Efeitos Subjetivos da Privação Alimentar por Via Oral no Tratamento do Câncer de Cabeça e Pescoço Autores: Bruno Abifadel, Débora Dottori Finocchi, Verônica Baer (Especializandos em Psicologia em Oncologia, INCA/2010). Co-autor: Maria da Conceição da Costa Moreira (Chefe do Departamento de Psicologia do HCI) Instituto Nacional de Câncer (INCA-HCI) A partir da Estimativa INCA/MS 2010, a incidência no Brasil de câncer de cavidade oral (mucosa bucal, gengivas, palato duro, língua e assoalho da boca) será de 14.120 casos novos, sendo que 10.330 em homens (quinto tipo de câncer mais freqüente). O câncer de laringe também é comum, representando aproximadamente 25% dos tumores malignos que acometem a Cabeça e Pescoço, e 2% de todas as doenças malignas. Nas localizações anatômicas da área da Cabeça e Pescoço, como cavidade oral, laringe, orofaringe e cranio-facial), faz parte do tratamento pós-operatório, a utilização da sonda nasoentereal1 (SNE), logo no primeiro dia do pós-operatório (DPO). Em pacientes de câncer de Cabeça e Pescoço que necessitam de cirurgia, observam-se problemas nutricionais especiais, devido à localização do tumor e às seqüelas pós-cirúrgicas, que os impedem com freqüência de serem alimentados pela boca (dificuldade para engolir os alimentos), necessitando de alimentação artificial. A alimentação por sonda nasoenteral (SNE) é utilizada para evitar a deterioração do estado nutricional. Isto acontece no caso das cirurgias na boca e na garganta que exigem repouso para cicatrizar e evitar infecções. Os pacientes com câncer de Cabeça e Pescoço têm um risco de desnutrição aumentado devido aos hábitos alimentares inadequados, associados ao consumo de tabaco e álcool. Observou-se que a maioria dos pacientes submetidos à cirurgia de câncer da Cabeça e Pescoço, que utilizava a sonda nasoenteral (SNE), expressava considerável mal-estar diante da privação de comer e de sentir o paladar dos alimentos. Ou seja, a interdição da sensação e do prazer de se alimentar pela boca, suscitou incomodo e sofrimento. Segundo Freud, na fase oral, o bebê vivencia através de sua boca (primeira região do corpo a ser erogenizada), sensações prazerosas. A erogenização da oralidade tem um papel crucial no desenvolvimento psico-afetivo do sujeito. Na relação com sua mãe, através da sucção da primeira mamada, o bebê vai experienciar uma primeira sensação de prazer corporal, de satisfação, ao se alimentar do leite materno, saciando assim sua fome. O bebê estabelece com a sua mãe uma relação sensorial e afetiva de suma importância para a sua individuação. A privação desta satisfação oral (quando o seio materno se ausenta) causaria impactos psicológicos no bebê, suscitando sofrimento, frustração e sentimentos destrutivos para com o objeto materno. Winnicott diz que esta experiência pode levar o bebê a uma sensação de desamparo sem fim, uma angústia de aniquilamento, uma vivência de vazio - justamente o contrário do alicerce e amparo oferecido pelo corpo da mãe presente, algo que propiciaria segurança e prazer, sensação de continuidade e inteireza. Tendo como fundamento a teoria freudiana, formulamos a hipótese de que o paciente submetido à dieta enteral, privado de seu prazer oral de alimentar-se, revive sentimentos semelhantes aos advindos das frustrações arcaicas atreladas à ausência do seio materno. OBJETIVOS Compreender o impacto subjetivo da privação alimentar (via oral), em pacientes internados, em tratamento pós-cirúrgico, com sonda nasoenteral, na Clínica da Cabeça e Pescoço, do Instituto Nacional do Câncer. MATERIAIS E MÉTODOS Revisão da literatura através de livros focando as características do desenvolvimento psicossexual, enfatizando a fase oral e a relação mãe-bebê para a psicanálise; de diversos sites na internet com relação às Estimativas de câncer do INCA e a utilização da sonda nasoenteral, em função dos aspectos nutricionais; e, de material didático do INCA, sobre rotinas internas do Serviço de Cirurgia da Cabeça e Pescoço, quanto à especificação dos vários tipos de câncer, os procedimentos cirúrgicos e pós-cirúrgicos e, outros. CONSIDERAÇÕES FINAIS O paciente internado vivencia uma condição limitante, promovendo a regressão afetiva e a baixa tolerância à frustração. A perda do prazer oral experimentado pelo paciente, submetido à sonda nasoenteral, suscita impactos psicológicos relevantes. Podemos supor que o paciente revive conflitos e sentimentos primitivos de desamparo e aniquilamento. Experiência esta vivida de forma semelhante ao dos primórdios da relação mãe-bebê, quando se dava a ausência do seio materno: sensação de privação e abandono. Em um momento como esse, o psicólogo intervém significativamente oferecendo um espaço continente, onde o paciente pode expressar sua angústia e mal-estar. Dando suporte para que o sujeito privado do prazer de se alimentar possa enfrentar sua dificuldade e aderir ao tratamento pós-cirúrgico, cuidando do seu estado nutricional e da reabilitação do paciente. 1 Esta sonda consiste em um tubo fino introduzido no nariz que desce até o estômago, feito de borracha macia e flexível, usado para alimentar e introduzir os medicamentos necessários ao tratamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Rotina interna do INCA: serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Rio de Janeiro: INCA, 2007. 2. Da Silva, S.M. Risco Cirúrgico e Pós-Operatório em Cabeça e Pescoço. In: Barbosa, M. M; De Sá, G.M; Lima, R. A. Diagnóstico e Tratamento dos Tumores de Cabeça e Pescoço. São Paulo: Atheneu, 2001. p. 17-20. 3. SBC- Sociedade Brasileira de Cancerologia disponível em: http://www.sbcamer.org.br. Acesso em 27 de maio de 2010. 4. Ministério da Saúde ( BR). Instituto Nacional do Câncer. Orientações aos pacientes que usam sonda alimentar. Cartilha Informativa n 312. Impressão: Gráfica do INCA. 5. FREUD. O Mal-Estar na Civilização – Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 84-85. 6. ______. Três Ensaios Sobre A Teoria da Sexualidade – Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 168-173. 7. Winnicot.D.W. Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais. In: O Brincar & A Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 24-30. 8. Melo ILP, Dantas MAM et all. Avaliação nutricional de pacientes cirúrgicos com câncer de cabeça e pescoço sob terapia nutricional http:// www.sbnpe.com.br/revista/V21-N1-3.pdf 9. Como deve ser a alimentação de um paciente com câncer da cabeça e pescoço. http://www.sbccp.org.br/publico_perg_resp_nutricao02.php Projeto Gráfico: Serviço de Edição e Informação Técnico-Científica / CEDC / INCA INTRODUÇÃO