A NATURALIDADE DO SER E O DETERMINISMO

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Ensinagem: Revista Periódica da Faculdade de Belém
Eda
CarolinaFaculty
Monteiro
LeitãoJournal V. 3, n.2, Julho/Dezembro 2014, p. 34-63
Ensinagem:
of Belém
ISSN 2238-4871
A NATURALIDADE DO SER E O DETERMINISMO
POSITIVISTA: A TRANSPOSIÇÃO DO ABISMO LÓGICO
NATURALNESS OF BEING AND THE POSITIVIST
DETERMINISM: TRANSPOSITION OF LOGICAL CHASM
LA NATURALIDAD DEL SER Y EL DETERMINISMO
POSITIVISTA: LA TRANSPOSICIÓN DEL ABISMO LÓGICO
Eda Carolina Monteiro Leitão1
RESUMO
A filosofia jusnaturalista de Immanuel Kant está presente na
vida dos homens de forma arraigada desde a sua concepção, ultrapassando, inclusive, os limites de sua morte, como conjunto de valores
inatos à existência e à essência humana. O positivismo jurídico de
Hans Kelsen, por sua vez, impõe ao homem regramentos puros e
muitas vezes desprovidos da moral como valor natural, traduzindo-se
em interpretações normativas injustas e insuportáveis ao exercício
da liberdade e da vida, constituindo violação à dignidade humana.
Como proposta de sanar problemas dessa natureza, causados pela aridez do positivismo jurídico instituído em muitos ordenamentos, e
buscar formas de garantir a promoção da justiça, Gustav Radbruch,
Robert Alexy e David Hume apresentam um caminho entre o direito
natural e o direito positivo, uma terceira via de aplicação normativa.
Palavras chave: Jusnaturalismo. Positivismo. Dignidade Humana.
Justiça.
1 Manuscript first received /Recebido em: 13/02/2014
24/06/2014
Manuscript accepted/Aprovado em:
Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade
Nacional de La Plata – UNLP, Argentina e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Internacional
de Ciências Sociais – IICS, São Paulo-SP.
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A NATURALIDADE DO SER E O DETERMINISMO POSITIVISTA: A TRANSPOSIÇÃO DO ABISMO LÓGICO
ABSTRACT
The natural law philosophy of Immanuel Kant has been present men’s lives rooted way since its conception, even beyond the limits of his death, as a set of values innate to the human essence and
existence. The legal positivism of Hans Kelsen, however, imposes
specific pure regulations to man and often devoid of moral and natural value, translating into normative interpretations unjust and
unbearable to the exercise of freedom and life, constituting violation
of human dignity. As proposed solution for the exposed problems,
caused by aridity of legal positivism instituted in many jurisdictions
and seek ways to ensure the promotion of justice, Gustav Radbruch,
Robert Alexy and David Hume have a path between natural law and
positive law, a third way of normative application.
Keywords: Natural Law. Positivism. Human Dignity. Justice.
RESUMEN
La filosofía jus naturalista de Immanuel Kant está presente en
la vida de los hombres de forma arraigada desde su concepción, ultrapasando, inclusive, los límites de su muerte, como conjunto de
valores innatos a la existencia y a la esencia humana. El positivismo
jurídico de Hans Kelsen, por su vez, impone al hombre reglamentos
puros y muchas veces desproveídos de la moral como valor natural,
traduciéndose en interpretaciones normativas injustas e insoportables al ejercicio de la libertad y de la vida, constituyendo violación
a la dignidad humana. Como propuesta de sanar problemas de esa
naturaleza, causados por la aridez del positivismo jurídico instituido
en muchos ordenamientos, y buscar formas de garantizar la promoción de la justicia, Gustav Radbruch, Robert Alexy y David Hume
presentan un camino entre el derecho natural y el derecho positivo,
una tercera vía de aplicación normativa.
Palabras-clave: Jus Naturalismo. Positivismo. Dignidad Humana.
Justicia.
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1 INTRODUÇÃO
A busca por um ideal de justiça tem passado pelos séculos
construindo o Direito nas sociedades. Filósofos e doutrinadores dedicaram suas vidas no intento de apresentar um resultado que seja válido, eficaz e bom, criando mecanismos para garantir direitos inerentes
à existência humana.
Nesse sentido, o presente estudo busca analisar alguns fundamentos filosóficos do jusnaturalismo e do juspositivismo como sistemas que preconizam o reconhecimento e a garantia do exercício de
direitos humanos e, especialmente, as soluções propostas aos problemas enfrentados por interpretações e aplicações injustas das normas
jurídicas, propondo maneiras de viabilizar a eficácia da justiça na
garantia mínima de dignidade humana.
2 A NATURALIDADE DO SER
A visão teológica da humanidade, contada pela Teoria Criacionista, narra que os homens nasceram no mundo pelas mãos de Deus,
após a criação de todas as coisas existentes na terra, como a última e
mais bela obra de arte elaborada como símbolo da perfeição, recebendo do Criador os direitos de dominação sobre os demais seres.
Essa forma metafísica de surgimento, como também a outorga
de poderes e de direitos ao homem por um ser superior e anterior a
sua própria existência, assim como a dominação sobre os demais seres, é um dos fundamentos da filosofia naturalista.
E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de
Deus o criou. [...] E Deus os abençoou, e Deus lhes
disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e
sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre
as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move
sobre a terra. E disse Deus: Eis que vos tenho dado
toda erva que dê semente, que está sobre a face de
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toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que
dê semente, ser-vos-á para mantimento (Livro de
Gênesis, capítulo, 1, versículo 27) (ALMEIDA,
1993, s/p).
Tomás de Aquino, adepto da origem metafísica do homem,
aponta que essas qualidades, como perfeição e superioridade, advêm
de características próprias, relacionadas com sua essência substancial,
racional e individual (GUTIÉRREZ, 1945, p. 39-40).
De modo que la persona humana es una substancia,
significa que no consiste en un mero conglomerado
de átomos o de partículas, como querría el
materialismo; ni se reduce a ser un mero complejo
de actividades – sensaciones, pensamientos,
sentimientos, voliciones, procesos vitales - ; ni es
tampoco simple manifestación o fenómeno de una
substancia única, omnicomprensiva total, sino que es
un ser subsistente por sí, independiente y distinto de
todos los demás, dotado de razón. Nota esencial de
la persona es también la individualidad: la persona
es una substancia individual de naturaleza racional;
persona est substantia individua rationalis naturae.
La persona humana, como substancia racional,
corresponde, pues, un modo de ser irreductiblemente
individual y suyo (GUTIÉRREZ, 1945, p. 42-7).
Esses valores fundamentaram a doutrina de Tomás de Aquino,
encontrando-se na individualidade – a racionalidade do homem – um
critério de sua identificação. Esse aspecto é o que lhes diferencia dos
demais seres – sua capacidade de pensar, analisar, decidir, eleger suas
preferências, de buscar por sua felicidade (SOUZA NETO, 1997, p.
38), pelo que considera ser o bem comum, ou seja, o que constitui
sua verdadeira essência, a substância que lhe identifica – sua razão¹.
A filosofia Tomista ensina que há uma relação muito estreita
entre Deus e os homens, por Deus lhes haver chamado para participar
de sua vida, na forma de sua própria imagem. Assim pensa Tomás de
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Aquino, ao dizer que:
Todo ente participa de algum modo da lei eterna,
em razão da sua natureza, sendo cada ente dotado,
nesse sentido, de uma lei natural que é para ele regra
e medida e que, como certa impressão da lei eterna,
faz com que ele se incline para seus próprios fins.
Esta participação ocorre de forma especificamente
diferenciada e, no homem, criatura racional, se
eleva a uma verdadeira participação na providência,
na medida em que cabe à razão ser providente para
o homem e os demais entes. Esta participação é o
que se chama em sentido pleno de “lex naturalis”
e vale-se de uma luz própria à razão que a leva ao
discernimento natural do bem (SOUZA NETO,
1997, p. 10).
As ideias aqui trazidas sustentam que, pela óptica de uma filosofia naturalista, emanada do conjunto de direitos naturais, a vida
dos homens é fundamentada por regras que advém de valores, orientações, imposições e determinações dadas por Deus – a lei natural
(MELVILLE, 2007, p. 19)². Pelas palavras de Immanuel Kant, como
se analisará adiante, estas são as circunstâncias dadas que formam o
ser e são chamadas de circunstancias a priori ³.
Outros filósofos também trataram da lei natural em seus escritos. Agostinho (HESSEN, 1980, p.13), ao analisar os fundamentos
do direito natural, ensina que a perspectiva metafísica estabelece as
questões sobre o mundo e o divino e se colocam na interioridade do
homem – é a metafísica da experiência interior – na certeza subjetiva, na busca pelo que se entende por bem comum (PINTO, 2009,
p. 522).
Rompendo com os padrões de seu tempo e inaugurando o que
hoje se conhece como filosofia moderna, confrontando e inovando as
teorias de Descartes4 e Hume5, Immanuel Kant6 apresenta uma construção do pensamento empírico, na busca da identificação de valores
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naturais, cujo marco de partida é a análise do próprio sujeito e não
mais somente do mundo a sua volta. Neste ponto, percebe-se na teoria kantiana, em Crítica da Razão Prática7, o debate sobre a liberdade
humana, que inova ao redefinir paradigmas filosóficos. Para Kant, o
mundo não é mais somente aquele dado por Deus – a origem metafísica do homem – senão a possibilidade do novo, a perspectiva de
pensar a liberdade em uma nova realidade de mundo, pela óptica dos
conceitos das teorias do pensamento liberal8.
Kant enxerga a liberdade do homem como fundamento da primazia de sua vida na sociedade – sua capacidade racional – de eleição
de seu modo de vida9. As pessoas têm seu próprio valor e sua própria
dignidade, não somente um preço, como as coisas materiais10. Esse é
o fundamento liberal de Kant que constrói o que se pode decidir, que
embasa sua teoria jusnaturalista, sob três imperativos, quais sejam:
Age unicamente segundo uma regra de conduta que
possas querer em lei universal.
[...]
Age como se a tua regra de conduta devesse ser
erigida por tua vontade em lei universal da natureza.
[...]
Age de tal sorte que trates a humanidade, tanto em
tua pessoa quanto na de outrem, sempre como fim,
e jamais apenas como meio (BERTAGNOLI, 1959,
p. 69).
Analisando esses imperativos, vislumbra-se um âmago valorativo na essência humana – a dignidade da pessoa – posto que reconhece sua capacidade de eleição – a liberdade como poder – como
valor inerente a cada indivíduo, pelo simples fato de ser Homem11.
Nesse sentido, Dias (2009)12 reconhece a liberdade13 da teoria
de Kant14 como o valor essencial dos direitos humanos, que se manifesta de maneira determinada em cada indivíduo por sua capacidade
de autodeterminação consciente e responsável por suas escolhas – a
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autonomia de sua própria vontade – que deve contar com o respeito
de todos os homens da sociedade e principalmente pelo Estado, em
qualquer forma de governo15.
A possibilidade de identificação de todos os homens por uma
essência comum, um fator de consonância que lhes qualifique como
semelhantes, confere um núcleo de caráter universal16 dos direitos
humanos (BARRETO, 2009, p. 214) – a liberdade e a autonomia
da pessoa17.
A universalidade18, por suposto, pretende-se como característica do que se conhece na modernidade como direitos humanos dos
homens de todos os Estados19. Como ensina Luño (2001), são “facultades jurídicas individuales de titularidad universal” (p. 225), que tem o
poder de dotar a todos de dignidade, sem distinção de raça, sexo ou
nacionalidade.
Em Kant também se encontra uma proposta plausível e aceitável para fundamentar o que seriam os critérios orientadores da autonomia da vontade humana20, como pressuposto de exercício da dignidade em caráter universal, pois apresenta a lei moral como balizadora
de uma conduta possível, embasada em valores morais e éticos21.
3 A LIBERDADE DE AUTODETERMINAÇÃO DO
HOMEM E O DETERMINISMO POSITIVISTA
Colaciona-se agora mais uma premissa aos valores de liberdade
e de racionalidade do homem como regradoras de condutas aceitáveis, que qualificam sua capacidade de autodeterminação22, em derivação da racionalidade humana como condição de realização de direitos
humanos pelo princípio da autonomia da vontade. Isso pressupõe a
possibilidade de exercício da liberdade de eleição das vontades do
homem, de eleição de seus planos pessoais de vida, sem que existam,
de outro lado, imposições predeterminadas no sentido de se dizer ou
de lhe contrapor em sua vontade, de forma coercitiva23.
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A essa forma de imposição, como conjunto de fatores previamente estabelecidos pelas leis, chama-se determinismo24, que pressupõe normas cuja razão está fundada na regulação da vida dos homens
na sociedade, elegendo, em seu lugar, quais devem ser seus planos de
vida em um processo de extirpação de sua própria vontade25.
Ocorre que a inquietude do determinismo que se experimenta com o positivismo jurídico surge quando a prescrição normativa
(dever ser) não alcança a essência do fato (ser), posto que não reconhece
esta essência, senão a determina simplesmente como deve ser. Em outras palavras, diz-se que a norma positiva vem ao mundo dos homens
como sua própria criação para lhes determinar o que deve ser, tendo
sua essência desprendida da moral enquanto valor inerente do ser. E,
quando o homem se desgarra da prescrição normativa, a própria lei
lhe prescreve a imposição de uma sanção.
A esse impasse, gerador de intranquilidades e perturbações,
Hume (2001)26 propõe a existência de um vínculo entre o ser e o dever
ser, como forma de transposição ao abismo lógico27 criado pelo positivismo jurídico. A teoria proposta por Hume enfatiza que:
Assim, enquanto para os jusnaturalistas a justiça se
traduzia em leis eternas, para Hume, a justiça, em
última instância, repousa em convenções humanas,
coordenadas entre os membros de uma sociedade.
Hume elabora um novo conceito de convenção.
Em sua descrição, movidos por interesses comuns,
sem promessa, ou contrato, seres humanos tácita,
implícita e gradualmente entram em um acordo,
sujeito a mudanças, com as mudanças e, suas
circunstâncias. [...] Hume formula sua teoria da
justiça com base no método experimental, que
considera as condições particulares de existência
humana, suas limitações materiais, e suas inclinações
passionais. [...] Hume não tem o propósito
de descobrir ou justificar um conjunto de leis
eternamente válidas. Em vez disso, ele quer, pelo
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estudo da natureza humana, investigar a origem
convencional e a função reguladora de instituições
artificiais. Pelo uso do método experimental, ele
busca uma teoria da sociedade, livre de contágio do
mito da Idade do Ouro e do mito filosófico do Estado
de Natureza. Em uma palavra, Hume naturaliza a
questão da justiça (GUIMARÃES (TRAD.), 2009,
p. 450).
Assim, pode-se afirmar que a chave para a superação do abismo
lógico entre o ser e o dever ser é a busca da moral como valor de determinação das condutas prescritas nas normas do dever ser. Essa norma
deve reconhecer os valores humanos como fundamentos do direito
natural. A moral é o valor de transposição28 na qual deve se assentar o
positivismo para fundamentar sua determinação normativa.
Nesse sentido, as palavras do filósofo argentino Tinant ensinam que:
En nuestro tiempo, el estado de la problemática revela cómo
se han acentuado los esfuerzos para lograr una solución
sincrética: se ha comprometido cabalmente que el derecho
positivo carece de fundamento moral si prescinde del derecho
natural, y éste no halla materialización sin el concurso
de aquel. Es que, siendo por autonomasia un ser político
y social, el hombre tiende naturalmente a adecuarse a un
sistema de normas obligatorias en la comunidad en la que
convive (TINANT, 1984, s/p).
Segundo o entendimento emanado da ideia de Hume, as condutas impostas aos homens pelo mandatório do dever ser, em cumprimento às predicações do ser, hão que ter um conteúdo ou uma
aplicação de cunho moral.
Assim, a solução proposta por Hume para transpor o abismo
lógico dispõe que o dever ser exige receber a carga axiológica necessária para apresentar condições morais, éticas e libertárias, originadas
no ser, que pressupõem ao dever ser um dever moral, cuja interpretação
traduza valores equivalentes à essência humana.
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4 A NATURALIDADE DA JUSTIÇA E O INJUSTO
POSITIVISMO
Diante de situações em que se coloca o embate da garantia da
moral ao estrito cumprimento da norma, a filosofia jurídica se dispõe
a proceder a uma análise, especialmente ao se debruçar nos estudos de
casos conhecidos como hard cases.
Um clássico da literatura jurídica que ora se apresenta para
exame é o caso alemão Mauerschützen-prozesse – os defensores do muro.
Trata de soldados alemães que tinham, por ordem legal, o dever de
proceder à contínua e severa sentinela do muro que separava a República Democrática Alemã – RDA da República Federal Alemã –
RFA, durante os anos compreendidos entre 1961 a 1989.
Os deveres da vigilância se traduziam em não permitir que
nenhum indivíduo transpusesse o muro. Para assegurar este fim, os
soldados tinham a determinação legal de liquidar com a vida de qualquer pessoa que se dispusesse a essa escapada, ao atravessar o muro da
RDA para a RFA. O intento de fuga era sempre frustrado pela morte
dos que se aproximavam da esperança de transpor aquela barreira
(GUBERT, 2005).
Sobre a fundamentação jusfilosófica da decisão emanada do
caso, pelo Tribunal Supremo Federal Alemão (Bundesgerichtshof), Alexy (1988)29 empenhou uma profunda análise sobre os argumentos da
condenação dos soldados, com embasamento na fórmula de Radbruch (2008), pela qual a injustiça extrema não é direito.
No julgamento, percebe-se que a decisão do Tribunal Alemão,
que condenou os soldados, “ratifica el respecto por los derechos humanos
fundamentales, que constituyen un núcleo de existencia moral30 mínimo del
derecho natural” (PARMA, 2007). É o que Radbruch chama de “un
umbral mínimo por debajo del cual las normas pierden el carácter de justas y
por ende de jurídicas” (ROCHA JUNIOR, 2008).
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Neste caso, observa-se a contraposição que se buscou abordar
até agora no presente estudo, de forma aclarada e precisa, que é o
impasse travado entre os valores da dignidade humana – a liberdade
de eleição de seu modo de vida e a própria vida – e, ao revés, imbuídos nos estritos do dever ser, a legislação alemã autorizadora do ato de
extirpação da vida por proibição do exercício da liberdade pessoal.
O impasse axiológico, na prática, ocorre quando a norma não
ampara os direitos inerentes ao homem. No julgamento, identificam-se os direitos à vida e ao exercício da liberdade. Isso é o que
Radbruch qualifica de injustiça extrema, que não pode ser de direito.
Casos que chegam aos tribunais, como o ora apresentado, são
frutos de uma máxima do positivismo jurídico, oriundos de seu caráter impositivo e desapegado da moral, autorizadores do cumprimento legal sem qualquer questionamento – “la ley es la ley” –, como diz
Radbruch31. Este preceito desconhece limitações de qualquer outra
natureza, senão do próprio cumprimento da norma pura, pois, caso
não haja tal submissão, a própria norma já lhe prescreve uma sanção.
Por esse aspecto, é fácil perceber que a norma, em um sistema
positivo cerrado, tende a não amparar os valores morais apresentados
pela teoria jusnaturalista de Kant.
Diante da situação imposta no caso dos atiradores do muro,
por exemplo, reúnem-se argumentos que permitem questionar a validade de uma norma positivada que, mesmo vigente no ordenamento de qualquer Estado, não contempla a carga axiológica essencial
dos direitos humanos. Ou, o que é pior, a possibilidade de existência
de uma norma que viole estes direitos, pois, como alude Radbruch
(2008),
Carecen, por otra parte, de todo carácter jurídico aquellas
leyes que tratan a los hombres como seres inferiores y los
privan de sus derechos humanos. Carentes de todo el carecer
jurídico son igualmente aquellas amenazas de pena que
sin consideración a la diferencia de gravedad imponen la
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misma pena (a menudo la pena de muerte), solo impulsados
por necesidades intimidatorios. Todo esto constituye ejemplos
de arbitrariedad legal (2008, s/p).
O positivismo de Hans Kelsen aponta que a validade da norma
jurídica exige a existência de algumas condições: por primeiro, que
sua formulação ocorra por meio de quem tenha autoridade para tal
(competência legislativa); e, em segundo, que esteja sob a hierarquia
do sistema normativo32, ou seja, a norma deve buscar validade em
outra norma imediatamente superior.33
Ora, o problema surge quando se confrontam estas condições
de validade positivista com a ausência de valor moral na fundamentação axiológica. Ou seja, a existência de uma norma que, mesmo
válida no ordenamento jurídico, não ampara a moral como valor essencial do ser34.
Diante dessa realidade, buscam-se fórmulas na hermenêutica
para uma interpretação metodológica eficaz e razoável, a fim de permitir um resultado desejável, no sentido de caminhar rumo a uma
adequação entre o direito natural e o direito positivo35, conferindo
validade axiológica à norma. Nesse ponto, afirma Radbruch que:
Debemos buscar la justicia, pero al mismo tiempo
atender a la seguridad jurídica, puesto que ella misma
una parte de la justicia, y reconstruir un Estado de
derecho que satisfaga por igual, en la medida de lo
posible, a ambas ideas. La democracia es ciertamente
un bien digno de ser elogiado; el Estado de derecho,
sin embargo, es como el pan de cada día, como el
agua para beber y el aire para respirar, y lo mejor en la
democracia es, precisamente, que solo ella es apropiada
para asegurar el estado de derecho (2008, s/p.).
No que se refere à validade de uma norma que ampare direitos humanos, tem-se que, nos sistemas positivos, o reconhecimento
maior que se pode conferir a estes direitos ocorre quando encontram
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previsão no texto Constitucional36.
Os direitos humanos preconizados em uma ordem constitucional são chamados de Direitos Fundamentais37, que lhes confere força
e validade38. O problema surge quando existem direitos humanos
(ser) não amparados pela norma constitucional (dever ser). Assim há
que se buscar uma solução para além da simples validade normativa
pela percepção positivista.
Para garantir a plenitude do exercício destes diretos humanos,
há que se conferir uma interpretação garantidora da finalidade da
norma. Neste sentido, Radbruch apresenta uma teoria pela qual é necessário impor validade a um direito sopesando o peso dos princípios
sobre a validade das normas (PARMA, 2007).
A este impasse sobre a composição de uma teoria de aplicação
normativa válida e garantidora dos direitos humanos fundamentais,
Alexy, embasado na teoria de Radbruch, propõe que “una teoría substantiva que contenga aquellos principios y ponderaciones de principios que mejor
se correspondan con las normas Constitucionales, las reglas del derecho y los precedentes”(ALEXY, 1988, p. 140), que consistem em um conjunto de...
Reglas y principios en que se traducen las normas
iusfundamentales en tanto se redefinen más allá de
los presupuestos normativos, y que describe le contexto
normativo-material de los derechos fundamentales
aparecerían así con un doble carácter, de un lado ordenan
la consecución de fines en la mayor medida posible, es
decir, en la medida de las posibilidades jurídicas y reales
existentes; de otro, contienen determinaciones en el ámbito de
lo fáctica y jurídicamente posible. El juego como principios
y reglas, respectivamente, pone de relieve la índole abierta
de las disposiciones iusfundamentales de tal modo que los
primeros aparecen como directrices prima facie, frente al
carácter definitivo de las reglas. (GARCÍA, 1995, p. 4).
A hierarquia normativa predispõe que as regras contenham determinações e, os princípios constitucionais, razões para sustentar as
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determinações como mandatos de otimização. Essa realidade permite
uma permanente mobilidade do sistema dos direitos fundamentais
em torno da argumentação jusfundamental. Logo, pode-se afirmar
que os princípios têm uma função harmonizadora do sistema normativo39.
Sobre o tema, Canotilho aponta que:
A complexa articulação da textura aberta da
constituição com a positividade constitucional
sugere, desde logo, que a garantia da força normativa
da constituição não é tarefa fácil, mas se o direito
constitucional é direito positivo, se a constituição vale
como lei, então as regras e princípios constitucionais
devem obter normatividade regulando jurídica e
efetivamente as relações da vida (P. Heck), dirigindo
as condutas e dando segurança expectativas de
comportamento (Luhmann) (CANOTILHO, 2003,
p. 1176).
A partir do momento em que se fundamenta a existência dos
princípios nos sistemas de prescrição de direitos humanos para lhes
garantir validade, confere-se uma certificação a todo o sistema como
uma sequência concatenada de mandamentos valorativos40, com seus
reflexos principiológicos e legais41.
Este resultado se alcança pelo que Canotilho (2003) chama de
processo de densificação de regras e princípios constitucionais42, pois:
A concretização das normas constitucionais
implica um processo que vai do texto da norma
(do seu enunciado) para uma norma concreta –
norma jurídica, que, por sua vez, será apenas um
resultado intermediário, pois só com a descoberta
da norma de decisão para a solução dos casos
jurídico-constitucionais teremos o resultado final
da concretização. Esta concretização normativa é,
pois, um trabalho técnico-jurídico; é, no fundo,
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o lado técnico do procedimento estruturante da
normatividade. A concretização, como se vê, não é
igual ä interpretação do texto da norma; é, sim, a
construção de uma norma jurídica (CANOTILHO,
2003, p. 1180).
Logo, uma interpretação válida para aplicação eficaz da norma,
garantidora dos valores do ser43, deve levar em consideração os princípios, as regras e as condições no momento que se estabelece uma
necessidade de adequação44, no caso concreto, por meio de fatores
condicionantes da aplicação principiológica45-46.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo até então analisado neste estudo, constata-se quão árdua é a tarefa do instrumentador do Direito47, especialmente quando
se trata de aplicação de normas constitucionais amparadoras de direitos humanos, constituindo-lhes em Direitos Fundamentais. Mesmo
porque os parâmetros ofertados pela jusfilosofia naturalista e positivista, se analisados desprendidos um do outro, não são capazes de
conduzir a um resultado válido, seguro e justo.
O jusnaturalismo sustenta os valores da origem metafísica do
homem, pelo que lhe concede o exercício da liberdade em sua vida
como condição de dignidade suprema e universal de sua existência
– a essência do ser. O positivismo jurídico, por sua vez, apresenta
o sistema de normas reguladoras da vida na sociedade que, em sua
aplicação pura, não permite uma relativização do mandamento normativo – do dever ser – pois a lei é a lei.
Para solucionar esse impasse, encontra-se na filosofia de David
Hume a transposição do abismo lógico deixado por toda a aridez do positivismo, ao propor que uma norma não pode existir sem uma carga
valorativa de essência moral do ser.
Seguindo essa evolução de esforços para pacificar a convivência
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entre a lei e o ethos, a hermenêutica jurídica apresenta fórmulas para
uma interpretação metodológica eficaz de conjugação dos valores
morais e a lei, que seja razoável ao ponto de permitir um resultado
desejável, como um trem que segue seu caminho por entre os trilhos
do direito natural e do direito positivo – a terceira via.
Concretizar prescrições valorativas e legais de direitos humanos por um terceiro caminho é permitir a perpetuação da existência
digna do ser humano em toda sua extensão universal e que não admite ser albergada pelas fronteiras territoriais ou pelas instituições políticas e jurídicas de um Estado. Em revés, ao redor de toda a amplitude da Terra, as nações com suas raças, línguas e credos tem o dever
de reconhecer e garantir em seus sistemas de poder, a fim de conferir
efetividade da existência digna dos indivíduos, enquanto Homens, e
não somente como cidadãos.
Assim, não reconhecer os valores naturais do homem, a dignidade como valor essencial do ser, a liberdade de vida como condição
de existência digna, a moral como fundamento das normas, a universalidade de todos esses valores humanos dos direitos fundamentais, é
injustiça extrema e insuportável que não pode ser de direito.
NOTA
1 A substância primeira é o ser concreto e individual que chamamos na
existência real, como exemplo, este homem, este cachorro, esta mesa. A
substância segunda é a essência que traga realização concreta em uma multiplicidade de indivíduos, como, por exemplo, homem, cachorro, mesa. A
substância se diz completa, quando não somente existe em si, senão que,
ademais, rejeita a comunicação ou íntima união com outra substancia,
como, por exemplo, o corpo ou a alma do homem em sua existência isolada
(GUTIÉRREZ, 1945, p. 41).
2 Neste ponto, acerca da lei natural, Montesquieu afirma que “antes de
todas as leis, há as leis da natureza, assim designadas porque decorrem unicamente da constituição do nosso ser. Para conhecê-las bem, é necessário
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considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades. As leis da
natureza serão as que ele receberia em um estado assim. Essa lei que, imprimindo em nós a ideia de um criador, leva-nos a ele, é a primeira das leis
naturais, por sua importância, mas não pela ordem dessas leis”. Cf. MONTESQUIEU.
3 “Uma vez que os conceitos do bem e do mal, como consequências da
determinação a priori da vontade, pressupõem também um princípio puro
prático, por consequência uma causalidade da razão pura, resulta que não
se referem originariamente (de certo modo como determinações da unidade
sintética na multiplicidade de intuições operadas em uma consciência) a
objetos, como os conceitos puros do entendimento ou categorias da razão
usada teoricamente, pois consideram elas estes objetos de preferência como
já dados anteriormente, quando são em conjunto modos de uma categoria
única, isto é, a de causalidade quando o fundamento da determinação da
mesma consiste na representação racional de uma lei da razão que, como lei
da liberdade, faculta a razão a si mesma, mostrando-se desse modo a priori
como prática”. Cf. KANT, Immanuel. (BERTAGNOLI, 1959, p. 51).
4 Para Descartes, não está em Deus a certeza da existência, mas é necessário
demonstrar a existência do mundo para mais além do próprio sujeito. Deus
é uma necessidade epistemológica e não mais solo una estrutura ontológica do mundo. Assim, Descartes apresenta o método Cartesiano (verificar,
analisar, sintetizar y enumerar) a fim de afirmar que as questões do mundo
prescindem de resultados científicos e não somente filosóficos. Se baseia na
lógica dedutiva, de premissas indubitáveis. Cf. HUISMAN, Denis (BENEDETI, 2002, p. 137).
5 Hume demonstra soluções próprias e originais ao propor uma perspectiva
empírica da natureza humana. O conceito de justiça se funda em convenções humanas, que se desenvolvem passo a passo por meio de ações dos
participantes da sociedade, constituindo-se em um sistema legal, harmonizado no interesse privado e no benefício público. Daí surge a teoria da
justiça pelo método experimental – resultados a posteriori, que considera as
condições particulares da existência humana, suas limitações materiais, etc.
Hume não se propõe a desvendar ou fundamentar o conjunto de leis infinitamente válidas. Ao revés, busca investigar a gênese e a função reguladora
de instituições artificiais por meio do método experimental (como dito,
resultados a posteriori). Cf. HUME (VIQUEIRA, 2001, s/p).
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6 Kant inaugura o debate em sua obra intitulada Crítica de la Razón Pura e,
depois, com a Crítica de la Razón Práctica, quando defende que o caminho
empírico não conduz ao conhecimento universal, questionando os juízos
a priori, alcançando a ideia de subjetividade constitutiva. Assim, tem-se
o sujeito como base de uma análise constitutiva, não mais a estrutura do
mundo.
7 “Mas como as ações, embora por uma parte estejam sob uma lei da liberdade e pertençam consequentemente à conduta dos seres inteligíveis, por
outra parte, entretanto, ainda como acontecimentos do mundo dos sentidos,
pertencem aos fenômenos, resultando que as determinações de uma razão
prática só poderão ter lugar em relação com esta razão, por conseguinte,
embora segundo as categorias do entendimento; não, todavia, mediante a
intenção de um uso teórico do mesmo para reunir e conduzir debaixo de
uma consciência a priori essa multiplicidade da intuição (sensível), mas sim
para submeter o múltiplo das petições à unidade da consciência de uma razão
prática que manda com a lei moral ou de uma vontade pura a priori. Estas
categorias da liberdade, que preferimos denominar assim para distingui-las
dos conceitos teóricos que denominamos categorias da natureza, possuem
evidentemente uma vantagem sobre estas últimas. Enquanto estas não são
mais do que formas do pensamento que designam só indeterminadamente,
por meio de conceitos universais, objetos em geral a toda a intuição possível para nós, por outro lado, aquelas, como tendem à determinação de
um livre arbítrio (para o qual, em verdade, não pode ser facultada nenhuma
intuição de todo correspondente, mas que tem como base uma lei prática
a priori, coisa que não se encontra em nenhum conceito do uso teórico de
nossa faculdade de conhecer) possuem em sua base como conceitos elementares práticos, em lugar de uma forma da intuição (espaço e tempo) que
não se encontra na própria razão, mas que deve ser tomada de outro lado,
isto é, o da sensibilidade, a forma de uma vontade pura que reside na razão,
portanto na própria faculdade de pensar; por isso ocorre que, como em todos os preceitos da razão pura prática se trata só da determinação da vontade
e não das condições da natureza (da faculdade prática) para a execução de seu
propósito, os conceitos práticos a priori em relação com o supremo princípio
da liberdade, podem chegar em seguida a ser conhecimentos, não esperando intuições para adquirir significação, e isso, pelo notável motivo que
eles mesmos produzem a realidade daquilo a que se referem (a intenção da
vontade) o que não acontece com conceitos teóricos.” Cf. KANT.
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8 Kant busca a construção de suas teorias nas bases da teoria liberal de John
Locke, que cria no chamado capitalismo liberal, posto que, em sua visão,
o homem tem a capacidade (liberdade) de eleição independentes do governo. Locke defende que “a soberania permanece, em última análise, com
o povo. A garantia dos direitos do povo – a proteção da vida, da liberdade
e da propriedade de todos – é o único propósito legítimo do governo. Se
começa a violar esses direitos (isto é, torna-se tirânico) ou pára de defendêlos efetivamente (isto é, torna-se ineficaz)”. Cf. MAGEE, Bryan (BAGNO,
2001, p. 108).
9 O exercício da liberdade, em sua plenitude, todavia, é inseparável do
conceito da moral. “Devemos, logo podemos”. Cf. KANT, Immanuel. (BERTAGNOLI, 1959, p. 4).
10 “Conceito da liberdade é o rochedo de todos os empiristas, mas é também
a chave dos princípios práticos mais sublimes para os moralistas críticos que
compreendem com isso que devem necessariamente proceder de um modo
racional”. Cf. KANT, Immanuel. (BERTAGNOLI, 1959, p. 11).
11 “Los derechos humanos son derechos que los hombres tienen por el solo
hecho de ser hombre y con independencia de cualquier circunstancia contingente, consistiendo en aquellos intereses vitales a cada individuo frente a
las pretensiones de otros individuos o de la propia sociedad en su conjunto”
(TINANT, 1984, s/p).
12 “Uma extensa tradição, centrada na definição do ser humano como ser
racional, identifica, assim, a liberdade como um aspecto determinante. Um
ser racional é aquele capaz, não somente de estabelecer uma relação meiosfins, mas de eleger seus próprios fins. Sob o ponto de vista moral, esse deve
ser reconhecido como tal, o que significa reconhecer sua capacidade de se
autodeterminar. Sob esse ponto de vista o poder de autodeterminação, ou
seja, a liberdade entendida como autonomia, tem sido o núcleo privilegiado das considerações acerca do conteúdo dos direitos humanos”. Cf. Dias
(2009, p. 247).
13 “O direito à liberdade corresponde ao direito de cada um agir sem restrições e sem coações. Esse direito proíbe que seres humanos sejam colocados sob pressão e que sejam coagidos a agir pelo poder ou pela violência.
Um homem deve ser livre enquanto for capaz de agir de modo racional. O
único limite a seu agir é a lei da natureza e os direitos naturais correspon-
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dentes, pois esses podem restringir sua liberdade tanto com relação a si
mesmo quanto em relação aos outros. A lei da natureza, por sua vez, não é
considerada uma restrição à liberdade, mas sim a condição de sua própria
realização: caso os seres humanos não se orientem pela lei da natureza, eles
violam a liberdade e a racionalidade de suas ações”. Dias (2009, p. 246).
14 Sobre o tema, Kant assevera-se que “vontade absolutamente boa é aquela que não resultar má, aquela, consequentemente, cuja máxima pode erigir-se em lei universal, “sem contradizer-se a si mesma”. Portanto, vontade
livre e vontade submetida a leis morais constituem uma só coisa. É que
toda a lei moral se fundamenta sobre essa autonomia da vontade, isto é, de
uma vontade livre que, necessariamente, tem a possibilidade de concordar,
seguindo leis universais, com tudo aquilo a que deva estar submetida”. Cf.
KANT.
15 Todos os homens, desde seu nascimento, possuem alguns direitos como
a liberdade ou a igualdade, que nenhum poder político pode negar ou desconhecer. Trata-se de direitos inatos, imprescritíveis, invioláveis e, em definitivo, universais. Cf. LUÑO (2006, p. 114).
16 “Kant sitúa en el centro de su filosofía moral la idea de la universalidad.
Su imperativo categórico obliga a actuar a partir de reglas universalizables.
Lo que hace que unas reglas de conducta sean morales; lo que distingue, en
definitiva, la auténtica de la falsa moralidad es el que sus principios sean
susceptibles de universalización”. Cf. Kant, Imanuel. (Apud LUÑO (2006,
p.208).
17 “A autonomia é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda
a natureza raciocinante.” Cf. KANT.
18 Em definitivo, o comunitarismo situaria o fundamento dos direitos
humanos na identidade homogênea comunitária que se expressa no ethos
social, ou seja, a Sittilichkeit, como alternativa a universalidade abstrata do
racionalismo ilustrado moderno. Cf. LUÑO (200, p. 211).
19 “En fecha reciente se ha indicado que la universalidad es una cuestión
de importancia prioritaria por afectar al propio núcleo o “corazón” de los
derechos humanos”. Cf. IMBERT., (Apud LUÑO, 2006, p. 206).
20 Nesse ponto, diz Nino que “del principio de la autonomía de la persona se infiere directamente del derecho de realizar cualquier conducta que
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no perjudique los intereses de terceros (que está consagrado en el art. 19
de nuestra Constitución Nacional) e indirectamente los derechos que son
instrumentales para la elección y la ejecución de planes personales de vida:
de conciencia y de expresión, de asociación, de trabajo, de movimiento y
elección de residencia, de Acesso a la educación, de disposición y control
individual sobre los bienes económicos que son necesarios para elegir y
desarrollar tales planes de vida” (NINO, 2007, p. 421).
21 Para Hessen, “A liberdade da vontade não é apenas uma coisa possível; é
uma coisa real. O facto da liberdade pode ser claramente mostrado seguindo um duplo caminho, já directa, já indirectamente. Este segundo caminho
é o seguido por Kant. Parte este dum outro facto e deduz dele o facto da
liberdade. E o facto, de que Kant parte, é o facto chamado a Moralidade.
Ou, por outras palavras, este é o facto do dever, do imperativo-categórico. Deves, logo podes – eis o fundamento da tese da liberdade em Kant, depois de
reduzida esta tese à sua fórmula mais simples. O seu raciocínio cifra-se no
seguinte: a característica essencial do moralmente bom é o seu caráter de
dever-ser absoluto. A moralidade tem para nós, homens, a forma dum imperativo-categórico. Ora este absoluto dever-ser só pode ter um sentido, se lhe
corresponder por parte do sujeito, ou da consciência, um claro poder-ser, ou
seja, precisamente, a este silogismo: a moralidade existe; a sua essência postula
a liberdade do homem; logo, o homem é livre.” (NINO, 2007, p. 238-239).
22 A liberdade é a chave de abóbada de todo o sistema. Ela consiste na
ausência de determinações coercitivas estranhas, mas não na ausência de lei.
Kant retoma aqui a lição dada por Rousseau em O Contrato Social: a obediência à lei que nos prescrevemos é a liberdade. Cf. HUISMAN.
23 “Só pode erigir como fim aquilo que se lhe afigure valioso. Adotando
um fim que lhe parece valioso, transforma este em realidade.” Cf. HESSEN.
24 Para Hartmann, todos os aconteceres que se dão no mundo acham-se
rigorosamente determinados. Isto leva-o a negar o indeterminismo e a afirmar um determinismo sui generis. O indeterminismo joga com o conceito
de “acaso”. Mas, segundo este filosofo, não há, ontologicamente, “acaso”
algum possível, porquanto todo o real é ao mesmo tempo ontologicamente
necessário. Isto não equivale, porem, a dizer que o determinismo seja verdadeiro. O erro deste está, para Hartmann, não na sua tese de que tudo se acha
determinado, mas no seu monismo inadmissível. Cf. HESSEN.
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25 Nesse sentido, Maria Clara Dias aponta que “O direito à liberdade corresponde ao direito de cada um agir sem restrições e sem coações. Esse
direito proíbe que seres humanos sejam colocados sob pressão e que sejam
coagidos a agir pelo poder ou pela violência. Um homem deve ser livre
enquanto for capaz de agir de modo racional. O único limite a seu agir é
a lei da natureza e os direitos naturais correspondentes, pois esses podem
restringir sua liberdade tanto com relação a si mesmo quanto em relação
aos outros. A lei da natureza, por sua vez, não é considerada uma restrição
à liberdade, mas sim a condição de sua própria realização: caso os seres
humanos não se orientem pela lei da natureza, eles violam a liberdade e
racionalidade de suas ações. Cf. DIAS.
26 “Por consiguiente, para probar que las reglas de lo justo e injusto son
leyes eternas y obligatorias para todo espíritu racional no es suficiente
mostrar las relaciones sobre que está fundada: debemos también poner de
relieve la conexión entre la relación y la voluntad y debemos probar que
esta conexión es tan necesaria que en todo espíritu bien dispuesto debe presentarse y tener su influencia, aunque la diferencia entre los espíritus pueda
ser en otros respectos inmensa e infinita. Ahora bien: además de que ya he
probado que aun en la naturaleza humana ninguna relación por sí puede
producir una acción, además, digo, ha sido mostrado, al tratar del entendimiento, que no existe una conexión de causa y efecto, como la que aquí
se supone, que pueda ser descubierta de otro modo que por experiencia, y
de la que podamos pretender estar seguros por la simple consideración de
los objetos. Todos los seres en el universo, considerados en sí mismos, nos
aparecen completamente desligados e independientes los unos de los otros.
Sólo por experiencia conocemos su influencia y conexión, y esta influencia
no podemos extenderla más allá de la experiencia. Así será imposible realizar la primera condición requerida para el sistema de las reglas eternas
racionales de lo justo y lo injusto porque es imposible mostrar las relaciones sobre las cuales la distinción puede fundarse, y es imposible realizar la
segunda condición porque no podemos probar a priori que estas relaciones,
si existen realmente y son percibidas, sean universalmente forzosas y obligatorias”. Cf. HUME (p. 365).
27 Kelsen distingue dois tipos de juízos. Em primeiro lugar, os juízos do
ser, que são enunciados descritivos, suscetíveis de verdade ou falsidade. Em
segundo lugar, os juízos do dever ser, que são diretivos a respeito dos quais
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não há sentido predicar verdade e falsidade. Seguindo a Hume, kelsen sustenta a existência de um “abismo lógico” entre ser e dever ser, no sentido de
que nenhum juízo de dever ser pode derivar-se logicamente de premissas que
sejam somente juízos de ser, valendo também a inversa. Cf. NINO (2007,
p. 79).
28 Contrapondo a esse argumento Kelsen afirma que “esta questão não
precisa de ser respondida por uma ciência moral. À luz da teoria do conhecimento de Kant (a que ele claramente se não mantém fiel na sua ética),
mandaria a coerência dizer que uma ciência da moral de forma alguma
pode responder a esta questão, que aquela tão-só pode determinar sob que
condição ou pressuposto lógico são possíveis os juízos de que algo é bom ou
mau; e que tal condição é: pressuporem-se como válidas normas gerais que
prescrevem uma determinada conduta humana.” Cf. KELSEN (MACHADO, 1979, p. 34).
29 Alexy é considerado um pós-positivista, pois apresenta uma sofisticação
com sua teoria dos princípios, pela qual “o direito não é somente um conjunto de normas-regras, ele também possui normas-princípios.” Cf. DINIZ
et.al. (2009, p. 644).
30 Percebe-se que a decisão se utilizou da teoria de Hume, ao buscar na
moral uma relação entre o positivismo e os valores naturais.
31 Para Radbruch, “El positivismo, con su convicción la ley es la ley, ha
vuelto indefenso el orden de los juristas contra las leyes de contenido arbitrario y criminal. Por otra parte, el positivismo se halla incapacitado totalmente a fundar por sus propias fuerzas de validez de una ley por el solo
hecho de haber poseído la fuerza de imponerse. Pero sobre el poder podrá
si acaso fundarse la necesidad de un comportamiento, jamás un deber (Sollen) y un valer. Éste se deja más bien a fundar sobre un valor que inhiere
en la ley. Un valor posee, sin duda, toda ley positiva sin consideración a su
contenido, porque al menos procura seguridad jurídica. Pero la seguridad
jurídica no es el único ni tampoco el valor decisivo, que el derecho tiene
que realizar. Junto con la seguridad jurídica intervienen otros dos valores:
conveniencia (zweckässigkeit) y justicia. En la jerarquía de estos valores
tenemos que colocar la conveniencia del derecho para el bien común en
último lugar. En ninguna forma es el derecho aquello que es útil al pueblo,
sino que en última instancia es útil al pueblo lo que es derecho, lo que crea
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seguridad jurídica y aspira hacia la justicia. Cf. RADBRUCH.
32 Nesse sentido, Bidart Campos ensina que “desde la supremacía de la
constitución, el orden jurídico se escalona en planos de gradación jerárquica: los hay subordinantes y subordinados, de modo que cuando se disloca
esa gradación se produce una inconstitucionalidad en los planos inferiores
que no compatibilizan con los superiores.” Cf. CAMPOS (2008, p. 23).
33 “A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida
segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica
não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas
umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes
camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão
de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi
produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma,
cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante,
até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade
último que constitui a unidade desta interconexão criadora.” Cf. KELSEN.
34 Um exemplo de imposição normativa desprendida de valores naturais é
o Estado Nazista de Hitler, pelos seguintes fatores: “i) desrespeito ao princípio da igualdade perante a lei - criação de um “direito especial” baseado
na ideia de que a reserva de discriminação racial era imanente à essência
mesmo de todo o direito vigente; ii) ausência de segurança jurídica - predomínio da chamada “interpretação sem limite”, por meio da qual dava-se
prevalência ao conteúdo material do direito em detrimento das garantias
formais; iii) adoção do “direito secreto” - direito emanado diretamente do
Führer e que era considerado de máxima hierarquia, em cujo âmbito foram
autorizadas a aplicação retroativa de normas sancionatórias, a interpretação
extensiva no direito penal e a reforma pela Gestapo de decisões judiciais
que fossem consideradas brandas com os acusados; iv) eliminação da garantias processuais - processo não contraditório, juramento de fidelidade
ao Führer pelos advogados, acusação coordenada entre promotoria e defesa,
inexistência de recurso contra as decisões do Volksgerichtshof e tribunais especiais, desrespeito ao princípio non bis in idem”. Cf. ROCHA JUNIOR.
35 “Sea como fuere, merece destaque desde un primer momento el intento
de restituir la unidad entre la tarea especulativa y la exigencia practica en
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la investigación iusfilosófica, labor tan plagada de riesgos como lúcida en
sus pretensiones. Por ello, valorar la aportación que en este campo hace la
presente obra exige resaltar claves metodológicas de importancia capital
para la filosofía del Derecho y del Estado, a la vez que requiere un análisis
detenido de sus presupuestos fácticos en relación con el objetivo perseguido. Para intentar una aproximación a su significación, habrá que evaluar
hasta qué punto se cumplen los requisitos de coherencia teórica y de concordancia con los hechos sobre los que se proyecta y a los que pretende dar
respuesta. Cf. GARCÍA (1995).
36 “No silogismo normativo que fundamenta a validade de uma ordem
jurídica, a proposição de dever-ser que enuncia a norma fundamental: devemos conduzir-nos de acordo com a Constituição efetivamente posta e eficaz,
constitui a premissa maior; a proposição de ser que afirma o fato: a Constituição foi efetivamente posta e é eficaz, quer dizer, as normas postas de
conformidade com ela são globalmente aplicadas e observadas, constitui a
premissa menor; e a proposição de dever-ser: devemos conduzir-nos de harmonia com a ordem jurídica, quer dizer: a ordem jurídica vale (é válida ou
vigente), constitui a conclusão. As normas de uma ordem jurídica positiva
valem (são válidas) porque a norma fundamental que forma a regra basilar
da sua produção é pressuposta como válida, e não porque são eficazes; mas
elas somente valem se esta ordem jurídica é eficaz, quer dizer, enquanto
esta ordem jurídica for eficaz. Logo que a Constituição e, portanto, a ordem
jurídica que sobre ela se apoia, como um todo, perde a sua eficácia, a ordem jurídica, e com ela cada uma das suas normas, perdem a sua validade
(vigência). Uma ordem jurídica não perde, porém, a sua validade pelo fato
de uma norma jurídica singular perder a sua eficácia, isto é, pelo fato de ela
não ser aplicada em geral ou em casos isolados. Uma ordem jurídica é considerada válida quando as suas normas são, numa consideração global, eficazes,
quer dizer, são de fato observadas e aplicadas.” Cf. KELSEN.
37 Nesse sentido, diz Bidart Campos que “a la parte dogmática de la constitución la titulamos derecho constitucional de la libertad porque allí se centraliza un núcleo que coincide con la forma de estado democrático, al instalar a
la persona humana de acuerdo con su dignidad, su libertad y sus derechos. Para
ello, une – por un lado la defensa y promoción de los derechos, con – por
el otro – la limitación del estado y del poder en pro de la seguridad de las
personas. De ahí que la parte dogmática y la parte orgánica se hallen intercomunicadas.” Cf. CAMPOS (2008, p. 63).
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38 Sobre esse tema, Canotilho afirma que “o objetivo histórico, político
e jurídico da constituição escrita continua hoje válido: a constituição é a
ordem jurídica fundamental de uma comunidade. Ela estabelece em termos de direito e com os meios do direito os instrumentos de governo, as
garantias de direitos fundamentais e a individualização de fins e tarefas.”
Cf. CANOTILHO (2003, p. 1176).
39 “El principio no es la fuente de la solución sino la solución la fuente del
principio.” Cf. PARMA.
40 “El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que
los principios son normas que ordenan que se realice algo en la mayor medida posible, en relación con las posibilidades jurídicas y fácticas. Los principios son, por consiguiente, mandatos de optimización que se caracterizan
porque pueden ser cumplidos en diversos grados y porque la medida ordenada de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades fácticas, sino
también de las posibilidades jurídicas. El campo de las posibilidades jurídicas esta determinado a través de principios y reglas que juegan en sentido
contrario. En cambio, las reglas son normas que exigen un cumplimiento
pleno y, en esa medida, pueden siempre ser solo cumplidas.” Cf. ALEXY.
41 “Toda colisión entre principios puede expresarse como una colisión entre valores y viceversa. La única diferencia consiste en que la colisión entre
valores contesta a qué es debido de manera definitiva, mientras que la solución a una colisión entre valores contesta a qué es de manera definitiva mejor. Principios y valores son por lo tanto lo mismo, contemplado en un caso
bajo un aspecto deontológico, y en otro caso bajo un aspecto axiológico.
Esto muestra con claridad que el problema de las relaciones de prioridad
entre principios se corresponde con el problema de una jerarquía de los
valores.” Cf. ALEXY .
42 “Tanto las reglas como los principios pueden concebirse como normas.
En tal caso, de lo que se trata es de una distinción dentro de la clase de las
normas.” Cf. GARCÍA.
43 “Densificar uma norma significa preencher, complementar e precisar o
espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido
de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos
problemas concretos. As tarefas de concretização e de densificação das normas andam, pois, associadas: a densifica-se um espaço normativo (preenche-
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se uma norma) para tornar possível a sua concretização e a consequente
aplicação a um caso concreto”. Cf. CANOTILHO.
44 Radbruch entendia que “la naturaleza de la cosa es un medio de interpretación y de complementación de lagunas siempre que el sentido de la
relación vital que ella proporciona y la idea que le sirve de base no contradiga el espíritu de la ley. Sostiene además que sirve este esquema de “ultimo
ratio”, siendo de esta manera la naturaleza de la cosa una idea rectora para
el legislador.” (PARMA, 2007, s/p).
45 Sobre valores e princípios, Bidart Campos ensina que “conviene dejar
bien aclarado que los principios generales de la constitución – o los simple
principios – y también los valores, son aplicables no solamente cuando
por integración hay de cubrir un vacio normativo, sino a la vez, y mucho,
cuando hay normas a las que dar interpretación. Es aí porque principios y
valores del sistema axiológico de la constitución dan luz para entender y
saber cuál es el sentido de las normas existentes.” Cf. CAMPOS.
46 Nesse ponto, tem-se as palavras de Manuel Altienza, ao dizer que “la
admisibilidad de solucionar normativamente un caso no regulado en el
sistema mediante el argumento por analogía, aunque es un problema más
serio, tampoco nos parece que plantee especiales dificultades en nuestra
concepción. Lo que la admisibilidad del argumento por analogía muestra
es precisamente que, ante la imposibilidad de subsumir un caso individual
dentro de las condiciones de aplicación de una regla preexistente (y precisamente porque estas condiciones de aplicación tienen carácter cerrado), el
juez debe construir, para que sirva de fundamento a su decisión , una regla
general que correlacione otras condiciones de aplicación con la misma solución normativa que el juez entiende como sustancialmente semejantes.
Y tal relación de semejanza no puede afirmarse (o negarse) más que en base
al principio que explica y justifica la regla preexistente. Es decir, el argumento por analogía implica siempre una utilización de principios, aunque
ellos o signifique tampoco que el recurso de analogía y a los principios sea
una misma cosa. En realidad, la analogía es un argumento – o mejor, una
estructura de argumentación –, mientras que los principios son un material que necesariamente debe usarse en ese tipo de argumentación.” Cf.
ALTIENZA (1996, p. 32).
47 Expressão utilizada por Ricardo Entelman, em sua teoria apresenta no
Discurso Normativo y Organización de Poder.
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