Supercrescimento bacteriano

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE PATOLOGIA
DISCIPLINA DE PATOLOGIA DE PEQUENOS ANIMAIS
(PTG 1010)
Prof. Rafael Fighera
Supercrescimento bacteriano do intestino delgado
As expressões “supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO)”,
“hiperproliferação bacteriana do intestino delgado” ou “proliferação bacteriana do
intestino delgado” expressam uma síndrome clínica de cães e humanos caracterizada
por emagrecimento progressivo, déficit de crescimento, distensão abdominal,
flatulência, aumento dos borborigmos intestinais, sensibilidade à palpação abdominal e
diarreia crônica, fétida e intermitente em decorrência de síndrome de má absorção
causada pelo aumento na população de bactérias no intestino delgado. A doença por
muitos anos não foi demonstrada em gatos, apesar de algumas tentativas recentes,
entretanto, atualmente, acredita-se que também possa afetar essa espécie, mas os dados
a respeito disso são realmente escassos.
Embora a maioria dos livros de medicina interna veterinária de pequenos animais
descreva a síndrome em cães, sua prevalência nessa espécie é controversa, pois
enquanto é veementemente ressaltada como comum por alguns, é não menos
frequentemente desacreditada por outros. De qualquer forma, clínicos de pequenos
animais estão habituados a tratarem com êxito considerável cães que apresentam
diarreia crônica com antibióticos e, portanto, a condição é aceita a ponto de alguns
preferirem as expressões “diarreia responsiva a antibióticos” ou “diarreia idiopática
responsiva a antibióticos” para definir tais quadros clínicos, mas até que ponto ambas as
expressões são intercambiáveis ainda não está claro. Para alguns clínicos o SIBO
deveria ser considerado um sinal de doença intestinal e não realmente um diagnóstico,
pois ocorre frequentemente de forma secundária. Aqueles que são contrários a essa
interpretação alegam que a maior parte dos casos é idiopático e, portanto, essa pode ser
sim uma entidade clínica específica.
Os cães afetados por SIBO são mais frequentemente jovens, entre cinco meses e
dois anos de idade, de raças de grande porte, principalmente Pastor Alemão. Após o
passar dos anos, os cães melhoram e isso tem sido atribuído tanto à diminuição do
aporte calórico como a maturação do sistema imune intestinal. Em relação às bactérias
mais frequentemente incriminadas no SIBO canino, predominam anaeróbios (71%),
principalmente Clostridium spp., Bacteroides spp. e Fusobacterium spp. Bactérias
aeróbias incluem Escherichia coli, Staphylococcus spp. Streptococcus spp.,
Enterococcus spp. e Corynebacterium spp. Uma população mista é também frequente.
Embora a causa do SIBO em cães não seja conhecida, a síndrome foi inicialmente
reconhecida em Pastores alemães com deficiência de IgA e, posteriormente, à
semelhança do que é descrito para humanos, relacionada à hipomotilidade intestinal
(hipomotilidade intestinal primária e hipotireoidismo), acloridria/hipocloridria (gastrite
atrófica e uso de bloqueadores ácidos) e obstrução intestinal parcial (intussuscepção e
tumor intestinal causador de constrição). Em cães, a síndrome foi também relacionada à
insuficiência pancreática crônica e giardíase parece predispor ao SIBO. Em humanos
sabe-se que a síndrome também ocorre como uma complicação de diverticulose,
enteropatia diabética, consumo frequente de álcool, síndrome do intestino curto, doença
de Crohn e colite ulcerativa. Embora o SIBO em gatos não esteja relacionado a
nenhuma doença específica, a avaliação da função intestinal de 10 gatos infectados pelo
vírus da imunodeficiência felina demonstrou a síndrome em pelo menos um caso.
Vários mecanismos pelos quais as bactérias induzem a má absorção são aventados
e incluem desconjugação dos ácidos biliares, hidroxilação de ácidos graxos, queda do
pH luminal e agressão direta ou indireta a borda em escova dos enterócitos, o que
culmina em alterações sutis na atividade enzimática dessa. Algum ou todos esses
mecanismos são responsáveis pela dificuldade em absorver a gordura, o que culmina em
esteatorreia. Além disso, as bactérias em excesso competem por nutrientes e em
humanos, mas aparentemente não em cães, causam anemia megaloblástica.
O diagnóstico do SIBO é realizado principalmente pela exclusão de outras causas
de diarreia crônica e pela confirmação da esteatorreia através da determinação da
gordura fecal. Em humanos, PAAF do conteúdo jejunal é utilizada para realização de
cultura bacteriana. Nesses casos, valores maiores que 105 unidades formadoras de
colônia/ml de quaisquer bactérias são diagnósticos. Em cães, um valor acima de 105
unidades formadoras de colônia/ml de conteúdo duodenal (suco duodenal) obtido por
endoscopia, ou 104 unidades formadoras de colônia/ml em se tratando de bactérias
anaeróbias, é diagnóstico. Esses valores são considerados muito elevados, pois costumase considerar que as porções proximais do intestino delgado de cães em jejum são
relativamente estéreis. No entanto, alguns estudos mais recentes concluíram que a
cultura do suco duodenal é pouco útil, visto que cães normais e cães com SIBO
frequentemente possuem quantidades semelhantes de bactérias e que alguns cães
saudáveis possuem inclusive valores superiores aos doentes (107-109 versus 105).
Assim, embora utilizado por muitos anos como teste padrão ouro para o diagnóstico do
SIBO, atualmente essa forma de diagnóstico parece estar caindo em desuso. Testes que
quantificam hidrogênio e metano através do ar expirado estão disponíveis para humanos
e animais, mas na nossa rotina ainda não são uma realidade, embora nos Estados Unidos
casos tenham sido diagnosticados através dessa técnica desde a década de 1990. Esses
testes baseiam-se na detecção de hidrogênio produzido pela fermentação a partir das
bactérias intestinais. Nos animais afetados, ocorre aumento precoce após a ingestão de
uma dieta a base de xilose ou lactulose. Mais recentemente, a determinação sérica de
ácidos biliares não conjugados parece ser um teste promissor.
Ao exame anatomopatológico, quando ocorrem alterações, em cerca de 35% dos
casos caninos, estas são descritas como mínimas e incluem basicamente infiltrado
inflamatório de linfócitos, porém alguns autores consideram que a síndrome não cursa
com lesão morfologicamente reconhecível à histologia, enquanto outros citam a
possibilidade de atrofia de vilosidades.
Em cães, os diagnósticos diferenciais do SIBO deverão incluir doenças que
cursam com síndrome de má absorção, mas principalmente aquelas que culminam em
esteatorreia, como insuficiência pancreática crônica, decorrente principalmente de
pancreatite crônica ou, muito menos frequentemente, de atrofia pancreática juvenil. Em
gatos, os diagnósticos diferenciais do SIBO deverão incluir insuficiência pancreática
crônica, tuberculose intestinal e enteropatia inflamatória (IBD). Embora pouco comum,
linfangiectasia primária ou secundária deverá também ser incluída no diagnóstico
diferencial para ambas as espécies.
Prof. Rafael Fighera, Méd. Vet., Me., Dr., Membro CBPA
Laboratório de Patologia Veterinária
Departamento de Patologia
Centro de Ciências da Saúde
Universidade Federal de Santa Maria
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