BIO-865 Origem e Irradiação das Angiospermas Alessandro Rapini Universidade Estadual de Feira de Santana 1 Da Origem das Plantas à Conquista do Ambiente Terrestre ReinoVegetal Os moldes atuais da taxonomia foram criados por Lineu, em 1753. Nessa primeira classificação, ele havia reconhecido apenas animais e plantas. Em meados do séc. XIX, no entanto, estava claro que protistas e fungos não se adequavam bem a essa dicotomia. Logo foi criado o termo protista para incluir aqueles organismos que não eram plantas nem animais, e essa divisão passou a fazer parte da árvore da vida de Haeckel. Na metade do século vinte, já havia uma classificação com quatro reinos: Monera incluindo organismos procariotos (bactérias), Protista incluindo micróbios eucariotos, fungos e algas (exceto as clorófitas, incluídas no reino vegetal), animais e plantas. Desse esquema derivou a classificação de cinco reinos, um reino exclusivo para fungos, proposto por Margulis na década de 70 (antecipado por Whittaker nos anos 60s). O monofilestismo das plantas, animais e fungos tem sido sustentado em estudos filogenéticos com dados moleculares. O reino Monera tem sido divido em dois grupos, as verdadeiras bactérias, incluindo as cianobactérias, e as arqueobactérias (Archea), mais relacionadas com os eucariotos. Curiosamente, nesses dois grupos, as linhagens mais antigas são termofílicas, habitando locais acima de 55oC, sugerindo que a vida tenha surgido em ambientes extremamente quentes. Os protistas incluem mais de 100.000 espécies de organismos unicelulares heterotróficos, algas autótrofas e alguns plasmódios, formando um grado de difícil resolução devido a eventos de endossimbioses e transferências horizontais. Chegamos assim a um esquema onde são reconhecidos três domínios: Bacteria, Archaea e Eukarya (Woese et al. 1990). Os eucariotos são definidos pela presença de um núcleo limitado por uma membrana, onde se localizam os cromossomos. A maioria dos eucariotos são quimeras resultantes de endossimbioses. Os plastídeos e outras organelas são derivações de organismos fagocitados pelo ancestral dos eucariotos. Os peroxissomo foram as primeiras organelas, protegendo o hospedeiro dos malefícios do oxigênio. A fagocitose de uma proteobactéria teria dado origem a mitocondria e, posteriormente, a de uma cianobactéria ao cloroplasto. Eventos de endossimbiose ocorreram diversas vezes na evolução dos eucariotos, eventualmente seguidos de endossimbioses secundárias e mesmo terciárias (Keeling 2004). Essa relação intrínseca com organismos de eu e archaebactérias acompanhada de inúmeros eventos de transferência horizontal entre eles tornou o genoma dos eucariotos uma mistura de genes dos três domínios (Martin & Embley 2004). Árvore não enraizada mostrando os três domínios: Eubacteria, Archaebacteria e Eukaryota (acima). Transferência lateral de genes entre os biomas (abaixo, à direita) teria dado origem ao anel da vida (abaixo, à esquerda) (Martin & Embley 2004). Propriedades estruturais e bioquímicas indicam que as algas verdes são mais relacionadas com as embriófitas do que com qualquer outro grupo de eucariotos. Todas as plantas verdes (Chlorobiota) possuem um conjunto de características que permitem distingui-las dos demais grupos. A presença de pigmentos de clorofila a e b, reservas de amido no cloroplasto e a uma estrutura estelar que liga os nove pares de microtúbulos nas células flageladas são únicos entre os eucariotos. O cloroplasto deriva certamente da endossimbiose de um procarioto fotossintetizante (cianobactéria) cuja maior parte das funções passou a ser exercida pelo núcleo da célula hospedeira, possivelmente alguma célula amebóide. As algas verdes são incluídas ou não no reino vegetal conforme a classificação adotada; quando não incluídas (e.g. classificação de Margulis), as plantas são sinônimos de embriófitas ou plantas terrestres. Por uma questão prática essa é a delimitação adotada aqui. Discussões sobre a evolução das algas ficam, portanto, restritas ao seu relacionamento com as 2 embriófitas e assim com a origem das plantas terrestres. Em 1868, Haeckel propôs um esquema filogenético explícito representando as relações entre os grupos pré-darwinianos. Ele se baseou na semelhança morfológica como evidência de ancestralidade comum. De maneira geral, ele considerou as plantas terrestres, as vasculares, as espermatófitas e as angiospermas monofiléticas, mas as briófitas, as pteridófitas, as gimnospermas seriam grupos parafiléticos. Para ele a diversificação das plantas terrestres teria ocorrido no Devoniano, as espematófitas no Carbonífero e as angiospermas no Triássico. São possíveis sinapomorfias das embriófitas o ciclo de vida diplobionte, com alternância de gerações, uma haplóide (gametófito) e outra diplóide (esporófito), o esporófito multiceular, os esporos resistentes ao dessecamento (parede composta de esporolina), a cutícula e a presença de órgãos sexuais (gametângios) masculinos e femininos no gametófito (anterídios e arquegônios, respectivamente). O ciclo de vida consiste de uma fase gametofítica, gerada assexuadamente a partir de um esporo, e uma esporofítica originada a partir da fusão de gametas (singamia ou fertilização). A distinção mais evidente das embriófitas é a formação do embrião. Nelas, existe a retenção do gameta feminino (oosfera), e o desenvolvimento inicial do esporófito a partir do zigoto (embriogênese) ocorre no gametófito. Tradicionalmente, são reconhecidos dois grandes grupos de embriófitas: as briófitas e as traqueófitas. Origem das Embriófitas Os primeiros sinais de vida na Terra são evidências indiretas em minérios de ferro datadas de 3,85 bilhões de anos (b.a). As primeiras evidências diretas são estromatólitos e filamentos microbianos encontrados na Austrália, possivelmente pertencentes às cianobactérias, datando de 3,5 b.a. Apesar de alguns pesquisadores (e.g. Moortbath 2005) considerarem a possibilidade dessas marcas serem artefatos e os registros confiáveis mais antigos serem os de bactéria, a partir de 1,9 b.a., em Ontário, outros (e.g. Awramik 2006) estão certos de que os estromatólitos são biogênicos e marcam o início da vida na Terra. As algas azuis e verdes dominaram a vida na Terra do Pré-Cambriano ao Paleozóico. Eucariotos teriam surgido há cerca de 2,1 b.a., mas sua diversidade só aumento depois do Neoproterozóico, há 1 b.a. Apesar de evidências bioquímicas sugerirem a presença de algas verdes a partir desse período, as primeiras algas multicelulares apareceram apenas por volta de 750 milhões de anos (m.a.). Estromatólitos encontrados no Oeste da Austrália e datados de 3,43 bilhões de anos (Awramik 2006). barra = 10 cm. Evidências seguras (megafósseis) indicam que as primeiras plantas terrestres datam do início do Siluriano (425 m.a.). Entretanto, fósseis de esporos em tétrades (criptósporos) são conhecidos desde o Orduviciano (475 m.a.). Os criptósporos apresentam uma distribuição cosmopolita, mas são encontrados principalmente em ambientes não marinhos. Eram produzidos em grande quantidade (esporângios) e morfologicamente se assemelhavam aos das hepáticas atuais pelo tamanho e presença de lamelas (apesar de não possuírem elatérios), confirmando sua relação direta com o ambiente terrestre (Wellman et al. 2003). Fóssil de um esporângio contendo tétrades nuas, datado de 475 m.a. (Ordoviciano). Barra = 50 µm (Wellman et al. 2003). Registros de plantas polisporangiadas (grupo que além das plantas vasculares incluem plantas extintas cujo esporófito ramificado produzia mais de um esporângio), as extintas Cooksonia, possíveis precursoras das plantas vasculares, datam de 420 m.a. (Siluriano), na 3 Austrália. As plantas vasculares surgiram logo depois, possivelmente antes de 400 m.a. Fóssil de Cooksonia pertonii. Note a ramificação dicotômica e os esporângios no ápice dos ramos. A planta tinha ca. 2,5 cm alt. A diferença mais evidente das embriófitas é a formação de um embrião. Sua origem, portanto, está relacionada a mudanças no ciclo de vida. Existem duas teorias para explicar a origem das plantas terrestres. Segundo a Teoria de Homólogos ou de Transformação, o ciclo de vida das algas ancestrais seria diplobionte, com alternância de gerações isomórficas, na qual tanto o gametófito quanto o esporófito seriam multicelulares e independentes. Teria havido a partir daí, uma transformação levando a um ciclo heteromórfico, ou seja, com diferenças morfológicas entre as fases de vida. Nesse caso, as briófitas não são consideradas estados intermediários entre algas e plantas vasculares. O esporófito das briófitas seria resultado de redução em contraposição ao das traqueófitas, resultante de elaboração. Essa teoria, no entanto, não explica a formação de um embrião a partir de gerações livres. Não existem algas diplobiontes, oogâmicas; os gametas são sempre liberados do gametófito, de modo que a fertilização e o desenvolvimento do embrião são livres, independentes do gametófito parental. Segundo a Teoria Antitética ou de Interpolação, as algas que deram origem as plantas terrestres teriam ciclo de vida haplobiôntico (uma única geração multicelular), com alternância de gerações anisomórfica, onde os gametófitos seriam multicelulares e os esporófitos unicelulares (apenas o zigoto). Nesse caso, o esporófito das briófitas representaria um estado intermediário entre o das algas e o das plantas vasculares. Ao desenvolver a Teoria Antitética, Bower sugeriu que as plantas terrestres teriam derivado de algas verdes terrestre ou de água doce com ciclo haplobiôntico (dominância do gametófito), semelhantes as atuais carófítas. A partir daí teria surgido a oogamia, formação de um gameta feminino (oosfera) grande e imóvel, seguido da retenção dessa oosfera e, posteriormente, do zigoto no arquegônio (gametângio feminino) do gametófito. O retardo da meiose do zigoto e a inserção de divisões mitóticas na fase diplóide (embriogênese) teriam evoluído em direção à formação de um esporófito multicelular diplóide associado ao gamétofito haplóide. A partir daí teria se estabelecido uma relação de nutrição (matrotrofia) e desenvolvimento entre esporófito e gametófito. O ciclo diplobiôntico pode ter sido selecionado de maneira independente em várias linhagens porque amplia as possibilidades do produto meiótico através de recombinações na fase diplóide. A associação do esporófito multicelular ao gametófito passou a protegê-lo com camadas estéreis e disponibilizar recursos que garantissem a produção de muitos esporos, maximizando a reprodução. Ciclo haplobionte semelhante àquele que teria dado origem às embriófitas. O ancestral das plantas terrestres estariam certamente dentre as clorófitas, mas precisamente dentre as carofíceas. Essas algas verdes são exclusivamente haplobiontes e oogâmicas, sustentando assim a Teoria Antitética. As algas verdes incluem cerca de 8.000 espécies (90% de 4 água doce). As Charophyta são as mais relacionadas às embriófitas, especialmente as ordens Coleochaetales (15 espécies) e Charales (400). As carófitas parecem formar um grado em relação as embriófitas e juntas compõem as Estreptófitas. Fósseis desse grupo são registrados desde o Siluriano. Chara (Charales) estão entre as algas verdes mais relacionadas com as plantas terrestres. Dentre as características que sustentam a relação das carófitas com as plantas terrestres estão a capacidade de produzir esporolina, cutina e compostos fenólicos, formação de fragmoplasto (conjunto de microtúbulos que surge na fase final da divisão celular e auxilia na formação da parede celular) e plasmodesmatas (canais intercelulares formados pelo retículo endomplasmático durante a divisão celular), o citoesqueleto dos gametas flagelados masculinos (ausente apenas em grupos mais derivados de espermatófitas, onde ocorre a sifonogamia), a fotorrespiração (mesma organela: peroxissomos; e enzima: oxidase glicolata) e a possível ocorrência de fitocromos (pigmento protéico de plantas ativado pela luz e que está envolvido no desenvolvimento). Além disso, nas Charales, encontramos os primeiros sinais de meristema apical, especialização celular, capacidade de ramificação e divisão celular desigual levando a um corpo tridimensional, novidades que levariam a uma mudança no corpo básico das plantas (Graham et al. 2000). Com a evolução das plantas, houve uma tendência em elaboração do esporófito em detrimento do gametófito. A invasão do ambiente terrestre pelas plantas há pelo menos 470 m.a. (Orduviciano) foi um dos mais importantes eventos da história da Terra. As primeiras plantas terrestres deviam ocupar locais encharcados. A água continuava essencial para a sobrevivência das plantas e principalmente para a reprodução, pois os gametas masculinos flagelados (anterozóides) ainda tinham que alcançar o feminino (oosfera) nadando. As condições deviam ser rigorosas, sob alta exposição solar, períodos de seca freqüentes e solos pobres. Os níveis de CO2 estavam diminuindo e os de O2 subindo. A fotossíntese promoveu o acúmulo de oxigênio levando a formação da camada de ozônio, essencial para que as plantas pudessem emergir do escudo de água. Inicialmente, as plantas terrestres deviam ser semelhantes às briófitas, sem restrições mecânicas, compostas por um corpo taloso sem tecidos de condução ou sustentação especializados. Mudanças moleculares (veja Waters 2003), anatômicas e fisiológicas durante o Orduviciano e o Siluriano foram então as mais importantes. Mas o contato com a atmosfera exigiu também mudanças biofísicas e bioquímicas, dentre elas a formação de camadas protetoras, como a cutícula e a esporolina, que amenizaram a perda de líquidos. As trocas gasosas passaram mais tarde a ser realizadas por poros especializados denominados estômatos. A produção de metabólitos secundários como os compostos fenólicos também contribuiu para a proteção contra os raios ultavioletas, o parasitismo e a predação. Gametóforos mais altos proveriam uma dispersão mais eficiente para os esporos gerados nos esporófitos que ali germinassem. Os esporos deixaram de ser flagelados (zoósporos, como em algumas Charales), o que deve estar relacionado a sua menor eficiência em ambientes terrestres. Sem sistema vascular, o sistema axial das primeiras plantas terrestres era mantido exclusivamente devido ao turgor, limitando o crescimento de apêndices e a altura da planta a apenas alguns centímetros. O desenvolvimento de um sistema de condução representou uma inovação fisiológica e mecânica importante para as plantas terrestres, mas elas continuaram restritas a ambientes úmidos (Bateman et al. 1998). As briófitas são pequenas e simples. Típicas de ambientes úmidos, elas não possuem tecidos vasculares especializados para a condução de fluídos e nutrientes; eles são distribuídos por difusão. Nelas, o gametófito é a fase dominante na alternância de gerações. O esporófito consiste de um pé embebido no gametófito, um pedúnculo (seta) e um esporângio (cápsula) no ápice. Apesar de existir cutícula em alguns grupos, ela é bioquimicamente pouco conhecida e está associada com poros ou estômatos. A absorção de água e nutrientes ocorre diretamente no gametófito, eventualmente com a ajuda de estruturas especializadas, como tricomas. Rizóides 5 uni ou multicelulares servem apenas para a fixação da planta. São reconhecidos três principais grupos de briófitas. Marchantiopsida (hepáticas, com 6.000-8.000 espécies), Anthocerotopsida (antóceros, 100-400) e Briopsida (musgos, 10.000). As hepáticas são definidas pelos corpos de óleos, ausência de columelas e estômatos. Marchantia é um de seus representantes mais conhecidos. Destaca-se pelo gametófito dicotômico e gametangióforos, estruturas especializadas onde nascem os gametângios. Os esporângios possuem, além dos esporos, elatérios higroscópicos que ajudam na dispersão. Elas também se reproduzem vegetativamente através de gemas, corpos multicelulares que darão origem a um novo gametófito, localizadas em cúpulas (conceptáculos) no dorso do gametófito e dispersadas por gotas de chuva. Não existe um meristema no esporófito; a seta é reduzida e se alonga por distensão das células. Os antóceros são definidos por um meristema intercalar entre o pé e a cápsula. Não existe uma seta definida e a cápsula é alongada. Possui fendas de mucilagem e anterídios produzidos numa cavidade no talo. Muitas espécies apresentam células com um único cloroplasto grande, com um pirenóide no centro, como em Coleochaete (carófita). Finalmente, os musgos são definidos pela presença de filóides (folhas gametofíticas) e rizóides multicelulares. Eles possuem um tecido condutor (hadroma) formado por células alongadas e altamente permeáveis chamadas hidróides, que se assemelham a elementos traqueais de plantas vasculares, mas sem lignina. Como nos antóceros, possuem estômatos, mas em vez de um meristema intercalar, possuem um meristema subapical entre a seta e a cápsula. A auxina, nesse grupo, tem movimento bidirecional, semelhante ao encontrado em plantas vasculares, e que teria possibilitado a diferenciação das células da raiz (Poli et al. 2003) e possivelmente a irradiação das plantas terrestres (Cooke et al. 2003). A relação entre as briófitas ainda está em aberto. Estudos filogenéticos com dados morfológicos (e.g. Garbary & Rezanglia 1998) e moleculares (e.g. Nickrent et al. 2000) têm demonstrado que as briófitas formam um grupo parafilético em relação as traqueófitas. Entretanto, análise utilizando aminoácidos do genoma completo de cloroplasto indicam que as briófitas atuais formam o grupo irmão das plantas vasculares (Nishiyama et al. 2004). Os musgo são possivelmente o grupo de briófitas mais relacionado com as plantas vasculares. Notem os esporófitos (seta e esporângio visíveis). Em alguns estudos, os antóceros aparecem na raiz das plantas terrestres, o que é corroborado pelo cloroplasto com pirenóides em alguns antóceros, evidência de que esse grupo compartilha uma plesiomorfia com as carófitas ausente nas demais plantas terrestres. Tipicamente, no entanto, as hepáticas são consideradas o grupo irmão das demais plantas terrestres, o que é evidenciado por marcadores genômicos raros (ausência de três íntrons no gene mitocondrial nad1). As relações filogenéticas internas nos três grandes grupos de briófitas foram revisadas recentemente (Shaw & Renzaglia 2004), mas não serão abordadas aqui. Origem das Plantas Vasculares Com a saturação dos ambientes úmidos, passou a haver uma seleção para características que permitissem a falta temporária de água. Surgiram então sistemas radiculares especializados na captação de água, e capazes de fixar plantas maiores. O aumento na cutinização da epiderme e das paredes celulares de células subepidérmicas amenizou ainda mais a perda de líquidos por transpiração. O desenvolvimento de sistemas complexos de ramificação maximizando a superfície fotossintética foi acompanhado por sistemas mais eficientes de condução de água e sustentação obtidas com a produção de lignina nos tecidos vasculares. As primeiras plantas vasculares, como a extinta Rhynia (entre 425 e 380 m.a.), não possuíam raízes, nem folhas; eram homospóricas, com ramificação dicotômica. As raízes derivaram 6 a partir da ramificação de um rizoma com rizóides. Elas auxiliaram não apenas na captação de líquidos, mas também na fixação das plantas. As folhas parecem ter surgido mais de uma vez nas traqueófitas. As folhas das Lycophyta (micrófilas) são simples e supostamente derivadas de esporângios estéreis (ou de enações do teloma). As folhas das demais traqueófitas (megáfilas), por outro lado, teriam surgido diversas vezes a partir da expansão de ramos (Friedman et al. 2004). A partir de um sistema de ramificações dicotômicas, teria havido a dominância de um ramo que continuaria o crescimento. O outro ramo seria determinado e congenitalmente modificado, plano e interligado por tecidos fotossintetizantes. Reprodução da extinta Rhynia, uma das primeiras plantas vasculares. A heterosporia, produção de micro e megásporos, o primeiro levando a formação de gametófitos masculinos e o segundo de gametófitos femininos (plantas com sexos separados), também surgiu diversas vezes a partir de ancestrais homospóricos (sem diferenciação de esporos) e com gametófitos produzindo anterídios e arquegônios. Ainda assim, a maiorias das traqueófitas que não produzem sementes são homospóricas. Apesar de bissexuadas, existe freqüentemente uma assincronia na produção de gametas masculinos e femininos na mesma planta, forçando os gametas masculinos a nadarem até outro gametófito para realizarem a fertilização de um gametófito feminino. A heterosporia foi freqüentemente acompanhada por endosporia (desenvolvimento do gametófito no interior da parede do esporo). Após sua origem no Siluriano, as plantas vasculares se diversificaram rapidamente no Devoniano. Esse período pode ser acompanhado com detalhe através de fósseis silicificados do sítio Rhynie, na Escócia. A colonização do ambiente terrestre pelas plantas foi acompanhada pela dos animais, tanto invertebrados (milípides no Siluriano, e insetos sem asas e aracnídeos já no Devoniano), como vertebrados (tetrápodas, no Devoniano). No início, no entanto, eles eram predominantemente detritivos ou predadores. A formação de um câmbio nas plantas e o conseqüente crescimento secundário, assim como um sistema vascular mais eficiente permitiu que as plantas pudessem crescer em tamanho, aumentassem seu tempo de vida e ocupassem ambientes sazonais. As comunidades e as paisagens terrestres cresceram bastante em complexidade no fim do Devoniano. As progimnospermas (especialmente Archaeopterys), com crescimento secundário e mais de 18 m de altura formavam extensas florestas paludosas e matas de galerias repletas de Racophyton (présamambaias) no subosque. O domínio dos ambientes terrestres proporcionou uma série de alterações ecológicas, como a formação de serrapilhera, criando um microclima importante para a sobrevivência de animais e fungos, a maior estabilidade do solo devido às raízes e o aumento da umidade local devido a transpiração. Com o desenvolvimento das raízes, os solos passaram a sofrer maior intemperismo químico, tornaram-se mais profundos, extensos, finamente sedimentados e ricos em matéria orgânica gerada pela grande produção primária dos vegetais. As plantas diminuíram também a erosão dos solos, transformando drasticamente o regime dos rios e possibilitando um tempo maior de residência do carbono, reduzindo enormemente a concentração de CO2 na atmosfera. Os detritos orgânicos tornaram as águas continentais pobres em oxigênio, o que pode ter sido uma pressão seletiva importante para o surgimento do pulmão e a colonização do ambiente terrestre pelos vertebrados. Dos rios até o mar, essas águas pobres em oxigênio, mas ricas em nutrientes promoveram a eutrofização das zonas costeiras. Isso promoveu o acúmulo de algas, o que teria provocado uma anoxia nas águas epicontinentais. A diminuição de CO2 atmosférico pode também ter contribuído para uma queda na temperatura do planeta, chegando às glaciações do 7 Reconstrução da paisagem do Início do Devoniano. final do Devoniano. Juntas, essas perturbações podem ter contribuído para que no final do Devoniano ocorresse uma das cinco maiores extinções em massa, focada principalmente em águas continentais dos trópicos (Algeo et al. 1995, 1998, 2001). Com a extinção das Archeopteris, no final do Devoniano, houve uma redução das florestas, que só voltaram a aparecer marcadamente no Carbonífero. Nesse período, as florestas eram diversificadas e marcadas pelo domínio de licófitas arbóreas (e.g. Lepidodendropsis) em áreas pantanosas. As licófitas atingiam até 40 m de altura e eram sustentadas por um espesso córtex. Eram tolerantes a águas pouco oxigenadas e formavam extensos pântanos. Esses alagados eram circundados por florestas mais sazonais dominadas por gimnospermas, especialmente pteridospermales (plantas com sementes semelhantes vegetativamente a samambaias) e cordaitales (possíveis ancestrais das coníferas). Durante o Permiano, as licófitas foram gradativamente cedendo espaço para as gimnospermas, as quais dominaram a flora terrestre até o Jurássico e permitiram o aparecimento de vertebrados herbívoros terrestres (Greb et al. 2006). As traqueófitas possuem tecidos vasculares, denominados floema e xilema, que transportam líquidos e nutrientes. O xilema possui lignina que sustenta a planta ereta. Nelas, é o esporófito a fase dominante no ciclo de vida. Ele é vistoso, possuindo diferenciação de raízes, folhas e caule. Fotossintetizante, o esporófito cresce de maneira independente. O gametófito por sua vez é reduzido, especialmente nos grupos mais derivados. A redução do gametófito é marcante especialmente nas espermatófitas. Em angiospermas, o gametófito fica limitado a poucas células e é nutrido pelo esporófito, atuando como um parasita. Além das extintas Rhyniophytas e das Lycophyta, compostas atualmente por três gêneros, Lycopodium (400 spp.), Selaginella (700) e Isoetes (100), encontram-se entre as plantas vasculares as Euphyllophyta (Pryer et al. 2001). Esse grupo é dividido em moniliformopses e as Lignophyta. As moniliformopses incluem as demais plantas vasculares atuais sem sementes (Psilotales, Ophioglossales, Marattiales, as samambaias verdadeiras e Equisetum). As Psilotales, com dois gêneros, Psilotum (2 spp.) e 8 Evolução da flora do Siluriano e Devoniano (Greb et al. 2006). Tmesipteris (2), são caracterizadas pela ausência de raízes e pela formação de eusporângios em sinângios. Tradicionalmente, eram consideradas relacionadas com as extintas Psilophyton. Estudos recentes, no entanto, têm apontado uma proximidade evolutiva com as Ophioglossales, que incluem três gêneros, destacando-se Botrychium, com 25 spp., e Ophyoglossum, com Exemplo de samambaia verdadeira (Filicales), as Cyathea podem alcaçar vários metros de altura. 30 spp. Diferente do que se esperava e apesar de algumas incongruências com a distribuição de íntrons no gene mitocondrial atp1 (Wikström & Pryer 2005), Equisetum (rabo de cavalo, com 15 spp. atuais; tradicionalmente considerada em seu grupo a parte, Sphenophyta), com esporângios reunidos em estróbilos, tem sido confirmado no clado que inclui as Marattiales (200 spp.) e as plantas leptosporangiadas (ca. 11.000 spp., incluindo ai as samambaias verdadeiras (Pryer et al. 2004). Apesar de possivelmente relacionado evolutivamente com plantas existentes no Paleozóico (e.g. Calamites, extintas no Permiano) e principalmente no Mesozóico (e.g. Equisetittes), o gênero Equisetum tem uma origem recente, no Cenozóico, representando a ponta de uma linhagem bem antiga que teria surgido no Permiano (Des Marais et al. 2003). As conhecidas samambaias são geralmente rizomatosas, com folhas frondosas, nascendo em báculos. Os esporângios ficam na face abaxial ou na margem das folhas, geralmente estão reunidos em soros, protegidos ou não por 9 questionáveis. A antigüidade dessas linhagens, a velocidade de diversificação em determinados grupos e a ausência de muitos representantes extintos tornam a filogenia das plantas terrestres um enigma. Irradiações rápidas e antigas geram problemas analíticos que dificultam a detecção de relações filogenéticas através de dados morfológicos e moleculares e o excesso de homoplasias tem dificultado análises morfológicas e uma interpretação segura da evolução dos caracteres. Folhas, por exemplo, surgiram cerca de seis vezes na evolução das traqueófitas. Uma conclusão possível apenas com a inclusão de táxons extintos na análise mostrando a derivação de seis grupos atuais com folhas a partir de táxons extintos áfilos. Cladograma mostrando a classificação das plantas vasculares e a evolução do meristema apical no grupo (Friedman et al. 2004). um indúzio. A maioria das espécies está incluída em Filicales, com gametófitos exospóricos, bissexuados, mas funcionalmente unissexuados, esporófitos leptosporangiados, homospóricos. Perspectivas As relações de parentesco entre os grandes grupos de plantas terrestres ainda são Leitura: Kenrick, P. & Crane, P.R. 1997. The origin and early evolution of plant on land. Nature 389: 33-39. Algeo, T.J. & Schckler, S.E. 1998. Terrestrialmarine teleconnection in the Devonian: inks between the evolution of land plants, weathering process, and marine anoxic events. Phil. Trans. R. Soc. Lond. B 353: 113-128. Ciclo Geral das Plantas 10 Ciclo Geral das Briófitas Ciclo Geral das Pteridófitas 11