes ou grupos sociais. Linguagem As personagens falam um português variadíssimo: vulgar, médio, elegante, erudito, arcaico. Cada uma usa formas de linguagem próprias de seu meio social.(Achcar). 5 Personagens: Anjo e Demônio Comandantes dos Barcos Anjo e Demônio: paradoxais Anjo: sem graça, calado, argumenta pouco e é autoritário. Diabo: liberal, recebe todos (exceto, a princípio, o judeu), com humor e simpatia (mesmo falsa). Ótimo anfitrião, discute, pondera,argumenta antes de condenar. Passageiros Barca do Anjo: Parvo e 4 cavaleiros, ambiente calmo, exceto pelas intromissões do Parvo. Os Cruzados só cantam hinos em louvor a Deus. 6 Barca do Diabo: aplicados à obtenção de vantagens, mas são cheios de alegria terrena. Carregam consigo objetos que simbolizam os pecados cometidos, demonstrando seu apego às coisas materiais. Fidalgo Primeiro a chegar, D. Anrique é condenado pela arrogância, presunção e tirania. Leva consigo o pajem, a cauda do manto e a cadeira (símbolos de nobreza). Descobre que fora traído pela amante e que seu pai também fora para o inferno. 7 Onzeneiro Usurário, agiota, muito apegado ao dinheiro, ao lucro, leva a bolsa de dinheiro, agora vazia, é condenado. Parvo, Joane O bobo, simples, sem malícia, apesar dos xingamentos e palavrões que profere. É aceito na barca do Anjo. É uma das poucas personagens que volta à cena depois de absolvida ou condenado, efetuando críticas aos condenados. 8 Sapateiro Leva um carregamento de formas, com as quais roubava os clientes. Acreditava na absolvição, pois comungara e se confessara. É condenado a seguir com o Diabo. Frade Vem com a namorada, dançando e cantando. Traz sua espada, escudo e capacete, índices de virilidade e falta de identidade com o sacerdócio. 9 Brísida Vaz Alcoviteira/caftina, leva um baú com himens postiços e outros feitiços para prostituição. Evoca ao anjo o fato de ter ajudado os padres em seus prazeres carnais, comparando-se a Santa Úrsula. Vai para o inferno. Judeu Retrata os fortes preconceitos da época, traz o bode (insígnia da religião judaica), insistindo em embarcar com ele. É recusado nas duas barcas, acaba indo a reboque na barca do Diabo. Nem o Anjo nem o Diabo apresentam argumentos para a recusa ao judeu, apenas o preconceito religioso. 10 Corregedor, Procurador e Enforcado Simbolizam a burocracia e a corrupção pelas vias legais. O corregedor leva autos, o procurador, livros e o enforcado, a corda no pescoço. Este é o ladrão que rouba sem vantagens, instrumento dos mais espertos, manipulado.Todos condenados. Quatro Cavaleiros Cruzados Vão para o céu como mártires da Igreja, morreram lutando pela fé cristã, em poder dos mouros, no norte da África (Cruzadas). 11