Volume 2 Número 34 24 de outubro de 2004 GBETH Newsletter de Tumores Hereditários de Estudos o r i e l i s Uma o Bra publicação semanal do Grup Publicação semanal distribuída aos sócios do Grupo Brasileiro de Estudos de Tumores Hereditários Sede R José Getúlio, 579 cjs 42/43 Aclimação São Paulo - SP CEP 01503-001 E-mail [email protected] Editor Erika Maria M Santos Diretoria Presidente Benedito Mauro Rossi Vice-Presidente Gilles Landman Diretor Científico Jose Cláudio C da Rocha Secretário Geral Fábio de Oliveira Ferreira Primeira Secretária Erika Maria M Santos Tesoureiro Wilson T Nakagawa Conselho Científico Beatriz de Camargo Maria Aparecida Nagai Maria Isabel W Achatz Paulo Eduardo Pizão Samuel Aguiar Jr Conselho Fiscal Titulares André Lopes Carvalho Gustavo Cardoso Guimarães Stênio de Cássio Zequi Suplentes Fábio José Hadad Mariana Morais C Tiossi Milena J S F L Santos Alguns “passos” da carcinogênese I Fábio de Oliveira Ferreira Departamento de Cirurgia Pélvica, Hospital do Câncer A.C. Camargo Genericamente, pode-se dizer que o câncer resultada da quebra da integridade funcional do ciclo celular, como conseqüência de alterações moleculares, por ação de estímulos diversos. Essas alterações moleculares conferem a célula habilidades adquiridas, capazes de determinar alterações em seu comportamento. As habilidades adquiridas determinam alterações na fisiologia celular, que em última instância são responsáveis pela biologia do câncer. O QUE DIFERENCIA A CÉLULA NORMAL DA CÉLULA CANCEROSA? Em condições experimentais adequadas, células extraídas de tecidos normais são capazes de crescer e se dividir, constituindo uma cultura de células. Nessa condição, o número de divisões celulares é específico para cada tecido e espécie, ou seja, existe uma pré-determinação genética capaz de controlar o número de gerações celulares, até que as células entrem em um estado de senescência e o crescimento cessa. Esse momento é seguido por um fenômeno denominado crise, no qual praticamente todas as células morrem. As células sobreviventes, no entanto, adquirem a capacidade de se dividir indefinidamente – suas propriedades genéticas foram alteradas no momento em que emergiram da crise e seu “destino” foi modificado. A natureza desse fenômeno e as modificações moleculares que adaptam a célula a crescer em cultura são pouco conhecidas, porém, parecem estar comprometidos com o processo de imortalização. As linhagens celulares que se estabelecem a partir de células imortalizadas passam a se dividir indefinidamente. Apesar de imortalizadas, essas células ainda dependem do meio para crescer e se dividir, Além disso, continuam mantendo algumas características Alguns “passos” da carcinogênese I semelhantes as de células normais em cultura: aderir ao substrato, requerer fatores de crescimento, sofrer inibição por contato e manter um padrão de crescimento organizado em monocamadas. Quando células extraídas de tumores são colocadas em cultura, estas apresentam um padrão de crescimento diferente das células extraídas de tecidos normais. Essa característica lhes confere a condição de células transformadas. Células transformadas são independentes de mecanismos de ancoragem, de fatores de crescimento e de inibição por contato. Ao proliferarem, sofrem mudança na forma, se reúnem em focos e crescem de maneira irrestrita. Células imortalizadas e transformadas têm, portanto, características semelhantes às células cancerosas, no entanto, ainda não podem ser consideradas como tal, pois precisam adquirir a capacidade de invadir e gerar colônias de células filhas à distância, ou seja, adquirirem a propriedade de gerarem metástases. Assim, as células cancerosas diferem das células normais fundamentalmente por serem imortalizadas, transformadas e capazes de gerar metástases. O QUE LEVA À TRANSFORMAÇÃO CELULAR? produto, a proteína poderá não ser constituída ou ter sua função alterada. Se essa proteína é importante para determinado passo do ciclo, o desfecho inicialmente programado pelo código genético será alterado. Nessa situação, a célula pode percorrer três caminhos distintos: corrigir o erro através de mecanismos de reparo do DNA; evoluir para apoptose; ou permitir que uma alteração fundamental se perpetue e seja transmitida para células filhas. Esse último caminho dá origem a uma população de células que contém uma alteração no DNA e que, portanto, pode ter os mecanismos de controle da divisão e da proliferação celular descontrolados. São células capazes de se dividir e proliferar de maneira irrestrita, contribuindo para a transformação do fenótipo celular. Essas características retomam as propriedades de imortalização e transformação da célula com fenótipo neoplásico. Assim, carcinógenos capazes de provocar alterações em genes cujos produtos protéicos têm diferentes funções para manter o equilíbrio do ciclo celular são, teoricamente, potencialmente capazes de levar à transformação celular. COMO ALTERAÇÕES NO CICLO CELULAR INFLUENCIAM A BIOLOGIA DO CÂNCER? Para entender como especificamente um agente carcinógeno, causando uma alteração molecular, interfere na transformação neoplásica, precisamos nos reportar ao ciclo celular. Em cada fase do ciclo (G1, S, G2, M) diferentes conjuntos de genes podem estar “ativados” ou “silenciados”. Vamos considerar que esses genes estão envolvidos no controle do ciclo e da proliferação celular. Se o gene sofrer alguma alteração que tenha repercussão na síntese de seu 2 Os processos de ativação e desativação de sistemas em cada fase do ciclo celular são dependentes de proteínas quinases e fosfatases. Quinases e fosfatases são enzimas que promovem, respectivamente, fosforilação e desfosforilação. De maneira geral, os sistemas fosforilados encontram-se ativados e a desfosforilação promove sua desativação. No sistema de transdução de sinais intracelulares, os complexos ativados são capazes de transmitir GBETH Newsletter 2004; v 2 n 35 Alguns “passos” da carcinogênese I 3 uma mensagem ao núcleo da célula, o que resulta maneira de controlar a atividade de cada fase do na ativação de genes cujos produtos protéicos ciclo é através da degradação de ciclinas. participam da ativação da maquinaria celular, atuando sobre a replicação, mitose e citocinese. Vamos imaginar que o gene relacionado à síntese de ciclinas de fase S sofreu uma alteração As quinases formam complexos com outras por ação de um carcinógenos e se tornou proteínas chamadas ciclinas. As ciclinas são hiperativo. Estaremos frente a uma condição proteínas fase-específicas do ciclo celular. com alta concentração de ciclinas de fase S, o Recebem esse nome porque controlam a que representa um estímulo para a atividade ativação e desativação dos complexos formados dos complexos ciclina-CdK de fase S e, portanto, por ciclinas e quinases dependentes de ciclinas para a replicação de DNA de maneira não (complexos ciclina-CDK) de maneira cíclica controlada. nos diferentes estágios do ciclo. Assim, existem complexos ciclina-CdKs de fase M, ciclinaCdKs de fase S, etc, cada qual responsável pela progressão controlada em cada fase do ciclo. Dessa maneira, os sistemas de fosforilação e desfosforilação dos complexos ciclina-CdK constituem o “relógio do ciclo celular”. Outra Nesse contexto, oncogenes e genes supressores de tumor representam classes de genes onde agentes carcinógenos podem produzir alterações moleculares, com conseqüente desequilibro do ciclo, o que possibilita à célula adquirir habilidades que a conduzirão no caminho do fenótipo neoplásico. Inicia fase M Ciclina de fase S CdK de fase S Ciclina mitótica Inicia fase S CdK mitótica MPF Figura 1 - Complexos ciclina-CdKs de fase S e M. O Complexo ciclina-CdK de fase M é chamdo MPF (Fator Promotor de Mitose). Quando ativado, o MPF engatilha a maquinaria da mitose. GBETH Newsletter 2004; v 2 n 35 Alguns “passos” da carcinogênese I 4 COMO A CÉLULA EQUILIBRA OS “FREIOS” E “ACELERADORES” DO SEU CICLO? A mutação de um gene de proliferação pode levar à superexpressão e/ou hiperatividade de seu produto e resultar em proliferação não controlada. Caso a mutação inative um gene anti-proliferação, a célula pode perder o sistema que freia e checa sua proliferação normal, o que também resulta em perda do controle de proliferação. Alterações genéticas que acarretam a ativação de oncogenes ou levam à perda da função de genes supressores de tumor são, portanto, responsáveis pela proliferação celular não controlada, característica da célula cancerosa. Essas alterações podem ocorrer na linhagem germinativa ou podem ser decorrentes de alterações somáticas adquiridas. GBETH Newsletter 2004; v 2 n 34