Crise Hipertensiva A hipertensão arterial é um problema médico de grande importância visto que afeta mais de 20% da população mundial e é o principal fator de risco de todas as doenças cárdio cérebro vasculares. Entretanto, em relação à verdadeira incidência das crises hipertensivas, ainda não existem estudos com desenho adequado para uma estimativa adequada. Nos Estados Unidos, acredita-se que as crises hipertensivas afetam aproximadamente 500.000 pessoas por ano. Em vista da população estar mais educada e consciente dos problemas da hipertensão, conhecendo melhor a doença e aderindo mais ao tratamento, houve uma redução significante da incidência das crises hipertensivas nestes últimos anos. Com controlo pressórico mais adequado, menos de 1% dos pacientes hipertensos desenvolvem episódios de crise hipertensiva, ocorrendo mais, este evento adverso, nos indivíduos de raça negra, idosos e naqueles pouco aderentes ao tratamento antihipertensivo. A crise hipertensiva é caracterizada por elevações agudas da pressão arterial, em que se torna necessário a redução destes níveis para se evitar complicações mais sérias em relação às lesões em órgãos alvo, podendo ser dividida didaticamente em emergência hipertensiva e urgência hipertensiva1. Rui Póvoa Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo. Professor da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo. Chefe do setor de Cardiopatia Hipertensiva da Universidade Federal de São Paulo Luiz César Nazário Scala Professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso. Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo Resumo do artigo A crise hipertensiva é caracterizada por elevações agudas da pressão arterial, em que se torna necessário a redução destes níveis para se evitar complicações mais sérias em relação às lesões em órgãos alvo. Apresentamse os conceitos de emergência hipertensiva e urgência hipertensiva, discute-se a sua fisiopatologia, bem como as situações clínicas que lhe estão subjacentes. Analisam-se os principais fármacos utilizadas no tratamento das Emergências Hipertensivas. Urgência Hipertensiva Na urgência hipertensiva há uma elevação súbita da pressão arterial (PA) acompanhada eventualmente de algumas manifestações clínicas como cefaléias, tonturas, mal estar e em geral ligadas à fatores emocionais não tendo relação alguma com os níveis pressóricos, podendo ser tratada com administração de medicamentos orais em 24h1. O paciente hipertenso crônico tem maiores facilidades em suportar níveis pressóricos elevados. Ocorre hipertrofia vascular de quase todos os vasos arteriais do organismo, e em alguns com maior intensidade. Para o lado do cérebro o fluxo cerebral se mantém constante a despeito dos níveis pressóricos elevados devido a esta hipertrofia vascular ser capaz de manter os vasos constritos por um grande período de tempo. Desta forma o hipertenso crónico tolera níveis pressóricos mais elevados sem descompensação de órgãos alvo. Por isso este termo utilizado de urgência hipertensiva, presença constante em todos os livros texto e artigos de literatura deveria ser abolido. A “urgência hipertensiva” nada mais é do que a pressão elevada em estágio 3, pois 20 Revista Factores de Risco, Nº11 OUT-DEZ 2008 Pág. 20-28 vasoativas, completando e continuando o círculo vicioso3. Existe, assim, um substrato anatômico bem definido caracterizado pela lesão vascular. o paciente não apresenta descompensação de órgão alvo. Este tipo de paciente já foi muito estudado no clássico estudo “VA Cooperative Study group” em 19672. Emergência Hipertensiva HA GRAVE Na emergência hipertensiva (EH), além dos níveis pressóricos elevados ocorre descompensação de órgão(s)-alvo, estando o paciente em iminente risco de vida. A chave do sucesso no manuseio do paciente em crise hipertensiva é a rapidez do reconhecimento e início do tratamento. Em algumas situações, não é necessário níveis pressóricos muito elevados para o aparecimento da EH, principalmente em indivíduos previamente normotensos ou hipertensos leves. Exemplo desta situação é glomerulonefrite difusa aguda em crianças, a atresia bilateral da artéria renal e a eclampsia. Mecanismos Desencadeantes Dano Endotelial Deposição Plaquetária e de Fibrina Perda da Autoregulação Liberação de Substâncias Vasoativas (Angiotensina II, Vasopresina Norepinefrina) Vasoconstrição Proliferação Miointimal Avaliação do paciente Necrose Fibrinóide Arteriolar Isquemia de Órgãos-Alvo Figura 1 É importante, também, o entendimento da auto regulação vascular dos diversos órgãos aos níveis tensionais para um manuseio adequado do paciente em crise hipertensiva, pois esta auto regulação é um mecanismo de proteção destes órgãos nas variações dos níveis pressóricos. Quando a PA cai, ocorre vaso dilatação cerebral e se a PA sobe ocorre vasoconstrição, de tal forma que em indivíduos normais o fluxo cerebral se mantém constante durante flutuações de pressão arterial média de 60-70 mm Hg a 150 mm Hg. Quando a pressão arterial média ultrapassa os valores limites da auto regulação o cérebro extrai mais oxigênio para compensar a redução do fluxo cerebral. As manifestações de isquemia cerebral, como a sensação de desmaio, sonolência ou coma, só ocorrem quando os mecanismos de auto regulação falham. Estes mecanismos são provavelmente mediados por receptores na musculatura das arteríolas cerebrais, e a hipóxia tem participação direta nesta auto regulação4. Em indivíduos normais a circulação cerebral pode tolerar rápidas reduções da PA, porém em pacientes hipertensos, idosos e portadores de doenças cérebro vasculares, estes mecanismos regulatórios têm resposta mais lenta às variações da PA. Desta forma é recomendável, no tratamento das crises hipertensivas a redução da PA em torno de 20 a 25% dos valores iniciais em períodos de minutos ou horas, dependendo da natureza da emergência. O paciente deve ser avaliado rapidamente para a seleção apropriada da droga ou das drogas anti-hipertensivas. Em geral não se deve distinguir entre as duas situações, a emergência ou “urgência” com base unicamente nos níveis pressóricos e sim na ameaça a vida do paciente. A duração da hipertensão, história da presente crise, a terapêutica de uso habitual e evidências de lesões em órgãos alvo devem ser avaliadas pela história e exame físico. Deve-se dar atenção especial ao fundo de olho, ao sistema nervoso central, coração, pulmões e abdomen. Nas emergências hipertensivas o tratamento deve ser iniciado antes da obtenção dos exames subsidiários ou do próprio eletrocardiograma. Exames subsidiários básicos, bem como o RX de tórax ou tomografia de crânio, podem ser realizados posteriormente se não existir evidências clínicas de comprometimento cerebral. Fisiopatologia A fisiopatologia das EH tem como base o aumento abrupto da resistência vascular sistémica geralmente relacionada com a liberação sistêmica de vasoconstritores humorais. Com a elevação dos níveis pressóricos ocorre lesão endotelial e necrose fibrinóide das arteríolas. Esta lesão vascular leva à deposição de plaquetas e fibrina, com quebra da auto regulação vascular normal. Desta forma, há isquemia de diversos órgãos com liberação de substâncias 21 Crise hipertensiva. Quadro II Características clínicas das emergências hipertensivas Fluxo Cerebral Normal HA •Pressão Arterial Usualmente > 220/140 mm Hg •Fundo de Olho Hemorragia, exudatos, papiledema •Aspectos neurológicos Enxaqueca, confusão, sonolência, perda visual tonturas, déficits neurológicos focais, coma •Aspectos cardíacos Ictus impulsivo, 3a ou 4a bulha, insuficiência cardíaca 100% 50 100 150 Figura 2 •Sintomas renais Uremia, proteinúria, oligúria •Sintomas gastrointestinais Náuseas, vômitos Aspectos Clínicos As manifestações clínicas das EH dependem do grau de disfunção dos órgãos alvo, sendo incomum com pressão arterial diastólica inferior a 130 mm Hg. É importante ressaltar que os níveis pressóricos absolutos podem não ter importância, mas sim a velocidade como esta elevação ocorreu. Pacientes com hipertensão de longa data podem tolerar pressões sistólicas de 200 mm Hg e diastólicas superiores a 150 mm Hg, entretanto crianças ou gestantes podem desenvolver encefalopatia com pressões diastólicas de 100 mm Hg. O quadro I resume as principais apresentações clínicas das emergências hipertensivas5. Quadro I Exemplos de emergências hipertensivas Sintomas do quadro atual (cefaleia, tonturas, alterações visuais, ansiedade, dor, dispneia, etc) HA pré-existente, duração, severidade, drogas anti-hipertensivas Episódios anteriores Antecedentes e manifestações neurológicas Sintomas de comprometimento renal (alterações urinárias, edema facial, etc) Vasculopatias e manifestações periféricas Medicamentos e uso de drogas ilícitas Suspensão abrupta de medicamentos anti-hipertensivos (clonidina e beta-bloqueadores) Figura 3 Abordagem Clínica nas Emergências Hipertensivas (Orientação de qual órgão-alvo comprometido) 1 Encefalopatia Hipertensiva 2. Dissecção aguda da aorta 3. Edema agudo pulmonar 4. Crise desencadeada pelo feocromocitoma 5. Acidente Vascular Cerebral Acidente Vascular Cerebral isquêmico Hemorragia intracerebral Hemorragia subaracnóidea 6. Eclampsia 7. Interação da monoamino oxidase com alimentos contendo tiramina 8. Hipertensão associada com doença coronária 9. Hipertensão acelerada ou maligna 10. Hipertensão pós-operatória 11. Uso de drogas ilícitas - Cocaina Encefalopatia Hipertensiva É uma EH grave podendo o médico intervir e mudar a história natural do processo que geralmente leva a sequelas. Resulta da hiperperfusão cerebral quando os limites da auto regulação são ultrapassados, ocorrendo edema cerebral, pequenas hemorragias e micro infartos. Se não tratada de imediato pode levar o paciente rapidamente para o coma e a morte. No exame de fundo de olho, em vista da artéria oftálmica ser ramo da artéria carótida interna, evidenciamos a situação cerebral, com a presença de exudatos, hemorragias e edema de papila6. 22 Revista Factores de Risco, Nº11 OUT-DEZ 2008 Pág. 20-28 A quebra da auto regulação do fluxo cerebral está muito mais relacionada com a ativação dos canais de potássio dependentes do cálcio, não sendo simplesmente um fenómeno passivo mecânico. O balanço entre o simpático e parassimpático influencia de sobremaneira na modulação do fluxo cerebral durante a elevação pressórica aguda7. Apresentação clínica: ocorrem sinais de disfunção cerebral difusa ou multi­focal, onde a resolução clínica é rápida e efetiva com o tratamento na maioria dos casos. Geralmente os níveis pressóricos são exageradamente elevados (>250/150 mm Hg), com excepção de pacientes pediátricos, gestantes, onde a encefalopatia pode ocorrer em níveis pressóricos modestos. A encefalopatia pode apresentar uma série de sinais e sintomas (quadro III)8. Quadro III Principais sinais e sintomas da encefalopatia hipertensiva Náuseas e vómitos As principais causas etiológicas da EH são a hipertensão arterial não tratada, doenças renais, doença vascular renal, feocromocitoma e a eclampsia. O diagnóstico diferencial deve ser feito com lesões do sistema nervoso central, acidentes vascular cerebral, uso de drogas ilícitas, vasculites cerebrais, uremia, e de capital importância, os tumores cerebrais. A tomografia computadorizada pode mostrar compressão dos ventrículos laterais, e a res­ so­nância nuclear magnética o edema de cerebelo e/ ou tronco cerebral. Há também tendência do edema se localizar nos lobos occipitais, levando a cegueira cortical. No tratamento da EH a droga de escolha é o nitro­ prussiato de sódio, devendo a dose ser ajustada para que a PA se reduza gradualmente para 140 a 160 mm Hg de sistólica e para 90 a 110 mm Hg de diastólica em período de 2 a 3 horas, e não mais que 25% dos valores estimados de pressão arterial média. Alguns autores recomendam o uso de diazóxido ou labetalol endovenoso, porém em vista da gravidade do caso, acreditamos ser mais seguro o uso do nitroprussiato de sódio em vista da rápida resposta tanto à infusão quanto à suspensão da droga9. Borramento visual Acidente Vascular Cerebral Perda transitória da visão Sonolência Confusão, ansiedade Fundo de Olho. Papiledema Hemorragia retinana Exudatos O exame de fundo de olho é muito importante, e po­ de­mos encontrar constrições localizadas nos vasos reti­ nianos, e edema de papilas. Figura 4 Fundo de olho de Paciente com Emergência Hipertensiva. Observar o edema de papila, e o espasmo arteriolar É bem conhecido que os pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) quando chegam ao hospital, mesmo sem história prévia de hipertensão arterial (HA), quase todos estão com os níveis pressóricos elevados. Diversos factores podem estar relacionados com a elevação da pressão arterial (PA), entre eles o estresse hospitalar, a dor, náuseas e vómitos, a confusão e a ansiedade. O verdadeiro significado desta elevação ainda é desconhecido. Mecanismos e efeitos da elevação da pressão arterial ainda não estão totalmente esclarecidos. Não se sabe se esta pressão elevada é uma resposta de alerta do cérebro a tendência de quebra da barreira hematoencefálica e da formação de edema, ou é uma resposta benéfica para aumentar a perfusão cerebral10. Acidente vascular cerebral isquémico (AVCi): ocorre com grande frequência , e as principais causas etiológicas são a embolia de origem cardíaca, a trombose de placas ateroscleróticas em vasos cerebrais, e a trombose dos micro aneurismas causados pela hipertensão crónica. Existe muita controvérsia na literatura em relação ao que fazer no paciente com AVCi em relação aos níveis pressóricos elevados. Não há evidencias de que a redução dos níveis pressóricos no AVCi agudo seja benéfico mesmo em níveis pressóricos extremamente elevados. Com grande frequência a elevação da PA nesta situação é 23 Crise hipertensiva. frequente e na evolução clínica a pressão arterial costuma se normalizar sem a necessidade de intervenção ativa medicamentosa11. Em um grande estudo (IST Collaborative Group), em mais de 17.000 pacientes, verificou-se que valores pressóricos excessivamente baixos ou elevados se associavam a pior prognóstico. Os valores de pressão arterial sistólica (PAS) entre 150 e 180 mm Hg foram os que estavam associados a um melhor prognóstico12. A recomendação no AVCi é de não ser administrado medicamentos anti-hipertensivos a não ser que haja complicações paralelas tais como doença arterial coronária em atividade, dissecção de aorta ou outras complicações onde a pressão elevada possa colocar em risco a vida do paciente. Valores de pressão acima de 220 mm Hg para a PAS e/ou de 120 mm Hg para a pressão arterial diastólica (PAD) também são indicativos de tratamento ativo. Esta redução deve ser lenta, evitando-se reduções bruscas, porém ainda não há consenso da velocidade de redução nem dos níveis alvo da redução13. Também não existe consenso a respeito de qual medicamento é o mais indicado. Podem ser utilizados medicamentos de uso oral, tais como captopril ou nicardipina, em doses fracionadas. Caso necessário, medicamentos de uso parenteral, tais como o labetalol e o enalaprilato são indicados. Hemorragia cerebral: a hemorragia cerebral pode ser intracerebral (HIC) e subaracnóidea (HSA). A primeira é duas vezes mais comum, e a segunda muito mais propensa a levar ao óbito e a sequelas graves. Na HIC, a idade avançada e a HA são os principais fatores de risco. As alterações fisiopatológicas nas pequenas artérias e arteríolas devido a HA crônica são as principais e mais importantes causas. No quadro IV encontram-se as principais causas de hemorragia intracerebral Quadro IV Principais Causas de Hemorragia Intra Cerebral Hipertensão arterial não controlada Mal formações vasculares Ruptura de aneurismas Alterações na coagulação A apresentação clínica clássica é a apresentação do quadro súbito de um défice neurológico focal que pode progredir rapidamente, em geral acompanhado de dores de cabeça, náuseas e vómitos, alterações do nível de consciência e acompanhado de pressão arterial elevada. Em relação a pressão arterial elevada ainda permanece controverso se a redução da PA na fase aguda é ou não benéfico. O comprometimento da perfusão cerebral de tecidos ainda viáveis com queda da PA, e por outro lado os níveis pressóricos elevados podem interferir na evolução aumentando a área do infarto com probabilidades não desprezíveis. Em níveis pressóricos abaixo de 150 mm Hg para a PAS, houve redução sensível do aumento do hematoma. O quadro V mostra o algoritmo para a redução dos níveis pressóricos no paciente com HIC. Quadro V Manuseio da pressão arterial elevada na hemorragia intracraniana 1. Se PAS > 230 mm Hg ou PAD >140mm Hg, utilizar nitroprussiato de sódio 2. Se PAS está entre 180 e 230mm Hg, PAD entre 105 e 140mm Hg, ou pressão arterial média ≥130mm Hg instituir tratamento medicamentoso intravenoso com labetalol, ou/e esmolol, ou/e enalapril em baixas doses. 3. Se PAS <180mm Hg e PAD <105mm Hg, não utilizar medicamentos anti-hipertensivos. Quadro VI Sugestão de Medicamentos nos acidentes vasculares cerebrais Nitroprussiato de sódio: 0,5-10 μg.kg -1 .min-1 Labetalol: 5-100 mg/h em boulus intermitentes de doses de 10-40 mg, ou infusão continua de 2-8 mg/min Esmolol: 500 μg/kg inicial e manutenção de 50-200 μg. kg -1 .min-1 Hidralazina: 10-20 mg de 4-6 h Enalapril: 0,625-1,2 mg de 6/6 h Agentes trombolíticos Na hemorragia subaracnóidea, ocorre intenso vaso es­ pasmo, e geralmente os níveis pressóricos estão muito elevados, podendo ser simplesmente reflexo da pró­ pria isquemia cerebral. No paciente com bom nível de Transformação hemorrágica do AVC isquêmico Sangramentos em tumores Uso de drogas ilícitas 24 Revista Factores de Risco, Nº11 OUT-DEZ 2008 Pág. 20-28 consciência não se deve reduzir os níveis pressóricos, somente em níveis críticos, ainda não tipificados na literatura os valores. Porém é consenso nas diversas publicações que se durante o tratamento anti-hipertensivo se o paciente apresentar alterações do nível de consciência a medicação anti-hipertensiva deve ser suspensa. Também não existe consenso do melhor medicamento, para esta situação em particular. A nimodipina pode ser utilizada, pois tem grande capacidade de reverter o vaso espasmo, entretanto o nitroprussiato tem indicação na ausência de outros medicamentos tais como o enalaprilato ou o labetalol14. Edema Agudo de Pulmão Na hipertensão arterial, o ventrículo esquerdo pode apresentar disfunção tanto do tipo sistólica, por diminuição da contração, quanto diastólica com comprometimento da distensibilidade, além da possível presença de fatores isquêmicos. Desta forma um aumento da pós-carga pode levar à falência do ventrículo esquerdo resultando em edema pulmonar. A redução imediata desta situação se impõe. Para diminuir o trabalho e assim a falência ventricular esquerda, o agente de escolha é o nitroprussiato de sódio, pois reduz tanto a pós-carga quanto a pré-carga, diminuindo assim a impedância na aorta. Hipertensão Associada com Doença Coronária Muitas vezes as síndromes miocárdicas isquêmicas agudas são acompanhadas de hipertensão arterial. Estes níveis pressóricos aumentados podem levar a consequências mais sérias como o aparecimento e/ou aumento da área de necrose, com piora do prognóstico. A droga de escolha nestas situações é a nitroglicerina associada ou não ao nitroprussiato de sódio ou à beta bloqueadores. A redução da PA é um adjuvante no tratamento desta emergência cujo objetivo primordial é restaurar a adequada circulação coronária. Alguns tipos de vasodilatadores não devem ser utilizados em presença de insuficiência coronária, como a hidralazina, o minoxidil e o diazóxido, pois pode deflagrar reflexos simpáticos, com acentuada taquicardia, aumento do consumo de oxigénio e piora do quadro isquémico. Dissecção Aguda da Aorta A hipertensão arterial é encontrada em 80% dos casos de dissecção aguda da aorta, devendo a terapêutica anti-hipertensiva ser instituída de imediato. Com o objectivo de diminuir a onda de dissecção é importante diminuir a força de contração do coração com o uso de drogas que diminuam a dp/dt (isto é, a variação da pressão exercida pelo coração em relação ao tempo), decrescendo assim a força de pressão que aumentaria a de laminação da aorta. As drogas recomendadas incluem a reserpina, o trimetafam, a guanetidina e os beta-bloqueadores, estes últimos mais utilizados atualmente. O nitroprussiato de sódio deve ser utilizado após o coração estar sob o efeito de algumas destas drogas, diminuindo assim a estimulação adrenérgica inicial. O uso de diazóxido ou hidralazina não é aconselhado por deflagrar reflexos simpáticos que podem levar à piora do quadro de dissecção. A PA deve ser reduzida de imediato em período de 15 a 30 minutos com o objectivo de se manter a sistólica entre 100 e 120mm Hg, com pressão arterial média não superior a 80mm Hg16. Aumento das Catecolaminas Circulantes O feocromocitoma, a interação de drogas com ali­ mentos contendo inibidores da monoamino oxidase, rebote causado pela suspensão da clonidina ou guanabenz, e a ingestão de agentes simpaticominéticos como a cocaína, podem levar a emergências hipertensivas devido a au­ mento importante das catecolaminas circulantes. Nestes casos, a medicação de escolha é a fentolamina intravenosa, que controlará a pressão em alguns minutos, seguida de uma infusão contínua ou da própria fentolamina ou de nitroprussiato de sódio17. Eclampsia Eclampsia é a hipertensão acompanhada de protei­ núria e ou edema, após a vigésima semana de gestação, associada a convulsões não decorrentes de doença neurológica, havendo nesta situação aumento da taxa de mortalidade materno-fetal. Apesar de não haver evidências de que o tratamento da hipertensão arterial crônica possa prevenir o aparecimento da eclampsia, é sempre aconselhável um controlo adequado da pressão durante a gravidez. Havendo maturidade fetal, o trabalho de parto deve ser induzido, e se optando por uso de drogas anti-hipertensivas deve-se ter em mente que, reduzindo a PA, pode haver diminuição do fluxo sanguíneo placentário com possíveis consequências para o feto18. Muitos dos casos ocorrem no 3° trimestre da gravidez ou dentro das primeiras 48h após o parto. As causas da pré-eclampsia e eclampsia são desconhecidas. Exis­tem diversas teorias; genéticas, imunológicas, endo­ crinológicas, nutricionais, e infecciosas, porém uma causa 25 Crise hipertensiva. definitiva ainda não foi identificada. Ocorre também mais frequentemente em pacientes com alterações trombóticas, tais como a presença do fator V de Leiden, deficiência de proteína S e C, e aumentos de anticorpos antifosfolípides19. A formação anormal da placenta é uma teoria sim­ pática. As alterações nas artérias espirais da placenta comprometem o fluxo sanguíneo e esta hipóxia uteropla­ centária liberaria uma série de substâncias que na circulação sistêmica são tóxicas para o endotélio materno 19. Há também a participação de uma reatividade vascular anormal às substâncias pressóricas endógenas. Há um desbalanço entre as substâncias vasodilatadoras e as vasoconstritoras tais como a endotelina e a angiotensina II, além da falência em produzir óxido nítrico. A resistência a insulina, que é a marca registrada da gravidez, com acentuação da hiperinsulinemia, pode aumentar a atividade do sistema nervoso simpático e a vasoconstrição. Outros fatores tais como o aumento da atividade do sistema renina angiotensina aldosterona, alterações imunológicas, fatores genéticos e alterações do metabolismo do cálcio participam deste mecanismo fisiopatológico complexo. Provavelmente a placenta e as membranas fetais têm algum papel, porque o processo é rapidamente resolvido após o parto. A eclampsia e a pré-eclampsia provocam um processo degenerativo rápido em diversos órgãos, tais como SNC, sistema hematológico, hepático, renal e cardiovascular19. Quadro VII Alterações Sistêmicas da Eclampsia Diminuição do volume plasmático Aumento da viscosidade sanguínea Hemoconcentração Coagulopatias Diminuição da filtração glomerular Diminuição do fluxo plasmático renal gemelar, presença de hipertensão crônica, doença renal ou pré-eclâmpsia. Aproximadamente 7% das gestações são complicadas com pré-eclampsia e 0,5-2% progridem para eclampsia20. As complicações maternas incluem lesão permanente do SNC devido ao sangramento, insuficiência renal e óbito. Para o lado fetal podem ocorrer prematuridade, infartos placentários, retardo do crescimento uterino e hipóxia fetal. A apresentação clínica pode vir com diversos sintomas e incluindo convulsões tônico-clônicoas (focais ou gene­ ralizadas) Porém é muito importante o diagnóstico diferencial com tumores, trombose venosa cerebral, intoxicação por drogas, epilepsia, trauma de crânio, acidente vascular cerebral, e alterações metabólicas. No caso da eclampsia o tratamento anti hipertensivo deve ser estabelecido de imediato, entretanto a PAD não deve ficar em níveis inferiores a 90 mm Hg, para evitar a hipoperfusão útero-placentária. Os medicamentos que podem ser utilizados neste cenário tão controverso são diversos, podendo ser utilizado os beta-bloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio e em situações mais adversas o próprio nitroprussiato de sódio a despeito da hipoperfusão placentária que pode desencadear. O controlo pressórico nos quadros graves é obtido com o uso de hidralazina intravenosa com o objetivo de atingir uma pressão diastólica de 90 a 100 mm Hg. O diazóxido pode ser a droga de opção nos quadros em que a hidralazina não consegue controlar a hipertensão e quando não há disponibilidade daquela, entretanto a utilização deste medicamente está praticamente abandonado devido a dificuldade no controlo pressórico. O nitroprussiato de sódio pode ser utilizado nos quadros mais graves, especialmente na vigência de edema agudo de pulmão. Entretanto, deve ser lembrada a toxicidade fetal de seus metabólitos. O labetalol, o verapamil e a nimodipina são outras opções de escolha. Hipertensão Acelerada ou Maligna Necrose periportal Lesão hepatocelular Hematoma subcapsular Edema cerebral Hemorragia cerebral A prevalência da eclampsia é muito maior em mulheres de classe econômica menos favorecida, idades extremas e primigestas. As pacientes com diabetes melito, gravidez 26 A hipertensão acelerada ou maligna ocorre quando a pressão arterial diastólica excede 120 mm Hg com alterações no fundo de olho de grau III ou IV de K-W e lesões em órgãos alvo. A admissão em centro de terapia intensiva se torna imperativa com tratamento imediato com nitroprussiato de sódio. Os agentes alternativos são o diazóxido e o trimetafam, porém devem ser evitados os diuréticos e beta-bloqueadores21. Revista Factores de Risco, Nº11 OUT-DEZ 2008 Pág. 20-28 Hipertensão Pós-operatória Muitas vezes a hipertensão pós-operatória não é considerada uma emergência hipertensiva, porém drogas intravenosas são frequentemente usadas no controlo destes pacientes, pois não é possível o uso da via oral. Alguns tipos de cirurgias envolvendo artérias coronárias, vasos renais e carótidas são muitas vezes seguidos de hipertensão de níveis variados no pós-operatório imediato, com potencial para lesar a integridade das suturas vasculares. O nitroprussiato de sódio e a nicardipine são as drogas de escolha, mesmo em cirurgias que envolveram as artérias coronárias. O quadro VIII resume as drogas preferenciais e alternativas para o tratamento das emergências hipertensivas. Quadro VIII Medicamentos Utilizados nas Diferentes Manifestações Clínicas Associadas as Crises Hipertensivas Drogas Preferenciais Drogas Alternativas Encefalopatia hipertensiva Nitroprussiato de sódio Diazóxido ou Labetalol Hemorragia intracraniana Nitroprussiato de sódio Nimodipina Edema agudo de pulmão Nitroprussiato de sódio Coronariopatia Nitroglicerina + betabloqueadores Nitroprussiato de sódio Dissecção aórtica Nitroprussiato de sódio + betabloquadores Reserpina; Trimetafan; Manifestações Clínicas paciente pode desenvolver depressão do sistema nervoso central, acidose láctea e instabilidade cardiovascular, sendo necessário em alguns a utilização de diálise para eliminar o tiocianato. Nitroglicerina: provoca vasodilatação arteriolar e venosa. Utilizada nas emergências envolvendo as sín­ dro­mes coronárias. Geralmente o ácido acetilsalicílico aumenta as concentrações séricas do nitrato. A hipotensão ortostática severa pode ocorrer com a administração concomitante de bloqueadores de canais de cálcio21. Bloqueadores de Canais de Cálcio: a nicardipine, diferente de outros bloqueadores de canais de cálcio, tem um bom desempenho nas crises hipertensivas, principalmente devido ao uso endovenoso podendo ser titulada com facilidade. Reduz a isquemia tanto cerebral quanto cardíaca, sendo uma droga de escolha na hipertensão pós-operatória. A nifedipina, droga muito utilizada no passado, dever ser totalmente proscrita do tratamento das crises hipertensivas, devido ao grande número de efeitos colaterais graves. A administração oral, apesar de não haver absorção em mucosa bucal, é rapidamente absorvida no estômago, podendo reduzir acentuadamente os níveis pressóricos, levando a isquemia de diversos órgãos principalmente cérebro e coração (figura 5). NIFEDIPINA Liberação Excessiva De Catecolaminas Desvio do Fluxo Devido a Vasodilatação Excessiva Queda Incontrolável da Pressão Arterial Guanetidina Aumento de catecolaminas circulantes Fentolamina Nitroprussiato de sódio Eclâmpsia Alfametildopa ou Hidralazina Antagonista do cálcio; betabloqueadores HA acelerada Nitroprussiato de sódio Diazóxido; Trimetafam Hipertensão pós-operatória Nitroprussiato de sódio ou Nicardipine Principais Drogas Utilizadas no tratamento das Emer­ gências Hipertensivas Nitroprussiato de Sódio: é um potente vasodilatador tanto arterial quanto venoso, diminuindo a pré e pós-carga. A via metabólica final é o aumento do cGMP que relaxa a musculatura lisa. É metabolizado em cianogênio que é convertido em tiocianato, podendo provocar intoxicação em usos muito prolongados, ocorrendo hiperreflexia, piora do quadro neurológico, acidose metabólica. Nestes casos o Cérebro Coração Alterações na Auto regulação Cerebral ↑ da Contratilidade ↑ da FC ↑ do Trabalho Cardíaco ISQUEMIA CEREBRAL AVC AGRAVAMENTO DE PRÉ-ISQUEMIA Figura 5 Efeitos Deletérios da Nifedipina nas Emergências Hipertensivas Bloqueadores Adrenérgicos: o labetalol é um blo­ queador alfa e beta, que utilizado na forma intravenosa produz redução dos níveis pressóricos. Os efeitos se iniciam 5 min após a administração e se perpetuam por 4 a 6 h. A rápida queda da PA resulta em queda da resistência vascular cerebral e pequena queda do débito cardíaco. 27 Crise hipertensiva. Diazóxido: é raramente utilizado, devido em doses elevadas provocar hipotensão severa. Pode causar taqui­ cardia reflexa, hiperglicemia, hiperuricemia e retenção de sódio e água. Age relaxando a musculatura lisa arteriolar. Tem inicio de ação dentro do primeiro minuto de infusão com pico de ação após 10 min, com acção de 3 a 8 h. Clonidina: é uma medicação largamente utilizada nas urgências hipertensivas, pois diminui menos acentua­ damente os níveis pressóricos, sendo de excelente escolha quando a pressão arterial não deva ser reduzida rapidamente. Hidralazina: é um vasodilatador arteriolar directo. Provoca bradicardia reflexa aumentando o consumo de oxigénio pelo miocárdio, Este fármaco deve ficar restrito às grávidas com pré-eclampsia. A maior vantagem é não piorar o fluxo sanguíneo uterino, e em alguns pacientes até o aumenta. Está contra indicado nas pacientes com doença coronária. Seu uso está associado com taquicardia reflexa, retenção de sódio e água, e em alguns casos tem sido observado aumento da pressão intracraniana. Tem sido descritos casos de infarto do miocárdio com seu uso, por isso é formalmente contra indicado nos pacientes com síndrome coronária aguda22. Inibidores da enzima conversora da angiotensina: o captopril sublingual pode ser uma opção efectiva em pacientes com urgência hipertensiva. Os efeitos ocorrem em 5 minutos e persistem por 4 h, sendo que os efeitos colaterais são desprezíveis23. 7. Strandgard S; Paulson, OB- Cerebral autoregulation. STROKE 1984; 15:413-415 8. Finnerty FA Jr. Hypertensive encephalopathy. Am J Med 1972;52(5):672-8 9. Garcia, JY; Vidt,DG- Current management of hypertensive emergencies. Drugs, 1987, 34:263-278 10. Broderick JP, Adams HP, Barsan W, et al. Guidelines for the management of spontaneous intracerebral hemorrhage.Stroke 1999; 30:905-915 11. Ohwaki K, Yano E, Nagashima H, et al. Blood pressure in acute intracerebral hemorrhage. Stroke 2004; 35:1364-1367 12. lalouschek WL, Lang W, Bath PMV, et al. Blood pressure and clinical outcome in acute ischemic stroke. Stroke 2002;33:2548-52 13. Leonardi-Bee J, Bath PMW, Phillips SJ, et al. Blood pressure and clinical outcomes in the international stroke trial. Stroke 2002; 33:1315-1320 14. Lavin P. Management of cerebral infarction or transient ischemic attacks. 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